Felipe de Macedo Teixeira (autor): Acadêmico de Direito na Universidade Federal do Rio Grande – FURG;
Pedro Idevan Cozza Barboza (autor): Acadêmico de Direito na Universidade Federal do Rio Grande – FURG;
Simone Grohs Freire (orientadora): Professora Doutora na Universidade Federal do Rio Grande – FURG.
Resumo: A redemocratização brasileira veio pautada por uma ordem constitucional que promoveu o Estado Democrático de Direito comprometido com a dignidade da pessoa humana e o desenvolvimento socioeconômico. Pautando-se no espírito democrático, a ideia de transparência na Administração Pública ganhou força através da revolução da Era da Informação, que facilita o acesso do cidadão a dados antes considerados inexplorados e inquestionados pela sociedade civil. Nesse sentido, o presente artigo visa construir e analisar o papel da transparência tributária na construção da justiça social em contexto nacional. Através da construção sócio jurídica da transparência como pilar democrático e sua incorporação na legislação brasileira, o artigo apresenta a perspectiva da cidadania fiscal e medidas já adotadas para garantir a transparência tributária e posterior controle social sobre tal. Utilizando-se de fontes primárias e da doutrina jurídica, mediante análise de documentos, o artigo defende a adoção da transparência tributária não só mediante publicização de dados, mas acompanhada por medidas de educação tributária à sociedade civil, visto que somente mediante uma nova abordagem sobre tal questão que o princípio será garantido.
Palavras-chave: Cidadania fiscal; Transparência; Acesso à informação.
Abstract: The Brazilian re-democratization was based on a constitutional order that promoted the Democratic State of Law committed to the dignity of the human person and socioeconomic development. Based on this democratic spirit, the idea of transparency in Public Administration has gained momentum through the Age of Information revolution, which facilitates citizens’ access to data once considered unexplored and unchallenged by civil society. In this sense, this article aims to construct and analyze the role of tax transparency in the construction of social justice in a national context. Through the socio-legal construction of transparency as a democratic pillar and its incorporation into Brazilian law, the article presents the perspective of fiscal citizenship and measures already adopted to guarantee tax transparency and subsequent social control over it. Using primary sources and legal doctrine, through document analysis, the article advocates the adoption of tax transparency not only through the publication of data, but accompanied by measures of tax education to civil society, since only through a new approach on the principle will be guaranteed.
Keywords: Fiscal citizenship; Transparency; Access to information.
Sumário: Introdução; 1. A Transparência como pilar do Estado Democrático de Direito; 1.1 A falência do atual modelo de Estado e o papel do acesso à informação na democratização do Estado; 1.2 O Direito ao acesso à informação como fundamental e universal e a Lei de Acesso à Informação; 2. Transparência Fiscal no contexto nacional; 3. Cidadania Fiscal e o Papel do Princípio da Transparência; 4. Transparência Tributária e Justiça Social no contexto nacional; Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO
Desenhadas e inspiradas em instituições de séculos anteriores, as vigentes instituições públicas encontram obstáculos em canalizar a complexidade das sociedades para tomada de decisões eficientes. No desafio de lidar com as mudanças e a inserção de novas redes e necessidades, a reinvenção de instituições, sem perder o caráter dos valores públicos, medidas de democracia participativa serão pilares para o exercício da cidadania como forma de soberania popular.
A ascensão de medidas de transparência pública, mediante a disponibilização de gastos governamentais acessíveis, questionáveis e analisáveis, traz ao cidadão o poder de diagnóstico sobre o serviço trago pelo Poder Público e sua qualidade, possibilitando que não somente questione ao poder central, mas proponha soluções[1].
O presente artigo busca elucidar a necessidade do empoderamento do cidadão como agente ativo da democracia, evidenciando a cidadania fiscal por meio da transparência fiscal. O binômio Estado enquanto ferramenta, e o Direito Tributário Constitucional enquanto veículo, necessitam, a todo momento, serem fiscalizados pelo contribuinte conforme sua condição de credor da obrigação social estatal. A cidadania fiscal é o direito pelo qual necessita da transparência fiscal para ser efetivado, e desta forma, o contribuinte está apto a apontar desvios, déficits, sugestões, no intuito do interesse coletivo e bem estar social. A Lei de Acesso a Informação é um marco histórico no Brasil e um avanço no Direito Tributário Constitucional, entretanto, é o passo inicial na transformação de uma sociedade mais justa e igualitária.
A educação fiscal se revela um plano de educação que deve ser posto em prática por meio de política pública. Ter noção básica do Direito Tributário e a destinação dos recursos públicos é fundamental para tornar o cidadão mais crítico e reivindicador de seus direitos.
Num Brasil de interesses individuais, o otimismo não basta para realizar transformações, é necessária a transformação da sociedade alienada. “Nada é tão perigoso para aprisionar a inteligência do que aceitar passivamente as informações” (CURY, 2004, p.81) [2].
1.1 A falência do atual modelo de Estado e o papel do acesso à informação na democratização do Estado
Uma vez que a adoção do modelo representativo da democracia caracteriza-se pela restrição da Administração Pública aos três poderes, tal modelo apresenta uma fragilidade da soberania popular, visto que a coisa pública é gerida por representantes eleitos usualmente sem o devido controle social, prejudicando a concretização da cidadania ativa em tal contexto. Popularmente considerada como uma crise de representatividade, a situação do atual modelo de Estado atinge todo mundo ocidental, caracterizando-se pela gradual e crescente perda da confiança do cidadão no governo e à incapacidade do mesmo de atender às inúmeras demandas socioeconômicas da complexa e plural sociedade moderna.
Caracterizado pelo abarrotamento de instrumentos burocráticos e leis ineficazes, o Estado ocidental encontra-se diante do impasse da ineficiência, marcado pelo déficit democrático que atinge a gestão pública desde a maior das nações ocidentais até a menor delas. Ao encontrar-se em tal situação, a sociedade civil moderna carece de meios de exercício da cidadania plena. No contexto tributário, o modelo regressivo brasileiro, cujos impostos baseiam-se sobre o consumo e não a renda e propriedade impede a distribuição de renda pelo imposto e perpetua a desigualdade social.
A necessidade de reforma esbarra não somente no contexto tributário, mas no contexto público como um todo, estando diretamente relacionada com que serviços quer o Estado prestar à sociedade, e à qualidade de tais. Busca-se eficiência, ou seja, um serviço melhor por valores menores, garantindo a plena contrapartida dos impostos, contradição esta que atinge os princípios de um Estado Democrático de Direito.
Conforme destaca Paulo Bonavides (2008, p. 283) [3], a estrutura de uma democracia é pautada com destaque ao princípio da dignidade da pessoa humana; na soberania popular, sobre a qual emanam os poderes outorgados aos representantes, porém com destinatário principal no cidadão. Em tal contexto, a participação do cidadão acaba ficando restrita. Apesar de pouco explorada pela Constituição Federal, a democracia participativa visa o acompanhamento do indivíduo perante o ente público, atuando para cidadania ativa.
Nesse sentido, ao utilizar-se de canais de colaboração e discussão para engajar-se no cenário político e exercer a cidadania, a tecnologia de informação e de comunicação traz duas contribuições para a noção de democracia: o acesso à informação, essencial para o exercício do controle social e da participação popular, e, a transparência governamental, em face de sua capacidade interativa, que abrange o armazenamento e a difusão de conteúdos, de forma ilimitada e com amplo alcance.
1.2 O Direito ao acesso à informação como fundamental e universal e a Lei de Acesso à Informação
A consolidação do direito ao acesso à informação, após uma gradual evolução posterior à terceira geração de direitos humanos, consolidou-se como fundamental e universal no que concerne à participação do cidadão como indivíduo e coletivo no controle social acerca das atividades desempenhadas pelo Estado. Na obrigação de cumprir com o dever de transparência, quebra-se a antiga noção do monopólio estatal da informação, passando a ser direito do indivíduo receber e solicitar informações do ente público. Diante de um processo de informatização da Administração Pública, o ente público passa a voltar-se ao cidadão, que, após a constitucionalização do Estado Democrático de Direito trata de democratizar os atos legais e administrativos, no sentido de garantir maior acesso do cidadão às atividades. A formação da cultura de publicização da gestão pública enfrenta ainda uma série de desafios, com destaque à transparência tributária[4].
O dever de transparência governamental, que visa universalizar a mesma, passou por uma construção normativa que data desde a primeira metade do século XX, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) [5], cujo artigo XIX garante ao ser humano o direito da liberdade de expressão, podendo buscar a informação de forma irrestrita. Ainda no âmbito do direito internacional, Convenção Interamericana de Direitos Humanos (1969) [6] trouxe previsão similar, ao destacar o direito à informação em nível mundial.
Nesse sentido, primeiramente associada ao milenar direito à liberdade de expressão, o direito ao acesso à informação veio se consolidando no contexto internacional no decorrer das décadas, sendo finalmente reconhecido como direito fundamental do indivíduo pela Convenção das Nações Unidas sobre Combate à Corrupção (2003) [7], tornando obrigação do Estado à garantia de tal direito. Tal direito consiste no dever de adoção de medidas transparentes pelos entes públicos no que concerne à organização, funcionamento e atividades, facilitando e publicizando as informações.
Dentre o entendimento dado pelas convenções e normativas em âmbito internacional sobre a temática destaca-se o princípio de que o sigilo das informações passa a ser exceção, em casos de ordem pública, conforme destacado pela própria legislação brasileira, por exemplo. Passa-se assim à noção de que o direito à informação é meio de democratização do Estado, permitindo melhorias ao desempenho governamental ao permitir o empoderamento do cidadão com informação e consequente participação social.
Nesse sentido, a Lei n. 12.5271, Lei de Acesso à Informação, estabeleceu os procedimentos para o acesso às informações públicas, considerando-se uma conquista essencial à cidadania ativa, rompendo com a tradição de sigilo do Estado, que “torna o conhecimento privilégio de poucos, pautado em uma suposta imaturidade ou despreparo do cidadão para o exercício de seus direitos” (ROCHA, 2012, p. 85)[8]·. Visando uma nova relação entre cidadão e Estado que a própria Carta Constitucional busca trazer pelo princípio da transparência e publicidade da Administração Pública, a Lei visa concretizar uma atuação estatal legítima. Destaca ainda Rocha (2012, p. 89):
“A Lei n. 12.527, nesse contexto, representa um avanço por se tratar de um ponto de partida para respostas, sempre provisórias, a essas questões. Mais do que parâmetros substantivos, a lei estabelece procedimentos para o diálogo, e enriquece o processo de interpretação acerca da aplicação do princípio da transparência do qual o acesso a informação é um dos pilares, ao ampliar os canais e procedimentos, institucionalizados e legítimos, para atuação dos diversos atores envolvidos.”” [9]
Visando a efetividade do direito fundamental de acesso à informação, cabe que a aplicação desta legislação paute-se no princípio de publicidade que norteia a Administração Pública, tendo o sigilo da informação como medida de exceção, visando a transparente divulgação à sociedade civil, além do uso de meio de comunicação para trazer a sociedade mais próxima ao Estado, mediante uma cultura de transparência e participação social no andamento das atividades.
Portanto, ao aproximar a sociedade civil dos entes públicos, garante-se uma modernização de toda máquina pública, utilizando de novas tecnologias difundidas no âmbito social para efetivar o potencial democrático do pluralismo informativo. A gestão transparente implica não somente o pronto atendimento às demandas dos cidadãos. O que se busca é uma Administração Pública que fomente a participação da sociedade, associada à obrigação dos governantes de prestar contas de suas ações e de por elas se responsabilizarem, perante a sociedade.
Em um estudo realizado pelo FMI (Fundo Monetário Internacional), a pedido do Ministério da Fazenda acerca da transparência fiscal, constatou-se que o Brasil já adotou uma série de medidas na área. Tal pedido, que é comumente requerido pelos países, visa averiguar as práticas de transparência fiscal em comparação com o Código de Boas Práticas de Transparência Fiscal (FT-Code) daquele organismo[10].
O Brasil ganhou destaque no documento para as estatísticas fiscais, as quais reconhecem a maioria dos seus ativos e passivos; relatórios fiscais, publicados periodicamente e revisados pelo TCU; documentos do orçamento, pela tempestividade, transparência e publicidade na Internet; e a Lei de Responsabilidade Fiscal que divulga a gestão dos riscos fiscais.
Em contraponto, ficou indicado que poderia ser melhorada a produção de estatísticas fiscais do setor público, incorporando empresas públicas financeiras e não financeiras de acordo com o FT-Code, o fortalecimento da divulgação da gestão de riscos, e o melhor relacionamento entre o Tesouro Nacional e o Banco Central a fim de delimitar os principais desafios fiscais de médio e longo prazo. Ainda, o próprio Tesouro Nacional vem publicando acerca do interesse do Governo Federal em atender os pontos indicados pelo FMI, entretanto, a quase dois anos do relatório, não se constatou tais mudanças[11].
A relação entre Tesouro Nacional e Banco Central continua voltada para os fluxos de equalização de moeda estrangeira. Nesse procedimento, o Banco Central realiza a conversão das transferências monetárias das reservas internacionais para a moeda do Real. Conforme a valorização das moedas, a taxa de cambio flutua gerando “sobras” ou “perdas” nas conversões, que são repassadas ao Tesouro Nacional. O objetivo é racionalizar os fluxos financeiros, diminuindo a volatilidade dos recursos transferidos, assegurando um equilíbrio entre perdas e ganhos.
Quanto à divulgação de riscos fiscais a médio e longo prazo, o governo defende que tem sido feito com sucesso, reflexo disto seria a aprovação da “PEC do Teto dos Gastos” e a Reforma da Previdência. Entretanto, a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2018 não preconizou o fortalecimento da divulgação da gestão de riscos fiscais, como outrora havia afirmado que a faria.
Nesse contexto, a entidade International Budget Partnership (IBP) criou o Índice de Transparência de Orçamento Aberto[12], onde analisou 102 países. O Brasil obteve a sexta posição no ranking, ficando na frente de países como Alemanha, Reino Unido e França. A entidade analisou os seguintes quesitos: estágio atual de transparência orçamentária, evolução ao longo do tempo, cidadania fiscal e o papel das instituições fiscalizadoras. Somente Brasil, Estados Unidos, Noruega e África do Sul obtiveram pontuações relevantes em todos os quesitos.
Há de se destacar que em comparação com outros países, o Brasil é pioneiro na publicidade online das informações públicas, que é garantida pela Lei de Acesso as Informações Públicas, sendo um marco histórico para a transparência no Brasil, conforme ressaltado anteriormente. Com os documentos e informações produzidos pela Administração Pública disponíveis na Internet, qualquer brasileiro pode consultá-los. Ademais, é necessária a publicação das informações de maneira mais detalhada, principalmente das ações do Fisco, a fim de permitir a efetivação da cidadania fiscal.
A educação fiscal é uma necessidade iminente na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. A partir desta conscientização, o cidadão buscará a efetivação dos seus direitos, por meio de toda legitimidade a qual a Constituição lhe garante em viver dignamente e usufruir do bem-estar.
Nesse contexto, a educação fiscal é um plano de educação que deve ser posto em prática, fundada no pressuposto de conscientização da função socioeconômica dos tributos, de modo a proporcionar uma gestão democrática dos recursos públicos.
A educação de qualidade e para todos é o bem mais valioso que pode ser garantido numa sociedade. Sem instrução e conhecimento não há coletividade que sobreviva, ou que viva com dignidade. É através do estudo que se estimula o senso crítico, o poder de julgamento, de análise. Nas palavras do educador Paulo Freire:
“(…) Ninguém nega o valor da educação e que um bom professor é imprescindível. Mas, ainda que desejem bons professores para seus filhos, poucos pais desejam que seus filhos sejam professores. Isso nos mostra o reconhecimento que o trabalho de educar é duro, difícil e necessário, mas que permitimos que esses profissionais continuem sendo desvalorizados. Apesar de mal remunerados, com baixo prestígio social e responsabilizados pelo fracasso da educação, grande parte resiste e continua apaixonada pelo seu trabalho. […] se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela, tampouco, a sociedade muda” (FREIRE apud CITAÇÕES…, 2011, não paginado)[13].
O Estado, por sua vez, não gera riqueza por si só, e necessita que o contribuinte preste o dever de pagar os impostos. Em contraponto, o cidadão adimple a obrigação tributária esperando a gestão adequada dos recursos públicos, investidos em saúde, educação, segurança. Nesse sentido, afirma Nabais (2005, p. 115):
“O Estado na sua configuração de Estado Social não pode deixar de garantir a cada um dos membros da sua comunidade um adequado nível de realização dos direitos à saúde, à educação, à habitação, à segurança social, etc”.[14]
Nesse diapasão, a obrigação tributária tem de ser entendida como a tradução do Estado Social, pelo qual a máquina pública e o cidadão – contribuinte, mutuamente obrigados, firmam o pacto social constitucional. Para tanto, a solidariedade é pressuposto substancial para resolução das mazelas sociais. A pobreza, enquanto problema social, e não individual, está intimamente ligada a cidadania ativa, quando os cidadãos se envolvem politicamente com intuito de melhorar as condições de seu país, e com a boa gestão do dinheiro público, quando o Estado governa para o povo.
Essa compreensão de solidariedade recíproca entre o ente público e o cidadão é a noção que embasa o Direito Tributário Constitucional. O Estado que autua o contribuinte que age ilicitamente, cumpre sua função Constitucional. O cidadão que não usufrui de condições adequadas para o bem estar social, ou as usufrui na condição de excepcionalidade na sua comunidade, e se envolve ativamente fiscalizando, reivindicando, exercendo sua cidadania, cumpre com sua função Constitucional.
A transparência fiscal efetiva da gestão do erário reveste o cidadão da capacidade de fiscalizar e apontar déficits, constituindo-o como verdadeiro credor da obrigação social da qual o tributo é destinado.
Há que se ter em mente que o exercício da cidadania está a quem do votar e ser votado, pois, conforme pondera Silveira (2002, pág. 39) “ser cidadão é ser capaz de cumprir obrigações perante a sociedade da qual se faz parte, bem como exigir seus direitos” [15]. E para este empoderamento, a transparência fiscal é ferramenta imprescindível.
Contemplado pela Constituição Federal em seu artigo 150, § 5º[16], o a transparência tributária é constitucionalizada como determinação para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos tributos que incidam sobre mercadorias e serviços. Entretanto, tal dispositivo carece de aplicabilidade cotidiana, uma vez que não há normativa regulamentadora do mesmo no sentido de trazer maior transparência tributária ao cidadão, que segue excluído do acesso à informação essencial para cidadania ativa.
O talvez desinteresse em esclarecer os aspectos fiscais e tributários à sociedade civil, como acontece no artigo supramencionado, acaba por prejudicar a construção do Estado Democrático de Direito, que tem como pilar básico a transparência das atividades, em destaque à arrecadação e distribuição de tributos, matéria de ordem pública e inerente aos entes públicos. Tal descaso das autoridades, não só contribui para falência do atual modelo de Estado, conforme apresentado anteriormente, mas também atua como obstáculo à cidadania fiscal, que tem como característica a participação do cidadão em tal matéria uma vez ciente da informação.
Além disso, a construção de uma cidadania fiscal está estritamente ligada à construção da justiça social. Esta se relaciona à garantia de satisfação das necessidades básicas da população, atribuindo a todos o necessário para o pleno desenvolvimento do indivíduo e do coletivo. Surgida em um contexto de recuperação europeia pós duas guerras mundiais, a justiça social encontra no Estado um mecanismo de melhor distribuição de riqueza em prol do desenvolvimento social. Uma das principais ferramentas que dispõe o Estado para realizar a justiça social está no sistema tributário. Por meio da construção de tais normativas que está o poder de combate à fragilidade social, como a pobreza, a concentração de renda, a exclusão social, e etc.
Indo em consonância com o objetivo da Carta Constitucional de criar uma sociedade livre, justa e solidária, a busca por uma tributação mais justa vai de encontro com a transparência tributária, pois somente assim pode-se ter clareza social acerca das medidas e impactos que geram as políticas fiscais dos entes públicos. A necessidade de interferência da sociedade civil em tal temática, de forma direta ou não, somente será atendida mediante pleno e claro acesso à informação, razão pela qual somente a transparência formal é insuficiente, conforme ressaltado anteriormente.
Tal objetivo de transparência defendido no presente trabalho vem de forma a combater com as injustiças sociais causadas por distorções na aplicação dos recursos públicos e na formulação de políticas públicas mal sucedidas, conforme explica Sousa (2012, não paginado):
A política tributária vem a ser o processo pelo qual o Estado, analisando suas funções gerais, decide a forma pela qual será realizada ou não a imposição tributária, e ocorrendo essa imposição como ela se dará. O Estado ao constatar que sem a cobrança ou redução de tributos alcançará as finalidades a ele conferidas no ordenamento jurídico, deverá adotar políticas tributárias que beneficiem ao cidadão, especialmente porque o desenvolvimento social e individual efetivam a dignidade da pessoa humana.[17]
Como observado, o princípio da transparência garante ao cidadão o acesso aos atos praticados pela Administração Pública, por vias de divulgação e publicitação de tais atos, garantindo à sociedade civil o poder de fiscalizar, avaliar e cobrar da Administração Pública que seus direitos e anseios sejam respeitados e efetivados. Tal controle social só acontece quando aquela tem meios amplos para tal participação e consequente cidadania ativa, estando capaz e capacitado para participação democrática, ciente dos deveres e funcionamento dos entes públicos. É nesse sentido que se mostra imperiosa a capacitação do cidadão em conjunto ao acesso à informação.
Assim, o princípio da transparência possui gigantesca importância no Estado Democrático de Direito em seu objetivo de promover a Justiça Social, pois o exercício do poder cabido ao povo depende do acesso à informação clara e verdadeira dos atos dos Administradores Públicos, de modo que serve ainda, como meio de controle da gerência estatal.
CONCLUSÃO
Na premissa de que pagar tributos é um dever de cidadania, visto que provém ao Estado os meios financeiros de promoção do bem-estar através de políticas públicas, o controle social do mesmo passa a ser o complemento necessário ao exercício da cidadania fiscal, um poder-dever do cidadão. Nesse panorama, a transparências das informações deve vir não somente por medidas de mera disponibilização (transparência formal), mas de instrumentos que propiciem ao cidadão a análise e questionamento de tais informações, ou seja, meios de empoderamento.
O aumento das possibilidades de questionamento social acerca do uso do poder fiscal do Estado deve ser acompanhado por um processo de educação fiscal, meio de transparência material, que alcance desde as primeiras gerações, ainda no âmbito escolar. Voltando-se a conceitos básicos e cotidianos da tributação e sua função social, ou seja, da necessidade dos tributos para manutenção do Estado e garantia do bem-estar social, tais medidas, uma vez tragas para grade curricular de estudantes, poderão originar em uma mudança cultural da sociedade. Em uma sociedade com bases de corrupção que se carregam desde o período de colonização, pequenas ações ilegais visando garantir sonegação fiscal passam despercebidas no cotidiano nacional. Nesse sentido, um processo de educação voltado à educação financeira teria capacidade não somente de alterar o comportamento do indivíduo no sentido do sujeito passivo das obrigações tributárias, mas também de prática da cidadania ativa perante um Estado Democrático de Direito.
Uma reforma está diretamente relacionada com que serviços quer o Estado prestar à sociedade, à qualidade de tais. Busca-se eficiência, ou seja, a prestação por serviços melhores por valores menores. A ineficiência transmite-se hoje no fato de que o contribuinte pago não é o que ele recebe, consolidando a inexistência de contrapartida dos impostos, contradição esta que atinge os princípios de um Estado Democrático de Direito de promotor da Justiça Social.
REFERÊNCIAS
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[1] DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado, 23ª ed., São Paulo, Saraiva, 2003.
[2] CURY, Augusto Jorge. Nunca desista dos seus Sonhos. Rio de Janeiro: Sextante, 2004, 154p
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[3] BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da Democracia Participativa (Por um Direito Constitucional de luta e resistência, por uma Nova Hermenêutica, por uma repolitização da legitimidade). 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.
[4] HOCH, Patrícia Adriani. O POTENCIAL DEMOCRÁTICO DO ACESSO À INFORMAÇÃO PÚBLICA E DA TRANSPARÊNCIA GOVERNAMENTAL NO CONTEXTO DA SOCIEDADE INFORMACIONAL. V Congresso Iberoamericano de Investigadores e Docentes de Direito e Informática – Rede CIIDDI. Santa Maria: 2015. Disponível em: http://coral.ufsm.br/congressodireito/anais/2015/8-5.pdf Acessado em 10/11/2017.
[5] ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948. Disponível em: . Acessado em 15/11/2017
[6] ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Americana de Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969. Disponível em: http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm. Acessado em 20/11/2017.
[7] ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, de 31 de outubro de 2003. Disponível em: http://www.unodc.org/documents/lpo-brazil//Topics_corruption/Publicacoes/2007_UNCAC_Port.pdf. Acessado em 10/11/2017.
[8] ROCHA, Heloisa Helena Nascimento. Transparência e accountability no Estado Democrático de Direito: reflexões à luz da Lei de Acesso à Informação. Disponível em: revista.tce.mg.gov.br/Content/Upload/Materia/1682.pdf. Acessado em 11/11/2017.
[9] ROCHA, Heloisa Helena Nascimento. Transparência e accountability no Estado Democrático de Direito: reflexões à luz da Lei de Acesso à Informação. Disponível em: revista.tce.mg.gov.br/Content/Upload/Materia/1682.pdf. Acessado em 11/11/2017.
[10] TESOURO NACIONAL. Tesouro publica relatório do FMI sobre transparência fiscal do Brasil. Disponível em: http://www.tesouro.fazenda.gov.br/-/tesouro-publica-relatorio-do-fmi-sobre-transparencia-fiscal-do-brasil Acessado em 02/12/2017.
[12] INTERNATIONAL BUDGET PARTNERSHIP. Open Budget Survey. Disponível em: survey.internationalbudget.org/#home. Acessado em 02/12/2017.
[13] CITAÇÕES de Paulo Freire. Disponível em: < http://pensador.uol.com.br/citacoes_de_paulo_freire/>. Acessado em 30/11/2017.
[14] NABAIS, José Casalta. Solidariedade social, cidadania e direito fiscal. In: GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de (Coords.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 115.
[15] SILVEIRA, Rogério Zanon de. Tributo, educação e cidadania: a questão tributária no ensino fundamental como fator de desenvolvimento da cidadania participativa no Brasil. 2. ed. Vitória: Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, 2002, p. 39.
[16] BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>. Acessado em 11/11/2017.
[17] SOUSA, João Paulo Domingos. Tributação, Cidadania, Políticas Públicas e Justiça Social. Conteúdo Jurídico. Disponível em: www.conteudojuridico.com.br/print.php?content=2.36414. Acessado em 20/11/2017.
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