Resumo: O presente artigo se destina ao estudo acerca dos conceitos perante a Teoria do Direito. Aborda aspectos doutrinários e históricos acerca da história da formação dos conceitos, acerca da gênese dos conceitos e sobre a sua relação com o ordenamento jurídico. Tem por início uma abordagem da Semiótica e da teoria dos signos para, após, adentrar à utilização dos conceitos perante o Direito. Por fim, relaciona, em sede de conclusão, uma possível função dos conceitos perante o ordenamento jurídico.
Palavras-chave: Teoria do Direito. Conceitos. Conceito lógico-jurídico. Conceito jurídico positivo. Conceitos determinados pela função.
Abstract: This article aims to study the concepts in the face of the Theory of Rights. It approaches doctrinal and historical aspects related to the history of the formation of concepts, about the genesis of the concepts, and about its relation with the legal order. It begins with an approach to Semiotics and the theory of signs, then, it goes to the usage of the concepts facing the Legal Studies. Finally, the conclusion relates a possible function of the concepts in the face of the legal order.
Sumário: 1. Aspectos acerca da compreensão da linguagem e do conceito em direito; 1.1. A representação mental e o conceito; 2. Conceito lógico jurídico; 3. Conceito jurídico-positivo; 4. Análise dos conceitos na teoria do direito e sua relação com o ordenamento jurídico; 5. Conclusão.
1 ASPECTOS ACERCA DA COMPREENSÃO DA LINGUAGEM E DO CONCEITO EM DIREITO
Uma primeira incursão à Semiótica é necessária. Assim é que a premissa para tal afirmação é a consideração de que a expressão do fenômeno jurídico ocorre enquanto linguagem, não é o fenômeno da linguagem somente, ou basicamente, mas sim fenômeno expresso enquanto linguagem – mais das vezes considerada de acordo com a pragmática, voltada a um centro de decisões[1].
Esta realidade do Direito voltada à linguagem se manifesta via de regra em duas dimensões: (i) a linguagem do direito em si, voltada às condutas intersubjetivas entre pessoas – conteúdo prescritivo e (ii) a linguagem enquanto conteúdo de descrição do quanto exposto às condutas intersubjetivas – linguagem descritiva[2].
1.1 A REPRESENTAÇÃO MENTAL E O CONCEITO
Sendo posta a comunicação e a interação humana em estudo se tem a permanência da existência humana intersubjetiva, e, bem por isso, campo de estudo extenso para o presente trabalho. Alguns elementos construídos, entretanto, merecem uma análise detida.
O primeiro elemento a ser tratado é o signo. Este é a concordância entre o elemento significante e o referido a este, ou significado[3]. De acordo com Ferdinand Saussure, “signo é a combinação do conceito e da imagem acústica”[4], sendo a imagem acústica a representação virtual da palavra[5]. O signo é um processo de associação de duas entidades, denominadas significante e significado, sendo, pois, representação mental destas duas faces[6].
De outro lado, ao analisar o processo dinâmico referente aos elementos acima expostos, e se detendo aqui na semiose[7] de Charles Morris, têm-se quatro elementos básicos: o intérprete, que é o alguém do processo cognitivo; o interpretante, que é o efeito ou o juízo provocado pelo processo cognitivo; o designatum, que é o objeto em si designado; e o veículo sígnico, que é o ente que atua como signo[8].
Colocando o efeito e o intérprete em uma dimensão – por vezes, omitindo-se aquele, tem-se que a semiose se desenvolve em três dimensões básicas, sendo cada uma destas referentes às relações diádicas, ocorrentes entre as três dimensões pautadas sempre pelo signo, a relação entre os signos em si (sintática ou relação de implicação); a relação dos signos com os objetos (semântica ou relação de designação); e a relação dos signos com os intérpretes (pragmática ou relação de expressão)[9].
Detendo-se ainda na relação semântica, extrai-se o conceito. Nesse diapasão, o conceito é, então, “o pensamento que se forma sobre um objeto, consistindo em uma representação mental desse objeto extraída da experiência, através da abstração”.[10]
Pontue-se, na definição posta acima, que a extração do conceito se dá no plano da experiência. É desta quadra que se pode designar uma espécie de conceito necessário à ciência do Direito. Este é o conceito jurídico-positivo, decorrente da experiência de um ordenamento jurídico específico.
Posta a definição de conceito, se faz necessário distingui-la de outros signos especificamente jurídicos, em especial a categoria e o instituto jurídico.
Após prefaciar as obras de Kant, Aristóteles e Radbruch, Edvaldo Brito chega à definição de categoria como sendo um “conceito cristalizado pela experiência, formado por predicados costumeiramente identificados em um determinado gênero, podendo servir, por isso, de elemento para compor outros conceitos”[11].
De outro lado, o instituto jurídico é relacionado ao regime jurídico. Enquanto de um lado o conceito atua sobre a caracterização do pensamento, ou representação mental de um dado abstrato, o instituto jurídico é a própria situação jurídica – momento lógico em sentido posterior – posta sob um ordenamento jurídico específico, logo, sendo disciplinada em um regime jurídico – é um conceito sob o qual recai um regime jurídico[12].
O conceito é, portanto, derivado da relação do signo com o objeto, sendo atuante em diversas funções. [13] Pode ser abordada a sua função perante a ciência, sendo que, a sua função perante a ciência do Direito, permitiu desdobrá-lo em duas espécies, quando se trata da sua referência ao objeto.[14]
2 CONCEITO LÓGICO JURÍDICO
O conceito lógico-jurídico liga-se à ideia de uma Teoria do Direito pretensamente universalizante[15]. Tal concepção teve intenso apoio na doutrina encampada pelos racionalistas e pelos doutrinadores com perfil embasado no Direito Natural, sendo a sua pretensão de “a partir de um reduzido número de princípios superiores apriorísticos, extrair, através da pura dedução, todas as restantes regras de direito, sem ter em conta a realidade empírica, as circunstâncias especiais e temporais”[16].
De acordo com esta, e seu posicionamento abstrato e universalizante, se propõe a elaboração de conceitos aplicáveis a toda e qualquer manifestação do fenômeno jurídico em qualquer sociedade. São denominados, por isso, de conceitos teóricos, haja vista que “não se referem a dados empíricos”[17].
A lógica, nesse contexto, seria instrumento imprescindível para a elaboração ou o procedimento de abstração[18] de elementos para conceitos universais, sendo, igualmente, aplicável de forma universal. É deste proceder que se extraem conceitos como o de “relação jurídica”, “norma jurídica” etc[19].
A finalidade precípua do conceito lógico-jurídico é a construção de uma Ciência do Direito que tenha por objeto formal a utilização de conceitos universais, aptos a viabilizar o emprego desta ciência em qualquer manifestação do fenômeno jurídico[20]. São conceitos, pois, a priori, independentes da experiência. Tem por base a força que as ciências naturais possuíam à época, com a possibilidade encetada pela matemática mormente na sua própria área e na aplicação à Física, tornando-a física formal. Assim, a tentativa da formalização do Direito, com as vantagens que tal formalização pretensamente traria, ensejaram a constituição de conceitos lógicos-jurídicos.
Em que pese as duras críticas ao conceito lógico-jurídico[21], sua defesa encontra-se realizada por duas funções: “servem de base à elaboração dos conceitos jurídico-positivos e auxiliam o operador do Direito na tarefa de compreender, interpretar e aplicar o ordenamento jurídico. Têm, sobretudo, função heurística”[22]
3 CONCEITO JURÍDICO-POSITIVO
O conceito jurídico-positivo é dependente da experiência de um dado ordenamento jurídico. Por ser conceito dependente da experiência, é a posteriori em relação à sua formação[23].
O conceito jurídico-positivo decorre de um objeto da experiência, da manifestação do objeto em uma dada realidade, neste caso, em um dado ordenamento jurídico. Não é estritamente determinado se posto no ordenamento sob a forma de conceito legal.
No conceito ou pensamento conceitual decorrente da experiência, são estabelecidas notas distintivas. As notas são as propriedades particulares do objeto apreendido pelo pensamento abstrator. Estas são separadas e particularizadas àquele objeto ou à sua manifestação. Bem por isso o conceito tem a função de previsão: diante da sistematização do conceito prevê-se que determinado fenômeno, que a ele se subsuma, irá se desenvolver da mesma forma que o objeto primariamente observado. Assim é que se adota a lógica do “só quando e sempre que”, ou seja, só quando todos os aspectos estiverem presentes na situação fática e somente se estiverem.
A formulação do conceito jurídico-positivo é dada por notas conceituais distintivas elaboradas com base em um determinado ordenamento jurídico, sendo a sua aplicação “«só quando e sempre que» todas as notas distintivas do conceito se apresentam em algum objecto poderá ser esse objecto subsumido ao conceito, quer dizer, pertence à classe de objectos por ele designados”[24].
Assim é que o conceito jurídico-positivo se refere a um ordenamento jurídico determinado. Aqui cabe uma ponderação, entretanto. O ordenamento jurídico não é imutável, nem tampouco os conceitos jurídicos-positivos deles dependentes[25].
4 ANÁLISE DOS CONCEITOS NA TEORIA DO DIREITO E SUA RELAÇÃO COM O ORDENAMENTO JURÍDICO
Posto o elemento conceito para o Direito e suas duas espécies se faz necessária uma incursão inicial ao como se desvela o seu desdobramento ou evolução dentro da dinâmica normativa. Como visto o conceito, do ponto de vista filosófico, pode compreender diversas funções, entretanto, tais funções podem ser especificadas ao Direito.
O conceito parte da agregação de notas distintivas que permitem, mantendo-se o núcleo essencial do conceito, a criação de espécies que, a par de terem essa expansão inerente, são, em verdade, desdobramentos do conceito. Exemplifica-se com o conceito “tributo” como sendo prestação pecuniária compulsória devida a um sujeito de direito público que não seja sanção por ato ilícito[26]. Tal conceito pode ser desdobrado em uma espécie, no caso, espécie tributária, como a de taxa que é “a prestação pecuniária exigida compulsivamente pelo estado e relacionada com a prestação efetiva ou potencial de urna atividade de interesse público relativamente ao obrigado”[27].
O que importa neste ponto é a forma e modo como o conceito se desenvolve: é a função do conceito para o Direito. O conceito pode ser, assim, e dificilmente não será[28], determinado por suas funções e pelos valores a ele subjacentes.
O processo de abstração do conceito ocasiona o seu desprendimento da realidade sobre a qual incide. O conceito, até então entendido, é instrumento do pensamento necessário à apreensão de uma dada realidade, tornando-a passível de conhecimento. Quanto mais abstrato o conceito, menos destituído de conteúdo e mais abrangente este seria. Ocorre que tão somente isto não se fez necessário ao Direito.
A compreensão é relacionar o conceito com a sua realidade da qual foi extraído. Não somente ao objeto referido, pois, mas, igualmente, ao contexto sob o qual deriva e onde está aplicado.
Uma primeira concepção é trazida por Karl Larez sob o nome de “conceito determinado pela função”[29]. O conceito determinado pela função é assim designado por ser compreendido como meio para a realização de determinados princípios[30], sendo essa instrumentalidade a sua função (realizar o sentido ou valor a ele subjacente)[31] ou, em ipsis litteris, “conceitos em cujo conteúdo a relação de sentido subjacente a uma regulação, com base num princípio determinante, é expressa em tal medida que, mesmo que necessariamente abreviada, continua a ser identificável”[32].
Assim é que o conceito se desenvolve em correlação com valores e sentidos, ou, mais amplamente, com a função a ser desempenhada de acordo com o princípio determinante, visando “compreender a partir desta sua função a problemática a ele ligada a e as respostas dadas a esse respeito”[33]. O conceito se torna, então, fluido, determinado pelo contexto.[34]
A uma conclusão parecida chegou Eduardo García Maynez. Este autor estabelece quatro características para o conceito jurídico[35]. Uma delas é a referência axiológica. Para tanto, o autor coloca como premissa que todo ordenamento jurídico está pautado em diretrizes axiológicas que são estabelecidas, inicialmente, pelo Poder Constituinte.[36]
Os conceitos, ao assim serem elaborados, por terem embasamento na ordem jurídica constitucionalmente posta, seriam reflexos de tais valores, ou seja, teriam uma necessária referência axiológica[37].
De outro lado, o autor é categórico em afirmar a característica da conexão com outros conceitos nos seguintes termos: "[L]os conceptos jurídicos, precisamente por hallarse engarzados en un plexo sistemático, sólo pueden ser debidamente interpretados y definidos en función de los demás que forman parte del sistema"[38]. Prossegue, por fim, dissertando que os conceitos não podem ser considerados isoladamente, mas sim de acordo com suas conexões lógicas e de sentido.
Prosseguindo com Eduardo Garcia Maynez, se tem os conceitos normativos. Estes são derivados da tarefa básica do pensamento jurídico em elaborar e estabelecer normas. Tais conceitos são, então, noções normativas, noções que existem e somente existem no pensamento jurídico e são, por isso, instrumentos para a elaboração de norma. É o caso de sanção, relação jurídica entre outros. Tais conceitos podem ser de origem lógico-jurídica ou jurídico-positiva, ou seja, se referirem a objetos com origem a priori ou a posteriori da experiência normativa de um determinado ordenamento[39].
Por fim, a conclusão é a de que, em que pese ser auxiliado pela Lógica, a abstração dos conceitos é determinada pelo ordenamento jurídico ou, ao menos, uma plêiade destes. Não se torna possível o conhecimento de conceitos a priori da experiência, porém é possível a abstração destes ao ponto de seu conteúdo, mais reduzido e mais abrangente, poder ser aplicado a uma amplitude de ordenamentos[40].
5 CONCLUSÃO
O artigo realizou uma breve abordagem ao conceito na sua relação com a Teoria do Direito. Foram abordados aspectos relevantes para a compreensão do conceito na Ciência do Direito, mostrando-se os desdobramentos de tais aspectos.
A conclusão precípua de tal trabalho é acerca da impossibilidade de o conceito jurídico-positivo ser alheio à realidade ao qual pertence, e da qual restou constituído. O conceito jurídico-positivo serve e é produto de uma determinada realidade jurídica, sendo contradição o seu desprendimento desta realidade.
Diante disto é que foram apresentadas algumas das tentativas da doutrina da aproximação ou funcionalidade entre o conceito (produto da abstração) com a realidade jurídica a qual se refere (substrato de onde se tem extraído o conceito). A mutação e a reformulação dos conceitos de acordo com a mutação e reformulação do conjunto jurídico, em especial, o ordenamento jurídico, são outros pontos sob o qual a atenção do jurista deve recair.
Mestrando em Direito Pública pela Universidade Federal da Bahia
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