Audiências de custódia: um caminho para a humanização do processo penal

Resumo: O presente trabalho exsurge de uma visão crítica acerca resistência de algumas classes das instâncias judiciária e acadêmicas no que tange a implantação das audiências de custódia no âmbito penal. Em tese, estas deveriam ser as primeiras parcelas da sociedade a defender um modelo mais humanizado, como se apresenta em tal proposta. O sistema jurídico de aplicação do direito penal, tendo no processo a sua instrumentalidade, vem sofrido uma grande ascensão de ordem negativa, fruto do grande encarceramento em massa e do crescente estado de policização[1]. Soterram-se os princípios constitucionais que se irradiam na esfera penal: dignidade da pessoa humana, presunção de inocência[2] e da ultima ratio[3] visando satisfazer uma falsa sensação de segurança, para o êxtase da população leiga. Medidas arbitrárias e, muitas das vezes, completamente desnecessárias, mostram-se um terreno fértil para violação de direitos individuais. A situação se agrava diante do fato de que a previsão de tal procedimento humanizador, qual seja, as audiências de garantia, já possuem fundamento em tratados e convenções nos quais o Brasil é signatário – o que demonstra a falta de efetividade e preocupação com a implantação do mencionado instituto. A pesquisa, que inicialmente, traz o cenário brasileiro como palco para as explanações primárias, buscou no âmbito internacional da proteção aos direitos humanos, sua fonte maior de sustentação. Neste diapasão, vislumbrando-se a ascensão do cárcere, bem como a necessidade de ser reformular as políticas públicas no âmbito penal, importante se faz a reflexão acerca de medidas que visam “lançar luzes” no processo penal como um todo (tal conceito não se adstringe ao processo literal, mas, sim, transcende a esfera judicial e alcança até mesmo os procedimentos ostensivos de policiamento), abrindo-se para um debate racional, dentro das instâncias acadêmicas e indo ao encontro dos espaços de aplicação do direito, in loco.

Palavras-chave: Direitos Humanos. Processo Penal. Criminologia. Política Criminal

Abstract: The present work exsurges from a critical view about resistance of some classes of the judicial and academic instances regarding the implantation of custody hearings in the criminal area. In theory, these should be the first parts of society to defend a more humanized model, as presented in such a proposal. The legal system of application of criminal law, having in the process its instrumentality, has undergone a great rise of negative order, fruit of the great incarceration in mass and the increasing state of policization. The constitutional principles that radiate in the criminal sphere are dampened: dignity of the human person, presumption of innocence and the ultima ratio in order to satisfy a false sense of security, to the ecstasy of the lay population. Arbitrary measures, and often completely unnecessary, are fertile grounds for violation of individual rights. The situation is exacerbated by the fact that the prediction of such a humanizing procedure, that is, guarantee hearings, is already based on treaties and conventions in which Brazil is a signatory – which demonstrates the lack of effectiveness and concern with the implementation of the said institute. The research, which initially brings the Brazilian scenario as the stage for primary explanations, sought in the international scope of the protection of human rights, its greatest source of support. In this context, with a view to the rise of the prison, as well as the need to reformulate public policies in the criminal sphere, it is important to reflect on measures aimed at "shedding light" on the criminal process as a whole. ascribes to the literal process, but rather transcends the judicial sphere and reaches even the ostensible procedures of policing), opening itself to a rational debate, within the academic instances and going to meet the spaces of application of law.

Keywords: Human Rights. Criminal proceedings. Criminology. Criminal Policy

Sumário: Instordução. 1. Prisão e o Contexto Brasileiro. 1.1. Um Processo Penal Constitucional. 1.2. Um Passeio Pela Criminologia Crítica. 1.3. A Prisão Como Atriz Principal. 1.4. O “Superpoder” Judiciário.2. Audiências de Custódia. 2.1. Do Direito Internacional ao Direito Interno 2.2. O Processo Penal e o Controle de Convencionalidade. 2.3. Primeiros Passos e a Dinâmica do Rito. 2.4. As vantagens, Características e Regramento Jurídico Interno. 2.4.1. Citação necessária: a implantação das audiências de custódia como recomendação no relatório final da Comissão da Verdade. 3. A quebra de paradigma. 3.1. Caso Ueslei – São Gonçalo/RJ. 3.2. Reações dos Personagens do Jogo. 3.3. O Pioneirismo da Defensoria Pública. 3.4. Regulamentação no Estado do Rio de Janeiro. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

Historicamente, a temática que circunscreve as audiências de custódia, inobstante, a princípio, ser um assunto novo no cenário jurídico brasileiro, já é abordada há certo tempo, após o advento da promulgação da Carta Política de 1988, no âmbito dos tratados internacionais, ora celebrados. Porém, sem a denominação utilizada atualmente. Mais precisamente na Convenção Interamericana de Direitos Humanos, aderida pelo Estado Brasileiro em 1992, tendo sido promulgada e internalizada pelo Dec. 678.

Nesse sentido, a previsão em tratados e convenções internacionais de direitos humanos, nos quais o Brasil tornou-se signatário, pressupõe uma fonte normativa de controle e, principalmente, aplicação das normas domésticas. Diante disso, diversas searas do direito são irradiadas por essas normas, e entre estas, principalmente, encontra-se o processo penal. Não seria equivocado, pois, afirmar, diante do raciocínio que, atualmente, para se alcançar um devido processo legal, este deve ser não apenas legal e constitucional, mas também convencional.

Busca-se com a presente monografia, demonstrar o quão necessário se faz a implantação das audiências de custódia, inobstante as diversas críticas, seja por parte de operadores do direito, seja por membros dos setores políticos, que se reservam a considerar apenas o ônus e não o bônus. Esta resistência coloca a questão carcerária brasileira em cheque, independente da deterioração de direitos e garantias fundamentais do ser humano, o que traduz um processo penal deficiente de real correspondência com os Direitos Humanos, sendo tal rito já é encarado pela doutrina[4] como uma verdadeira “cerimônia fúnebre”.

 Aprioristicamente, tal trabalho poderia se limitar à seara processual e criminológica. No entanto, buscou-se ir aquém de tais pontos científicos, prosseguindo tal pesquisa a uma margem investigativa internacional e humanitária, em razão da previsão originária do instituto em comento.

Faz-se, de início, um breve passeio pelos conceitos da prisão, criminologia crítica e Poder Judiciário, sendo este último traduzido no atual contexto brasileiro em uma constante ascensão. O objetivo é demarcar os pontos fundamentais da realidade brasileira, no âmbito criminal, com o fito de justificar as reais necessidades de mudanças nesse ponto tão sensível do poder estatal. Nesse diapasão as audiências de custódia se encaixam em tal proposta modificativa, pelos fundamentos repartidos em três capítulos, trazendo-se, à baila, do controle de convencionalidade até as divergências entre o implantar e o não implantar.

A real importância de um debate democrático acerca das possibilidades de se efetivar tal medida é de um valor imensurável em termos científicos. Tendo em vista que para se chegar a uma defesa, no que tange a temas polêmicos (como se extrai no presente trabalho), necessário se faz ouvir “os dois lados da história”. Nesta parte, consignou-se, no presente, um capítulo especial para enumerar os pós e contras dentro das relações travadas pelos personagens do jogo (ou operadores do direito, tradicionalmente), seja no âmbito da magistratura, seja no âmbito da Defensoria Pública. O ir além é um dos fundamentos teóricos deste tema, escolhido a partir de uma aula ministrada na Fundação da Escola Superior da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.

Exsurge, a partir disto, o retrato fiel de um judiciário cerceado pelo tradicional formalismo, mas que, por outro lado, vive um momento de ruptura em termos de interpretação e aplicação do direito (além da letra que se lê).

1. PRISÃO, CONTEXTO BRASILEIRO E OS PRIMEIROS PASSOS

A história prisional brasileira encontra-se em seu clímax nos tempos atuais. Nunca se prendeu tanto, nunca se falou tanto em punição. A necessidade de segurança pressupõe a necessidade do encarceramento como garante de uma falsa paz social. A prisão como protagonista, consoante se demonstra em pesquisas recentes[5], fez o Brasil alçar o terceiro lugar no ranking mundial de países com a maior população carcerária do mundo.

A prisão, nos dizeres de Luigi Ferrajoli[6], tem se convertido no sinal mais evidente a crise da jurisdicionalidade, da tendência de administrativização do processo penal e, sobretudo, da sua degeneração num mecanismo diretamente punitivo.

Nessa esteira, a medida de maior restrição que incide diretamente na vida do indivíduo, encontra-se no epicentro de todo o sistema de medidas cautelares existentes em nosso sistema processual, o que torna quase que inócuo o uso destas outras.

A função do direito processual penal, nos dizeres de Aury Lopes Jr.[7]deve ser pensada à luz de uma concepção constitucional, como instrumento a serviço da máxima eficácia dos direitos e garantias da Constituição:

“Não vejo alternativa em meio a uma democracia. Ao mesmo tempo em que o Processo Penal é regido pelo princípio da necessidade, pois não existe pena sem prévio Processo Penal (nulla poena sine iudicio), não pode ele ser desconectado do regime de garantias individuais da Constituição. É o processo penal um limite ao poder punitivo do Estado, um caminho legitimador da pena. Não há incompatibilidade entre garantir e punir. Podemos (e devemos) respeitar as regras do processo e punir ao final, se for o caso.”

Ao se falar de prisão não se pode deixar de citar as lições de Michel Foucault [8]que com maestria e munido de toda a razão admite que: “conhecem-se todos os inconvenientes da prisão, e sabe-se que é perigosa, quando não inútil. E, entretanto não ‘vemos’ o que pôr em seu lugar. Ela é a detestável solução, de que não se pode abrir mão.”.

Nesse sentir, em meio à problemática que transita entre a punição e a sensação de insegurança, a intervenção penal — como última instância procedimental de apuração e concessão de respostas aos que saem dos padrões de segurança social —, deve encontrar a primeira barreira para o intervencionismo desenfreado, seja no âmbito doméstico, seja nas cortes internacionais: o princípio da presunção de inocência[9]. Como pensar uma democracia de garantias e direitos sem tal axioma?

Tal princípio, consubstanciado positivamente em nossa Constituição Federal de 1988[10], no notório rol de direitos e garantias fundamentais, é parte de todo o sistema que norteia as relações, norteando, assim, uma matriz de segurança a qualquer um que venha a ser processado, perante um poder imparcial e munido das proteções necessárias para realizar um julgamento justo e dentro das conformidades constitucionais e convencionais[11].

No entendimento de Larenz[12], os princípios devem fincar o marco em que se desenvolverá essa regulação, possuindo uma função positiva, para determinar os valores que devem entremear o processo de regulação jurídica. Em contraposição, em sua função negativa, os princípios excluem os demais valores opostos e as regras que deles derivem. Os princípios são pensamentos diretores que orientam a regulação jurídica na direção do “justo” e, nesse sentido, formam a representação jurídico-positiva dos princípios do Direito Justo.

Partindo desse ponto, é importante fixar os contornos que circunscrevem os princípios, o que nos remete, diretamente, às lições preciosas de Robert Alexy[13], que magistralmente professa:

“Los principios son mandatos de optimización que están caracterizados por el hecho de que pueden ser cumplidos en diferente grado y que la medida debida de su cumplimiento no sólo depende de las posibilidades jurídicas y reales existentes. El ámbito de las posibilidades jurídicas es determinado por los principios y reglas opuestos. En cambio, las reglas son normas que sólo pueden ser cumplidas ono. Si una regla es válida, entonces de hacerse exactamente lo que ella exige, ni más ni menos. Por lo tanto, las reglas contienen determinaciones en el ámbito de lo fáctica y jurídicamente posible. Esto significa que la diferencia entre regias y principios es cualitativa y no de grado. Toda norma es o bien una regla o un principio.”

Contornadas tais premissas que orientam o raciocínio que aqui se deseja passar, é evidente que estamos diante de mudanças paradigmáticas quando estamos diante dos assuntos criminais, principalmente, na esfera da liberdade. O Brasil caminha em passos lentos para a expansão de um processo penal “do amigo[14]” e não do inimigo.

Por isto, é de suma importância pensar todo o arcabouço pratico e teórico no que concerne às esferas do poder punitivo dentro de um viés constitucional-principiológico. Até aqui, o limite será a Constituição Federal, no entanto, para sustentar o tema que aqui será trabalhado, haverá uma transcendência nas fontes para buscar o fundamento humanitário de toda a exposição.

Nesse sentido, há a necessidade da valoração de todo o sistema que compactua e subscreve a o fortalecimento da Dignidade da Pessoa Humana, tendo como parâmetros normas além daquilo que é elaborado pelo legislador nacional. Esse “passeio normativo” não se baseia apenas na letra da lei, consoante a moderna doutrina defende. Temos aqui o Princípio da Juridicidade[15], que é considerado um dos espeques da moderna doutrina administrativista[16]. Tal axioma se traduz em legítima ampliação de interpretação, do método hermenêutico, indo aquém da letra lei, ou, do princípio da legalidade. Sendo consequência da Juridicidade a visão de que o império da lei deixou de ser o único elemento legitimador. Não cabe aqui um maior aprofundamento, até pelo objeto do trabalho, inobstante a tentação de se falar mais a respeito.

1.1. Um Processo Penal Constitucional

Partindo das lições da sociologia em Émile Durkheim “a violência é um subproduto social decorrente de falhas no processo de socialização das pessoas e da ineficiência das instituições sociais modernas". Nesta linha, o objeto do rito processual penal é a própria violência em seu sentido amplo e estrito, tida como forma de descompasso com a ordem social vigente, ou, em outras palavras, a as condutas padronizadas tendo como parâmetro o homem médio[17].

Essa violência, muitas das vezes, é a justificativa para usurpar as competências estatais, criando-se um direito processual do inimigo, o que não compactua com as diretrizes da mais moderna doutrina e condução evolutiva das sociedades. Aqui não cabe espaço para justificativas vãs. A Constituição será sempre a viga mestra, consoante os ensinamentos de renomados juristas no assunto. Essa evolução de pensamento e de conduta nos eleva ao conceito de Processo Penal Constitucional.

Para se chegar a esta construção Constitucional devem ser considerados limites bem elaborados e, muitas das vezes, fora do senso comum. O fundamento do seu papel nos dias atuais demanda o manuseio de perspectivas contemporâneas para uma (re)discussão do fundamento da existência do próprio processo: À quem este serve?

Igualmente, a leitura que aqui se faz e que fundamenta a existência do processo penal contemporâneo, são as linhas emanadas pela Constituição Federal de 1988. Nos ensinamentos de J. Goldschmidt, em uma de suas mais brilhantes conclusões, in verbis:

Os princípios da política processual de uma nação não são outra coisa do que o segmento de sua política estatal em geral; e o processo penal de uma nação não são outra coisa do que o segmento de sua política estatal em geral; e o processo penal de uma nação não é se não um termômetro dos elementos autoritários ou democráticos de sua Constituição. Neste diapasão, se estivermos diante de uma Constituição democrática, como a nossa, o processo penal que se dará de forma correspondente será o mais democrático possível sendo este um meio, um verdadeiro instrumento para a efetivação garantias constitucionalmente atribuídas ao indivíduo”.[18]

Para se responder a anterior pergunta (a quem está a serviço o processo penal?), é de se pensar, quem são os participantes do jogo processual ali envolvido. Porém, antes de delimitar o aspecto mais subjetivo do presente estudo, e por inegáveis razões de justiça acadêmica, é de se rechear a narrativa com os magistrais ensinamentos do Prof. Juarez Tavares, no qual ensina que a garantia e o exercício da liberdade individual não necessitam de qualquer legitimação, em face de sua evidência. [19]

Na mesma esteira, Geraldo Prado destaca a importância da Constituição na perspectiva de fixar “com clareza as regras do jogo político e de circulação do poder e assinala, indelevelmente, o pacto que é a representação da soberania popular e, portanto, de cada um dos cidadãos[20]”.

Pelo exposto até aqui, é de suma importância a ratificação do papel irradiador da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 na seara Processual Penal. Um Estado que se diz “de Direito”, e possui um dos maiores diplomas constitucionais do Mundo, quando o assunto é o extenso e analítico rol de direitos e garantias, não pode conceber dentro do seu sistema jurídico um distanciamento do seu sistema jurídico dos ditames da Lei Maior. Nesse diapasão, conclui-se que a produção legislativa processual penal, bem como todo arcabouço vigente, anterior à promulgação da Constituição da República, devem observar os preceitos e princípios — que possuem sua força normativa e otimizadora, consoante o defendido anteriormente[21] — emanados do Constituinte Originário. É fundamental para a evolução do que conhecemos como Processo Penal.

1.2. Um Passeio pela Criminologia Crítica

“Existe uma representação simbólica profunda, que acompanha a história da civilização e do controle social, e que subjaz a estruturas e organizações culturais do nosso tempo (como belicismo, capitalismo, patriarcalismo, racismo) e através delas se materializa, potencializando, com seu tecido bélico, específicas bipolaridades: esta representação é o ‘maniqueísmo’, uma visão de mundo e da sociedade dividida entre o bem e o mal […] “[22]

Todas as definições advindas da criminologia crítica, como uma ciência plúrima que incide em diversos fatores dentro do conceito de crime, trazem o aspecto objetivo e subjetivo. A primeira engloba as instituições de controle social e, a egunda, os agentes envolvidos com o fato crime, bem como a sua prevenção: as esferas políticas (parlamentares — estes que possuem o múnus de formular os textos legais, com os devidos comandos criminalizantes), e as agências de criminalização secundária (policiais, promotores, juízes, advogados agentes penitenciários) — as quais traduzem a ação punitiva exercida sobre pessoas concretas, que se desenvolve desde a prevenção ostensiva, indo para a investigação policial e, finalmente, adentrando-se à seara judicial, no decorre do processo como um todo. [23]

Todo esse trajeto é campo fértil para o estudo da criminologia, e aqui, mais precisamente, a criminologia crítica.

Eugenio Raul Zaffaroni, renomado jurista latino-americano, aproxima, em bela exposição, a criminologia ao “saber a arte de despejar discursos perigosistas” e nada mais do que o “curso dos discursos sobre a questão criminal.”.[24]

 Nesta narrativa, falar em Criminologia Crítica é falar nas lições de Alessandro Baratta que traz as diretrizes do objeto que a fundamenta. Em sua obra Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal[25], o Autor traz à lumen a luta por um estudo criminológico independente, fruto da grande influência das ciências sociais no estudo político-jurídico. Aliás, o direito em si, é uma ciência social. Distanciar esses institutos é aumentar as distâncias entre o que diz o Direito e a realidade que o cerca.

Consoante às lições extraídas do citado Autor, a ideia é de uma tarefa fundamental outorgada à criminologia em realizar uma teoria crítica da realidade social do direito, na perspectiva de um modelo integrado de ciência penal. Para ele, o jurista seria um cientista social que domina uma técnica jurídica.

A criminologia crítica, que sustenta que o sistema penal é na verdade quem constrói a criminalidade ao etiquetar a clientela preferida da prisão (pobres, negros, estrangeiros e marginalizados em geral). Esse sistema de controle social acarreta a manutenção das estruturas quando, em verdade, deveria proteger os sujeitos, a dignidade de todos, independente do lado que figura na dinâmica do crime.

Conforme o citado por Juarez Cirino dos Santos, a maior parte da criminologia, especialmente em instituições ligadas à realidade oficial, concentrada em pesquisas sobre reincidência, métodos de prevenção, regimes penitenciários segue o esquema liberal e não o criminológico crítico[26] no enfoque do sistema penal. Todas estas teorias da criminologia liberal e da dogmática penal que traduzem as funções declaradas da pena — para conter a criminalidade de sujeitos perigosos — se opõem então ao enfoque da criminologia crítica que vê a pena como parte essencial do sistema capitalista e não apenas como uma busca pela segurança da sociedade, mas sim como uma verdadeira construção social da criminalidade.

Para Baratta (ao comentar as funções da pena, segundo Foucault), o sistema punitivo tem uma função direta e indireta. A função indireta é a de golpear uma ilegalidade visível para encobrir uma oculta; a função direta é a de alimentar uma zona de marginalizados criminais, inseridos em um verdadeiro e próprio mecanismo econômico (‘indústria’ do crime) e político (utilização de criminosos com fins subversivos e repressivos).[27]

A ressignificação do poder punitivo é o principal objeto da criminologia crítica, que foge do convencionalismo “Lombrosiano” no que se refere ao estudo do crime e de suas causas. Tal ciência traz a aproximação dos fatores incidentes na realidade social e que, fortemente, incidem nas causas e nas consequências do fato social conhecido como crime. Nos ensinamentos de Vera Malaguti Batista:

“”Como recebemos e digerimos as teorias do centro hegemônico. É esse o dilema da reconstrução das criminologias críticas, suas traduções traidoras, seus objetos transplantados, suas metodologias reinventadas. De que maneira a criminiologia faz parte da grande incorporação colonial do processo civilizatório? Quantas rupturas criminológicas serão necessárias para reconstruir nosso objetivo, nossa metodologia, a nosso favor?[28]

Ao se analisar a passagem do sistema inquisitorial para o acusatorio, constata-se a importância, dentro desta “evolução, da definição dos papeis exercidos por cada “parte” no jogo processual penal:

“É Foucault quem aponta a crítica das Luzes ao modelo inquisitorial através dos conceitos de oficialidade, imparcialidade, presteza e publicidade. O utilitarismo vai propor utilidade e eficiência. As codificações deverão ser limitadoras e fundamentadoras, o castigo vai ser racionalizado e o objetivo não é vingar, nem punir menos, mas punir melhor.” [29]

A crítica das luzes traz a referência ao pensamento iluminista, que, há época, já concebia rejeição pela prática da tortura, tendo as provas para a conclusão da verdade, ganhado a sua força. A mera suspeita perde força, diferentemente do que ocorria no sistema antigo[30] (idade média), em que se bastava um achismo para desencadear uma condenação.

Nessa progressão temporal, conclui-se que viver em coletividade social, é nunca ser inteiramente livre, e para garantir o cumprimento dos direitos o Estado Moderno tomou para si o monopólio da aplicação da justiça nos casos de conflito e de perturbação do meio social humano.[31] A grande questão é: O Estado é capaz de desenvolver tal dinâmica dentro dos ditames garantistas nos quais pactua em seu ordenamento jurídico? As instituições têm real legitimidade de acordo com a valoração da pessoa humana? A dicotomia que circunscreve o crime, entre o bem e o mal, com uma comum interpretação maniqueísta do estado das coisas, faz surgir a criminologia crítica, como ciência social de resistência.

A esta dita resistência que circunscreve a teoria criminológica é um verdadeiro convite à mudança de pensamento. Aos que pensam ser uma ciência equidistante e disposta apenas a analisar o crime em si, a criminologia crítica se faz presente em toda a forma de estudo das instituições jurídicas e legais que fazem parte da seara criminal, trazendo um pouco de realidade às falidas instituições do Estado Policial não cumpridor de seus deveres com a dignidade da pessoa humana.

1.3. A prisão como atriz principal

Em meio ao Estado Democrático de Direito, incluindo neste, o papel do legislador no sentido de produção de leis que visem ratificar e efetivar o que se entende por ultima ratio da imposição constritiva de prisão vislumbra-se um verdadeiro “império das grades”.

O Estado Brasileiro admite duas formas de prisão –em âmbito penal- a saber: i) a prisão penal, também chamada de carcer ad poenam e ii) a prisão cautelar, também chamada de carcer ad custodiam. O destaque do presente trabalho, devido a temática das audiências de custódia, é a prisão em flagrante (objeto e razão de tal proposta).

A prisão pode ser entendida como a privação da liberdade de locomoção, com o recolhimento da pessoa humana ao cárcere em virtude de flagrante delito ou ordem fundamentada do juiz competente[32]. Em outras palavras, consoante às lições de Greco Filho:

“Prisão pena é a que resulta da condenação transitada em julgado, conforme previsão do Código Penal. Prisão processual é a que resulta do flagrante ou de determinação judicial […] com os pressupostos de medida cautelar”.[33]

No que tange a prisão cautelar, que é uma das opções à disposição do juiz após o flagrante, a doutrina processual penal muito se digladiou a respeito dos pressupostos para decretação dessa espécie constritiva. Com o advento da Lei n° 12.403/2011 o legislador trouxe requisitos mais objetivos para a privação de liberdade do indiciado/acusado durante a persecução penal.

A reforma também criou uma série de medidas cautelares diversas da prisão, isto é, afastaram-se as únicas duas possibilidades abertas para o juiz diante de uma prisão em flagrante; antes do citado diploma legal, a atuação do magistrado era traduzida no binômio liberdade provisória/prisão preventiva.

Após a mudança, o artigo 319 do Código de Processo Penal passou a elencar uma série de medidas cautelares as quais, muitas das vezes, são suficientes para proteger a eficácia do processo ou evitar o cometimento de novos delitos.

Desta forma, hodiernamente, além da presença dos clássicos fumus comissi delicti e periculum in libertatis, para decretação da prisão preventiva, deve-se observar seu caráter de ultima ratio, isto é, a prisão cautelar só deve ser decretada quando revelada a ineficácia ou insuficiência das medidas cautelares diversas. Para uma conclusão tão delicada destas, mister se faz ter o máximo de dados possíveis.

Nesse prosseguimento, o fumus comissi delicti entende-se a plausibilidade do direito de punir, evidenciado pela prova da existência do crime – materialidade – e indícios suficientes de autoria. O periculum in libertatis, no caso da prisão preventiva, está evidenciado no art. 312 do CPP, nos casos de garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica, conveniência – leia-se necessidade- da instrução criminal e asseguração da aplicação da lei penal.

Historicamente, não é característica do século XXI o uso, por parte do Estado, de instrumentos punitivos como forma de mostrar à sociedade que algo está sendo feito no combate à criminalidade. Essa prática remonta à idade média e fora amplamente utilizada em épocas como a Santa Inquisição.

Com efeito, o Estado valia-se, inclusive, da tortura para obter confissões dos acusados. Entretanto, esta prática fora incisivamente combatida pelos iluministas a partir do século XVIII. Na Vanguarda daqueles tempos, Césare Beccaria defendia uma humanização das penas, consoante se depreende do seu estudo:

“É monstruoso e absurdo exigir que um homem acuse-se a si mesmo, e procurar fazer nascer a verdade por meio dos tormentos, como se essa verdade estivesse nos músculos e nas fibras do infeliz!”[34]

É evidente que os instrumentos modificaram-se ao passo que na antiguidade torturavam, queimavam ou enforcavam pessoas em praças públicas, atualmente prende-se, valendo-se dos meios modernos para a competente divulgação do “excelente” trabalho estatal.

No seio do Estado brasileiro, ao contrário do que é comumente divulgado em meio aos grandes veículos de comunicação, bem como nas redes sociais — que podem ser consideradas, atualmente, o principal meio de propagação instantânea de informações, inclusive as inverídicas — há um imenso percentual de processos em trâmite na justiça criminal, bem como, rotineiramente, há uma crescente estimativa das prisões realizadas, seja na fase processual, seja na fase executiva.

Em verdade, consoante o já destacado, não há discurso punitivo, que adentre nesse sentido que se mantenha estabilizado diante dos reais números que — parcialmente — tentam descrever o quanto “prendemos muito”. Aos que preferem se basear em montagens e sensacionalismos, os dados estão em razão do princípio da publicidade ­— um dos pilares de um Estado Democrático de Direito —, à disposição de todos.

No decorrer da lapidação do ensino jurídico, onde se é fundamental quebrar paradigmas, muitas das vezes, torna-se árdua a tarefa de desconstruir [35]as obviedades. Conforme se defende nesta narrativa, olhar para a prisão como um último recurso, principalmente, quando estamos diante de um cenário permeado por medidas cautelares diversas da prisão, requer um exercício de racionalidade e reflexão.

Da situação de flagrância ao desmembramento do caso, em sede judicial, há uma verdadeira via crucis, tanto para o acusado, quanto para todos os sujeitos envolvidos por laços afetivos a este quanto à vítima do fato. É importante alimentar uma visão crítica, principalmente, por parte do operador do direito, seja os em fase de graduação, seja os que já militam nas diversas esferas profissionais da seara jurídica ­— principalmente na seara criminal. Somente a quebra de paradigma pode desencadear uma nova forma de enxergar a prisão ­— e aqui, não como uma suprema solução dada a qualquer sorte, mas, sim, como uma medida adequada e tendo como premissas o caso, a gravidade e a real necessidade.

1.4. O “superpoder” judiciário

“Fazer justiça a essa necessidade significa reconhecer que, em uma oposição filosófica clássica, nós não estamos lidando com uma coexistência pacífica de uma face a face, mas com uma hierarquia violenta. Um dos dois termos comanda (axiologicamente, logicamente etc.), ocupa o lugar mais alto. Desconstruir a oposição significa, primeiramente, em um momento dado, inverter a hierarquia.”[36]

Em uma leitura sistêmica, é comum ouvir referências ao poder judiciário como uma verdadeira mãe disposta a dar aos seus filhos tudo o que for pedido, tudo o que for possível.

O protagonismo do Judiciário ­— e aqui não cabe apenas pensar na esfera criminal ­— é motivado pela grande crise que assola os Poderes Executivo e Legislativo, no que concerne às suas representações. A falência e o descrédito acabam por transferir toda a carga valorativa, toda a esperança em um futuro um pouco melhor, para os “homens de toga”.

Com efeito, esse clamor público acaba por desenhar, dentro dos simbolismos já existentes na “cultura judiciária”, verdadeiros personagens, consubstanciados em legítimos justiceiros que, sob a alegações prematuras, ainda que prima facie ­sejam justas, não estão lastreadas por um mínimo conteúdo probatório.

O popular vê no judiciário a figura do corretor social, de verdadeiro pai, já que é órfã do legislativo e executivo. O somatório desse cenário não tem alicerce para se tornar algo positivo, justamente pela falta de equilíbrio em que se enxerga um poder. Como em tudo na vida demanda certo equilíbrio, com questões políticas, judiciárias e legislativas, não poderia ser diferente.

Neste diapasão, quando o assunto é Direito Penal, pouco importa à sociedade se a decisão está de acordo com o direito positivo, se o juiz observou os ditames da Constituição e da legislação infraconstitucional; se a sentença ou acórdão não atender ao que se espera do Poder-Pai- que é fazer o que é certo do ponto de vista cultural, ético, dos bons costumes e (por que não?) religioso – a decisão é errada e, portanto, injusta.

Espera-se do judiciário um castigo exemplar àqueles que violam o que é tido como certo; entretanto, filosoficamente, e sem sair do enredo… O que seria o certo? Aqui não nos cabe aprofundar em tais considerações, inobstante serem tentadoras.

 O cidadão comum — e aqui não cabe qualquer tipo de leitura pejorativa nessa adjetivação — espera do judiciário sempre o melhor (o que per si já se pressupõe um aspecto subjetivo, o que vai ao encontro da psicologia), e não no que está amparado nas provas colidas, dentro dos limites constitucionalmente delimitados. Essa submissão, ainda que indireta, das esferas “da justiça” ao clamor geral, tem levado ao judiciário verdadeiras crises de divergências. Entre o que é certo, dentro dos limites legais e sustentado pelas provas e o que a maioria espera.

Igualmente, o desprestígio evidente dos outros poderes da República, consoante o já destacado, realizou uma grande canalização de energia e, sobretudo, de esperança às “instâncias togadas pertencentes à Deusa da Justiça”. Porém, é importante transmitir a mensagem de que, assim como o Executivo e Legislativo, dentro de suas atribuições próprias e impróprias, não se pode esquecer que, dentro dos parâmetros constitucionais e, também, convencionais, não se pode trabalhar com emoções dentro de delicadas situações, principalmente, quando o assunto é presunção de inocência, liberdade e direito.

A sociedade brasileira deve saber como funciona o sistema penal para, assim, discuti-lo e, se achar necessário, modifica-lo, através de representações legitimamente eleitas. Ou, para os mais ousados, adotar a alternativa de filiar-se a um partido e “tentar a sorte” na “grande festa da democracia” — leia-se eleições.

Para corroborar e não ousando escapar do que se sustenta até aqui, é de se destacar que os juízes devem aplicar a lei, os princípios, e não receitas de bolo indiscriminadas com base no tal “livre convencimento de tudo”. Por essa razão os magistrados devem entender o motivo pelo qual gozam de tantas garantias constitucionalmente estabelecidas; justamente para se blindarem de fatores externos. Aliás, tal sugestão se direciona à todos os sujeitos que trabalham com vidas, quando o assunto é Direito. Isto é uma responsabilidade de todos, até dos estudantes.

Para ilustrar e já adjetivando como uma forma corajosa de manifestação pública, após diversos percalços fruto de uma influência popular massiva no seio dos tribunais, no deslinde de processos criminais, em entrevista concedida ao jornal O Globo[37], o Ministro Luís Roberto Barroso, baluarte da doutrina constitucional brasileira, asseverou, em brilhante síntese e indo ao encontro do que se defende na presente exposição, que:

É justamente quando esses sentimentos afloram na sociedade que você precisa de um juiz corajoso para fazer o que é certo […] sirvo à justiça e não à opinião pública. Um juiz digno desse nome não joga para a plateia.

2. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

2.1 Do direito internacional ao direito interno

Preambularmente, ao contrário do que se poderia imaginar, a previsão das audiências de custódia tem amparo normativo há mais tempo do que se poderia imaginar. Após o advento da Constituição cidadã, o Brasil aderiu à Convenção Americana em 1992, tendo-a promulgado, aqui, pelo Dec. 678, em 6 de novembro daquele ano. Igualmente, nosso país também aderiu aos termos do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) naquele mesmo ano, tendo promulgado pelo Dec. 592. Ambos os diplomas internalizados, possuem traços em comum:[38]
Dispõe o art. 7.5 da Convenção Americana de Direitos Humanos (também denominada de Pacto de São José da Costa Rica), que:

“Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais”.

No mesmo sentido, assegura o art. 9.3 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, que:

“Qualquer pessoa presa ou encerrada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais”.

Nessa narrativa, mister se faz compreender a eficácia desses diplomas no direito doméstico brasileiro, no que tange a aplicação de tais disposições convencionais. Aqui, adota-se a doutrina do apoio à supremacia do produto normativo constante daqueles tratados internacionais de direitos humanos, consoante o disposto no parágrafo 2.º do art. 5.º, da Constituição Federal de 1988, que assim dispõe:


“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Indo de encontro ao que se propaga, de forma majoritária, no Pretório Excelso[39], no sentido de que tais normas integrariam a o núcleo supralegal e partindo do entendimento de que os direitos expostos nos diplomas internacionais foram incorporados, de forma que possuem hierarquia constitucional, corrobora-se com o entendimento da Prof.ª Flávia Piovesan que, assim, sustenta:

“Quando a Carta de 1988 no citado art. 5.º, § 2.º, está ela a incluir, no catálogo dos direitos constitucionalmente protegidos, os direitos enunciados nos tratados internacionais em que o Brasil seja parte.”

E conclui a ilustre Procuradora do Estado de São Paulo:

“Este processo de inclusão implica na incorporação pelo texto constitucional destes direitos.”[40]

Assim, ao incorporar em seu texto esses direitos internacionais, está a Constituição atribuindo-lhes uma natureza especial e diferenciada, qual seja, "a natureza de norma constitucional", os quais passam a integrar, portanto, o elenco dos direitos constitucionalmente protegidos, interpretação esta consoante com o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais. De forma que não há falar-se que os direitos e garantias inscritos nos tratados internacionais de que a República Federativa do Brasil seja parte têm caráter de norma infraconstitucional. (22) A própria função do Estado de proteger e promover a dignidade da pessoa humana já indica esta tal impossibilidade[41].

Diante desse cenário, indaga-se: passados, então, mais de vinte anos da incorporação ao ordenamento jurídico interno dos citados diplomas internacionais de direitos humanos, por que a relutância em cumpri-los?

2.2 O Processo penal e o controle de convencionalidade

 Primeiramente, cabe salientar a significação de convencionalidade, em sede de parâmetro de controle. Nas preciosas lições de Alice Bianchini e Valério de Oliveira Mazzuoli:

“Para os cultores do Direito clássico, a validade de uma lei (e sua consequente eficácia) depende do exame de sua compatibilidade exclusivamente com a Constituição do Estado. Hodiernamente, verificar a adequação das leis com a Constituição (controle de constitucionalidade) é apenas o primeiro passo a fim de se garantir validade à produção do Direito doméstico. Além de compatíveis com a Constituição, as normas internas devem estar em conformidade com os tratados internacionais ratificados pelo governo e em vigor no país, condição a que se dá o nome de controle de convencionalidade.”[42]

Percebe-se, dentro desse diálogo de fontes, que entre o direito internacional e o direito interno — mais precisamente o direito processual penal — não há um esgotamento sob o aspecto constitucional. Há, em verdade, uma transcendência que sustenta, por força do sistema adotado, no que se refere aos direitos humanos, transformando os tratados e convenções em fontes de sintonia na aplicação e elaboração de normas internas. Podemos fazer uma analogia com uma barreira de contenção, sempre dentro dos parâmetros de soberania inerentes ao Estado Brasileiro.

 Neste diapasão, e indo ao encontro do que se sustenta no presente trabalho, não seria exagero falar, atualmente, que para se alcançar um devido processo, esse deve ser, não apenas legal e constitucional, mas também convencional. Nesse sentido, Nereu Giacomolli tem absoluta razão quando afirma que:

Uma leitura convencional e constitucional do processo penal, a partir da constitucionalização dos direitos humanos, é um dos pilares a sustentar o processo penal humanitário. A partir daí, faz-se mister uma nova metodologia hermenêutica (também analítica e linguística), valorativa, comprometida de forma ético-política, dos sujeitos do processo e voltada ao plano internacional de proteção dos direitos humanos. Por isso, há que se falar em processo penal constitucional, convencional e humanitário, ou seja, o do devido processo.”[43]

 Parece-nos possível identificar, na superação deste enclausuramento normativo que somente tem olhar para o ordenamento jurídico interno, o surgimento, talvez, de uma nova política-criminal, orientada a reduzir os danos provocados pelo poder punitivo a partir do diálogo (inclusivo) dos direitos humanos. É imprescindível que exista uma mudança cultural, não só para que a Constituição efetivamente constitua-a-ação, mas também para que se ordinarize o controle judicial de convencionalidade.[44]

 Indo ao encontro do que até o momento se defende na presente exposição, o controle de convencionalidade já se apresentou em nosso judiciário, mais precisamente, em nosso órgão de cúpula, pela via difusa: (Usando como exemplo o julgamento dos HC 87.585-TO e RE 466.343-SP), Inobstante ter sido voto vencido, o Min. Celso de Mello lhes conferiu valor constitucional a estes diplomas que versam sobre direitos humanos, ora internalizados, após ratificação. Porém, por cinco votos a quatro, foi vencedora (por ora) a primeira tese liderada pelo Min. Gilmar Mendes em uma das decisões mais históricas de toda sua jurisprudência. Conferindo hierarquia supralegal.

Em verdade, ambas as teses podem ser usadas como sustentáculo ao argumento da máxima efetividade, independente de posição constitucional ou supralegal. A CADH é sim um paradigma a ser observado e levado em consideração. Quando se adentra na seara da dignidade da pessoa humana, a aplicação de tratados e convenções deve se dar com a máxima efetividade.

2.3 Primeiros passos e a dinâmica do rito

Consoante o veiculado no site do Supremo Tribunal Federal, o Projeto Audiência de Custódia consiste na criação de uma estrutura multidisciplinar nos Tribunais de Justiça que receberá presos em flagrante para uma primeira análise sobre o cabimento e a necessidade de manutenção dessa prisão ou a imposição de medidas alternativas ao cárcere.[45]

Em 15 de janeiro de 2015, houve a aprovação deste pelo Senhor Ministro Presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça, Ricardo Lewandowski. Ainda em 09 de abril de 2015 o Ministro Lewandowski assina acordo para incentivar aplicação de medidas alternativas cautelares, concluindo, dentro desde pacto que, as audiências de custódia podem reduzir o número de detentos encarcerados, o que, no seu entender, contribui para resolver o problema do sistema penitenciário brasileiro, que é deficiente, anacrônico, gerador de violência e de violação de direitos humanos, segundo afirmou o ministro. Algumas unidades prisionais podem ser comparadas a "masmorras medievais, verdadeiras escolas do crime", concluiu o ministro da Justiça.[46]
Tal proposta visa efetivamente garantir que, em até 24 horas, o preso seja apresentado e entrevistado pelo Magistrado, em uma audiência em que serão ouvidas também as manifestações do Ministério Público, da Defensoria Pública ou do advogado do preso.

Durante a audiência, será analisada a prisão sob o aspecto da legalidade, da necessidade e adequação da continuidade da prisão ou da eventual concessão de liberdade, com ou sem a imposição de outras medidas cautelares, além de eventuais ocorrências de tortura ou de maus-tratos, entre outras irregularidades, o que, de pronto, já nos remete ao viés eminentemente transparente e garantista do procedimento a ser implantado.

Importante se faz estabelecer uma interação preso x Estado-Juiz, no sentido de fornecer aos participantes do rito de custódia dados sobre possíveis arbitrariedades. Infelizmente, temos que trabalhar com uma realidade em que nem sempre o desenvolver dos trabalhos pelas agências policiais, no que tange as esferas da flagrância é realizado com probidade e respeito aos direitos e garantias fundamentais.

2.2. As vantagens, características e regramento jurídico interno.

A questão da demora na apresentação do preso perante a autoridade judiciária traduz um dos maiores desafios no que se refere à efetivação de direitos e garantias constitucionalmente assegurados. Nesse ínterim, o novel procedimento (que aqui está, também, sendo denominado de “audiência de garantia”), traz um novo elo de ligação entre os atores participantes do jogo processual penal: juízes, promotores, defensores ou advogados.

A legalidade e a eficiência serão ratificadas como verdadeiros standards de conduta a serem observados por tais figuras. Pode-se pensar que além de uma mudança jurídica, trata-se de um legítimo marco cultural, em decorrência do modo diferenciado em que deverá ser visualizado os ritos preparatórios no âmbito processual penal.

Consoante o trabalho realizado por Aury Lopes e Caio Paiva, in verbis:

“A mudança cultural é necessária para atender às exigências dos arts. 7.5 e 8.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos, mas também para atender, por via reflexa, a garantia do direito de ser julgado em um prazo razoável (art. 5.º, LXXVIII da CF), a garantia da defesa pessoal e técnica (art. 5.º, LV da CF) e também do próprio contraditório recentemente inserido no âmbito das medidas cautelares pessoais pelo art. 282, § 3.º, do CPP. Em relação a essa última garantia – contraditório – é de extrema utilidade no momento em que o juiz, tendo contato direto com o detido, poderá decidir qual a medida cautelar diversa mais adequada (art. 319) para atender a necessidade processual.”[47]

 Quando se falar em vantagens, podemos citar, além do já exposto em relação a própria consonância com os textos internacionais, corroborando, nesse sentido, com toda a sistemática constitucional, que o encontro entre juiz e preso causa uma quebra do paradigma da “fronteira de papel”, trazendo uma aproximação maior entre tais sujeitos.

 Além disso, e partindo para um viés no que tange reducionismo carcerário, a implantação das audiências de custódia é um grande marco na valoração de outras medidas cautelares diversas da prisão (conforme o que consta no art. 319 do código de ritos penais[48]). O que varia de acordo com o caso concreto, dentro do que o juiz de garantia vislumbra, dentro de uma confrontação dos depoimentos do acusado e de outros sujeitos envolvidos.

 Partindo para o viés do regramento interno, mais precisamente, com a questão do PL 554/2011, inobstante os argumentos esposados na defesa e uma aplicação direta dos tratados e convenções internacionais, é de se destacar a importância normativa para a promoção do novo modelo de apresentação do preso em juízo. Nesse sentido, o projeto de autoria do Senador Antonio Carlos Valadares, altera o § 1º do art. 306 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), para determinar o prazo de vinte e quatro horas para a apresentação do preso à autoridade judicial, após efetivada sua prisão em flagrante.

“Art. 306. (…)

§ 1.º No prazo máximo de vinte e quatro horas depois da prisão, o preso deverá ser conduzido à presença do juiz competente, ocasião em que deverá ser apresentado o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública”.

No entanto, sofreu a incidência de emendas quando foi apreciado pela Comissão de Direitos Humanos e Participação Legislativa (CDH), advindas do Senador João Capiberibe, a qual, devidamente aprovada – por unanimidade – naquela Comissão, alterou o projeto originário, conferindo-lhe a seguinte redação:

“Art. 306. […]

§ 1.º No prazo máximo de vinte e quatro horas após a prisão em flagrante, o preso será conduzido à presença do juiz para ser ouvido, com vistas às medidas previstas no art. 310 e para que se verifique se estão sendo respeitados os seus direitos fundamentais, devendo a autoridade judicial tomar as medidas cabíveis para preservá-los e para apurar eventual violação.

§ 2.º A oitiva a que se refere o § 1.º não poderá ser utilizada como meio de prova contra o depoente e versará, exclusivamente, sobre a legalidade e necessidade da prisão; a prevenção da ocorrência de tortura ou de maus-tratos; e os direitos assegurados ao preso e ao acusado.

§ 3.º A apresentação do preso em juízo deverá ser acompanhada do auto de prisão em flagrante e da nota de culpa que lhe foi entregue, mediante recibo, assinada pela autoridade policial, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os nomes das testemunhas.

§ 4.º A oitiva do preso em juízo sempre se dará na presença de seu advogado, ou, se não o tiver ou não o indicar, na de Defensor Público, e na do membro do Ministério Público, que poderão inquirir o preso sobre os temas previstos no § 2.º, bem como se manifestar previamente à decisão judicial de que trata o art. 310 deste Código”.

É de se notar que a partir do projeto originalmente apresentado, até a elaboração das emendas, houve uma verdadeira regulamentação do instituto, fechando os conceitos muitas das vezes passíveis de interpretações equivocadas. Podemos citar os delineamentos que vão desde a autoridade responsável pela cerimônia judicial (Juiz), até no que tange o prazo em que tal medida deve ser viabilizada (em até vinte e quatro horas da prisão), além de cercar a realização da audiência de custódia das garantias do contraditório e da ampla defesa quando prevê a imprescindibilidade da defesa técnica no ato.

 Posteriormente, o PLS 554/2011 passou e foi aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) em 26.11.2013, chegando, depois, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), onde foi distribuído para o Senador Humberto Costa (relator) e recebeu, em 25.06.2014, uma emenda substitutiva de autoria do Senador Francisco Dornelles, que se limita basicamente a alterar a versão original do PLS para nele estabelecer que a audiência de custódia também possa ser feita mediante o sistema de videoconferência. Eis a redação deste substitutivo:

“Art. 306. […]

§ 1.º No prazo máximo de vinte e quatro horas depois da prisão, o preso deverá ser conduzido à presença do juiz competente, pessoalmente ou pelo sistema de videoconferência, ocasião em que deverá ser apresentado o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública”.

 O Eminente Senador justifica tal mudança em razão da prevenção de riscos a segurança pública, defendendo a diminuição da circulação de presos pelas ruas da cidade e nas dependências do poder judiciário.

Com todo o respeito ao Parlamentar autor de tal emenda, mas tal substitutivo distancia a ratio legis da proposta originária ao defender um distanciamento, ainda que físico, em uma circunscrição tão sensível como o rito processual penal. É de suma importância levar em consideração que tal proposta visa propiciar uma maior aproximação, como a já citada superação da fronteira de papel. Trata-se de uma das mais graves manifestações de poder do Estado.

Visto isto, não prosperam, também, os argumentos no sentido econômico que tentam rechaçar a implantação e efetivação de tal direito fundamental. Em uma ideologia economicista, o Estado se usa, rotineiramente, de argumentos do tipo para se afastar de funções essencialmente participativas. Como nos exemplos, infelizmente corriqueiros, da falta de juízes que presidem audiências.

Essa virtualidade em matéria criminal só tem a gerar uma imensa insegurança, juntamente com outras percepções como insensibilidade e indiferença (sendo que estas duas últimas já são corriqueiras nos corredores e salas de audiências das varas criminais). O princípio da eficiência, aqui usado como um dos pontos fortes dessa alteração, não possui motivos fortes para se fazer resistir, pois a verdadeira eficiência em matéria criminal é proceder e fazer prosseguir um processo legal e, acima de tudo, constitucional. Garantindo a verdadeira paridade de armas.

Como um verdadeiro processo de desumanização, este não deve prosperar, sendo um dos pontos que precisam ser drasticamente trabalhados pelos gestores públicos quando o argumento aventado é o da economia e da celeridade (mesmo ao se passar por cima de vidas, e, em alguns casos, inocentes que ali figuram como réus).

Como podemos aceitar audiências presididas de forma precária, muitas das vezes sem nem ao menos contar com a participação de um Defensor Público de carreira? Infelizmente, prática e teoria não têm andado de mãos dadas no fantástico mundo judicante. Mas enquanto houver resistência, haverá permanência da luta pelo óbvio.

2.2.1. Citação necessária: a implantação das audiências de custódia como recomendação no relatório final da Comissão da Verdade

 Antes de tudo, cabe expor o comando legal dos objetivos da Comissão Nacional da Verdade[49]:

“Artigo 3º – São objetivos da Comissão Nacional da Verdade

VI – recomendar a adoção de medidas e políticas públicas para prevenir violação de direitos humanos, assegurar sua não repetição e promover a efetiva reconciliação nacional;

Artigo 11 – A Comissão Nacional da Verdade terá prazo até 16 de dezembro de 2014, para a conclusão dos trabalhos, e deverá apresentar, ao final, relatório circunstanciado contendo as atividades realizadas, os fatos examinados, as conclusões e as recomendações.”

Tal comissão realizou, nos últimos anos, a partir da promulgação de sua lei instituidora, um trabalho de reconstrução das graves violações aos direitos humanos perpetradas no período de conflito institucional pelo qual o Brasil atravessou nas décadas subsequentes ao reestabelecimento da ordem democrática, com o advento da Emenda Constitucional nº 26[50].

Nesse diapasão, com a quebra de ruptura do regime ditatorial e a solidificação de um Estado Democrático, temos o que as modernas doutrinas do Direito Internacional e dos Direitos humanos denominam de Justiça de Transição[51], que, consoante o exposto no trabalho realizado sobre o tema pela International Center of Transicional Justice[52]:

“Justiça de transição é definida como todo aparato de resposta as violações aos direitos humanos ocorridas em determinado território que se desenvolve por meio da reparação das vítimas, promoção da paz, reconciliação e democratização. Não se trata da uma forma especial de justiça, mas uma adaptação desta às sociedades em reconstrução após as referidas violações.”

A C.N.V. se apresente relacionada com esse conceito transicional, no sentido de que se acopla a estes mecanismos de resposta a tais violações, como uma janela para o passado. O que vai ao encontro do seu papel legitimador de recomendações para a efetivação de um verdadeiro Estado Democrático de Direito. Após as pesquisas e colhimento de dados, consoante se depreende de suas atribuições, há uma compilação de recomendações[53], consoante o exposto no documento publicado pelos agentes envolvidos em tal organização:

“RECOMENDAÇÕES 10. Levando em conta as conclusões acima expostas e com o intuito de prevenir graves violações de direitos humanos, assegurar sua não repetição e promover o aprofundamento do Estado democrático de direito, CNV recomenda a adoção de um conjunto de dezessete medidas institucionais e de oito iniciativas de reformulação normativa, de âmbito constitucional ou legal, além de quatro medidas de seguimento das ações e recomendações da CNV. Esse rol de 29 recomendações foi concebido a partir, inclusive, de sugestões emanadas de órgãos públicos, entidades da sociedade e de cidadãos, que as encaminharam por intermédio de formulário especificamente disponibilizado com essa finalidade no site da CNV. Por meio desse mecanismo de consulta pública, foram encaminhadas à CNV, em agosto e setembro de 2014, 399 propostas com sugestões de recomendação”.

Em seu relatório final, o objeto do presente estudo é apresentado na parte V, capítulo 18 do relatório final da C.N. V, enumerado como uma das 29 recomendações, constando na de n º 25:

“Recomendação nº 25 – Introdução da audiência de custódia, para prevenção da prática da tortura e de prisão ilegal (negrito no original)”.

44. Criação da audiência de custódia no ordenamento jurídico brasileiro para garantia da apresentação pessoal do preso à autoridade judiciária em até 24 horas após o ato da prisão em flagrante, em consonância com o artigo 7o da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José de Costa Rica), à qual o Brasil se vinculou em 1992.”

Logo, conclui-se que tal adequação se faz mais que necessária, tornando-se até mesmo um alvo das recomendações da referida Comissão, como uma das premissas preventivas e de fortalecimento democrático, para que não haja repetição de falhas históricas, que possam vir a propiciar novas violações aos direitos humanos.

3. A QUEBRA DE PARADIGMA

No tocante a condução da tentativa de efetivação, tem-se um evidente rompimento com os modelos convencionais de justiça criminal. Indo por este caminho, no momento em que o projeto Audiências de Custódia foi anunciado, o que parecia ser um grande marco positivo, com o fito de aproximar à realidade o que já está positivado em tratados e convenções internacionais, foi tratado como um grande “peso” pelos sujeitos que fazem parte do jogo processual penal. Como se verá a seguir, a ausência de uma alteração formal da legislação doméstica ainda é vista como marco essencial para efetivação de direitos e garantias fundamentais, inobstante todo o arcabouço teórico e legislativo consagrando a aplicação de tratados que tratam da pessoa humana como centro de todo um arcabouço de proteções e garantias.

3.1. Caso Ueslei – São Gonçalo/RJ

Preambularmente, cabe destacar que o que será exposto, em termos de casos reais e emblemáticos no que se refere a implantação das Audiências de Custódia, tem aqui o condão de levantar a reflexão a partir do que se interpreta na leitura dos casos que serão apresentados. Aqui não caberá adentrarmos no mérito, porém, apenas extrair dos argumentos em jogo, o cerne a discussão que encontra toda a carga teórica trazida até então.

Em janeiro de 2015, foi proferida decisão pelo juízo da 3ª Vara Criminal de São Gonçalo, no sentido de não concessão de relaxamento de prisão, nos termos da invocação da realização de tal audiência preliminar, consoante o que a seguir se expõe:

“Quanto ao requerimento de relaxamento da prisão, com fundamento na audiência de custódia, não assiste a razão à defesa ante ausência de previsão no CPP e na lei especial. Ressalte-se que o Pacto São José da Costa Rica exige que o preso seja apresentado à autoridade judicial sem qualquer fixação de prazo para esta ocorrência. Ademais o mencionado Pacto não dispõe acerca de qualquer ilegalidade relativa a não apresentação do preso no momento pretendido pela defesa, o que se coaduna com a realidade, eis que absolutamente inviável a realização da audiência imediatamente após a prisão de cada réu. Por todo exposto, indefiro o pedido de relaxamento da prisão preventiva dos acusados.”[54]

Em momento posterior, após impetração de Habeas Corpus com pedido liminar em favor de Ueslei, Herculano Azevedi (réu), pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, houve decisão emanada da E. 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, na pessoa do Desembargador Relator Luiz Noronha Dantas, rebatendo todas as teses que diminuíssem o que se sustenta sobre as Audiências Custódia, como um mero marco prospectivo, sem eficácia presente, em razão da falta de regramento interno de cunho legislativo, consoante a seguir se expõe:

“A mais do que absurda linha argumentativa, desenvolvida pelo Juízo de piso, segundo a qual “o mencionado Pacto não dispõe acerca de qualquer ilegalidade relativa a não apresentação do preso no momento pretendido pela defesa” (???!!!). Ora, o descumprimento de um primado afeto à garantia dos direitos humanos, contido em acordo internacional e cujo teor foi ratificado pelo Brasil, repise-se, ostenta hierarquia equivalente àquela concernente aos princípios constitucionais, parecendo incabível ingenuidade crer-se que o seu descumprimento restará impune e sem gerar consequências processuais imediatas. Por último, mas não menos importante, cabe descartar o argumento final e metajurídico, sustentado pelo primitivo Juízo, a partir do qual, considerou que a realização deste imprescindível ato não “se coaduna com a realidade, eis que absolutamente inviável a realização da audiência imediatamente após a prisão de cada réu” (???!!!). Este, permissa venia, é o absurdo dos absurdos!!!”[55]

Tal decisão corrobora com todo o entendimento aqui esposado, além de ser um marco na desconstrução do comum argumento de que apenas a lei interna, em sentido formal é capaz de criar direitos e obrigações. Se assim fosse, de que e para que serviriam tais diplomas de natureza internacional? É teratológico pensar que direitos podem ser suprimidos em razão de um entendimento que de circunscreve ao regramento interno. Esquecendo-se, assim, da vinculação dos tratados que versam sobre direitos humanos e alcançam o Estado Brasileiro em suas ações e, até, omissões.

3.2 Reações dos Personagens do Jogo

O Bairro de Barra Funda em São Paulo/SP protagoniza o projeto piloto de inclusão das audiências de custódia, no Fórum Ministro Mário Guimarães. Inobstante a parceria composta pelo CNJ e TJSP, houve resistência por parte do Ministério Público Estadual. [56]Nesse diapasão, tal órgão essencial na constituição de uma justiça democrática, recusou-se, na pessoa do seu representante, o Procurador-Geral de Justiça Márcio Elias Rosa, a assinar o termo de cooperação entre o Judiciário e Executivo.

Nas trincheiras entre o ser e o dever-ser, é evidente que a proposta não agradaria a todos. No entanto, os argumentos apresentados, no que concerne ao deslocamento de promotores, acabam indo de encontro à necessidade de efetivação da letra normativa. Eis um dos grandes paradoxos do direito.

Indo pelo mesmo caminho, a ADEPOL (Associação dos Delegados de Polícia do Brasil) se manifestou perante o STF no sentido de impugnar a forma normativa com a qual o TJSP regulou o procedimento e a questão da obrigatoriedade de apresentação do preso às instâncias judiciais em prazo determinado. A via escolhida para tal impugnação perante a Corte Constitucional foi a Ação Direta de Inconstitucionalidade, recaindo-se esta em face do Provimento Conjunto nº 03/2015 da Presidência do Tribunal de Justiça e Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo. O formalismo como se posiciona tal Entidade ao defender o princípio da legalidade formal e material, indo de encontro ao Princípio da Juridicidade, ora citado para fins de discussão acerca da necessidade de lei em sentido estrito, consoante a moderna doutrina sustenta.

A contrario sensu da defesa de tais audiências e no prosseguimento das reações contrárias, o Ministério Público sustenta que tal momento de apresentação do preso em juízo, poderia se transformar em uma fase de produção de prova, o que exorbita a essência da fase em que a marcha da persecução penal se encontra. O fundamento é que a reunião de tantos representantes em um momento que antecede a abertura do rito em fase judicial traz a ideia de verdadeira fase processual e não mero rito com fito de filtrar ilegalidades e demarcar cautelares ou, quiçá, o relaxamento de prisão, dependendo do caso.

No mais, a APMP (Associação Paulista do Ministério Público), em fevereiro de 2015 seguiu na linha da oposição, ao levantar a necessidade de lei federal para se fundamentar tal projeto. Indo contra a forma de provimento, ora estabelecida pelo TJSP, corroborando, assim, com o entendimento esposado pela ADEPOL.

Por fim, a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), inobstante as divergências iniciais no que tange o apoio às inovações resultantes da implantação do procedimento em comento, se posicionou, em Março de 2015, favoravelmente[57]. Tendo em vista o papel fundamental do Magistrado na presidência de tais audiências e a expectativa de que, com tal rito, esteja-se dando maior efetividade aos Direitos Humanos. Ante o exposto, a Magistratura se coloca na contramão do que até então é levantado pelos entes de representação dos operadores do Direito, com a exceção ilustre da Defensoria Pública, seja da União, seja de diversos Estados da Federação.

3.3 O pioneirismo da Defensoria Pública

Entre mortos e feridos, é mais que necessário, no presente trabalho, consignar e reforçar o brilhante papel da Defensoria Pública, como função essencial à justiça, no que se refere à luta pelos direitos e garantias fundamentais, em especial, os pertencentes aos necessitados. Quando se adentra na seara dos direitos humanos no âmbito criminal, tal instituição não se torna indiferente às necessárias mudanças que precisam ser efetivamente implantadas.

Tal pioneirismo se justifica pelo real interesse de se ter uma justiça criminal mais humanizada, e as ferramentas utilizadas pela Instituição vão desde audiências públicas até boletins informativos [58]expedidos pela mesma, com o fito de elucidar as dúvidas que permeiam as mentes ainda leigas quando se está em debate tal procedimento.

A Defensoria Púbica, dentro do jogo processual penal, se mostrou, até o presente, a única instituição capaz de defender a ideia em sua completude, levando a informação aos que dela necessitam e colocando os argumentos contrários em cheque. Consoante o exposto pela I. Defensora Dra. Elisa Cruz Ramos, em evento realizado pela OAB/Piauí:

“A Audiência foi muito positiva. Pudemos discutir, sob a ótica da defesa, os reflexos que a Audiência de Custódia trará para o preso, que hoje é autuado sem qualquer assistência, muitas vezes. Estamos esperançosos que com a implementação da Audiência possamos diminuir a quantidade de conversões de prisão em flagrante em preventiva, lutando para que as alternativas à prisão sejam, de fato, "enxergadas" e aplicadas pelos magistrados.”

A atuação do Ilustre Órgão de Defesa Pública, em termos de decisões judiciais nos feitos nos quais intervém, tendo como objeto a matéria, aqui pesquisada, teve resultados que se traduziram em precedentes favoráveis, como na Justiça Federal de Cascavel/PR [59] e na 2.ª Turma Especializada do TRF-2.ª Região[60], merecendo destaque, ainda, a ação civil pública ajuizada pela DPU/Manaus.  

Dentro desse cenário, é evidente a luta por uma mudança de mentalidade, seja do próprio Poder Judiciário, seja daqueles que ali operam e que possuem papel fundamental dentro da dinâmica criminal. O senso comum, que traduz um receio, um medo e, até mesmo, um comodismo em se superar o status quo, se torna uma arma nas mãos daqueles que desejam manter um modelo de poder, em especial, a forma como se portam as agências policiais e judiciais.

O pioneirismo de uma Instituição como a Defensoria Pública, no que tange a defesa de tal projeto, só tem a demonstrar como um importante personagem do jogo processual penal, qual seja, o Defensor Público, pode e deve, pensar todo o arcabouço prático que circunda o ato de apresentação do preso em juízo sob o amparo do respeito aos direitos humanos, o que, infelizmente, não foi/é levado em consideração por outros operadores. Não há relevantes argumentos que obstem a efetivação de Direitos Humanos, não há motivos fortes para se impedir que o preso vá até “a corte”, seja para responder pelos atos (apenas), seja para relatar uma ilegalidade/abuso.

3.4. Procedimento no âmbito fluminense e efeitos prospectivos

Consoante se extrai da Constituição Federal de 1988, em seu art. 24, os Estados podem legislar, concorrentemente com outros entes da federação, a respeito de procedimento em matéria processual. [61]

Tendo em vista tal previsão, o Estado pode regular no âmbito de suas respectivas justiças, o modo como se darão os atos relacionados aos processos que tramitam em suas jurisdições, em harmonia, é claro, com as previsões processuais de âmbito nacional. Processo e procedimento são conceitos distintos e as audiências de custódia, se encaixam neste segundo, o que vai ao encontro do argumento favorável à regulamentação regional, dentro das respectivas justiças estaduais para a fiel implantação de tal rito pré-processual.

No Estado do Rio de Janeiro, mais precisamente na Assembleia Legislativa, O presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania, Deputado Marcelo Freixo (PSOL), apresentou àquele órgão legislativo indicação legal a ser destinada aos Poderes Judiciário e Executivo.

Constatou-se, no cenário fluminense, que 63% dos presos provisórios recebem a liberdade após serem ouvidos pelo juiz. De acordo com Freixo, a audiência de custódia garante ao preso em flagrante o contato com um juiz em menos de 24 horas a partir da prisão. “Esta é uma forma de avaliar a análise da legalidade do ato da prisão, de sua real necessidade, e de prevenir e combater a tortura” (grifos meus). Foi realizada uma audiência pública para debater e expor a implantação de tal rito no âmbito do Estado do Rio de Janeiro.

 A Representante do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, Taiguara Souza lembrou que o Estado de São Paulo já adotou as audiências de custódia e os resultados foram positivos. “No primeiro mês, houve redução de 43% no número de presos provisórios”.[62]

CONCLUSÃO

Com este trabalho buscou-se evidenciar e demonstrar — inobstante ser um tema que, no primeiro momento, poderia ser considerado estritamente relacionado com processo penal — que a força normativa advinda dos tratados e convenções internacionais nos quais o Brasil se consagrou signatário, traduz uma aplicabilidade interna e imediata destes, conforme o observado nos parágrafos 1º, 2º e 3º do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, o que fundamenta a defesa de uma (ainda que inicial) intepretação pela não dependência de regramento normativo interno, formalmente constituído, para a materialização de um direito.

 O óbice à implantação das audiências de custódia, que não deixam de ser uma política pública, sob o argumento (infelizmente muito comum) de que não há suporte financeiro para viabilizar a efetivação de direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, é o retrato fiel de um Estado que precisa aprimorar sua mentalidade e honrar os pactos normativos que ora ratifica, ora elabora.

Cabe à Administração Pública, em todas as suas esferas, planejar e centralizar, dentro de suas prioridades, subsídios financeiros para a manutenção de setores mais sensíveis, dentre eles a saúde, educação e, com toda a certeza, a seara criminal em suas instâncias policial, judicial e carcerária. O gestor público tem um compromisso, inegável, com a Constituição da República, ainda que isso vá de encontro com outros projetos a serem alçados pelo ente no qual atua.

Em passos lentos, há, também, uma ruptura com o Estado das Leis em seu sentido formal. O que, ao contrário do defendido por alguns setores contrários a implantação das audiências de custódia, por esta não ter, ainda, previsão normativa interna de cunho legal, a mera previsão em tratado ratificado pelo Estado Brasileiro já, per si, já nos remete ao comando positivo para tal internalização no mundo dos fatos. A mera falta de lei não pode obstar a efetivação de direitos fundamentais.

Dentro desse pensamento, estudar tal tema ligado ao processo penal tupiniquim, sob o viés dos direitos humanos, é sair do senso estritamente legalista que poderia circunscrever o trabalho, indo, assim, aquém, da mera necessidade de normatização legal doméstica de cunho formal, encontrando amparo no conjunto normativo internalizado, bem como nos princípios consagrados, transcendendo uma hermenêutica literal do estado das coisas. A falta de lei interna não deve ser uma “pedra” no árduo caminho da efetivação de direitos.

As audiências de custódia trazem um novo marco para o modus como os flagrantes serão conduzidos na esfera judicial, sendo, inclusive, uma verdadeira revolução dentro da dinâmica da Justiça Criminal, que se inicia com o trabalho das agências policiais (civil e militar), indo até ao momento em que defensores, advogados, promotores e juízes apreciam os fatos e as provas, primariamente, produzidas. Estas, colhidas em tal audiência, não influenciarão a dinâmica do processo que se seguirá, a posteriore.

Nesse sentir o excesso de formalismo, que acarreta a burocratização, só tem a demonstrar a triste e fraca compreensão da Constituição Federal e dos tratados sobre direitos humanos, tendo estes papéis fundamentais e irradiadores da aplicação, elaboração de normas e de efetivação de políticas relacionadas com o âmbito criminal (lato sensu). Traduzem-se, outrossim, como legítimas fontes de controles de constitucionalidade e convencionalidade, respectivamente. Por fim, é de se ressaltar que não se defende, apenas, uma inovação, mas, a efetivação do que já, há muito, se previu.

 

Referências
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ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Criminología: Uma Aproximación Desde um Margen. Bogotá: Temis, 1998
Notas
[1] Tal conceito foi aplicado, aqui, conforme o exposto pela Prof.ª Vera Malaguti Batista . Disponível em <http://comunicacao.fflch.usp.br/sites/comunicacao.fflch.usp.br/files/Adesaosubjetivaabarbarie.pdf>. Acesso em 20.05.2015.
[2]Art. 5º, LVII. Constituição da República Federativa do Brasil
[3]O Direito Penal só deve preocupar-se com os bens mais importantes e necessários à vida em sociedade. Conforme leciona Muñoz Conde: "O poder punitivo do Estado deve estar regido e limitado pelo princípio da intervenção mínima.". (Muñoz Conde, Francisco. Introducción al derecho penal, p. 59-60).
[4]CARNELUTTI, Francesco. Las misérias del processo penal. Buenos Aires: EJEA, 1959. P.112.
[6] Ferrajoli, Luigi. Derecho y razón – Teoría del garantismo penal. Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Boyón Mahino, Juan Terradillos Bosoca e Rocio Cantarero Bondrés. Madrid: Trotta, 2001. p. 770.
[7] Disponível em http://www.ibccrim.org.br/revista_liberdades_artigo/122-ENTREVISTA. Acesso em: 30 de março de 2015.
[8] Foucault, Michel. Vigiar e punir. 39. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011, p. 218
[9] Corte IDH. Caso Acosta Calderón Vs. Equador. Sentença de 24.06.2005. No mesmo sentido, cf. também Caso Bayarri Vs. Argentina. Sentença de 30.10.2008; Caso Bulacio Vs. Argentina. Sentença de 18.09.2003; Caso Cabrera Garcia e Montiel Flores Vs. México. Sentença de 26.11.2010; Caso Chaparro Álvarez e Lapo Íñiguez Vs. Equador. Sentença de 21.11.2007; Caso Fleury e outros Vs. Haiti. Sentença de 23.11.2011; Caso García Asto e Ramírez Rojas Vs. Perú. Sentença de 25.11.2005.
[10] Art. 5º LVII da CRFB/1988
[11] Aqui me refiro não apenas ao controle de constitucionalidade, mas também ao controle de convencionalidade. O presente trabalho não se encerrará em nosso diploma maior, mas, de igual forma, será circunscrito aos tratados e convenções ligados aos Direitos Humanos, nos quais o Brasil é signatário.
[12] LARENZ,Karl. Derecho Justo. Fundamentos de Ética Jurídica. Madrid: Civitas; 2001, p.33.
[13] ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Trad. Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993, p. 86, (tradução minha):“[…] os princípios são mandados de otimização, que estão caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferente grau e que a medida devida de seu cumprimento não só depende das possibilidades reais senão também das jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras opostos. Por outro lado as regras são normas que só podem ser cumpridas ou não. Se uma regra é válida, então deve se fazer exatamente o que ela exige, nem mais nem menos. Por tanto, as regras contêm determinações no âmbito da fática e juridicamente possível. Isto significa que a diferença entre regras e princípios é qualitativa e não de grau. Toda norma é ou bem uma regra ou um princípio”.
[14] Conceito exposto em sentido de contrastar com o Direito Penal do Inimigo.
[15] BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 137-139
[16] Inobstante ser um tema corriqueiro e originário da seara administrativista, é de suma importância realizar um cotejamento do que aqui se defende com o que tal princípio se baseia. Justamente por essa fuga do império da lei. Nesse sentido, não poderia deixar de citar a grande influência de Gustavo Binenbojm.
[17] Aqui se usa tal expressão como o delineado nos contornos de não harmonia com a realidade, de maneira crítica, através d a desconstrução de conceitos de “mulher honesta”, que são mistificados pelo legislador. Inspirado no texto de Alexandre Moraes da Rosa e Salah H. Khaled Jr. Disponível em < http://justificando.com/2014/09/30/o-mito-legislador-louvai-o-papai-da-mulher-honesta-e-o-ceu-sera-sua-recompensa-oh-homem-medio/>. Acesso em: 31.04.2015.
[18] GOLDSCMIDT, James. Problemas Jurídicos y Políticos del Processo Penal, Barcelona. Bosh, 1935. p. 67.
[19] TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. 3 ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2003, p. 162.
[20] PRADO, Geraldo. Sistema acusatório, A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais. 4 ed. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2006. P.16.
[21] LIMA, André Canuto de F.. A teoria dos princípios de Robert Alexy. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 4078, 31 ago. 2014. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/31472>. Acesso em: 1 abr. 2015.
[22] ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema penal máximo X cidadania mínima: códigos da violência na era da globalização / Vera Regina Pereira de Andrade. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003. P 20.
[23] D’Elia Filho, Orlando Zaccone. Acionistas do Nada: Quem São os Traficantes de drogas? Rio de Janeiro. Revan. 2007. 3ª Ed, agosto de 2011.
[24] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Criminología: Uma Aproximación desde um margen. Bogotá: Temis, 1998.
[25] BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal / Alessandro Baratta; tradução Juarez Cirino dos Santos, 3ª ed. Instituto Carioca de Criminologia, Rio de Janeiro: Editora Revan: 2002.
[26] CIRINO DOS SANTOS, Juarez. A Criminologia radical / Juarez Cirino dos Santos. Curitiba: ICPC, Lumen Juris, 2006. p 4.
[27] Ibidem. P 190.
[28] BATISTA, Vera Malagutti, op. cit., p. 17 et seq.
[29] Idem
[30] O sistema penal anterior, utilizado na Idade Média, era o chamado sistema de provas legais.
[31] VIEIRA, Fernando Zan. A Humanização do Direito Penal. Revista de Ciências Jurídicas. http://www.revistas2.uepg.br/index.php/lumiar/article/viewFile/1649/1255 P 01.
[32] LIMA, Renato Brasileiro. (2014). Manual de Processo Penal. Manual de Processo Penal, 2, 804. São Paulo: Juspodivm.
[33] GRECO FILHO, Vicente. (2012). Manual de processo penal. Manual de processo penal. São Paulo: Saraiva.
[34] BECCARIA, Cesare. (2007). BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 38. (T. Guimarães, Trad.) São Paulo: Martins Claret.
[35] Não poderia falar em desconstrução sem citar Jean Jaques Derrida, que de alguma forma me influenciou na parte final da graduação: “A desconstrução não é simplesmente uma neutralização de oposições, como poderia parecer à primeira vista, de acordo com as premissas da “différance”. Naturalmente, a desconstrução começou não só com o logocentrismo, como também pelo fonocentrismo. Como afirma Derrida, desconstruir a oposição significa, num dado momento, inverter a hierarquia.” Derrida, J. (2005). Moscou aller – retour. Paris: Éditions de l’Aube.P. 108
[36] DERRIDA, Jaques. Posições. BH. Autênica. 2001. p. 48.
[37] www.conjur.com.br/2014-nov-16/juiz-digno-nome-nao-joga-plateia-barroso
[38] (Além de contar com previsão normativa nos sistemas global e interamericano de direitos humanos, a audiência de custódia também está assegurada na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, cujo art. 5.º, 3, dispõe que “Qualquer pessoa presa ou detida nas condições previstas no § 1, alínea c), do presente artigo deve ser apresentada imediatamente a um juiz ou outro magistrado habilitado pela lei para exercer funções judiciais (…)”
[39] Nesse sentido, é possível concluir que, diante da supremacia da Constituição sobre os atos normativos internacionais, a previsão constitucional da prisão civil do depositário infiel (…) deixou de ter aplicabilidade diante do efeito paralisante desses tratados em relação à legislação infraconstitucional que disciplina a matéria (…). Tendo em vista o caráter supralegal desses diplomas normativos internacionais, a legislação infraconstitucional posterior que com eles seja conflitante também tem sua eficácia paralisada. (…) Enfim, desde a adesão do Brasil, no ano de 1992, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos 'Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), não há base legal par aplicação da parte final do art.5º, inciso LXVII, da Constituição, ou seja, para a prisão civil do depositário infiel." RE 466.343, Voto do Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgamento em 3.12.2008, DJe de 5.6.2009.
[40] PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional, 3.ª ed. 3. São Paulo: Max Limonad, 1997.
[41] WEIS, Carlos. Direitos humanos contemporâneos. São Paulo: Malheiros Editores, 1999
[42] BIANCHINI, Alice. MAZZUOLI, Valério. Controle de convencionalidade da Lei Maria da Penha . Disponível em: http://www.lfg.com.br – 09 de março de 2011.
[43] Giacomolli, Nereu José. O devido processo penal – Abordagem conforme a Constituição Federal e o Pacto de São José da Costa Rica. São Paulo: Atlas, 2014. p. 12.
[46] O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Ricardo Lewandowski, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Augusto de Arruda Botelho, assinaram nesta quinta-feira (9) três acordos de cooperação técnica para facilitar a implantação do projeto “Audiência de Custódia” em todo o Brasil e para viabilizar a aplicação de medidas alternativas cautelares, como o uso de tornozeleiras eletrônicas.
Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=289056. Acesso em 10 de abril de 2015.
[48] Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
I – comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
II – proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
III – proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
IV – proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
V – recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
VI – suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
VII – internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
VIII – fiança, nas infrações que a admitem para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
IX – monitoração eletrônica. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
[49] Comissão Nacional da Verdade foi criada pela Lei 12528/2011 e instituída em 16 de maio de 2012. A CNV tem por finalidade apurar graves violações de Direitos Humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988. Conheça abaixo a lei que criou a Comissão da Verdade e outros documentos-base sobre o colegiado. Em dezembro de 2013, o mandato da CNV foi prorrogado até dezembro de 2014 pela medida provisória nº 632.Disponível em http://www.cnv.gov.br/index.php/institucional-acesso-informacao/a-cnv. Acesso em 08 de abril de 2015.
[50] EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 26 Convoca Assembleia Nacional Constituinte e dá outras providências.
AS MESAS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS E DO SENADO FEDERAL, nos termos do art. 49 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:
Art. 1º Os Membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal reunir-se-ão, unicameralmente, em Assembléia Nacional Constituinte, livre e soberana, no dia 1º de fevereiro de 1987, na sede do Congresso Nacional.
Art. 2º. O Presidente do Supremo Tribunal Federal instalará a Assembléia Nacional Constituinte e dirigirá a sessão de eleição do seu Presidente.
Art. 3º A Constituição será promulgada depois da aprovação de seu texto, em dois turnos de discussão e votação, pela maioria absoluta dos Membros da Assembléia Nacional Constituinte.
[51] O tema é por demais interessante, sendo imprescindível fazer uma ligação entre o tema aqui estudado e a previsão do mesmo como uma das recomendações da CNV, sendo esta instituída para fins de desconstrução do passado. Defendo aqui que, em consequência dessa recomendação, as audiências de custódia são parte da transição pós-ditadura, como mais um mecanismo de efetivação de uma verdadeira democracia constitucional.
[52] ICTJ (International Center of Transicional Justice). What is Transicional Justice? Disponível em: www.ictj.org. Acesso em 08 de abril de 2015.
[53] op. cit. p. 964
[54] 3ª Vara Criminal. Comarca de São Gonçalo. Processo nª 0049609-47.2014.8.19.0004. Decisão de 09/01/2015. M.M. Juíza Fernanda Magalhães Freotas Patuzzo.
[55] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Habeas Corpus nº 0064910-46.2014.8.19.0000 julgado em 25 de janeiro de 2015. 6ª Câmara Criminal. Relator: Des. Luiz Noronha Dantas.
[57] Disponível em:< http://novo.amb.com.br/?p=20580> Acesso em 11 de maio de 2015.
[58] http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Repositorio/23/Documentos/Custodia_folder_final2.pdf
[60] Cf. DPU ajuíza ação cobrando implantação da audiência de custódia no Brasil: Disponível em: <www.conjur.com.br/2014-jun-13/dpu-ajuiza-acao-cobrando-implantacao-audiencia-custodia>. A íntegra da ACP foi disponibilizada no blog do juiz Marcelo Semer: Disponível em: <http://blog-sem-juizo.blogspot.com.br/2014/06/dpu-pede-audiencia-de-custodia-para.html>.
[61] Art. 24, inciso XI da CRFB/1988.
[62] Disponível em < http://www.alerj.rj.gov.br/escolha_legenda.asp?codigo=48741> Acesso em 20 de Maio de 2015.

Informações Sobre o Autor

Raisa Bakker de Moura

Advogada membro da Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária – OAB/RJ, Pós-graduanda em direitos humanos e criminologia


Equipe Âmbito Jurídico

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