Benefício assistencial de prestação continuada: abrandamento do requisito da miserabilidade

Resumo: A Constituição Federal de 1988 criou o sistema de Seguridade Social, destinado a assegurar o direito à Saúde, à Previdência e à Assistência Social aos cidadãos. A Assistência Social é prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à Seguridade Social. Dentre seus objetivos está a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com mais de 65 anos, que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua própria família. O presente artigo tem como objetivo analisar os principais requisitos para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada, suas peculiaridades e algumas características, com ênfase no requisito econômico. Trata-se de pesquisa qualitativa, realizada através de método dedutivo e de procedimento técnico bibliográfico e documental. Assim, as reflexões iniciam a partir de um resgate sobre o conceito e composição da Seguridade Social, com breve exposição sobre a Assistência Social, até chegar ao benefício assistencial de prestação continuada. Nesse sentido, conclui-se que a Assistência Social é prestada a quem necessitar, desde que observados certos requisitos, dentre eles a insuficiência econômica dos pretensos beneficiários.[1]

Palavras-chave: Previdenciário. Assistência Social. Benefício Assistencial de Prestação Continuada. Requisito Econômico.

Abstract: The 1988 Federal Constitution created the Social Security system, whose purpose is safeguarding the right to health, social security and social assistance for citizens. Social Assistance is given to whoever needs it, regardless of contribution to Social Security. Among its goals is the guarantee of a minimum monthly benefit wage to the disabled people and to the elderly over 65 years of age who prove to be unable to support themselves, or whose families cannot support them. This study aims at analyzing the main requirements for receiving the continued provision welfare benefit, its peculiarities and some features, with focus on the economic requirement. It is a qualitative research, with deductive method and bibliographic and document technical procedure. Firstly, reflections began with an analysis of the concept and the composition of the Social Security, with a brief explanation about Social Assistance, and finished with the continued provision welfare benefit. The conclusion reached was that Social Assistance is given to whoever needs it, as long as certain requirements are complied with, among them, not being able to provide for oneself.

Keywords: Social Security. Social Assistance. Continued Provision Welfare Benefit. Economic Requirement.

Sumário: Introdução. 1. O Benefício Assistencial de Prestação Continuada. 1.1 Principais requisitos para a concessão do Benefício de Prestação Continuada. 1.2 Análise do requisito econômico para a concessão do benefício de Prestação Continuada. Conclusão.

Introdução

A Constituição Federal de 1988 originou o sistema de Seguridade Social, destinada a assegurar o direito à Saúde, à Previdência e à Assistência Social aos cidadãos.

A Assistência Social “será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social […]”, nos termos do que dispõe o artigo 203, caput da Constituição Federal de 1988.

Dentre os principais objetivos da Assistência Social está a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua própria família, conforme dispuser a lei, nos termos do inciso V, do art. 203 da Constituição Federal.

O benefício assistencial de prestação continuada está previsto nos artigos 20, 21 e 21-A da Lei nº 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social) e no Decreto nº 6.214/2007 (Regulamento do Benefício de Prestação Continuada). Essas normas foram modificadas pelas Leis nº 12.435/2011, 12.470/2011 e pelos Decretos nº 7.617/2011 e 8.805/2016, respectivamente.

Para ter direito ao BCP (Benefício Assistencial de Prestação Continuada), o cidadão deve preencher alguns requisitos legais. No caso de pessoa idosa, deve comprovar que possui 65 anos de idade ou mais, que a renda mensal bruta familiar, dividida pelo número de integrantes, seja inferior a um quarto do salário mínimo e que não possua outro benefício no âmbito da Seguridade Social.

Já em se tratando de pessoa com deficiência, esta deve comprovar a existência de impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, as quais, em interação com diversas barreiras, impeçam sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas, bem assim que a renda mensal bruta familiar, dividida pelo número de integrantes, seja inferior a um quarto do salário mínimo e que não possua outro benefício no âmbito da Seguridade Social.

Com efeito, o requisito que mais sofre modificações e interpretações ao longo dos anos, é o econômico, para fins de concessão do Benefício de Prestação Continuada. Enquanto a Lei concede o benefício mediante critério objetivo, no qual a renda mensal per capita deve ser inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, a doutrina e jurisprudência tem admitido outros critérios para a sua concessão, de modo a flexibilizar o requisito econômico, ou seja, permite uma análise subjetiva frente ao caso proposto.

Nesse sentido, o presente artigo pretende, como objetivo geral, apresentar as principais características e requisitos do Benefício de Prestação Continuada, com ênfase no critério econômico. Para isso, inicialmente, é necessário estabelecer conceitos para, depois, investigar as particularidades do benefício.

No que se refere ao modo de abordagem, a pesquisa será qualitativa, pois trabalhará com o exame da natureza, do alcance e das interpretações possíveis para o fenômeno estudado, consoante os ensinamentos de Mezzaroba e Monteiro (2008).

Tangente ao método a ser utilizado para o desenvolvimento deste artigo, será o dedutivo, através da utilização de técnicas bibliográficas (baseadas em revisão teórica que envolve doutrina e livros de referência) e documentais (com o uso de legislação), que visa alcançar os objetivos do artigo.

1 O Benefício Assistencial de Prestação Continuada

Conforme já referido, a Constituição Federal de 1988 criou o sistema de Seguridade Social, destinada a assegurar direitos à Saúde, à Previdência e à Assistência Social aos cidadãos.

A Assistência Social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à Seguridade Social, nos termos do que estabelece o artigo 203, da Carta Magna. Dentre os principais objetivos está a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua própria família, conforme dispuser a lei, nos termos do inciso V, do art. 203 da Constituição Federal.

Na lição de Leitão e Meirinho (2013) o inciso V do art. 203 da CF/88 prevê um benefício de extrema importância no ordenamento jurídico. Trata-se do benefício assistencial de prestação continuada, que poderá ser concedido ao idoso ou ao deficiente que comprovem a hipossuficiência econômica.

Logo, a pessoa idosa ou deficiente, que não possua condições de prover o próprio sustento, nem de tê-lo provido por sua família, pode requerer o benefício de prestação continuada, no valor de um salário mínimo mensal. Tal benefício, por possuir natureza assistencial, independe de pagamento de contribuições diretas ou indiretas.

Conforme ensinamentos de Martinez (2014), o processamento do benefício de pagamento continuado é o mesmo das demais prestações previdenciárias, com particularidades ao direito dos idosos e deficientes, ligado à ideia de alimentaridade e assistencialidade inerente a esse direito, devendo ser singelo e célere, aplicando-se o princípio in dubio pro misero.

De acordo com o art. 1º da Lei Orgânica da Assistência Social, a Assistência Social é um direito do cidadão e dever do Estado, política de Seguridade Social não contributiva, que garante os mínimos sociais, alcançada através de um conjunto de ações entre a iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento das necessidades básicas.

Em que pese a ausência de contribuição, cabe ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, conceder e fiscalizar o benefício assistencial de prestação continuada, frente à economia e eficiência, além de possuir agências em todo o território nacional e ter acesso a uma base de dados para a apuração do direito ao benefício (LEITÃO; MEIRINHO, 2013).

O benefício Assistencial de Prestação Continuada está regulado na Lei nº 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social) e no Decreto nº 6.214/2007 (Regulamento do Benefício de Prestação Continuada). Essas normas foram modificadas pelas Leis nº 12.435/2011, 12.470/2011 e pelo Decreto nº 7.617/2011. Recentemente, o Decreto nº 8.805/2016, trouxe alterações para o Regulamento do Benefício de Prestação Continuada.

Portanto, trata-se de benefício assistencial, alcançado por intermédio do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), de natureza alimentar, e que objetiva conferir recursos mínimos a uma vida digna, ao idoso ou à pessoa portadora de deficiência.

Os critérios para concessão do Benefício de Prestação Continuada ao idoso ou pessoa portadora de deficiência estão previstos nos artigos 20 e 21 da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS).

Assim, para uma melhor compreensão sobre o tema em desate, passa-se à análise dos principais requisitos para a obtenção do benefício de prestação continuada, com destaque ao requisito econômico.

1.1 Principais requisitos para a concessão do Benefício de Prestação Continuada

Para a concessão do Benefício Assistencial de Prestação Continuada, a Lei prevê a observância de alguns requisitos, os quais serão analisados a seguir.

Os requisitos necessários à concessão do Benefício de Prestação Continuada estão previstos na Lei Orgânica de Assistência Social e nos Decretos Regulamentadores.

De acordo com o art. 20, caput e parágrafos, da Lei Orgânica de Assistência Social, a pessoa idosa deve comprovar, de forma cumulada, possuir 65 anos de idade ou mais, que a renda familiar bruta, dividida pelo número de integrantes, seja inferior a um quarto do salário mínimo vigente e que não possua outro benefício no âmbito da Seguridade Social ou de outro regime, inclusive o seguro-desemprego, salvo o de assistência médica e a pensão especial de natureza indenizatória.

Já a pessoa com deficiência deve comprovar, de forma cumulada, a existência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, impeçam sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, que a renda familiar bruta, dividida pelo número de integrantes, seja inferior a um quarto do salário mínimo vigente e que não possua outro benefício no âmbito da Seguridade Social ou de outro regime, inclusive o seguro-desemprego, salvo o de assistência médica e a pensão especial de natureza indenizatória, bem como a remuneração resultante de contrato de aprendizagem.

Vianna (2014, p. 33), ensina que “atualmente, nos termos da Lei nº 12.435/2011, compõe a família, além do requerente, o cônjuge, ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto”.

De se ressaltar, que antes da alteração promovida pela Lei 12.435/2011, o conceito de família correspondia ao conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei 8.213/91[2].

Conforme Castro e Lazzari (2015), para comprovar a ausência de outro benefício, o requerente poderá fazer uma declaração e, no caso de incapacidade para os atos da vida civil, através de declaração de seu curador ou tutor.

Ainda, o acolhimento em instituição de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada, conforme § 5º, do art. 20, incluído pela Lei nº 12.435/2011.

O art. 20, § 2º, da Lei n 12.435/11 dispõe que:

”§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se:

I – pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas;

II – impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos”.

Segundo Vianna (2014, p. 34), “o conceito de deficiência da lei não confunde-se com o de deficiência física. É evidentemente mais amplo: por isso, o benefício não é devido somente aos portadores de deficiência física”.

A pessoa com deficiência deve ser avaliada a fim de verificar se sua deficiência o incapacita para a vida independente e para o trabalho. Esta avaliação é realizada pelo Serviço Social e pela perícia médica do INSS. Ainda, o benefício fica condicionado à avaliação da deficiência e do grau de impedimento, com base nos princípios da Classificação Internacional de Funcionalidades, Incapacidade e Saúde (CIF), estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde (CASTRO; LAZZARI, 2015).

Vianna (2014) destaca que, no caso de não existirem serviços de avaliação médica e social no município de residência do beneficiário, é assegurado o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura, na forma prevista em regulamento. Tal previsão é encontrada no art. 20, § 7º, da Lei 8.742/1993.

Para a concessão do benefício de prestação continuada às crianças e adolescentes menores de 16 anos, deve ser avaliada a existência de deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade e restrição da participação social, compatível com a idade (CASTRO; LAZZARI, 2015).

Castro e Lazzari (2015) ensinam que o benefício pode ser pago a mais de um membro do grupo familiar, desde que comprovados os requisitos necessários. Dessa forma, o valor do benefício concedido anteriormente será incluído no cálculo da renda familiar. Entretanto, o art. 34, § único, do Estatuto do Idoso estabeleceu uma exceção, ao referir que o valor do benefício de prestação continuada concedido ao idoso não pode ser computado no cálculo da renda mensal bruta familiar, para fins de concessão do benefício a outro idoso da mesma família.

Assim, o benefício já concedido a qualquer membro da família não é computado para fins de cálculo da renda per capita familiar, ou seja, cada membro da família pode receber o benefício desde que preenchidos os requisitos, sendo desconsiderados eventuais LOAS recebidos pelos demais (VIANNA, 2014).

Ainda, nas palavras de Vianna (2014, p. 39):

“[…] Essa alteração legislativa acabou por formar corrente doutrinária no sentido de que os benefícios previdenciários recebidos por membros da família, de valor mínimo, também deveriam ser desconsiderados para fins de cálculo da renda familiar per capita para fins de LOAS. O raciocínio adotado é o seguinte: se a percepção do LOAS independe de contribuição, porque se trata de benefício assistencial, com maior razão ainda deveria excluir-se benefício previdenciário de valor mínimo, para o qual exigiu-se contribuição do segurado, pois, do contrário, estar-se-ia beneficiando aquele que não contribui para o sistema de seguridade social em detrimento daquele que contribuiu”.

Assim, com base no princípio da isonomia, a jurisprudência tem estendido essa exclusão da renda nos casos de benefício assistencial em favor de pessoa com deficiência (CASTRO; LAZZARI, 2015).

Dessa forma, frente às mudanças da legislação e jurisprudência, tem-se que, o benefício assistencial já concedido ao idoso ou pessoa deficiente, não é computado para fins de cálculo da renda per capita familiar.

Outro ponto passível de discussão é se o benefício pode ser estendido aos estrangeiros ou se é restrito aos brasileiros.

Refere Castro e Lazzari (2015), que é beneficiário do benefício de prestação continuada o brasileiro, nato ou naturalizado, que comprove domicílio e residência no Brasil e atenda os demais critérios.

Conforme referido por Leitão e Meirinho (2013), o benefício assistencial será concedido somente ao brasileiro, nato ou naturalizado, que comprove residência no Brasil, de acordo com o art. nº 6.214/2007. Ensinam os doutrinadores que essa restrição tem respaldo legal, pois o art. 1º da Lei nº 8.742/1993 limita a cobertura da assistência social somente aos cidadãos, ou seja, aos brasileiros em fruição de seus direitos políticos.

Outrossim, convém ressaltar que:

“[…] várias decisões judiciais vêm reconhecendo o direito do estrangeiro residente no Brasil ao recebimento do benefício assistencial de prestação continuada, com base no art. 5º da CF/88, que dispõe que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no país diversos direitos fundamentais (LEITÃO; MEIRINHO, 2013, p. 748)”.

Castro e Lazzari (2015) ensinam que o benefício tem início na data de entrada do requerimento. Nos casos de deferimento judicial, os efeitos devem retroagir à data do requerimento administrativo. Na ausência de prévio requerimento administrativo, a data de início é o ajuizamento da ação.

Entretanto, segundo Leitão e Meirinho (2013, p. 758) “de acordo com a Súmula 22 da TNU, se a prova pericial realizada em Juízo dá conta de que a incapacidade já existia na data do requerimento administrativo, este é o termo inicial do benefício assistencial”.

Outro ponto que merece destaque é a revisão, suspensão e cancelamento do benefício.

Consoante prevê o art. 21 da Lei 8.742/1993, o benefício é revisto a cada dois anos para avaliação das condições que lhe originaram e será cessado quando ocorrer a superação das condições que lhe deram origem ou com a morte do beneficiário.

A reavaliação do benefício consiste em verificar se as condições que o originaram ainda permanecem, se os beneficiários ainda apresentam renda inferior a um quarto do salário mínimo. No caso da pessoa com deficiência, também é realizada nova avaliação médica e social para verificação do grau de impedimento (LEITÃO; MEIRINHO, 2013).

Os estudiosos Castro e Lazzari (2015) referem que o benefício também é cancelado quando constatada alguma irregularidade na sua concessão ou utilização. O benefício é suspenso quando a pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na condição de microempreendedor individual. Não ocorre suspensão ou cancelamento do benefício em função de desenvolvimento da capacidade, atividades de habilitação ou reabilitação da pessoa deficiente. Igualmente, a contratação da pessoa com deficiência como aprendiz não acarreta a suspensão do benefício, sendo limitado a dois anos o recebimento concomitante do benefício com o exercício da atividade remunerada. Tais previsões são encontradas nos arts. 21, § 2º e 21-A da LOAS.

No mesmo sentido, Leitão e Meirinho (2013, p. 751) ensinam que “poderá ser requerida a continuidade do pagamento do benefício suspenso, sem necessidade de realização de perícia médica ou reavaliação da deficiência e do grau de incapacidade para esse fim, respeitado o período de revisão bienal previsto no caput do art. 21”.

Entretanto, o cancelamento do benefício concedido à pessoa com deficiência em razão do desenvolvimento de atividade remunerada não impede nova concessão, desde que observados os requisitos da Lei nº 12.470/2011. Por fim, narram que o benefício é intransferível e, assim, não gera pensão por morte. Contudo, eventual valor não recebido em vida pelo beneficiário é pago aos herdeiros ou sucessores. O benefício não sofre desconto de contribuição e não gera direito a abono anual (CASTRO; LAZZARI, 2015).

Dessa forma, observados alguns requisitos necessários para a obtenção do benefício de prestação continuada, bem como as principais características, passa-se a uma análise minuciosa do critério econômico para a concessão do benefício em desate.

1.2 Análise do requisito econômico para a concessão do benefício de Prestação Continuada

Neste ponto do trabalho far-se-á uma abordagem sobre o requisito econômico para fins de concessão do Benefício de Prestação Continuada e a possibilidade de flexibilização do critério do cálculo da renda per capita.

Conforme foi exposto, dentre os requisitos para concessão do LOAS, tanto a pessoa idosa como a pessoa com deficiência devem comprovar que a renda familiar bruta, dividida pelo número de integrantes, é inferior a um quarto do salário mínimo vigente.

Já para fins de cálculo da renda per capita que pode gerar o benefício da LOAS, a família “é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto” (CASTRO; LAZZARI, 2015, p. 864).

Na sequência, de acordo com o art. 4º, inciso IV, do Decreto nº 7.617/11, a renda mensal bruta familiar corresponde a:

“VI – a soma dos rendimentos brutos auferidos mensalmente pelos membros da família composta por salários, proventos, pensões, pensões alimentícias, benefícios de previdência pública ou privada, seguro-desemprego, comissões, pro-labore, outros rendimentos do trabalho não assalariado, rendimentos do mercado informal ou autônomo, rendimentos auferidos do patrimônio, Renda Mensal Vitalícia e Benefício de Prestação Continuada, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 19”.

Portanto, em resumo, para fins de cálculo da renda per capita para concessão da LOAS, a renda bruta familiar corresponde a soma de todos os rendimentos brutos mensais dos membros da família.

Segundo Leitão e Meirinho (2013), na esfera administrativa, entende-se que o critério previsto na Lei nº 8.742/93 é único e objetivo, pois decorre de simples operação aritmética: soma-se a renda de todos os integrantes do grupo familiar e divide-se pelo número de integrantes. Logo, pela interpretação do INSS, para alguém ser beneficiário da LOAS, a renda per capita do grupo familiar deve ser inferior a ¼ do salário mínimo. Sendo igual, não há direito ao benefício.

Ocorre que, em matérias que envolvem direitos fundamentais, que é o caso, a interpretação das normas legais deve levar em conta o conceito-chave do mínimo existencial, que está apoiado na impossibilidade de exercício da atividade laboral e de sustento próprio, o que proporcionará ao magistrado a possibilidade de realizar uma interpretação que desenvolva o direito de acordo com o princípio da dignidade da pessoa humana (TAVARES, 2014). Conforme entendimento do estudioso, se a previsão objetiva da lei não é suficiente para cumprir o princípio da dignidade da pessoa humana e que a insuficiência leva a pessoa a uma situação de miséria, o juiz deve fundamentar seu convencimento baseado nessa concepção teleológica e ética.

Ainda segundo Tavares (2014), no caso de o critério acolhido de forma genérica pelo legislador, não ser suficiente para solucionar o problema de sobrevivência, cabe ao Poder Judiciário valorizar os elementos adequados para solucionar o caso de forma justa.

Assim, muito embora a Lei apresente um critério único e objetivo, no caso de o magistrado estar frente a uma situação de miserabilidade do requerente, pode o mesmo buscar outros elementos para solucionar o caso, baseado no princípio da dignidade da pessoa humana.

Nos ensinamentos de Castro e Lazzari (2015) os critérios de aferição do requisito econômico são polêmicos. Conforme orientação do Superior Tribunal de Justiça, o magistrado não está preso a um sistema de tarifação legal de provas, ou seja, a delimitação de valor da renda familiar per capita não pode ser o único meio de prova da condição de miserabilidade do requerente do benefício.

Ademais, refere Leitão e Meirinho (2013, p. 753) que “[…] a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 já foi objeto de impugnação nos autos da ADI 1.232-1. Na oportunidade, o STF considerou válido o critério objetivo de ¼ do salário mínimo e julgou a ação improcedente”.

No mesmo sentido, Vianna (2014, p. 56) refere que:

“Conforme as decisões judiciais, não se trata de interpretar como inconstitucional a existência de um limite fixado na Lei 8.742/93, porque a matéria já foi apreciada na ADI 1232-1, tendo o Supremo Tribunal Federal, naquela ocasião (1998), concluído por sua constitucionalidade. Trata-se, ao contrário, de validar tal limite como parâmetro objetivo para configurar o estado de necessidade, interpretando-o de forma sistemática aos outros requisitos necessários à obtenção do benefício, sem prejuízo de situações que, mesmo não observado tal limite, comprovem a condição de hipossuficiência”.

Ocorre que, a jurisprudência majoritária sofreu mudanças, baseada em decisões do STJ, a qual passou a entender que o critério objetivo não é o único a ser considerado para verificação de hipossuficiência, sendo possível a verificação através de outros critérios (LEITÃO; MEIRINHO, 2013).

Portanto, tem-se que, após reconhecidas divergências jurisprudenciais, atualmente, a interpretação dada ao tema vem no sentido de que  o critério objetivo não é o único a ser considerado na verificação da condição de miserabilidade do requerente. Atualmente, é possível a verificação de hipossuficiência através de outros preceitos.

Nesse sentido, segue abaixo o precedente prolatado no Resp nº 1.112.557/MG, pela 3ª Seção, sendo Relator o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, publicado em 20/11/09, que foi processado como representativo de controvérsia, nos termos do art. 543-C, do CPC:

“RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.

3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).

4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável.

5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.

6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.

7.  Recurso Especial provido.

(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009) (grifo nosso)”

Isto posto, se extrai do julgado que a delimitação do valor da renda familiar per capita não pode ser o único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiário, mas sim, um critério objetivo, mas que não impede a avaliação ou constatação da necessidade do benefício por outras formas.

Da mesma forma, Vianna (2014) narra que a jurisprudência tem oscilado em relação ao critério da renda familiar per capita. Inicialmente, o STF entendia que a Lei 8.742/93 trazia critério objetivo de prestação assistencial e não poderia ser desconsiderada em nenhuma hipótese. Entretanto, a posição do STF sofreu grande alteração a partir do julgamento da Reclamação nº 4.374. Assim, a tendência do STF é no sentido de “dar nova interpretação ao artigo 203, V da Constituição Federal, admitindo-se outros critérios para a comprovação do estado de miserabilidade do titular do direito” (Vianna, 2014, p. 37).

Refere Castro e Lazzari (2015, p. 864) que:

“O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Reclamação nº 4.374, relativa ao critério econômico para concessão de benefício assistencial (renda familiar per capita de até ¼ do salário mínimo), reconheceu a inconstitucionalidade parcial por omissão, sem pronúncia de nulidade e sem fixar prazo para o legislador eleger novo parâmetro”.

Logo, o entendimento do STF, no sentido de que a LOAS previa critério único e objetivo, sofreu modificação com o julgamento da Reclamação nº 4.374, a qual trouxe nova interpretação e adotou outros critérios para a comprovação da hipossuficiência do beneficiário.

Assim, segue a ementa da Reclamação Constitucional nº 4.374, julgada pelo Ministro Gilmar Mendes, do Tribunal Pleno, em 18/04/2013:

“Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Reclamação como instrumento de (re)interpretação da decisão proferida em controle de constitucionalidade abstrato. Preliminarmente, arguido o prejuízo da reclamação, em virtude do prévio julgamento dos recursos extraordinários 580.963 e 567.985, o Tribunal, por maioria de votos, conheceu da reclamação. O STF, no exercício da competência geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de qualquer ato normativo com a Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade, incidentalmente, de normas tidas como fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na reclamação. Isso decorre da própria competência atribuída ao STF para exercer o denominado controle difuso da constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de reapreciação das decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com mais naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo hermenêutico típico da reclamação – no “balançar de olhos” entre objeto e parâmetro da reclamação – que surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no controle de constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF, o Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E, inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação, se entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a interpretação atual da Constituição. 4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 6. Reclamação constitucional julgada improcedente. (Rcl 4374, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-173 DIVULG 03-09-2013 PUBLIC 04-09-2013) (grifo nosso)”

 Na mesma oportunidade, o STF declarou inconstitucional o § único do art. 34 do Estatuto do Idoso por violar o princípio da isonomia, ao excepcionar o recebimento de dois benefícios assistenciais de idoso, mas não permitir a percepção conjunta de benefício de idoso com o de deficiente ou outro benefício previdenciário, de acordo com o RE nº 580.963/PR, sendo Relator o Ministro Gilmar Mendes, julgado em 18/04/2013 (CASTRO; LAZZARI, 2015). Neste sentido a ementa:

“Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que: “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido pela Lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a Lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. A inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. O Estatuto do Idoso dispõe, no art. 34, parágrafo único, que o benefício assistencial já concedido a qualquer membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Não exclusão dos benefícios assistenciais recebidos por deficientes e de previdenciários, no valor de até um salário mínimo, percebido por idosos. Inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo. Omissão parcial inconstitucional. 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. 6. Recurso extraordinário a que se nega provimento.

(RE 580963, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-225 DIVULG 13-11-2013 PUBLIC 14-11-2013) (grifo nosso)”

Segundo Castro e Lazzari (2015), como o art. 20, § 3º da LOAS e art. 34, § único do Estatuto do Idoso, embora declarados inconstitucionais, não foram declarados nulos, os mesmos continuam sendo critérios para a concessão do benefício na seara administrativa até que outra legislação venha regular o tema.

Também, nas palavras de Vianna (2014), ainda que se está diante de norma constitucional de eficácia contida, pois assegurada pelo texto constitucional, tal fato não pode levar à conclusão de que a lei ordinária tem o objetivo de restringir um direito previsto na constituição, sob pena de inversão da hierarquia das leis. Logo, o critério do art. 20, § 3º da Lei nº 8.742/93 deve ser visto como um limite mínimo, podendo o julgador fazer uso de outros elementos probatórios, aptos a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família.

No mesmo sentido é o posicionamento de Tavares ao referir que (2014, p. 24):

“[…] os critérios estabelecidos pela Lei nº 8.742/1993 são insuficientes para atestar que o idoso ou o deficiente não possuem meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Constatada tal insuficiência, os juízes e tribunais nada mais têm feito do que comprovar a condição de miserabilidade do indivíduo que pleiteia o benefício por outros meios de prova”.

Portanto, a miserabilidade do requerente deverá ser analisada baseada em critérios subjetivos, em cada caso concreto, sendo possível aferir a condição de hipossuficiência econômica do idoso ou da pessoa com deficiência por outros meios de prova, que não apenas a comprovação da renda família mensal, como por exemplo, através de laudo socioeconômico, oitiva de testemunhas, auto de constatação realizado por oficial de justiça, etc. (CASTRO; LAZZARI, 2015).

Assim, tem-se, atualmente, como pacífico o entendimento no sentido de que a hipossuficiência econômica do requerente não pode ser atestada apenas com base na renda familiar mensal. Deve-se considerar outros meios de prova, baseadas no critério subjetivo.

 A atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça refere que a limitação do valor da renda per capita familiar deve ser afastada. No caso, deve-se analisar os demais requisitos necessários ao deferimento do benefício. Vejamos:

“PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LOAS (LEI 8.742/93). RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA REEXAME DO CRITÉRIO DE HIPOSSUFICIÊNCIA.

1. O acórdão de origem, em dissonância com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, considerou que "o critério fixado pelo parágrafo 3º do artigo 20 do LOAS é o único apto a caracterizar o estado de necessidade indispensável à concessão da benesse em tela".

2. Recurso especial provido para afastar a limitação do valor da renda per capita familiar e determinar o retorno dos autos ao tribunal de origem, para que se pronuncie acerca dos demais requisitos necessários ao deferimento do benefício assistencial pleiteado.

3. Agravo regimental não provido.

(AgRg no REsp 1415020/SP, Rel. Ministro OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/02/2016, DJe 02/03/2016) (grifo nosso)”

No mesmo sentido, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em sede de Apelação/Reexame Necessário nº 0017407-21.2015.404.9999, da Quinta Turma, sendo Relator o MM. Juiz Desembargador Luiz Antonio Bonat, decidiu que a aferição da miserabilidade da pessoa deficiente ou idosa pode ocorrer por outros meios de prova que não a renda per capita, diante da relativização do critério econômico:

“EMENTA: BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA IDOSA. CONDIÇÃO SOCIOECONÔMICA. MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO DE REQUISITOS. RENDA FAMILIAR. ART. 20, §3º, DA LEI 8.742/93. RELATIVIZAÇÃO DO CRITÉRIO ECONÔMICO OBJETIVO. STJ E STF. PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO LIVRE CONVENCIMENTO DO JUIZ. BENEFÍCIO DE RENDA MÍNIMA. IDOSO. EXCLUSÃO. CONSECTÁRIOS LEGAIS. TUTELA ESPECÍFICA. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO. 1. O direito ao benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal e no art. 20 da Lei 8.742/93 (LOAS) pressupõe o preenchimento de dois requisitos: a) condição de pessoa com deficiência ou idosa e b) condição socioeconômica que indique miserabilidade; ou seja, a falta de meios para prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família. 2. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.112.557 representativo de controvérsia, relativizou o critério econômico previsto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93, admitindo a aferição da miserabilidade da pessoa deficiente ou idosa por outros meios de prova que não a renda per capita, consagrando os princípios da dignidade da pessoa humana e do livre convencimento do juiz. 3. Reconhecida pelo STF, em regime de repercussão geral, a inconstitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei 8.742/93 (LOAS), que estabelece critério econômico objetivo, bem como a possibilidade de admissão de outros meios de prova para verificação da hipossuficiência familiar em sede de recursos repetitivos, tenho que cabe ao julgador, na análise do caso concreto, aferir o estado de miserabilidade da parte autora e de sua família, autorizador ou não da concessão do benefício assistencial. 4. Deve ser excluído do cômputo da renda familiar o benefício previdenciário de renda mínima (valor de um salário mínimo) percebido por idoso integrante da família. Aplicação analógica do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. […] (TRF4, APELREEX 0017407-21.2015.404.9999, Quinta Turma, Relator p/ Acórdão Luiz Antonio Bonat, D.E. 11/03/2016)” (grifo nosso)

Assim sendo, de acordo com o julgado, a condição de hipossuficiente da pessoa idosa ou deficiente deve ser aferida por outros meios de prova que não a renda per capita, baseada nos princípios da dignidade da pessoa humana e livre convencimento do juiz.

Por fim, convém citar trecho do acórdão proferido pela 4ª Turma Recursal do Paraná (Recurso Cível nº 5000113-05.2015.404.7012), de relatoria da MMª. Juíza Relatora Narendra Borges Morales, julgado em 10/03/2016, o qual aduz que o benefício assistencial pode ser concedido, mesmo que a renda per capita do grupo familiar não ultrapasse o limite legal:

“[…] Embora a renda per capita do grupo familiar não ultrapasse o limite legal de ¼ do salário-mínimo, é possível a concessão do beneficio assistencial, desde que a análise do contexto econômico e social da família comprove a situação de miserabilidade, consoante orientação da TNU: "o critério objetivo de ¼ do salário-mínimo 'per capita' não pode ser o único considerado na apuração da vulnerabilidade econômica da parte autora, devendo ser considerados outros elementos na apuração de tal requisito, principalmente aqueles elencados por ocasião da elaboração do laudo sócio-econômico" […] (TNU, PU 2007.70.50.014189-4, Rel. Juiz Federal Otávio Henrique Martins Port, DJ 13.05.2010)”.

Nos dizeres de Vianna (2014), o limite da renda mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo encontra-se flexibilizado nos Tribunais. No caso, é pacífico o entendimento no sentido de que é possível a percepção do benefício de prestação continuada para aqueles cuja renda per capita ultrapasse o limite previsto em lei, desde que comprovado o estado de necessidade.

O critério objetivo de renda definido pelo legislador dificulta o acesso ao direito porque não pode ser visto de maneira absoluta. O critério objetivo da renda foi estabelecido para facilitar a aferição do direito e não pode servir de empecilho à análise desta condição por outros meios. Conforme o caso, ainda que a renda familiar per capita seja igual ou superior a ¼ do salário mínimo e o grupo familiar não possuir condições de prover o sustento, resta evidenciada a condição de hipossuficiência econômica. O teto previsto em Lei deve ser considerado como um dos elementos a ser observado para aferição da miserabilidade (TRICHES, 2015).

Nesse sentido, o benefício assistencial de prestação continuada pode ser concedido nos casos em que a renda ultrapasse o limite previsto na Lei. Contudo, o estado de miserabilidade deve estar comprovado por outros meios.

Assim, tem-se que, para que a pessoa idosa ou pessoa deficiente tenha direito ao benefício assistencial da LOAS, o critério objetivo de ¼ do salário mínimo per capita não pode ser o único meio considerado na apuração da condição de miserabilidade do requerente. No caso, deve-se considerar outros elementos na apuração do requisito econômico, observados os princípios da dignidade da pessoa humana e do livre convencimento motivado do Juiz.

2 Conclusão

Conforme visto, a Constituição Federal de 1988 criou o sistema de Seguridade Social, destinada à assegurar o direito à Saúde, à Previdência e à Assistência Social aos cidadãos.

A Assistência Social é prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à Seguridade Social. Dentre seus objetivos está a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua própria família, conforme dispuser a lei.

Também ficou claro que a concessão do benefício de prestação continuada pressupõe o preenchimento de alguns requisitos, dentre os quais ser pessoa idosa ou portadora de deficiência, não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família e que a renda do grupo familiar per capita deve ser inferior a ¼ do salário mínimo, etc., segundo o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993.

O requisito atinente à renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo, porém, durante muito tempo, foi interpretado como sendo o único critério de aferição da miserabilidade do pretenso beneficiário da LOAS.

Contudo, amadurecidas, a doutrina e a jurisprudência, perceberam que o requisito, analisado apenas técnica e isoladamente, não atendia os fins preconizados pela Lei que instituiu o BPC.

Os operadores do direito, frente a casos concretos, constataram que o requisito atinente à renda familiar per capita inferior à ¼ do salário mínimo, poderia ser utilizado como um critério objetivo, mas não o único a aferir a condição de hipossuficiência do idoso ou da pessoa com deficiência.

Tal interpretação, sem dúvidas, melhor se coaduna com os princípios norteadores da Seguridade Social, expressos no art. 194 da Constituição Federal de 1988, especialmente a universalidade da cobertura e do atendimento (inciso I), seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços (inciso III) e da própria Assistência Social quando estabelece, no art. 1º da Lei 8.742/1993, a proteção social, visando à garantia da vida, proteção à família, à velhice, etc..

Dessa forma, no presente trabalho analisou-se, de forma concisa, os principais requisitos para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada, suas peculiaridades e algumas características, com ênfase no requisito econômico.

Ainda, examinou-se no decorrer do trabalho, algumas decisões provenientes dos tribunais superiores e a forma de aplicação do critério econômico para concessão do benefício assistencial.

Com este artigo, pode-se compreender que o critério objetivo previsto no artigo 20, § 3º da Lei 8.742/93 sofreu importantes modificações com o passar dos anos, haja vista que, atualmente, a limitação da renda per capita familiar não deve ser considerada como a única forma de comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

Logo, para a concessão do Benefício de Prestação Continuada, deve-se fazer uma composição dos requisitos objetivos elencados na Lei, ao lado dos requisitos subjetivos, conforme cada caso apresentado.

Diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente o cidadão social e economicamente vulnerável.

Dessa forma, conclui-se este artigo com o intuito de contribuir para o aprendizado e esclarecimentos em torno da concessão do Benefício Assistencial de Prestação Continuada, diante dos requisitos previstos em lei e constantes modificações no entendimento doutrinário e jurisprudencial, especialmente no que se refere ao requisito econômico.

 

Referências
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VIANNA, Cláudia Salles Vilela. Previdência Social Custeio e Benefícios. 3 ed. São Paulo: LTr, 2014.
VIANNA, João Ernesto Aragonés. Curso de direito previdenciário. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2014.
Notas
[1] Trabalho orientado pela Profa. Márcia Maria Pierozan, Professora dos Cursos de Graduação em Direito e Pós-Graduação em Direito Previdenciário e Processo do Centro Universitário Univates, de Lajeado/RS. Mestre em Direito. Advogada.
[2] Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I – o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, mnor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave;
II – os pais;
III – o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave;

Informações Sobre o Autor

Cristine Elisa Junges

Bacharela em Direito pelo Centro Universitário Univates de Lajeado/RS. Aluna de Pós-Graduação em Direito Previdenciário e Processo no Centro Universitário Univates de Lajeado/RS Advogada


Equipe Âmbito Jurídico

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