Brief three piece chronicle in the Rio de Janeiro National Museum fire
Rogério Duarte Fernandes dos Passos
Resumo: Para melhor compreensão do tema, traremos a conceituação legal de um museu, e na forma de uma crônica, por meio de revisão bibliográfica, abordaremos o incêndio do Museu Nacional do Rio de Janeiro de 2018, retratando o destino de três de suas mais notáveis peças, concluindo pela necessidade do Poder Público lançar um olhar de atenção à gestão dos museus brasileiros.
Palavras-chave: Entendendo um museu. Museu Nacional do Rio de Janeiro. Acervo do Museu Nacional. Necessidade de preservação dos museus brasileiros.
Abstract: For a better understanding of the theme, we will bring the legal concept of a museum, and in the form of a chronicle, through bibliographic review, we will approach the fire of the National Museum of Rio de Janeiro 2018, portraying the fate of three of its most notable pieces, concluding by the need for the Public Power to take a look at the management of Brazilian museum.
Keywords: Understanding a museum. National Museum of Rio de Janeiro. Collection of the National Museum. Need for preservation of Brazilian museums.
Sumário. Introdução: entendendo um museu. 1. O incêndio do Museu Nacional. 2. O sarcófago de Sha-amun-em-su. 3. O meteorito Bendegó. 4. O crânio de Luzia. Considerações finais. Referências.
Introdução: entendendo um museu
O museu é um espaço de memória, de diagnóstico, produção de cultura e saberes, permitindo estudos e reflexões acerca da realidade vivida e, mesmo, das vicissitudes do momento presente.
De acordo com o Conselho Internacional dos Museus (International Council of Museums, ICOM), organização internacional não governamental criada em 1946 e com sede em Paris – a qual objetiva trabalhar pela elaboração e estruturação de políticas em favor de museus pelo mundo –, atuando ao lado da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization, UNESCO) – agência especializada da Organização das Nações Unidas (ONU) –, e do Conselho Econômico e Social – um dos seis órgãos da ONU (INTERNATIONAL COUNCIL OF MUSEUMS, 2020) –, museu, segundo o artigo 3 da Seção 1 do Estatuto do ICOM, adotado na sua 22ª Assembleia Geral, realizada em Viena, Áustria, na data de 24 de Agosto de 2007, conceituando-o (INTERNATIONAL COUNCIL OF MUSEUMS, 2007), entende que “le musée est une institution permanente sans but lucratif, au service de la société et de son développement, ouverte au public, qui acquiert, conserve, étudie, expose et transmet le patrimoine matériel et immatériel de l’humanité et de son environnement à des fins d’études, d’éducation et de délectation” [“o museu é uma instituição permanente sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, preserva, estuda, exibe e transmite a herança tangível e intangível da humanidade e de seu ambiente para fins de estudo, de educação e diversão”, a tradução livre é nossa].
No âmbito de nosso direito interno, com conteúdo similar, a Lei nº 11.904, de 14 de Janeiro de 2009 – que instituiu o Estatuto dos Museus e ao tema deu outras providências – para quem museus, consoante o seu artigo 1º, são “instituições sem fins lucrativos que conservam, investigam, comunicam, interpretam e expõem, para fins de preservação, estudo, pesquisa, educação, contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer outra natureza cultural, abertas ao público, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento” (BRASIL, 2009).
É pertinente mencionar que o parágrafo único do referido artigo 1º acrescenta que se enquadram na lei “as instituições e os processos museológicos voltados para o trabalho com o patrimônio cultural e o território visando ao desenvolvimento cultural e socioeconômico e à participação das comunidades” (BRASIL, 2009).
De forma complementar colaciona-se ao tema o artigo 2º da dita Lei nº 11.904/2009, cujo caput relaciona os princípios fundamentais dos museus, aduzindo-lhes a valorização da dignidade humana (inciso I), a promoção da cidadania (inciso II), o cumprimento da função social (inciso III), a valorização e preservação do patrimônio cultural e ambiental (inciso IV), a universalidade do acesso, o respeito e a valorização à diversidade cultural (inciso V), e o intercâmbio institucional (inciso VI), igualmente vinculando-se, consoante o parágrafo único, “aos princípios basilares do Plano Nacional de Cultura e do regime de proteção e valorização do patrimônio cultural” (BRASIL, 2009).
Por oportuno, aduzindo que os museus são espaços, inclusive, para a contemplação artística, acresça-se a contribuição de Joanilho (2009, p. 397), esclarecendo que no próprio Século XX esse mercado adquiriu um caráter restrito, de forma que poucos tiveram acesso ao consumo de produtos dessa área por conta do escasso domínio de seus códigos de compreensão e, mesmo, dos necessários recursos aptos a permitir acesso a esses bens – não raro feito com exclusividade –, ainda que prevaleça o aspecto humano dessa vertente criativa.
Diante disso os museus devem ser valorizados na qualidade de espaços em que todos possam usufruir de obras de arte e para a própria exigência de acesso ao conhecimento delas (JOANILHO, 2009, p. 397).
Após o encerramento da visitação, na noite de domingo para a segunda-feira do dia 03 de Setembro de 2018 o país acordou com notícia do incêndio no Museu Nacional do Rio de Janeiro, o maior espaço dedicado à história natural do Brasil e com milhões de peças no acervo.
Funcionando até 1892 no Campo de Sant’Anna e localizado no atual Parque Municipal da Quinta da Boa Vista, no bairro São Cristóvão – na zona norte da capital carioca –, e a partir de 1946 vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – à época “Universidade do Brasil” –, o então “Museu Real” foi fundado por decreto de Dom João VI (1767-1826) em 06 de Junho de 1818, sendo que o edifício alvo do incêndio – antiga residência da família real e nos dias de hoje denominado Palácio de São Cristóvão – serviu de sede à Assembleia Constituinte Republicana entre 1889 e 1891 (PIRES, 2017), e desde 1938 está tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), a autarquia federal atualmente vinculada ao Ministério do Turismo responsável pela proteção do acervo material e imaterial do país.
Com causas desconhecidas, estima-se que o incêndio de aproximadamente seis horas alcançou cerca de 90% do acervo em uma perda material e imaterial difícil de aquilatar, e dentre as preocupações inerentes ao fato, destacamos as relacionadas com o estado de conservação de algumas de suas mais admiráveis peças, notadamente o sarcófago de Sha-amun-em-su, o meteorito Bendegó e o mais antigo fóssil humano conhecido do Brasil, apelidado de “Luzia”.
Falemos brevemente das peças.
Integrante daquele que possivelmente foi o maior acervo de cultura egípcia de toda a América Latina, o sarcófago (nunca aberto) de Sha-amun-em-su, com a múmia da sacerdotisa e cantora do templo do deus Amon, da XXIII dinastia do Egito, datado de aproximadamente 750 a.C., foi presenteado pelo Quediva Ismail Paxá (1831-1895), soberano local e vice-rei, a Dom Pedro II (1825-1891) ao longo da visita do imperador do Brasil ao Oriente Médio e Norte da África entre 1876 e 1877 (PIVETTA, 2014).
A peça de grande raridade passou a integrar o acervo do Museu Nacional com a proclamação da República em 1889 e era importante fonte sobre hábitos funerários e crença de vida após a morte mantida pelos egípcios para as suas cantoras-sacerdotisas (PIVETTA, 2014) e ao lado das relíquias arqueológicas que acompanhavam a sua exposição, foi destruída.
Sobre o sarcófago, o arqueólogo Zahi Hawass, ex-ministro de antiguidades do Egito, embora confirmando que a peça não era objeto dos requerimentos de repatriação de relíquias históricas de seu país, declarou que o fato legitima os pedidos egípcios nesse sentido, no que destacou que não havendo preservação deve haver a devolução – em clamor similar ao de restituição de arte indígena brasileira pelo mundo –, afirmando ainda que o incidente do Museu Nacional permite se solicitar à UNESCO, que os Estados que possuam coleções e museus efetivamente tenham controle sobre os acervos, de forma a protegê-los e restaurá-los adequadamente (FELLET, 2018).
Um dos maiores do mundo, o meteorito Bendegó, pesando mais de cinco toneladas, foi encontrado em 1784 pelo jovem Domingos da Motta Botelho próximo ao município de Monte Santo, no sertão da Bahia, e incorporado ao acervo do Museu Nacional no ano de 1888, resistiu ao incêndio por conta de sua sólida composição (ANDRADE, 2018).
O trabalho de remoção do meteorito Bendegó para o Museu Nacional teve início em 07 de Setembro de 1887, no ínterim das comemorações da independência do Brasil, registrando uma solenidade cívica às margens do riacho homônimo à peça, sendo necessária a construção de uma carreta que, adaptando-se às condições locais, ora se locomovia por trilhos, ora por rodas, tendo ao longo do trajeto sido exposto em Salvador por cinco dias e prosseguido em viagem por navio a vapor (SESCHINI, 2017).
A chegada ao Rio de Janeiro mereceu a recepção da Princesa Isabel (1846-1921), quando houve a sua entrega ao Arsenal de Marinha da Corte para estudos e disponibilização ao acervo do Museu Nacional, à época, ainda no Campo de Sant’Anna (SESCHINI, 2017).
“Luzia” foi o apelido dado ao fóssil pelo biólogo, arqueólogo e antropólogo Walter Alves Neves da Universidade de São Paulo (USP) ao crânio feminino encontrado na expedição comandada pela pesquisadora francesa Annette Laming-Emperaire (1917-1977) no período de 1974 a 1975 ao longo da escavação feita em um dos sítios de Lapa Vermelha, região de Lagoa Santa, área metropolitana de Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais, e remontando há mais de dez mil anos, permitiu a construção de novas hipóteses sobre o povoamento e ocupação do Continente Americano, além de igualmente atribuir maior sentido, profundidade e continuidade aos trabalhos do cientista dinamarquês Peter Wilhelm Lund (1801-1880) – o pai da paleontologia brasileira –, que em sua trajetória de pesquisa contribuiu não apenas para a compreensão da história humana americana, mas também biológica por meio do estudo de resquícios de animais extintos (PIVETTA; ZORZETTO, 2012).
Um pedaço do fêmur e cerca de outros 80% de fragmentos do fóssil foram posteriormente encontrados nos escombros do incêndio, de forma que os trabalhos para a sua recuperação foram já iniciados (SALVIANO; TEIXEIRA, 2018).
Considerações finais: olhemos para os museus
Após o impacto causado pelo incêndio do Museu Nacional, o Plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) – órgão auxiliar do Poder Legislativo responsável pela supervisão e fiscalização financeira, contábil, orçamentária, operacional e patrimonial da União e de suas entidades da administração direta e indireta –, após conclamação do presidente Raimundo Carneiro feita em 19 de Setembro de 2018, na sessão de 29 de Maio de 2019 prolatou o Acórdão nº 124/319, de relatoria do ministro substituto André Luís de Carvalho e expedido nos autos do processo nº 041.083/2018-0, procedendo a levantamento diagnóstico e propositivo acerca da situação e gestão dos museus brasileiros (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2019).
No referido Acórdão nº 124/319, o relator destacou as falhas administrativas e de segurança dos museus que estão sob responsabilidade de órgãos e entidades federais, estabelecendo medidas para os ministérios adotarem sob a coordenação da Casa Civil da Presidência da República, nas quais – sob a observância dos princípios administrativos de legalidade, eficiência, economicidade, planejamento, transparência, e destaque-se, da prevenção de risco patrimonial, da preservação dos prédios e do acervo –, deverão aperfeiçoar no setor ações gerenciais com o auxílio do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2019), a autarquia vinculada ao Ministério da Cidadania criada pela Lei nº 11.906, de 20 de Janeiro de 2009, e que funciona como órgão gestor da Política Nacional de Museus (PNM).
Nas determinações direcionadas aos ministérios da Inovação e Comunicações, Economia, Justiça, Defesa, Cidadania, Ciência, Tecnologia e Relações Exteriores – além das ditadas à própria Secretaria Especial da Cultura –, o levantamento do acórdão do TCU mencionou riscos, mas também possibilidades de otimização na gestão patrimonial e orçamentária desses espaços públicos, ainda que o diagnóstico aquilatado trouxesse dados preocupantes, em que ao lado de apenas 2,2% dos museus universitários possuírem plano de segurança ou emergência – e somente 37% dos vinculados ao IBRAM tê-lo –, nesse universo, nas palavras do relator André Luís de Carvalho, “aproximadamente 57% dos museus pesquisados não contariam com o ‘Habite-se’ [auto de conclusão de uma obra, que atesta se o local foi construído ou reformado conforme as exigências legais], cerca de 74% não contariam com vistoria do Corpo de Bombeiros e 81% não contariam com o apoio da Brigada de Incêndio”.
Não é demais recordar que o artigo 216 da Constituição Federal promulgada em 05 de Outubro de 1988, trouxe disposições que são deveras pertinentes para a conservação do patrimônio material e imaterial do país, especialmente quando expôs no caput que “constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”, incluindo no inciso I, “as formas de expressão”, no II, “os modos de criar, fazer e viver”, no III, “as criações científicas, artísticas e tecnológicas”, no IV, “as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais”, e, finalmente no inciso V, “os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico”, enunciando a necessidade de proteção da associação de ambientes e valores ali enunciados (BRASIL, 1988).
No próprio dispositivo da Carta Magna em comento, vale ainda mencionar dois de seus parágrafos, notadamente o § 1º, que acrescenta que “o Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação”, e o § 2º, acrescentando que cabe “à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem”, em corolário à Lei nº 12.527/2011, que objetiva garantir o amplo acesso à informação, nos termos do inciso XXXIII do artigo 5º , do inciso II do § 3º do artigo 37, e no conteúdo do próprio § 2º do artigo 216, todos do texto da Lei Maior (BRASIL, 1988), o que igualmente demonstra a necessidade de estruturação de um sistema de gestão permanente para a proteção desse legado.
O eminente Vladimir Passos de Freitas nos ensina que esse patrimônio está no rol do meio ambiente artificial, insculpindo-se na proteção do artigo 225 do texto constitucional, de forma que, consoante o caput do citado dispositivo, “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, esclarecendo o doutrinador que “o que se quer dizer com isto é que na questão ambiental, que inclui a preservação do patrimônio histórico-cultural, há um direito e um dever correspondente da sociedade. Dela se espera que apoie e incentive a ação do Estado” (FREITAS, 2019).
Ipso facto, esclarece o mestre citado que ao lado da apuração e responsabilização relacionada ao incêndio do Museu Nacional à cargo do Ministério Público Federal, em face do próprio artigo 225 supra mencionado, não mais pode a sociedade ser omissa em relação a esse patrimônio e em particular aos museus, no que os pais, incutindo aos filhos a necessidade da preservação da memória, necessitam “equilibrar as idas aos shoppings com visitas a museus”, no que ele próprio, na condição de professor de direito, mesmo encontrando resistência inicial, após levar seus alunos ao Museu Parananense, em Curitiba, posteriormente constata grande satisfação nos estudantes, inclusive naqueles – cerca de 90 % – que nunca o tinham visitado (FREITAS, 2019).
Oportunamente, ao lado de uma postura não omissa da coletividade e sociedade civil organizada no tema dos museus, apta a angariar ações e doações, Vladimir Passos de Freitas ainda acrescenta a importância do voluntariado e de associações de apoio a eles, como a própria Sociedade de Amigos do Museu Paranaense, entidades que inclusive podem criadas com o apoio e estímulo do IBRAM (FREITAS, 2019), que tem justamente entre as suas atribuições e missão, coordenando a PNM, o trabalho em favor da melhoria física e estrutural desses espaços, promovendo intercâmbio museológico e democratização/ universalização de acesso público no campo museal, e finalmente, garantindo o direito às memórias.
Observe-se, ainda, que o desastre do Museu Nacional foi precedido de advertências reveladoras, como as apontadas por Victor Henrique Grampa, presidente da Comissão de Antropologia da Seção de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil, dando conta de redução de 90% dos repasses públicos entre 2013 e 2018, onde a evolução das chamas foi favorecida pelo desabastecimento dos hidrantes da região, ao lado do registro de incêndios em várias outras dependências da UFRJ, em um quadro não agravado apenas pelo encerramento da visitação no dia do fogo e que se soma a outros graves no bojo de perdas naturais e culturais (GRAMPA, 2018). Ademais, asseverou o autor citado: “O Estado brasileiro deve manter todo o serviço público operante, mas tem obrigações específicas com a proteção ao patrimônio histórico-cultural – albergadas nacional e internacionalmente, constitucional e legalmente. Dentre essas normas estão o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e a Convenção Relativa a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural dentre outras. Como decorrência dessas obrigações o Estado deve criar e manter mecanismos e planos de ação para a promoção e preservação do patrimônio cultural. Sem essa centralidade de preocupações nas áreas sociais o país viverá novos, recorrentes e tristes episódios com perdas irreparáveis. Episódios anunciados e evitáveis, caso se tenha vontade política para enfrentá-los, o que não vem se desenhando como uma agenda na história nacional” (GRAMPA, 2018).
Por sinal, em relação aos documentos internacionais supra citados, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, no Brasil promulgado pelo Decreto nº 591/1992 (BRASIL, 1992), no nº 1 do artigo 1º, em verdadeira base principiológica, ao lado do direito à autodeterminação, assegura o livre desenvolvimento econômico, social e cultural dos povos, e a Convenção Relativa a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural – conhecida também como Recomendação de Paris –, estabelecida na 17ª Sessão Conferência Geral da UNESCO, realizada em Paris, entre 17 de Outubro e 21 de Novembro de 1972, e no ordenamento jurídico brasileiro promulgada pelo Decreto nº 80.978/1977 (BRASIL, 1977), já no primeiro parágrafo de seu preâmbulo nos advertia da ameaça ao patrimônio cultural não apenas por conta de causas naturais, mas da mesma forma pelo desenvolvimento da vida social e econômica, geradora de fenômenos de alteração ou destruição, no que esses considerandos já seriam suficientes para o início do estabelecimento de uma base estrutural protetiva para o patrimônio material e imaterial do país.
A tragédia do incêndio – justamente no ano de comemoração do bicentenário do Museu Nacional – revela, portanto, a necessidade de maior gestão e atenção com os arquivos e acervos do país, assinalando igualmente que as compreensões da sociedade e do Estado brasileiro passam por maior conhecimento de sua história e de suas fontes, algo que, obviamente, não poderá ser alcançado a contento sem segurança estrutural, recursos e pessoal especializado.
Enquanto alternativa para a melhora na gestão dos museus brasileiros, tem-se o Projeto de Lei nº 10.835/2018, apresentado à Câmara pelo deputado federal Carlos Sampaio, trazendo modificações à Lei Roaunet – Lei nº 8313/1991, assim conhecida em homenagem a Sérgio Paulo Rouanet, à época secretário de cultura da Presidência da República –, que estabelecendo o Programa Nacional de Apoio à Cultura, estruturou mecanismo em que pessoas físicas e jurídicas poderiam aplicar parte do imposto de renda devido em ações culturais, de forma que pelo texto da proposta de alteração legislativa, é possível destinar 20% da totalidade de doações e patrocínios de projetos de produções aprovados pelo Ministério da Cultura – extinto em 2019 e sucedido em atribuições pelo Ministério da Cidadania – em favor da organização, construção, ampliação, formação, manutenção e restauração de monumentos, prédios e espaços que estiverem tombados pelo Poder Público, havendo ainda a possibilidade de o numerário ser direcionado com o mesmo fim para o Fundo Nacional de Cultura (NOBRE; PÔRTO, 2019).
Por derradeiro, observe-se que a destruição do Museu Nacional é uma advertência dentro de um cenário que já registrou em 21 de Dezembro de 2015 o incêndio do Museu da Língua Portuguesa, na Estação da Luz, região central de São Paulo, mas que também nos traz o alento das obras de recuperação do Museu Paulista da USP, o “Museu do Ipiranga”, cuja reabertura está prevista para o ano de 2022 no bojo das comemorações do bicentenário da independência brasileira.
Referências
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