SUMÁRIO:
1. A
temática em foco – 2. Recorribilidade das decisões sobre os pressupostos
processuais e as condições da ação – 3. O CPC, art. 267, § 3º, e os recursos –
4. O CPC, art. 267, § 3º, e o agravo de instrumento – 5. Conclusões
Imaginemos a seguinte
situação prática: o juiz, não declarando nula a citação, profere sentença de
mérito; o réu – revel – ingressa no processo para apelar, alegando nulidade da
citação, mas seu recurso é julgado deserto; contra esta decisão o réu-apelante interpõe
agravo de instrumento. Pergunta-se: o tribunal poderá conhecer da nulidade da
citação, intimando o réu para responder a demanda?
Figuremos então outra
hipótese: o juiz concede tutela antecipada; contra este julgado o réu interpõe
agravo de instrumento. Pergunta-se: se houver ilegitimidade para a causa, o
tribunal poderá extinguir o processo sem julgamento do mérito?
À resolução de tais
problemas – freqüentes na prática forense –, mister se faz, antes de tudo,
responder ao seguinte questionamento prévio prejudicial: o
tribunal poderá, agindo de ofício, declarar a ausência de algum pressuposto
processual (v.g., citação válida) ou de alguma condição da ação (v.g, legitimidade para a causa) em um agravo
de instrumento que verse sobre matéria distinta? Em outras palavras, o disposto
no CPC, art. 267, § 3º, aplica-se integralmente ao agravo de instrumento?
Convidamos o leitor a
refletir sobre esta questão.
Recorribilidade das
decisões sobre os pressupostos processuais e as condições da ação1
Cumpre fundamentalmente
ao magistrado, no exercício da função jurisdicional, julgar a questão de fundo
do processo, fixada – como regra – no pedido formulado pelo autor2.
Todavia, antes de se
pronunciar a respeito da questão de fundo (mérito da causa), cabe ao juiz
decidir questões atinentes à formação e ao desenvolvimento válido da relação
jurídica processual (pressupostos processuais), bem como a exercício regular da
ação (condições da ação).
Pressupostos processuais
e condições da ação são questões preliminares, requisitos situados no plano da
admissibilidade do meritum causae. Não influenciam o teor da decisão da lide, mas
condicionam a apreciação desta.
Os pressupostos
processuais, apesar de aglutinados numa única categoria jurídica, são
requisitos heterogêneos e, pois, de difícil enumeração e classificação.
Tendo em vista aspectos
que os assemelham – são indispensáveis à existência ou ao desenvolvimento
válido da relação jurídica processual e a ausência ou presença de qualquer um
deles pode ser pronunciada em qualquer tempo e grau de jurisdição, inclusive de
ofício –, partimos da conhecida classificação proposta por Teresa Arruda Alvim Wambier, que julgamos de importância científica, mas sobretudo prática, para, assim, elencamos
os pressupostos processuais: 1. pressupostos processuais de existência (da
relação jurídica processual): 1.1. petição inicial; 1.2. órgão investido de
jurisdição; 1.3. citação; 2. pressupostos processuais de validade (da relação
jurídica processual): 2.1. subjetivos: 2.1.1. referentes ao juízo ou juiz: a)
competência (não existência de incompetência absoluta); b) ausência de
impedimento; 2.1.2. referentes às partes: a) capacidade postulatória; b)
capacidade processual; c) legitimidade processual; 2.2. objetivos: 2.2.1.
petição inicial apta; 2.2.2. citação válida.
Apesar de o tema central
deste trabalho não comportar longas divagações sobre os pressupostos
processuais, não podemos, todavia, deixar de fazer algumas observações.
Cremos que os chamados
pressupostos processuais negativos – litispendência, coisa julgada e, para
alguns, perempção e cláusula compromissória – são
impedimentos fático-jurídicos ao exercício regular da ação, absorvidos pelo
largo conceito de interesse de agir, porquanto extrínsecos à relação jurídica
processual.
Por outro lado, cumpre
consignar que, no plano endoprocessual pouca ou quase
nenhuma diferença existe entre pressupostos de existência e pressupostos de
validade. As conseqüências da ausência de qualquer um deles serão exatamente as
mesmas.
A distinção ganha relevo
no plano extraprocessual, especialmente após o encerramento definitivo do
processo. É que a ausência de um pressuposto processual de existência poderá
ser declarada em qualquer tempo, podendo a parte prejudicada se valer de uma
ação declaratória de inexistência, na medida em que não pode transitar em
julgado aquilo que não existe. Já a ausência de um pressuposto processual de
validade implicará na nulidade do processo e, portanto, da sentença nele
proferida que, porém transitará em julgado (não havendo declaração no curso do
processo). A parte, então, terá o prazo de dois anos, após o trânsito em
julgado, para promover uma ação rescisória.
É importante notar também
que a falta de um pressuposto processual de existência afastará a alegação de
litispendência em outro processo.
Entendemos que a
capacidade postulatória é pressuposto processual de validade, pois, quando
ausente este requisito, a relação processual estará plenamente constituída.
Com efeito, a Lei nº 8.904/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a
Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, em seu art. 4º, caput e parágrafo
único, determina que são nulos os atos
praticados no processo, por intermédio de alguém que não esteja regularmente
inscrito nos quadros da OAB, ou que esteja impedido, suspenso, licenciado ou
mesmo que passe a exercer atividade incompatível com a advocacia.
É verdade, entretanto,
que o CPC, em seu art. 37, caput e parágrafo único, determina
que, sem instrumento de mandato o advogado não será admitido a procurar em
juízo, podendo intervir, apenas, para evitar decadência ou prescrição, bem como
para praticar atos reputados urgentes, admitindo-se a ratificação dos atos
praticados com a ausência de procuração, sem a qual os mesmos serão
considerados inexistentes.
Mas, como o estatuto da
OAB é lei específica e posterior ao genérico diploma processual civil e,
principalmente, como o vício previsto naquela lei é de maior
gravidade que o previsto no CPC, deve-se admitir que, atualmente, os atos
praticados pela parte, por meio de advogado, sem a juntada da procuração, são
nulos, e não inexistentes3.
Ademais, é de
conhecimento geral que a falta de parcialidade ou de competência produz
conseqüências práticas muito peculiares. Não há – no impedimento ou na
incompetência – uma extinção do processo propriamente dita.
Lembremo-nos, entretanto, que os
pressupostos processuais são requisitos ontologicamente distintos e – repetimos
– heterogêneos, diferente do que ocorre com as condições da ação.
Então, na prática, a
ausência de um pressuposto processual poderá determinar a extinção do processo,
a inexistência jurídica ou nulidade de alguns atos processuais ou simplesmente
o envio dos autos do processo a outro juiz ou juízo.
Em conseqüência, o
pronunciamento do órgão julgador que reconhecer a carência de um pressuposto
processual poderá ter natureza jurídica de sentença processual (CPC, art. 162,
§ 1º c/c art. 267, IV) ou de decisão interlocutória (CPC, art. 162, § 2º)4, cabendo, desta foma,
apelação (CPC, art. 513) ou agravo (CPC, art. 522), conforme o caso.
Já as condições da ação,
requisitos que – estando presentes – viabilizam o exercício regular do direito
de ação, conduzindo o juiz ao exame do mérito, são, no
direito positivo brasileiro, basicamente três: a possibilidade jurídica do
pedido, a legitimidade para a causa e o interesse de agir (CPC, arts. 3º; 267, VI; 295, II, III e parágrafo único, III; e
301, X).
O Código de Processo
Civil adotou rigorosamente a posição de Enrico Tullio
Liebman esposada na segunda edição de seu conhecido Manuale5, pois, na edição seguinte, a
possibilidade jurídica foi – por este autor – banida das condições da ação6.
A possibilidade jurídica
consiste na ausência de vedação – explícita ou implícita – ao pedido formulado
pelo autor. Já a legitimação para a causa possuirá todo aquele que for titular
da relação jurídica de direito material afirmada em juízo, havendo também a
possibilidade de a lei atribuir legitimação a quem não é titular desta relação
hipotética – legitimação extrordinária. Enquanto o
interesse de agir caracteriza-se pela utilidade potencial da jurisdição,
consistente na aptidão da jurisdição para produzir algum benefício jurídico à
parte e, sobretudo, ao Estado.
Em nosso Condições da Ação tivemos oportunidade de
afirmar – de lege ferenda
– que a possibilidade jurídica do pedido não é requisito estranho ao mérito
da causa, na medida em que a impossibilidade jurídica constitui verdadeira
improcedência do pedido7.
Convenceu-nos, neste
sentido, a lição de Donaldo Armelin: “Dizer que um
pedido é insubsumível às normas jurídicas
do sistema jurídica vigente, porque existe uma vedação expressa a
respeito, não difere de se julgar que um pedido não pode ser acolhido porque
não provou o autor a existência do suporte fático indispensável à sua subsunção
à norma legal invocada. Ambos levam à rejeição do pedido em razão de sua
carente fundamentação. Apenas em um caso inexistem fundamentos jurídicos;
noutros fáticos. Inobstante no caso de vedação
expressa do sistema a premissa maior do silogismo judiciário ser inaceitável,
e, no caso da falta de prova, ocorrer isso como a premissa menor desse
silogismo, ambas as hipóteses, para efeitos processuais, são ontologicamente
iguais, ou melhor, deveriam ser no que tange aos efeitos emergentes de sua
constatação”8.
Há de se ressaltar, todavia,
a importância prática do enquadramento – pelo direito positivo – da
possibilidade jurídica do pedido no âmbito das condições da ação.
De fato, por que permitir
a instauração ou, pelo menos prosseguimento, de um processo cujo resultado,
conhecido desde o início, será – fatalmente – a improcedência do pedido?
Autores defendem ainda a
existência de condições específicas para determinadas ações, tais como o
direito líquido e certo para o mandado de segurança e o protesto para a
execução de duplicata sem aceite. Pensamos, neste particular, que, à semelhança
do que ocorre com os pressupostos processuais
negativos, tais requisitos são absorvidos pelo genérico interesse de agir,
embora a análise individual não seja desprovida de utilidade prática.
Note-se, entretanto, que,
não fosse a distinção entre pressupostos processuais
de existência e pressupostos processuais de validade pouca – ou nenhuma – relavância existiria na distinção entre pressupostos
processuais e condições da ação. É que no campo endoprocessual,
as conseqüências da ausência de uma condição da ação são praticamente as mesmas
conseqüências da falta de um pressuposto processual, enquanto no campo
extraprocessual, a carência de uma condição da ação muito se assemelha, quanto
às suas conseqüências, à privação de um pressuposto processsual
de validade.
A constatação judicial a
respeito da falta de uma condição da ação implicará na carência de condição da
ação9 e, desta forma, deverá
o processo ser extinto sem o julgamento do mérito, por meio de sentença
processual (CPC, art. 162, § 1º c/c art. 267, V e VI), podendo o autor,
portanto, interpor o recurso de apelação (CPC, art. 513).
É possível, entretanto,
que a sentença proferida, face a ausência de um
pressuposto processual ou de uma condição da ação, não gere a extinção do
processo (como um todo), v.g., na exclusão de um litisconsorte do
processo, por ilegitimidade para a causa, bem como no indeferimento da petição
inicial da reconvenção, da ação declaratória incidental ou da oposição10.
Neste caso, aliás, apesar
de o pronunciamento judicial ser uma sentença, na medida em que possui conteúdo
determinado no CPC, art. 267, VI e I, o recurso cabível será o agravo de
instrumento, por uma razão de ordem prática: se cabível fosse a apelação, haveria a inconveniência de os autos do processo
serem enviados ao juízo ad quem.
Por outro ângulo, se o
juiz, antes de proferir a sentença, expressamente declarar que houve o
preenchimento de todos os pressupostos processuais e condições da ação (decisão
declaratória de saneamento), mesmo sem motivar sua decisão, contrariando o
disposto na Constituição Federal Brasileira, art. 93, IX, tal pronunciamento
será, evidentemente, uma decisão interlocutória, e o recurso cabível será o
agravo.
Donaldo Armelin, referindo à decisão que declara serem as partes
legítimas, afirma que a mesma “não está sujeita à preclusão inibidora de seu
reexame posterior. Por isso mesmo, contra a decisão judicial que entendeu
legítima uma das partes, contra a alegação da outra no
sentido da ilegitimidade da adversa, mister não se faz a interposição do
recurso de agravo, já que o reexame da matéria poderá ser feito por ocasião da
sentença de mérito, como preliminar deste”11.
Entretanto, apesar de a
matéria poder ser reapreciada pelo próprio juiz, sem que haja preclusão pro judicato (CPC, art. 267, § 3º) – como veremos logo
adiante –, pensamos que o fator tempo é determinante, nesta hipótese, para
caracterizar o interesse em recorrer do réu, devendo o agravo – eventualmente
interposto – ser conhecido para permitir, assim, uma decisão do tribunal sobre
o assunto12.
O art. 267, § 3º do CPC e
os recursos
Em todo e qualquer
processo a admissibilidade – diz Marcelo Navarro Ribeiro Dantas – “impõe-se
como uma espécie de ‘mecanismo de filtragem’, separando, dentre os pedidos que
batem às portas do Judiciário, aqueles que se apresentam como passíveis de
exame substancial dos que podem, de pronto, ser
descartados, já por questões respeitantes à existência e validade do processo,
apenas, através do qual se desenvolve a ação, já por motivos que prenunciam ser
esta mesma insuscetível de levar a uma decisão de fundo sobre o direito
invocado”13.
Tal aspecto confere aos
requisitos de admissibilidade um caráter público, levando-se em conta os
elevados custos do processo para as partes, mas – sobretudo – para o Estado – o
que significa, em última análise, toda a coletividade.
Os pressupostos
processuais e as condições da ação – como vimos – são requisitos de
admissibilidade para o julgamento do mérito14,
razão pela qual as questões atinentes a estas duas
categorias jurídicas são consideradas questões de ordem pública.
A questão de ordem
pública – consoante Gleydson Kleber Lopes de Oliveira
– “é toda matéria atinente aos requisitos de admissibilidade da tutela
jurisdicional que, quando desatentidada, tem o condão
de viciar – nulidade absoluta ou inexistência jurídica – o processo. Em virtude
da sua importância, dispõe o Código de Processo Civil, no seu art. 267, § 3º,
que a questão de ordem não está afeta ao regime da preclusão”15.
Com efeito, dispõe o CPC,
art. 267, § 3º, primeira parte, que “O juiz conhecerá de ofício, em qualquer
tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito, da
matéria constante nos ns. IV, V e VI”. O inciso IV
trata da ausência de pressupostos processuais, o inciso V do acolhimento da
alegação de perempção, litispendência ou coisa julgada, enquanto o inciso VI
refere-se à ausência de uma das condições da ação, como a possibilidade
jurídica do pedido, a legitimidade para a causa e o interesse de agir.
Reforçando esta norma
encontra-se o disposto no CPC, art. 301, § 4º, segundo o qual “com exceção do
compromisso arbitral, o juiz conhecerá de ofício da matéria enumerada neste
artigo”. O art. 301 trata exatamente das preliminares de contestação, entre
elas a falta de pressuposto processual ou de condição da ação.
Assim, ainda que o juiz
declare expressamente saneado o processo – com a presença de todos os
pressupostos processuais e de todas as condições da ação –, não existirá
preclusão pro judicato, pois o próprio
magistrado poderá alterar a sua decisão, mesmo que não haja qualquer
modificação no quadro fático e que o réu não interponha agravo de instrumento.
Aliás, não existe também
preclusão para o réu, visto que o mesmo poderá alegar a ausência de um
requisito de admissibilidade do mérito após o prazo para a contestação, por se
tratar de matéria que o órgão jurisdicional pode conhecer de ofício (CPC, art.
303, II).
Galeno Lacerda,
examinando a eficácia preclusiva da decisão de saneamento, ainda à luz do
Código anterior, esquematizou as nulidades processuais em nulidades absolutas
(infrações de normas imperativas que visam o interesse público) e nulidades
relativas (infrações de normas dispositivas em relação à parte), para, depois,
afirmar: “Ora, o problema da preclusão de decisões no curso do processo é
substancialmente diverso do problema da preclusão das decisões terminativas.
Enquanto nestas o magistrado esgota a jurisdição, extinguindo a relação
processual, naquelas ele conserva a função
jurisdicional, continua preso à relação do processo”.
Em face desta premissa,
conforme Galeno Lacerda, “a pergunta se impõe: pode o magistrado, que conserva
jurisdição, fugir do mandamento de norma imperativa, que o obriga a agir de
ofício, sob o pretexto de que a decisão interlocutória precluiu?
Reconhecido o próprio erro, poderá a falta de impugnação da
parte impedi-lo de retratar-se? Terá esta, com sua anuência, tal poder
de disposição sobre a atividade ulterior do juiz?”
A resposta, no caso,
consoante o autor, “deve ser negativa. Se o juiz conserva a jurisdição, para
ele não preclui a faculdade de reexaminar a questão
julgada, desde que ela escape à disposição da parte, por emanar de norma
processual imperativa”.
Dessa forma, conclui
Galeno Lacerda que “o despacho saneador não terá efeito preclusivo sempre que
der pela legitimidade de ato absolutamente nulo”16.
José
Rogério Cruz e Tucci adere inteiramente a Galeno
Lacerda neste ponto, afirmando que o ensinamento deste autor continua, no
aspecto fulcral, preciso e atual17.
E Teresa Arruda Alvim Wambier, seguindo igual ordem de idéias, vai mais além,
afirmando que a preclusão não ocorre nem mesmo se a matéria for objeto de
decisão, se desta decisão se recorrer e se houver decisão a respeito18.
Por outro lado, consoante
Arruda Alvim, “a dicção em qualquer tempo e grau de jurisdição (CPC,
art. 267, § 3º) só pode referir-se à inocorrência de preclusão também para o
segundo grau”19.
É certo, porém, que no
dispositivo legal invocado a expressão em qualquer tempo o grau de
jurisdição precede à locução enquanto não proferida a sentença de mérito.
Quer nos parecer,
todavia, que a limitação prevista na norma – enquanto não proferida a
sentença de mérito – diz respeito exclusivamente ao órgão jurisdicional de
primeiro grau.
Até mesmo em sede de
recurso especial e de recurso extraordinário discute-se ainda sobre a
possibilidade de o tribunal – STJ ou STF – conhecer de ofício da matéria de
ordem pública.
Nelson Nery Junior
leciona que “o efeito devolutivo do recurso tem sua gênese no princípio
dispositivo, não podendo o órgão ad quem
julgar além do que lhe foi pedido na esfera recursal. Aplicam-se na instância
recursal os arts. 128 e 460 do CPC. Caso o órgão
destinatário do recurso extrapole o pedido de nova decisão, constante das
razões do recurso, estará julgado extra, ultra
ou citra petita,
conforme o grau e a qualidade do vício em que ocorrer”
“Há casos, entretanto, –
continua Nelson Nery – em que o sistema processual autoriza o órgão ad quem a julgar fora do que consta das
razões ou contra-razões do recurso, ocasião em que não se pode falar em
julgamento extra, ultra ou infra
petita. Isto ocorre normalmente com as questões
de ordem pública, que devem ser conhecidas de ofício pelo juiz, a cujo
respeito não se opera a preclusão (por exemplo, arts.
267, § 3º, e 301, § 4º, ambos do CPC). A translação dessas questões ao juízo ad quem está autorizada nos arts. 515, §§ 1º e 2º, e 516, do CPC”20.
Para Nelson Nery Júnior,
então, configura-se, nesta hipótese, o efeito translativo
do recurso21.
Parece-nos, todavia, que
o denominado efeito translativo
constitui mera exceção legal à regra do efeito devolutivo, exceção esta
autorizada especialmente pelo CPC, art 267, § 3º,
primeira parte. Os parágrafos do art. 515 e o art. 516 do CPC apenas reforçam a
possibilidade da translação das questões de ordem pública na apelação, sem,
contudo, excluir os demais recursos.
Aliás, o próprio Nelson
Nery Junior ressalta que “opera-se o efeito translativo
nos recurso ordinários (apelação, agravo, embargos infringentes, embargos de
declaração e recurso ordinário constitucional)”, excluindo, apenas e
tão-somente, “os recursos excepcionais (recurso extraordinário, recurso
especial e embargos de divergência)”22.
O art. 267, § 3º do CPC e
o agravo de instrumento
A doutrina freqüentemente
refere-se ao art. 267, § 3º do CPC em relação a
apelação.
Ocorre que, não há
qualquer motivo para se excluir o agravo de instrumento do seu âmbito de
incidência.
A esta conclusão já
havíamos chegado sinteticamente em nosso “Condições
da Ação”, senão vejamos:
“Há de
se indagar, por fim, se o tribunal poderá declarar a ausência do interesse de
agir ou de qualquer outra condição da ação, em agravo de instrumento interposto
de decisão interlocutória que não diz respeito à presença de tais requisitos,
especialmente daquela que concedeu tutela antecipada.
Não vislumbramos qualquer
diferença entre a apelação ou qualquer outro recurso, no que atine à aplicação
do efeito translativo, o que nos permite dizer que as
questões de ordem pública, sobre as quais não existe preclusão, podem ser
apreciadas pelo tribunal, desde que o recurso seja conhecido, preenchendo todos
os requisitos para sua admissibilidade.
Por exemplo: interposto
agravo de instrumento da decisão que concedeu liminarmente o despejo, mesmo que
o agravante não alegue a ausência do interesse de agir, poderá o tribunal se
pronunciar a respeito, determinando a extinção do processo sem o julgamento do mérito”23.
Aliás, se fizéssemos uma
interpretação literal deste dispositivo legal, desprezando o sentido da norma,
a translação das questões de ordem pública só ocorreria no agravo. Isto porque
– como vimos –, apesar de o mesmo fazer referência a qualquer tempo ou grau
de jurisdição, ressalva: enquanto não proferida a sentença de mérito.
Ademais, sabendo que o
tribunal poderá apreciar esta matéria em apelação, porque não precipitar uma
decisão do próprio tribunal no agravo de instrumento, em atenção ao princípio
da economia processual, evitando-se, desta maneira, o prosseguimento de uma
dispendiosa e inútil atividade estatal.
Há que se ressaltar,
entretanto, que o tribunal, para julgar o agravo de instrumento, não dispõe dos
autos do processo. É preciso, desta forma, que os documentos anexados às razões
e/ou contra-razões possibilitem aos julgadores o conhecimento da matéria de uma
forma inequívoca.
Portanto, o tribunal não
somente pode, mas deve conhecer da matéria prevista
nos incisos IV, V ou VI do art. 267 do CPC, em agravo de instrumento, ainda que
tal matéria não tenha sido suscitada pelo agravante.
Assim também se
posicionou Teresa Arruda Alvim Wambier na última
edição de sua obra sobre agravos, a saber:
“Na mesma linha de
raciocínio, entendemos que o Tribunal, desde que se trate de matéria de ordem
pública cuja constatação possa ser feita icto
oculi, pode extinguir o processo com base no art.
267, em julgando um agravo, em que a matéria não tenha sido ventilada”24.
Por outro lado,
interposto o agravo de instrumento, poderá o juiz se retratar – especialmente
após o cumprimento pela parte, do disposto no CPC, art
526, –, conhecendo da ausência de qualquer dos pressupostos processuais ou das
condições da ação. Esta decisão deverá ser comunicada imediatamente ao
tribunal.
Ressalte-se, por fim, que
havendo a extinção do processo no agravo de instrumento, se a decisão não for
unânime, por coerência lógica, deve caber embargos
infringentes. Esta parece ser a melhor interpretação do art. 530 do CPC,
coerente com a sua finalidade.
Conclusões
Apresentamos, então, as
conclusões a que chegamos neste trabalho.
Os pressupostos
processuais constituem categoria jurídica heterogênea. A decisão que declara a
ausência de um pressuposto processual pode consistir numa decisão
interlocutória ou numa sentença processual, cabendo agravo ou apelação, conforme
o caso.
Já o julgado que
reconhece a ausência de uma condição da ação terá natureza jurídica de sentença
processual, sendo impugnável por apelação.
É possível, entretanto,
que a sentença declaratória da inexistência de pressuposto processual ou condição
da ação não gere – excepcionalmente – a extinção do processo (como um todo).
Nesta hipótese, por uma questão de ordem prática, o recurso cabível será o
agravo.
O juiz, antes de proferir
sentença, pode declarar expressamente que estão presentes os pressupostos
processuais e as condições da ação. Tratando-se de decisão interlocutória, o
réu poderá interpor agravo.
Os pressupostos
processuais e as condições da ação são requisitos de admissibilidade para o
julgamento do mérito.
A admissibilidade possui
um caráter público, tendo em vista os altos custos do processo para as partes e
– principalmente – para o Estado.
Este é razão pela qual as questões atinentes aos pressupostos processuais e às
condições da ação são consideradas questões de ordem pública.
Por isso mesmo, não há
preclusão pro judicato sobre a decisão do
juiz, anterior à sentença, que declara a presença dos pressupostos processuais
ou das condições da ação, a teor do CPC, art. 267, § 3º.
Da mesma forma, o CPC,
art. 267, § 3º, permite que o órgão ad quem
conheça de ofício sobre a ausência de pressuposto processual ou de condição
da ação em grau de recurso.
Nada há em nosso direito
que impeça a aplicação do CPC, art. 267, § 3º, ao agravo de instrumento,
podendo o tribunal conhecer de ofício da ausência de um pressuposto processual
ou de uma condição da ação.
Aliás, numa simples
interpretação literal do texto legal – com a qual, é preciso deixar claro, não
concordamos – só se poderia admitir a translação das questões de ordem pública
no agravo de instrumento, tendo em vista que a norma faz a ressalva enquanto
não proferida a sentença de mérito.
É preciso, entretanto,
que o tribunal disponha de elementos suficientes para verificar a falta de um
pressuposto processual ou de uma condição da ação nos autos do próprio agravo
de instrumento, na medida em que não dispõe – neste recurso – dos autos do
processo.
Ao juiz que proferiu a
decisão recorrida também se permite a retratação, no agravo de instrumento,
para declarar a ausência de qualquer dos requisitos de admissibilidade para o
exame do mérito.
Ademais,
se a decisão do agravo de instrumento, que extinguiu o processo sem julgamento
do mérito, não for unânime, será impugnável por meio de embargos infringentes.
Notas:
1. Abordamos o tema em nosso
Condições da Ação: enfoque sobre o interesse
de agir no direito processual civil brasileiro. 1ª ed. 2ª tir. São Paulo: RT, 2000.
2. Excepcionalmente o
objeto litigioso do processo poderá ser ampliado na contestação, quando a ação
proposta tiver a natureza dúplice, v.g. ações possessórias, ação de
prestação de contas e ação de divisão e/ou demarcação.
3. Observe-se que a
disciplina normativa é distinta para o réu (CPC, art. 13, II).
4. Mesmo ao se declarar
impedido, o juiz profere decisão interlocutória irrecorrível, pois, em qualquer
situação, faltaria interesse em recorrer.
5. Manuale
di Diritto Processuale Civile. 2.ed. Milano: Giuffrè,
1968, v. I, p. 40.
6. É
importante notar também que, em trabalho anterior ao próprio Manuale, Liebman se
pronunciou favoravelmente à adoção de um quarto grupo de condições da ação,
consistente na ausência de fatos extintivos da ação, como a coisa julgada e a
perempção da ação conseqüente a três absolvições de instância, e de fatos
suspensivos da ação, como o beneficium excussionis (O despacho saneador e o julgamento do
mérito.
Revista Forense, 1945, v. 104, p. 223).
7. Ob.
cit., p. 71.
8. Legitimidade para
Agir no Direito Processual Civil Brasileiro. São Paulo: RT, 1979, p. 53.
9. Falar em carência
de ação implica reconhecer que a ausência de uma condição da ação leva
necessariamente à falta ou privação da própria ação, como dizia Liebman (L’azione nella teoria del
processo civile, publicado em Problemi
del Processo Civile. Morano: 1962, p. 47). Mas isto efetivamente não ocorre,
senão tais requisitos seriam incompatíveis com a nossa Constituição Federal
(art. 5º, XXXV). Ainda que possa parecer um mero jogo de palavras, é preciso
observar que a ausência de uma condição da ação impede apenas o regular
exercício do direito de ação e não a existência da própria ação.
10. Consoante Teresa
Arruda Alvim Wambier, não é o critério topográfico
que distingue a sentença dos demais pronunciamentos do juiz, nem a
possibilidade de gerar a extinção do processo, mas o seu conteúdo
pré-estabelecido em lei (Nulidades do Processo e da Sentença. 4ª ed. São
Paulo: RT, 1997, p. 25-27).
11. Ob.
cit., p. 155.
12. Na prática forense,
aliás, verifica-se que o juiz, ao entender presentes os pressupostos
processuais e as condições da ação, na maioria das vezes não se pronuncia
expressamente sobre a matéria ou simplesmente declara que tais requisitos estão
presentes – sem fundamentar sua decisão – no momento em que profere a própria
sentença de mérito.
13. Admissibilidade e
Mérito na Execução, RePro nº 47, p. 25; Mandado de Segurança Coletivo: legitimação
ativa. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 60 e 61.
14. Cf. denominação de
Alfredo Buzaid, Do Despacho
Saneador, publicado em Estudos de Direito. São Paulo: Saraiva,
v. 1, p. 7.
15. Recursos de Efeito
Devolutivo Restrito e a Possibilidade de Decisão Acerca de Questão de Ordem
Pública sem que se Trate da Matéria Impugnada, publicado em Aspectos Polêmicos
e Atuais dos Recursos. São Paulo: RT, 2000, p. 268.
16. Despacho Saneador.
Porto Alegre: Livraria Sulina, 1963, p. 160 a 162.
17. Sobre a Eficácia
Preclusiva da Decisão Declaratória de Saneamento, publicado em Temas Polêmicos
de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1990, P.
54.
18. Ob.
cit., p. 192.
19. Tratado de
Direito Processual Civil. São Paulo: RT, 1999, v. I, p.
322.
20. Princípios
Fundamentais – Teoria Geral dos Recursos. 5ª ed. São Paulo: RT, 2000, p.
415.
21. Idem.
22. Idem, p. 420.
23. Ob.
cit. p.
138 e 139.
24.
Os Agravos no CPC Brasileiro. 3ª ed. São Paulo: RT, 2000, p. 225.
Advogado em São Paulo/SP – Mestre e Doutorando pela PUC-SP – Professor de Direito Processual Civil da UniFMU, UNIP e UNIBAN – Autor do Livro “Condições da Ação”, Ed. Revista dos Tribunais.
O Benefício de Prestação Continuada (BPC), mais conhecido como LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social),…
O benefício por incapacidade é uma das principais proteções oferecidas pelo INSS aos trabalhadores que,…
O auxílio-reclusão é um benefício previdenciário concedido aos dependentes de segurados do INSS que se…
A simulação da aposentadoria é uma etapa fundamental para planejar o futuro financeiro de qualquer…
A paridade é um princípio fundamental na legislação previdenciária brasileira, especialmente para servidores públicos. Ela…
A aposentadoria por idade rural é um benefício previdenciário que reconhece as condições diferenciadas enfrentadas…