Seline Nicole Martins Soares[1]
Felipe Valdiere Soares Canfield[2]
SUMÁRIO. CONSIDERAÇÕES INICIAIS. 1. A EJA e a ecopedagogia à construção de uma nova cidadania ambiental. 1.1. Educação Ambiental. 1.2. Pedagogia. 1.2.1. A pedagogia crítica como prática educativa: mudar é possível. 2. O caminho trilhado pela ecopedagogia à construção da nova sociedade ambiental. 2.1. O professorado da EJA à aplicação da ecopedagogia e da educação ambiental transcendental. 2.2. Projetos, metáforas, mitos da ecopedagogia à educação ambiental transcendental. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
RESUMO. A ideia deste presente artigo surgiu a partir de um ensaio de artigo na aula ação pedagógica em educação para jovens e adultos (EJA) ministrada por Maria Lúcia Marocco Maraschin no curso de pedagogia na UFFS no campus Chapecó em Santa Catarina. Este artigo visa um novo fazer pedagógico direcionado para jovens e adultos em espaços não escolares. Analisará o educando e o educador diante do mundo real dentro de uma perspectiva holística. A partir de uma educação ambiental transcendental alicerçada pela novíssima ecopedagogia. Mudar é possível, observar, sentir, transformar, amar. Se a educação muda a vida de cada um, a educação ambiental muda a vida do todo, a educação ambiental transcendental faz uma mudança interna e externa de todos, nos espaços e tempos distintos, no Planeta Terra.
Palavras-chave: pedagogia, ecopedagogia, educação, educação ambiental, transcender
BRIEF REFLECTIONS ON ECOPEDAGOGY TO CONSTRUCT A TRANSCENDENTAL ENVIRONMENTAL EDUCATION IN NON-SCHOOL SPACES OF EJA
SUMMARY. INITIAL CONSIDERATIONS. 1. The EJA and the ecopedagogy to the construction of a new environmental citizenship. 1.1. Environmental education. 1.2. Pedagogy. 1.2.1. The critical pedagogy as an educational practice: to change is possible. 2. The path taken by ecopedagogy to the construction of the new environmental society. 2.1. The professorate of EJA to the application of ecopedagogy and transcendental environmental education. 2.2. Projects, metaphors, ecopedagogy myths to transcendental environmental education. FINAL CONSIDERATIONS. BIBLIOGRAPHIC REFERENCES.
ABSTRACT. The idea of this present article arose from an article essay in the class of pedagogical action in education for youth and adults (EJA) taught by Maria Lúcia Marocco Maraschin in the pedagogy course at UFFS on the Chapecó campus in Santa Catarina. This article aims at a new pedagogical practice aimed at young people and adults in non-school spaces. It will analyze the educator and the educator in the real world within a holistic perspective. From a transcendental environmental education based on the newest ecopedagogy. Change is possible, to observe, to feel, to transform, to love. If education changes one’s life, environmental education changes life as a whole, transcendental environmental education makes an internal and external change of all, in the different spaces and times, on Planet Earth.
KEYWORDS: Pedagogy , ecopedagogy, education, environmental education, transcend
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
No Brasil, atualmente, no Ensino de Jovens e Adultos, de diversas idades, gêneros, e situação social distinta é necessário despertar um interesse espontâneo nos educandos para desenvolver o método construtivista do conhecimento (ação/reflexão/ação) com abordagem nos três momentos pedagógicos (síncrise/análise/síntese) com a finalidade da permanência, não evasão e construção de um pensamento sistêmico e crítico à criação de uma sociedade sustentável, ou ambiental e democrática. E, ainda, faz-se necessário a percepção do educador para as novas situações de demandas dos educandos em espaços não escolares. Assim, neste estudo, deve-se observar a questão de formação do professorado da EJA, e a reciprocidade cultural entre educador e educandos.
A educação ou ensino de jovens e adultos (EJA) deve ser tratada com o mais amplo respeito à dignidade humana dos educandos, do seu direito fundamental à educação, da percepção das suas necessidades. Assim como do professorado, pois o educador da EJA deve ser um professor qualificado para esta finalidade, não basta apenas ter uma formação superior, esta deve ter um componente específico curricular, pois este educador tem que ter capacidade de sentir as distintas necessidades dos alunos, ele tem que ser mediador de conhecimentos culturais diferentes e de conflitos de opiniões, crenças, religiões, filosofias de vida e de diferentes opiniões políticas, para que através da paz e da harmonia ele possa desenvolver suas aptas e amplas capacidades cognitivas neste processo pedagógico educacional cidadão.
A ecopedagogia ou pedagogia da terra tem se preocupado com os espaços rurais à educação dos camponeses. Entretanto, no meio urbano, outros espaços e outras demandas surgem cheias de lacunas e vazios na edificação deste novo conhecimento, um conhecimento abrangente, por vezes filosófico, que transcende o indivíduo enquanto matéria, que vai além do interesse momentâneo e local, um interesse transindividual, com aspectos às vezes individuais, mas desde que ultrapassem as barreiras do cientificismo, dos corpos físicos enquanto objetos. Logo, este estudo tem uma visão holística abrangente.
O presente artigo desenvolveu-se a partir de um ensaio de artigo, e teve como referencial teórico o artigo Ecopedagogia, Pedagogia da Terra, Pedagogia da Sustentabilidade, Educação Ambiental e Educação para a Cidadania Planetária de Moacir Gadotti, e subsidiariamente, os artigos Alfabetização Ecológica: o desafio para a educação do Século 21 de Fritjof Capra e o artigo Pensamento sistêmico é base para uma alfabetização ecológica. O objetivo deste ensaio foi implementar um método diferenciado e multidisciplinar fundado em um currículo integral a partir da condução de uma nova pedagogia, a Ecopedagogia. Entretanto, a temática abordada tornou-se muito agradável, e assim, o desejo e a vontade de ampliar este campo de pesquisa tornou-se imprescindível. Assim sendo, a pesquisa bibliográfica ampliou-se e se estendeu às obras de Francisco Gutiérrez, Leonardo Boff, Edgar Morin, entre outros estudiosos de renome, que vêm contribuir na análise destas novas ideias, novos pensamentos, neste novo processo educativo de uma educação ambiental além do material, e de uma pedagogia da terra, a ecopedagogia.
O ensino de jovens e adultos (EJA) à construção de uma nova sociedade da Aldeia Global, de uma cidadania ambiental, deve ter no seu currículo formal ou de educação informal, algumas ações de defesa, proteção e conservação do meio ambiente local para uma tutela ambiental global de Gaia, ou seja, uma visão filosófica holística da integração de todas as partes (todos os ecossistemas) com o todo, entre tudo e todos, entre o Planeta Terra e a Biosfera. Para se atingir esse resultado é necessário usar o método da integração através de um pensamento sistêmico, onde tudo será interligado através de redes de funções.
Se a turma de educandos interessados em práticas educativas que visem modificar costumes locais enraizados por uma tradição destrutiva de atear fogo no lixo, atear fogo na vegetação, desmatar e extrair árvores sem um planejamento sustentável, o educador deve se inteirar sobre o perfil da turma, a história de vida desta turma (grupo, coletividade), os pontos de interesse destes e suas diferentes culturas (crenças, ritos, hábitos).
Em um primeiro momento, o educador deve conversar com os educandos, se a turma não tiver analfabetos, nem pessoas com alfabetização incompleta, que tem a sua expertise, a sua própria prática e seu grau de conhecimento empírico e científicos sobre estas práticas no trato do meio ambiente. O educador deve analisar tudo a partir de registros, que hoje poderão ser feitos via mp4, via WhatsApp de vídeo, ou de videoconferência, Skype, entre outros. É importante registrar a percepção dos educandos à sensibilização, à alteridade, e à solidariedade enquanto valores transcendentais em relação ao trato do outro. Este outro será o outro animal, o outro vegetal, ou a todas formas de vida.
O educador deve estar atento para analisar esta diferença de comportamento que ocorrerá e deve comparar o antes e o depois da compreensão das informações e conhecimentos de defesa à vida ambiental. Essa evolução a partir de novos conhecimentos que terão como consequências novos comportamentos, e isso é inevitável, é certo, é concreto, é real. Para que isso não ocorra, o seu impedimento só poderá se dar por evasão do educando, ou por sua morte. A resistência à mudança a partir do conhecimento científico inexiste, mas ela ocorrerá de uma forma gradual. Talvez o único tipo de resistência se dê na lentidão da transformação, do aceitar o novo, do aceitar que praticou condutas erradas, destrutivas, e muitas vezes ilícitas e ilegais, pois violam o direito civil de vizinhança, de propriedade, e as leis verdes como as leis ambientais[1] e o artigo ambiental no capítulo verde da Constituição Federal[2].
Diante desta possível resistência, nos mais idosos, ou mais velhos, é que se deve esclarecer qual a finalidade de determinadas ações a serem praticadas no processo de aprendizagem. Os educandos mais jovens terão mais facilidade para aceitar atividades lúdicas de aprendizagem. Assim, o currículo deve ser construído a partir do conhecimento do perfil da turma que participará deste novo processo educacional em espaços não escolares.
Se o espaço não escolar, que fará parte de um projeto, for um número X de condomínios, onde se deseja impedir ações danosas ao meio ambiente e a vida ambiental é necessário analisar o padrão de vida destas pessoas, isso além de perceber os seus graus de estudo, experiências e conhecimentos. Um condomínio de casas com espaço comum arborizados, que tenha crianças e animais terá como ferramentas à aplicação de técnicas pedagógicas os interesses dos adultos estendidos aos interesses das crianças e animais. Logo, aplicar técnicas pedagógicas de sensibilização de cuidado e amor ao outro, nestes educandos será mais rápido, ágil e fácil do que naqueles que não têm animais, nem contato direto com crianças.
As crianças com suas aberturas de participação no mundo a partir de uma curiosidade natural poderão auxiliar a cativar este adulto resistente das novas práticas ecopedagógicas que terão como resultado uma nova conduta, ou seja, a transformação interna do educando adulto ou jovem. O educador sabendo da existência destas naturais ferramentas auxiliares (crianças e animais , plantas) poderá construir este currículo integrador a partir da ecopedagogia, pois segundo Gutiérrez é caminhando que se faz a caminhada, nas palavras dele, “faz-se caminho ao caminhar”[3], assim esclarece que “se a pedagogia é um fazer, os caminhos que a ela conduzem são construídos e percorridos nesse fazer cotidiano e permanente”. Gutiérrez e Prado salientam que os “novos referentes ecológico-sociais e os espaços pedagógicos, exigem que nossa proposta pegagógica, além de prática, seja flexível, processual e holística.”. Essa nova proposta é a ecopedagogia, uma pedagogia de perspectiva da sustentabilidade.
Uma proposta curricular de projeto com oficinas de uma educação ambiental para além do agora, do já, do hoje. Uma proposta a longo ou médio prazo. Assim, após o educando receber conhecimentos, o educador comparará estes conhecimentos científicos aos seus conhecimentos empíricos, analisar e sintetizar, ele organizará estes conhecimentos e aplicará. Como fazer? Como aplicar estes conhecimentos através da ecopedagogia da sensibilização? Participando, de forma presente (corpo e espírito) e aberta, ou seja, o educando deve estar aberto para as novas experiências de aprendizagem do conhecimento científico sério, inovador, moderno. Nesta nova proposta não se deve ser contra o uso de tecnologias, mas se deve usá-las como ferramentas, que auxiliam, o método ativo, socrático, de perguntar, questionar, responder, de não só assimilar, mas de, também, absorver os novos conhecimentos.
Ao encontro, neste estudo vêm as elucidações de Freire sobre os desafios da educação de adultos diante da nova reestruturação tecnológica, pois Freire faz uma crítica ao tecnicismo, ao pragmatismo, a educação mecanicista, mas defende, sim, a politicidade da educação, isso sem impor a opinião política do educador ao educando. Logo para Freire[4] a educação é uma experiência de boniteza, e a educação é tarefa para depois da transformação. E, portanto, esta transformação dar-se-á na construção cotidiana do conhecimento, através de uma ecopedagogia.
1.1. Educação Ambiental
A Política Nacional do Meio Ambiente, Lei 6.938 de 1981, prevê no seu artigo 2º, inciso X, que a “educação ambiental” é um “princípio” desta lei às comunidades, entre estas, a que se compreende indígena:
Art 2º – A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios: X – educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente.
E, conforme a Lei 9.795 de 1999, o artigo 1º dispõe que “Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade”. Além disso o artigo 2º expõe que a educação ambiental é uma modalidade de ensino “A educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal.”. Desta forma, complementa o artigo 3º a relevância da educação ambiental para a formação cidadã de todos, pois reza o mesmo “Como parte do processo educativo mais amplo, todos têm direito à educação ambiental”. Neste tipo de modalidade é possível de ser tratada a modalidade da EJA.
Ao encontro, também vem a Lei 9.394 de 1996, que dispõe sobre a educação aos indígenas, incluída a modificação de 2008 que inseriu ao artigo 26 a alínea “A”:
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008). § 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008). § 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras. (Redação dada pela Lei 11.645 de 2008).
Assim é possível confeccionar um currículo de componente que trate sobre a história indígena, outro de educação artística ambiental, cuja história indígena poderá ser recontada a partir de uma releitura da história da comunidade na qual o educando faça parte, e aplicar técnicas educativas de reciclagem na contação de história, ou na criação artística de um artefato indígena. Além disso, ao encontro de todo o disposto acima vem a Resolução CNE-CEB N.1 de 2000: “Art. 24. As escolas indígenas dispõem de norma específica contida na Resolução CNE/CEB 3/99” que está anexa ao Parecer CNE/CEB 14/99, “Parágrafo único. Aos egressos das escolas indígenas e postulantes de ingresso em cursos de educação de jovens e adultos, será admitido o aproveitamento destes estudos, de acordo com as normas fixadas pelos sistemas de ensino.” Assim, como elemento do método de ensino da ecopedagogia voltada para a pedagogia indígena, tem-se os valores transcendentais como a ética e a sensibilidade.
Logo, percebe-se em Paulo Freire, que adverte in Pedagogia da Indignação que “urge que assumamos o dever de lutar pelos princípios éticos mais fundamentais como do respeito à vida dos seres humanos, à vida dos outros animais, à vida dos pássaros, à vida dos rios e das florestas”. Assim, Freire salienta que não crê na “amorosidade entre mulheres e homens, entre os seres humanos, se não nos tornamos capazes de amar o mundo”. Portanto, conclui Freire que a “ecologia ganha uma importância fundamental neste fim de século. ela tem de estar presente em qualquer prática educativa de caráter radical, crítico ou libertador”[5].
Nesta linha de pensamento libertador, tem-se a Carta do Chefe da Tribo de Seattle, como resposta à oferta de compra de suas terras pelo Presidente Franklin Pierce, em 1854, depositado no PNUMA-ONU, segundo Paulo Sirvinskas[6] in Manual de Direito Ambiental, esta carta “é considerado um dos mais importantes pronunciamentos já feito em defesa do meio ambiente, tendo em vista a sua beleza e profundidade”. Neste sentido é, também considerado o primeiro instrumento de direito ambiental e educação ambiental internacional, pois demonstra o valor transcendental do “amor” pela natureza.
E, Leonardo Boff, também trata destes valores transcendentais. Assim, Boff in Tempo de Transcendência: O ser humano como um Projeto Infinito. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, p.17-21. Boff cita uma leitura à interpretação da transcendência, mais de caráter antropológico e filosófico, onde se descobre a manifestação da transcendência através do exercício da liberdade, típica do ser humano. Adão e Eva violaram o interdito. Romperam o limite imposto. Pagam um preço caro por seu ato, mas mostram sua realidade essencial: são seres de transcendência. Realizam sua existência histórica, mesmo sob uma forma decadente, no modo de uma vida laboriosa, de exilados do paraíso terrenal e submetidos à angústia da morte. É a nossa existência histórica atual e concreta, a nossa condição humana. Talvez, diz Boff, que a liberdade e a transcendência podem ser exemplarmente testemunhadas por um mito. Ele elucida que foi escolhido um, especialmente belo e instigante, dos índios Karajá que vivem na Ilha do Bananal, no Centro do Brasil (ver no subtítulo 2.2). A educação ambiental estimula a transcendência, o transcender do educando, do educador, e dela própria, pois é ampla. O seu campo de atuação não se restringe à práticas educativas tradicionais, nem a espaços limitados e ordenados por uma educação passiva e tradicional, não, ela por si só já é diferente, e na diferença se moderniza ao adotar técnicas pedagógicas sustentáveis.
1.2. Pedagogia
Na Grécia Antiga o paidagogo era o condutor da criança ao local de ensino das primeiras letras e ao local da ginástica e dos exercícios físicos. Nem sempre era um preceptor, muitas vezes era o escravo ou o serviçal. Ele, geralmente, ensinava o costume local. Para Paulo Ghiraldelli Júnior o paidagogo tinha a função de colocar a criança no caminho da escola. Hoje, segundo Ghiraldelli o pedagogo é aquele que lida com os meios intelectuais e técnicos, que possibilitam o ensino e a aprendizagem de modo otimizado. Muitas vezes o pedagogo não é incentivado a gostar dos conteúdos da relação ensino-aprendizagem. No Brasil o pedagogo traz deficiências de aprendizado dos conteúdos escolares que deverão ministrar, assim, ele pode falar sobre o ensino, sem conhecer corretamente os conteúdos do ensino. Se por um lado. Conforme Sacristán[7] o pedagogo tem um handicap, que se não for tratada se tornará uma desesperança, e uma forma de lidar com esta desvantagem é melhor qualificar o professorado e melhor lhe remunerar, por outro lado, constata-se no pedagogo uma nobre missão que vai muito além do alfabetizar, mas educar, e no caso do adulto, estimular este à participação do processo de aprendizagem, isso muitas vezes é inerente ao pedagogo, pois ele traz em si, na sua cultura familiar, na sua cultura de grupo, um sentimento sublime, uma paixão pelo ato e pela ação de ensinar. Assim se verifica que todo e qualquer profissional deveria, além do seu curso de formação, paralelamente, cursar pedagogia; ou após a sua formação no ensino superior se pudesse complementar os seus estudos de forma contínua. E, nesta capacitação, deveria cursar no mínimo dois anos de pedagogia para melhor compreender o educando, o mundo real, as necessidades deste em aprender. Logo, se o pedagogo não nasce com este sentimento de amor pela arte do ensinar, ele deve ser estimulado.
Para Ghiraldelli a Lei de Diretrizes e Bases de 1996 não atingiu seu objetivo, não há uma exigência intelectual para ingressar nos cursos de pedagogia e há, para ele, um deficit no ler, escrever e contar, isso, para ele, pode ser um problema do ensino em geral. Nos EUA, segundo este estudioso, o movimento da “escola nova” ou “progressiva” visava o como a criança pensava e como lhe ensinar, em vez de tratar somente os conteúdos. Ele esclarece que os EUA chegaram até a lua, apesar das críticas dos conservadores, com base na “revolução educacional” de John Dewey. Assim, por analogia, na EJA, pode-se aplicar a mesma metodologia e método progressista aos adultos e jovens.
Hodiernamente, conforme Ghiraldelli, percebe-se que o conceito de pedagogia pode ter várias definições fundadas em diversificadas doutrinas. Na Alemanha a doutrina de Friedrich Herbart do realismo, para este a pedagogia era a Ciência da Educação baseada na psicologia experimental e seus cinco passos formais, os passos pedagógicos sequenciais, didáticos (1776 a 1841); na França a doutrina de Émile Durkheim (1858 a 1917) através da pedagogia contestou o pensamento utópico de Jean-Jacques Rousseau, provavelmente em Emílio ou da Educação, e defendeu a sociologia e a psicologia herbartiana à educação; nos EUA, a doutrina de John Dewey de corrente filosófica pragmatista contestou a ideia tradicional de verdade na prática, que abrange a experiência e a vivência (1859 a 1952). A epistemologia (conhecimento) possibilitou a investigação filosófica e a interpretação hermenêutica à psicologia da educação. Para Dewey a educação seria um banco de provas da filosofia e a escola o laboratório desta. Para ele, pedagogia, filosofia e filosofia da educação eram termos intercambiáveis com a democracia. Por valorizar a filosofia à educação ele foi considerado um filósofo da utopia, da utopia educacional. Entre os estudiosos brasileiros, os dois doutrinadores foram articulados pela pedagogia brasileira.
No Brasil, conforme esclarece Ghiraldelli, em 1932, o Manifesto dos Pioneiros da Educação articulado por Fernando Azevedo e Anísio Teixeira incorporou tanto princípios durkheimianos quanto deweyanos. Esse ecletismo, para Ghiraldelli, foi um grande acerto ao conceito de dupla face da pedagogia brasileira. Assim sendo, pode-se verificar a pedagogia abrangendo a filosofia da educação, sua utopia, seus valores expressos na obra Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire, concomitantemente, ao uso de uma metodologia científica consoante ao conceito de ciências da educação representada pelo sociólogo da educação Florestan Fernandes voltada aos setores sociais populares. Assim, surge, no Brasil, a partir de 1939 a grade curricular dos cursos de pedagogia.
Diante de todo o exposto, percebe-se a riqueza de valores dos cursos de pedagogia no Brasil, que formam pessoas críticas, que perseguem, muitas vezes, valores utópicos, e que através do método científico concretiza-os e os aproximam da experiência e da vivência de cada um; e através do método ativo ou progressista, possibilita a reconstrução das suas micro-histórias: tanto do educador quanto do educando, um e outro se emancipando e ambos pois segundo Freire, ninguém educa sozinho.
1.2.1. A pedagogia crítica como prática educativa: mudar é possível
A abordagem progressista é observada na análise das seguintes cartas do livro Pedagogia da Indignação. No capítulo, Alfabetização e miséria. Freire relata o encontro com um educador popular, e fala dos diálogos da alma rasgada dos (das) favelados(as) de Olinda. As suas preocupações se relacionam ao “quefazer”: como fazer, o que fazer? Para afirmar a humanidade destas pessoas. É relatada a fome e a miséria de pessoas que se alimentam de lixo hospitalar, e a partir disso o direito do autor em ter raiva desta situação, assim como o direito dele amar, de “expressar o seu amor ao mundo”.[8] Ele justifica a sua raiva como sendo justa ira, pois sua revolta se funda na negação do direito de ser mais dos favelados (as), dos oprimidos (as). Com base na história como possibilidade e do futuro como um desafio, um problema, ele não aceita a posição ingênua, neutra, do imobilismo. Por isso, para Freire, a rebeldia se manifesta na denúncia, na revolução, no saber fundamental “mudar é difícil mas é possível” como programa da ação político-pedagógica. Assim não é Deus que impede a mudança, mas o ser dual, o imobilismo, a miséria imortal, os interesses dos dominadores, pois para ele “a miséria é uma violência e não a expressão da preguiça popular ou fruto da mestiçagem ou da vontade punitiva de Deus”.[9] Portanto, ele ensina que não se deve desconsiderar a experiência do educando na leitura do mundo, e que o educador não pode impor-lhe seu saber como verdadeiro, mas deve através do diálogo possibilitar a superação do seu conhecimento ingênuo a partir da compreensão do seu contexto, expulsando o opressor dentro dele oprimido, pois este não pode assumir a culpa por sua situação. Conclui alertando que o educador progressista Danilson deve ter por tarefa fundamental a dialética entre a leitura do mundo e a leitura da palavra do (da) favelado (a).
No título Educação e esperança. Freire se preocupa com a prática educativa do educador desesperançado (conservador, reacionário, neoliberal) e a compara com o educador interdisciplinar (progressista, coerente, justo, humano e ético) e sua opção metodológica e epistemológica da experiência existencial e vital. A esperança faz parte da experiência existencial de estar no mundo. Freire alerta para a espécie de “nuvem cinzenta” da ideologia fatalista, do discurso neoliberal envolvendo a história atual. Para ele se trata da “ideologia que mata a ideologia, que decreta a morte da história, o desaparecimento da utopia, o aniquilamento do sonho” através da “despolitização da educação”.[10] Ele tem esperança que a pedagogia crítica lute contra esta nuvem cinzenta.
O último título se chama Denúncia, anúncio, profecia, utopia e sonho. Freire explica que o pensamento profético implica denúncia e esperança de quem se funda no que vive, na sua leitura do mundo, cujo ensaio é uma ontologia social e histórica. Logo, para ele, a educação embora fenômeno humano universal, ela varia de tempo e espaço, a educação tem historicidade e esperança de reinventar o mundo, pois somos seres de decisão e de ruptura, porém preservando a ética e a responsabilidade como pensamento libertador. Conforme Freire, a pedagogia crítica como prática educativa luta contra o pragmatismo, contra a despolitização da educação, luta pelo sonho, pela utopia através da esperança. Entretanto Freire salienta que apesar de tudo “precisamos, na verdade, de saber técnico real, com o qual respondamos a desafios tecnológicos.” desde que se elimine o pensamento ingênuo perpetuado pelo ideal político conservador. E, ainda, Freire enfatiza que na “História como possibilidade não há lugar para o futuro inexorável. Pelo contrário, ele é sempre problemático.”.[11] Assim, para Freire “não é possível separar política de educação, o ato político é pedagógico e o pedagógico é político”, e deve estar em coerência com o sonho, com a utopia. Os partidos progressistas devem aprender com o povo no seu tempo e espaço, na luta contra a falsificação da verdade. Para Freire os (as) educandos (as) do povo são seres de opção, de decisão, de intervenção no mundo, pois são seres de responsabilidade, logo são seres regidos pela ética universal do ser humano, dos direitos humanos, do direito de ir e vir, de amar, de escolher, de estudar, de trabalhar, de crer, ou não crer, de direito à segurança e à paz. A “melhor maneira de falar pela paz é fazer justiça”.[12] Todavia não pode haver contradição nesta utopia, nesta luta, pois se deve preservar à vida, humana, animal e vegetal. E, assim, manter o equilíbrio ambiental. Logo não se deve usar da violência, nem mesmo indiretamente, através da violação de direitos, logo, deve-se lutar com esperança e coragem para poder mudar o mundo.
A percepção subjetiva que se faz do livro analisado sobre estas cartas é que ele traz uma preocupação que vai além das preocupações antropocêntricas, que perfaz a pedagogia tradicional. A mudança por um mundo possível de se viver respeitando tudo e todos tem uma visão biocêntrica ética universal, pois se preocupa com o viver de todas as formas de vida e com o educar humano, do povo, dos oprimidos. Há nesta educação consciente e libertadora uma preocupação com a ecologia, que talvez possa ser fundamenta para um estudo complexo da ecopedagogia que conduzirá tanto a educação ambiental quanto o direito ambiental, enquanto um novo tipo de direito, para uma nova sociedade reflexiva. Assim: reler, reconstruir o mundo, mudar é possível.
A forma de implementação do desenvolvimento do pensamento sistêmico para despertar em cada educando o sentimento de amor à vida, um amor unificado a todas as formas de vida, foi o uso do método do projeto que implementa a aproximação do educando com a sua realidade e desperta este sentimento transcendental espiritual do amor. Isso é possível através de uma nova pedagogia. A ecopedagogia vem conduzir no dia a dia, este sistema, seu método e sua abordagem. A ecopedagogia, para Gadotti, para Francisco Gutiérrez e Cruz Prado promove a aprendizagem do “sentido das coisas a partir da vida cotidiana”[13]. Para melhor esclarecer essa forma de fazer e como fazer, Gutiérrez e Cruz analisam uma condição antecedente e primordial:
Para criar espaços na vida cotidiana a partir dos quais se promova a vida deve existir um requisito prévio: senti-la, mas senti-la visceralmente, amando-a, desfrutando-a, cantando-a e celebrando-a. Apenas aqueles que sentem a alegria de viver e têm o prazer da existência podem fazer da vida um espaço de aprendizagem. A congruência nos leva à tomada de consciência ecológica, espiritual e cósmica como a primeira chave de nosso agir humano que, inclusive em escala gaiana, deve iniciar-se com passos pequenos, tangíveis e concretos. O processo pedagógico é esse caminhar cotidiano que busca, promove e fomenta a vida. Entrar em sinfonia com a vida de todo o cosmos exige do ser humano um esforço cotidiano em três dimensões: esforço para conseguir a congruência entre corpo e espírito; buscar permanentemente a interdependência e inter-relação entre todos os seres do cosmos; e a celebração gozosa e criativa do dom da vida[14].
Estes estudiosos enaltecem a celebração de cada momento especial do viver de cada um e do viver da coletividade, do grupo, da turma, como sendo fator importante à ecopedagogia na construção deste currículo integrador. Para eles a sinfonia da vida será composta por estes acontecimentos que foram promovidos por momentos importantes e marcantes. O nascimento é um marco na vida de cada um, ciclos que se reiniciam, ciclos que se encerram, ou ciclos que são aberturas para um novo caminhar, uma nova vida entre várias fases da vida que constituem uma única vida, ou o caminhar que não se encerra da espiritualidade mas que sempre se transforma, que leva cada qual e cada um muito além do que sabia poder ir, pois desconhecia a sua potencialidade interior e o seu poder através de dons e mitos.
O estudo deste ensaio sobre artigo, este discorda da substituição da ecopedagogia por uma biopedagogia, conforme arguido por estes estudiosos, pelos fatos que serão expostos a seguir. A interpretação da biopedagogia seria uma pedagogia para ser aplicada nas situações que incidem a microbioética ou a macrobioética. A primeira trata de relações ente o sujeito pesquisado, o pesquisador e todos envolvidos nas pesquisas com seres humanos; a segunda, cujos sujeitos destas pesquisas são os animais, a natureza. O meio ambiente, que pode sofrer danos ambientais por consequência das más pesquisas, ou pesquisas ilícitas ou ilegais, ou imorais, pois não passaram pelo crivo do CEP[15] ou da Comitê de Pesquisas com animais. Logo a bioecopedagogia deveria ser aplicada em Clínicas Médicas ou Hospitais autorizados às pesquisas científicas.
A ecopedagogia é uma pedagogia da vida cotidiana de todos os educandos, de qualquer faixa etária, que pode ser aplicada dentro de escolas ou em espaços não escolares. É considerada uma pedagogia que tem um projeto utópico, pois seu método da integração, conduz para a superação das diferenças e conduz para uma mudança interna do educando e do educador. Ela é uma pedagogia holística, que supera a visão tradicional do antropocentrismo, que pode ser considerada uma visão biocêntrica. Este estudo, ou seja, este ensaio classifica a ecopedagogia dentro da visão biocêntrica, que é a visão mais ampla, a visão que aborda tanto a visão antropocêntrica clássica, quanto a visão biocêntrica, colocando no centro de estudo todas as formas de vida. Nem a visão filosófica antropocêntrica que subjugava a natureza aos interesses do homem enquanto representante de Deus na Terra, nem a visão filosófica ecocêntrica onde apenas a natureza e à vida animal eram consideradas dignas de respeito, mas, sim, a união destas neste método integral, que une as partes no todo. Este todo utópico é a visão biocêntrica, neste sentido a ecopedagogia ressuscita a utopia e os ideais. A ecopedagogia tem por base a educação sustentável, que visa condutas, ações, atitudes de cuidado à natureza e ao meio ambiente para a concretização de uma educação ambiental. Para Gadotti[16]:
A ecopedagogia está se desenvolvendo seja como um movimento pedagógico seja como abordagem curricular. Como a ecologia, a ecopedagogia também pode ser entendida como um movimento social e político. Como todo movimento novo, em processo, em evolução, ele é complexo e, pode tomar diferentes direções. A ecopedagogia também implica uma reorientação dos currículos para que incorporem certos princípios e valores.
Ao encontro, o componente curricular ecologia pode ser tratado em distintas disciplinas ou práticas educativas. Repetem-se aqui as observações de Freire em relação a falta de respeito à dignidade humana e desrespeito pelas coisas do espírito, como a falta de sentimentos, de ética, que ele chamou de ética maior pela vida humana, vida vegetal, vida animal, na terceira carta sobre o assassinato do índio pataxó Galdino de Jesus dos Santos. Elucida-se, repetitivamente, que para Freire a inclusão da ecologia em qualquer prática educativa de caráter radical, crítico ou libertador é essencial. Assim sendo, deve o educador viver plenamente a opção de progressista e ensinar a respeitar e aceitar o diferente, de aceitar o convívio com o outro, de aplicar a equidade em vez da injustiça na sociedade. Por conseguinte, assim, Freire[17] conclui que “se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”. Acrescenta Sacristán[18], que “se com a reflexão busco a prática é por que a ciência não a pode me dar”. Desta forma, refletir, analisar, pesquisar são práticas que devem ser inseridas na educação da EJA. Neste o educador deve propiciar uma reflexão holística à prática educativa da ecopedagogia.
2.1. O professorado da EJA à aplicação da ecopedagogia e da educação ambiental transcendental
Se por um lado se quer e se deseja formar alunos que serão cidadãos ambientais de um mundo complexo e global, que tenham suas decisões e ações pautadas na consciência crítica, independente, autônoma, e sensível ao outro e todas as formas de vida à construção de uma democracia saudável em um novo paradigma do desenvolvimento humano, este novo caminho tratado por Nussbaum[19], por outro lado, lados que não se contrapõem, mas que são lados que se complementam, se deseja um professor que se não tiver conhecimentos científicos amplos ou restritos, que ele possa ter no mínimo: cultura. Sacristán diz que o professorado do paradigma do senso comum culto tem por expertise de conhecimentos próprios a cultura. A sua cultura inerente a cultura familiar ou a cultura de grupo é condição preexistente ao seu estado de professorado. Ao assumir a vaga de educador, instrutor, professor da EJA, deve-se observar o perfil do Professor, se ele preenche as exigências para o cargo de quem irá ministrar novos conhecimentos, novas posturas, novo comportamento. Deve-se observar se este professor tem uma postura democrática aberta e participativa das questões ambientais de interesse comum de todos. Ora, se sua cultura e tradição são pautadas no exemplo, se o professor viu seu avó atear fogo no lixo, presenciou seu pai atear fogo no lixo, provavelmente, ele não perceberá este costume como um ato repetitivo de uma tradição danosa ao meio ambiente. Não terá uma visão holística do todo, ou uma visão difusa, mas terá uma visão pontual de quem vê só o momento presente. Ele pode até concordar e falar sobre proteção ambiental, mas como algo distante da sua realidade, distante do seu cotidiano. Neste caso lhe faltará sentimento.
Assim, em relação à profissionalização dos professores, para Sacristán[20] “ninguém pode dar o que não tem. E, se os professores não cultivam a cultura, não podem dar cultura. Se os professores não têm cultura em profundidade, não podem ensinar cultura nem sequer nos níveis mais elementares”. Entretanto, que tipo de cultura se espera do professorado, uma cultura que não seja prejudicial, nem danosa ao meio ambiente e à sociedade. Logo,“Se os professores não podem dar o que não têm é preciso antes de mais nada que sejam cultos, para poderem dar cultura”. Portanto, o professor que aprendeu com o seu avó, depois com o seu pai e seus tios a pescar somente na época permitida por lei, ele sabe que esta lei ambiental visa a preservação da espécie, visa o equilíbrio do ecossistema e dos interesses difusos, mesmo desconhecendo que esta lei verde foi embasada em estudos técnicos e científicos, com sua sabedoria e experiência própria, ele ensinará uma cultura da conservação e do respeito à vida ambiental.
2.2. Projetos, metáforas, mitos da ecopedagogia à educação ambiental transcendental
Para Gadotti a ecopedagogia tem um novo projeto de civilização, que usa metáfora ou símbolos como o jardim, outros como Barlow e Capra[21], com o método CEL, que visa integrar a cultura da escola e dos currículos, currículo integrado, e criar uma comunidade de aprendizado a partir de um aprendizado baseado em projetos, como, por exemplo, jardinagem e alimentos. Assim será possível aprender no mundo real os princípios da ecologia e da educação ambiental.
Percebe-se que os projetos do jardim, da horta, da alimentação são projetos do cuidado, do despertar sentimentos de responsabilidade, de conscientização e de amor que podem ser implementados pela EJA, desde que no currículo haja esta programação e elaboração em um movimento interdisciplinar entre escola e comunidade. Se a escola não tiver esse espaço, ele poderá ser pleiteado por autoridades públicas ou em solidariedade à comunidade local e a comunidade de aprendizagem. Ou, educandos da EJA poderão propiciar este espaço à cultura da horta comunitária e solidária. Todos os sentidos e sentimentos poderão ser ampliados e despertados neste projeto de cuidado à alimentação, de cuidado à saúde, de amor à planta que foi cultivada, que crescerá, evoluirá e se transformará, em alimento ou em adorno.
Os educandos experientes, que têm na sua vida cotidiana a atividade de cultura de plantas poderão auxiliar o educador neste projeto de cuidado e despertar de sentimentos transcendentais do amor. O objeto deste tipo de projeto é a mudança às relações na teia da vida. Assim a horta escolar ou a agricultura orgânica na comunidade auxiliaram na percepção dos princípios da ecologia, este ensaio do artigo, ele destaca, ainda, os princípios da educação ambiental, da educação sustentável e os princípios de direito ambiental no processo de aprendizagem da alfabetização ecológica, que não está restrita ao analfabeto, mas que irá incidir sobre o ignorante, aquele que ignora conhecimentos específicos sustentáveis. Logo, que ignora a ecopedagogia e o pensamento sistêmico.
Outra releitura da vida diária, também pode ser feita através de projetos de arte com temática ambiental à educação ecopedagógica. Salienta Capra[22] que “para educadores, isso abre as portas para a integração das artes ao currículo escolar. Não há praticamente nada mais eficaz que as artes para desenvolver e refinar a capacidade natural de uma criança de reconhecer e expressar padrões”(as artes visuais, a música, as artes cênicas). Por analogia, pode-se aplicar esta observação ao ensino não só de crianças, mas de jovens e adultos, na EJA, pois a música, por exemplo, não tem idade para envolver o educando na sua magia. Assim, elucida Capra que as artes podem ser um instrumento poderoso para ensinar o pensamento sistêmico, além de reforçarem a dimensão emocional que tem sido cada vez mais reconhecida como um componente essencial do processo de aprendizagem na condução do conhecer, aprender, ensinar através da ecopedagogia.
Se para alguns estudiosos os mitos são controvertidos, para outros eles têm muita simbologia que trazem aspectos positivos à aprendizagem no processo educativo de uma educação ambiental transcendental, como, segundo Boff[23] no caso que se segue: a dimensão da transcendência com o relato bíblico de Adão e Eva, colocados no jardim do Éden, ao pé da árvore do bem e do mal. Recebem a ordem divina de nunca comer de seu fruto, pois, caso comessem, morreriam. Esse relato pode ser interpretado através de muitos códigos. A tradição judaico-cristã, que lê no código religioso, fala da transgressão que configurou o pecado das origens e as consequências que daí advieram: a expulsão do paraíso, o trabalho penoso e a introdução da morte. Porém uma outra leitura, de caráter antropológico e filosófico, descobre aí a manifestação da transcendência através do exercício da liberdade, típica do ser humano. Adão e Eva violaram o interdito. Romperam o limite imposto. Pagam um preço caro por seu ato, mas mostram sua realidade essencial: são seres de transcendência. Realizam sua existência histórica, mesmo sob uma forma decadente, no modo de uma vida laboriosa, de exilados do paraíso terrenal e submetidos à angústia da morte. É a nossa existência histórica atual e concreta, a nossa condição humana.
Talvez a liberdade e a transcendência podem ser exemplarmente testemunhadas por um mito. Boff escolhe um, especialmente belo e instigante, dos índios Karajá que vivem na Ilha do Bananal, no Centro do Brasil. Reza o mito:
No começo do mundo, quando foram criados pelo Ser supremo, os Karajá eram imortais. Viviam como peixes, circulavam por todo tipo de rios e de águas. Não conheciam o sol e a lua, nem plantas e animais. Mas viviam felizes, pois gozavam de perene vitalidade. Mas havia um interdito: não entrar pelo buraco luminoso que havia no fundo do rio. O criador o havia proibido terminantemente sob pena de perderem a imortalidade. Passeavam ao redor do buraco, admiravam a luz que saía dele, ressaltando ainda mais as cores de suas escamas. Tentavam espiar para dentro, mas a luminosidade impedia qualquer visão. Apesar disso, obedeciam filialmente. Mas a tentação de violar a ordem divina era permanentemente. Certo dia, um Karajá afoito violou o tabu da interdição. Meteu-se pelo buraco luminoso adentro e foi dar nas praias alvíssimas do Rio Araguaia. Viu uma paisagem deslumbrante. Encontrou um mundo totalmente diverso daquele seu. Havia um céu de um azul muito profundo com um sol irradiante, iluminando todas as coisas e aquecendo agradavelmente a atmosfera. Aves coloridas, com seus gorjeios, davam musicalidade ao ar. Animais dos mais diversos tamanhos e cores circulavam pacificamente, um ao lado do outro, pelas campinas. Borboletas ziguezagueavam por sobre flores perfumadas e florestas exuberantes eram entremeadas por plantas carregadas de flores coloridas e dos mais variegados frutos. Deslumbrado, o índio Karajá ficou apreciando aquele paraíso terrenal até o entardecer. Quis retornar mas foi tomado por um outro cenário fascinante. Por detrás da verde mata, nascia uma lua de prata, clareando o perfil das montanhas ao longe. No céu, uma miríade de estrelas o deixaram boquiaberto, a ponto de se perguntar:
– O que se esconde atrás daquelas casinhas todas iluminadas? Quem lhes acende a luz para brilharem com tanta força?
E assim, embevecido, passou a noite até que começou novamente a clarear e a lua a desaparecer. O sol, que parecia ter morrido na noite anterior, ressurgia, glorioso, no horizonte distante. Lembrando-se de seus irmãos e irmãs peixes, regressou com os olhos cheios de beleza, passando rápido pelo buraco luminoso. Foi falar aos seus irmãos e irmãs, dizendo-lhes:
– Meus parentes, passei pelo buraco luminoso e descobri um mundo que vocês sequer podem imaginar. Contemplei com alegria no coração o sol, a lua e as estrelas. Vislumbrei com os olhos esbugalhados campinas floridas e infindáveis borboletas. Apreciei animais de todos os tamanhos em florestas verdes e azuis. As praias são alvíssimas e de areias finas. Temos que falar com nosso Criador para nos permitir morar naquele mundo. Mesmo sem entender aqueles nomes todos, os parentes ficaram tão curiosos que já queriam imitar a coragem do irmão karajá e coletivamente desobedecer, passando pelo buraco proibido. Mas os anciãos sabiamente observaram:
– Irmãos e irmãs, temos que respeitar nosso Criador, pois nos quer bem e nos fez imortais como ele. Vamos conversar com ele e pedir-lhe as devidas permissões.
Todos, sem nenhuma exceção, concordaram. Foram falar com o seu Criador. Expuseram as boas razões de seu pedido. O Criador depois de ouvi-los e, com certa tristeza na voz por causa da desobediência do afoito Karajá, lhes respondeu:
– Entendo que vocês queiram passar pelo buraco luminoso que os levará a um mundo de beleza, de cores variegadas, de diversidade de plantas, de flores, de frutos e de animais. Contemplarão, sim, a majestade do céu estrelado, o esplendor do sol e a suavidade da lua. Divertir-se-ão nas areias claras do Araguaia e rolarão de alegrias em suas praias alvíssimas. Mas eis que revelo a vocês o que ainda não sabem e não veem. Toda essa beleza é efêmera como a borboleta das águas, conhecida de vocês, que nasce hoje e desaparece amanhã. Os seres de lá não têm a imortalidade como vocês. Todos nascem, crescem, maduram, envelhecem e morrem. Todos são mortais. Todos caminham para a morte… Irresistivelmente para a morte. Vocês querem isso para vocês? Cabe a vocês decidirem.
Houve um silêncio aterrador. Todos se entreolhavam. Todos se voltaram ao Karajá que descobrira o mundo encantado, embora mortal. E como que tomados de fascínio pela beleza daquele mundo, confirmada pelo Criador em sua fala, responderam:
-Sim, Pai. Sim, queremos conhecer aquele mundo. Queremos morar naquele paraíso dos mortais.
O Criador ainda lhes falou pela última vez:
– Aceito a decisão de vocês porque aprecio acima de tudo a liberdade. Mas saibam que de hoje em diante serão mortais. Continuarão livres, não deixem jamais que lhes roubem a liberdade, mas deverão morrer como todos os seres daquele mundo radiante. Lembrem-se que trocaram o dom supremo da imortalidade pelo dom precioso da liberdade. A decisão é de vocês. E decidiram. Todos os Karajá passaram entusiasmados pelo buraco luminoso do fundo do rio. Chegaram ao mundo dos mortais, da beleza efêmera e das alegrias finitas. Ainda hoje vivem naquele paraíso às margens do Araguaia. Tiveram a inaudita coragem de acolher a mortalidade para nascerem integralmente como seres de liberdade e de transcendência e, mesmos mortais, com todos os achaques que a vida mortal comporta, continuam a viver naquelas paragens. Com a passagem pelo buraco proibido, eles fizeram a experiência da transcendência. Revelaram esta dimensão, intrínseca à natureza humana.
Assim, percebe-se que o mito pode ser positivo à construção de um cidadão crítico que pondera, analisa, , reflete e age de forma coletiva, difusa, no interesse do bem comum, no interesse de todos. O mito pode e deve ser libertador, e os mitos que bitolam, impedem, aprisionam, estes devem ser abolidos de toda e qualquer educação ambiental transcendental. A ecopedagogia vem auxiliar na construção deste novo caminho, do paradigma do senso comum culto, ainda, e do paradigma do desenvolvimento humano, onde este professorado auxiliará na construção de uma democracia saudável. Esta terá fundamento no sentimento de cuidado, na empatia, na solidariedade, no respeito aos concidadãos e aos estrangeiros, no respeito ao outro, aceitando que o ser humano, é frágil e vulnerável. Assim como, estendendo ao meio ambiente, seus ecossistemas e todas as formas de vida essa nova perspectiva de um futuro melhor.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A ecopedagogia é uma nova pedagogia que orienta, integra, relaciona, conduz o educando ao aprendizado ambiental, muito além da educação ambiental, e conforme este artigo que surgiu a partir de um ensaio, ela é mais abrangente que a pedagogia à educação sustentável e da biopedagogia. O princípio da sustentabilidade visa o uso dos recursos naturais com finalidade econômica de forma a não esgotar os mesmos, isso é possível a partir de novas condutas do cidadão. Entretanto a ecopedagogia é que vai conduzir a aprendizagem para uma forma mais do que consciente sustentável, conforme o padrão do mercado e as regras de consumo de uma educação sustentável. Não se trata de biopedagogia por não se enquadrar nos conceitos da microbioética e nem da macrobioética.
A ecopedagogia tem uma visão holística do todo, do entorno, do sistema ambiental integrado, e este integrando o homem e a mulher nas relações da teia da vida e todas as formas de vida. Não visa somente impor regras de consumo ou limitar este, mas, sim, ensinar com o método integral, de um pensamento sistêmico, com projetos o reeducar, reler as regras empíricas do dia a dia de cuidado ao todo, de amor à Gaia. Assim sendo, a ecopedagogia conduzirá o educando neste novo movimento educacional para uma formação cidadã ambiental global, sem fronteiras, para todos e todas na trajetória da construção de uma democracia verde, possível e real. Através de uma educação ambiental transcendental a transformação interna e externa alcançará as leis verdes e a possibilidade de se constituir uma democracia verde em um Estado Ecológico de Direito Ambiental.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SIRVINSKAS, Luis Paulo. Manual de direito ambiental. São Paulo: Saraiva, 2009;
[1]Docente da UFFS. Orientadora e líder do GEPEDD/UFFS/SC. E, acadêmica do curso de Pedagogia da UFFS/SC, no componente Ação Pedagógica em Educação de Jovens e Adultos
[2]Acadêmico do Curso de Letras Inglesa e Literatura Inglesa da UFSM, interprete e tradutor de inglês. Professor de Curso de Língua Inglesa.
[3]Acadêmica do Curso de Pedagogia da UFFS/SC. Orientada do GEPEDD/UFFS/SC.
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[1]Lei de Crimes Ambientais, a Lei 9.605 de 1998;
[2]Artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988;
[3]GUTIÉRREZ, Francisco; PRADO, Cruz. Ecopedagogia e cidadania Planetária. São Paulo: Cortez, 2013, p.65
[4]FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação. São Paulo: Paz e terra, 2016, p. 101-105
[5]FREIRE, Paulo. Ibidem., p.77;
[6]SIRVINSKAS, Paulo. Manual de direito ambiental, p. 21-24;
[7]SACRISTÁN, José Gimeno. Tendências investigativas na formação de professores. p.25;
[8]Freire, Paulo. Op. cit., p. 88;
[9]FREIRE, Paulo. Ibidem., p.93;
[10]FREIRE, Paulo, Ibidem., p.134;
[11]FREIRE, Paulo. Ibidem., p.146;
[12]FREIRE, Paulo. Ibidem., p. 152
[13]GADOTTI, Moacir. Ecopedagogia, Pedagogia da Sustentabilidade, Educação Ambiental e Educação para a cidadania Planetária: conceito e expressões diferentes e interconectados por um projeto comum, p.3
[14]GUTIÉRREZ, Francisco; PRADO, Cruz. Opcit., p.105-106;
[15] Comitê de Pesquisas com Seres Humanos
[16]GADOTTI. Op. cit.,. p.3;
[17]FREIRE, Paulo. Op. cit., p. 77;
[18]SACRISTÁN, José Gimeno. Tendências investigativas na formação de professores. UFG, 2002, p.21
[19]NUSSBAUM, Martha. Sem fins lucrativos: por que a democracia precisa das humanidades. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2015, p.25
[20]SACRISTÁN, José Gimeno. Op. cit., p.25
[21] BARLOW, Zenobia; CAPRA, Frijot. Pensamento sistêmico é base para uma alfabetização ecológica.
[22]CAPRA. Frijot. Alfabetização ecológica: o desafio para a educação do século 21, p.2
[23]BOFF, Leonardo. Tempo de Transcendência: O ser humano como um Projeto Infinito. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, p.17-21
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