Resumo: Em altos alaridos, dicciona o Texto Constitucional que todos são iguais perante a lei e que brasileiros e estrangeiros residentes no território nacional não sofrerão qualquer discriminação. Doutro modo, um dos escopos fundamentais da República Federativa do Brasil está alicerçado na promoção do bem-estar de todos, sem preconceitos, em razão do gênero. Aludida disposição constitucional concentra em seu âmago determinação de que homens e mulheres são iguais perante a lei, inexistindo qualquer distinção discriminatória assentada no gênero. Desse modo, partindo da premissa de que o direito é dinâmico e está para regular as relações sociais, deve ser prestigiada a opção sexual do cidadão, para fins de estruturação das células familiares e consequentes reflexos no direito de seguridade social. Ora, é possível destacar, como reflexo do princípio da igualdade, está inserta a proibição constitucional de discriminação em razão do sexo, não limitada tal valoração à mera distinção entre homens e mulheres. À sombra do pontuado, não é admissível em razão do sexo, independente do cidadão ser homossexual, transexual ou não, sob pena de vilipêndio aos princípios constitucionais da igualdade e da proteção à dignidade da pessoa humana.
Palavras-chaves: Direitos Fundamentais Sociais. Seguridade Social. Vedação à Discriminação de Gênero.
Sumário: 1 Argumentos Iniciais: Ponderações ao Característico de Mutabilidade da Ciência Jurídica; 2 Direitos de Primeira Dimensão: Comentários à Consolidação dos Direitos de Liberdade; 3 Direitos de Segunda Dimensão: Os Anseios Sociais como substrato de edificação dos Direitos de Igualdade; 4 Comentários aos Direitos Fundamentais Sociais: Os Influxos da Vedação à Discriminação de Gênero na Seguridade Social
1 Argumentos Iniciais: Ponderações ao Característico de Mutabilidade da Ciência Jurídica
Em sede de comentários inaugurais, ao se dispensar uma análise robusta sobre o tema colocado em debate, mister se faz evidenciar que a Ciência Jurídica, enquanto conjunto plural e multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as pujantes ramificações que a integra, reclama uma interpretação alicerçada nos múltiplos peculiares característicos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste diapasão, trazendo a lume os aspectos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado, infere-se que não mais prospera a ótica de imutabilidade que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática. É verificável, desta sorte, que os valores adotados pela coletividade, tal como os proeminentes cenários apresentados com a evolução da sociedade, passam a figurar como elementos que influenciam a confecção e aplicação das normas.
Com escora em tais premissas, cuida hastear como pavilhão de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1]. Deste modo, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo fundamental está assentado em assegurar que inexista a difusão da prática da vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras, nas quais o homem valorizava os aspectos estruturantes da Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade.
Afora isso, volvendo a análise do tema para o cenário pátrio, é possível evidenciar que com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, primacialmente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz justamente na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais.
Ainda nesta senda de exame, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[3]. Destarte, a partir de uma análise profunda de sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis.
2 Direitos de Primeira Dimensão: Comentários à Concreção dos Direitos de Liberdade
No século XVIII, é verificável a instalação de um momento de crise no continente europeu, porquanto a classe burguesa que emergia, com grande poderio econômico, não participava da vida pública, pois inexistia, por parte dos governantes, a observância dos direitos fundamentais, até então construídos. Afora isso, apesar do esfacelamento do modelo feudal, permanecia o privilégio ao clero e à nobreza, ao passo que a camada mais pobre da sociedade era esmagada, porquanto, por meio da tributação, eram obrigados a sustentar os privilégios das minorias que detinham o poder. Com efeito, a disparidade existente, aliado ao achatamento da nova classe que surgia, em especial no que concerne aos tributos cobrados, produzia uma robusta insatisfação na órbita política[4]. O mesmo ocorria com a população pobre, que, vinda das regiões rurais, passa a ser, nos centros urbanos, explorada em fábricas, morava em subúrbios sem higiene, era mal alimentada e, do pouco que lhe sobejava, tinha que tributar à Corte para que esta gastasse com seus supérfluos interesses. Essas duas subclasses uniram-se e fomentaram o sentimento de contenda contra os detentores do poder, protestos e aclamações públicas tomaram conta da França.
Em meados de 1789, em meio a um cenário caótico de insatisfação por parte das classes sociais exploradas, notadamente para manterem os interesses dos detentores do poder, implode a Revolução Francesa, que culminou com a queda da Bastilha e a tomada do poder pelos revoltosos, os quais estabeleceram, pouco tempo depois, a Assembleia Nacional Constituinte. Esta suprimiu os direitos das minorias, as imunidades estatais e proclamou a Declaração dos Direitos dos Homens e Cidadão que, ao contrário da Declaração do Bom Povo da Virgínia, que tinha um enfoque regionalista, voltado, exclusivamente aos interesses de seu povo, foi tida com abstrata[5] e, por isso, universalista. Ressalta-se que a Declaração Francesa possuía três características: intelectualismo, mundialismo e individualismo.
A primeira pressupunha que as garantias de direito dos homens e a entrega do poder nas mãos da população era obra e graça do intelecto humano; a segunda característica referia-se ao alcance dos direitos conquistados, pois, apenas, eles não salvaguardariam o povo francês, mas se estenderiam a todos os povos. Por derradeiro, a terceira característica referia-se ao seu caráter, iminentemente individual, não se preocupando com direitos de natureza coletiva, tais como as liberdades associativas ou de reunião. No bojo da declaração, emergidos nos seus dezessete artigos, estão proclamados os corolários e cânones da liberdade[6], da igualdade, da propriedade, da legalidade e as demais garantias individuais. Ao lado disso, é denotável que o diploma em comento consagrou os princípios fundantes do direito penal, dentre os quais sobreleva destacar princípio da legalidade[7], da reserva legal[8] e anterioridade em matéria penal, da presunção de inocência[9], tal como liberdade religiosa e livre manifestação de pensamento[10].
Os direitos de primeira dimensão compreendem os direitos de liberdade, tal como os direitos civis e políticos, estando acampados em sua rubrica os direitos à vida, liberdade, segurança, não discriminação racial, propriedade privada, privacidade e sigilo de comunicações, ao devido processo legal, ao asilo em decorrência de perseguições políticas, bem como as liberdades de culto, crença, consciência, opinião, expressão, associação e reunião pacíficas, locomoção, residência, participação política, diretamente ou por meio de eleições. “Os direitos de primeira geração ou direitos de liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam subjetividade”[11], aspecto este que passa a ser característico da dimensão em comento. Com realce, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado, refletindo um ideário de afastamento daquele das relações individuais e sociais.
3 Direitos de Segunda Dimensão: Os Anseios Sociais como substrato de edificação dos Direitos de Igualdade
Com o advento da Revolução Industrial, é verificável no continente europeu, precipuamente, a instalação de um cenário pautado na exploração do proletariado. O contingente de trabalhadores não estava restrito apenas a adultos, mas sim alcançava até mesmo crianças, os quais eram expostos a condições degradantes, em fábricas sem nenhuma, ou quase nenhuma, higiene, mal iluminadas e úmidas. Salienta-se que, além dessa conjuntura, os trabalhadores eram submetidos a cargas horárias extenuantes, compensadas, unicamente, por um salário miserável. O Estado Liberal absteve-se de se imiscuir na economia e, com o beneplácito de sua omissão, assistiu a classe burguesa explorar e “coisificar” a massa trabalhadora, reduzindo seres humanos a meros objetos sujeitos a lei da oferta e procura. O Capitalismo selvagem, que operava, nessa essa época, enriqueceu uns poucos, mas subjugou a maioria[12]. A massa de trabalhadores e desempregados vivia em situação de robusta penúria, ao passo que os burgueses ostentavam desmedida opulência.
Na vereda rumo à conquista dos direitos fundamentais, econômicos e sociais, surgiram alguns textos de grande relevância, os quais combatiam a exploração desmedida propiciada pelo capitalismo. É possível citar, em um primeiro momento, como proeminente documento elaborado durante este período, a Declaração de Direitos da Constituição Francesa de 1848, que apresentou uma ampliação em termos de direitos humanos fundamentais. “Além dos direitos humanos tradicionais, em seu art. 13 previa, como direitos dos cidadãos garantidos pela Constituição, a liberdade do trabalho e da indústria, a assistência aos desempregados”[13]. Posteriormente, em 1917, a Constituição Mexicana[14], refletindo os ideários decorrentes da consolidação dos direitos de segunda dimensão, em seu texto consagrou direitos individuais com maciça tendência social, a exemplo da limitação da carga horária diária do trabalho e disposições acerca dos contratos de trabalho, além de estabelecer a obrigatoriedade da educação primária básica, bem como gratuidade da educação prestada pelo Ente Estatal.
A Constituição Alemã de Weimar, datada de 1919, trouxe grandes avanços nos direitos socioeconômicos, pois previu a proteção do Estado ao trabalho, à liberdade de associação, melhores condições de trabalho e de vida e o sistema de seguridade social para a conservação da saúde, capacidade para o trabalho e para a proteção à maternidade. Além dos direitos sociais expressamente insculpidos, a Constituição de Weimar apresentou robusta moldura no que concerne à defesa dos direitos dos trabalhadores, primacialmente “ao instituir que o Império procuraria obter uma regulamentação internacional da situação jurídica dos trabalhadores que assegurasse ao conjunto da classe operária da humanidade, um mínimo de direitos sociais”[15], tal como estabelecer que os operários e empregados seriam chamados a colaborar com os patrões, na regulamentação dos salários e das condições de trabalho, bem como no desenvolvimento das forças produtivas.
No campo socialista, destaca-se a Constituição do Povo Trabalhador e Explorado[16], elaborada pela antiga União Soviética. Esse Diploma Legal possuía ideias revolucionárias e propagandistas, pois não enunciava, propriamente, direitos, mas princípios, tais como a abolição da propriedade privada, o confisco dos bancos, dentre outras. A Carta do Trabalho, elaborada pelo Estado Fascista Italiano, em 1927, trouxe inúmeras inovações na relação laboral. Dentre as inovações introduzidas, é possível destacar a liberdade sindical, magistratura do trabalho, possibilidade de contratos coletivos de trabalho, maior proporcionalidade de retribuição financeira em relação ao trabalho, remuneração especial ao trabalho noturno, garantia do repouso semanal remunerado, previsão de férias após um ano de serviço ininterrupto, indenização em virtude de dispensa arbitrária ou sem justa causa, previsão de previdência, assistência, educação e instrução sociais[17].
Nota-se, assim, que, aos poucos, o Estado saiu da apatia e envolveu-se nas relações de natureza econômica, a fim de garantir a efetivação dos direitos fundamentais econômicos e sociais. Sendo assim, o Estado adota uma postura de Estado-social, ou seja, tem como fito primordial assegurar aos indivíduos que o integram as condições materiais tidas por seus defensores como imprescindíveis para que, desta feita, possam ter o pleno gozo dos direitos oriundos da primeira geração. E, portanto, desenvolvem uma tendência de exigir do Ente Estatal intervenções na órbita social, mediante critérios de justiça distributiva. Opondo-se diretamente a posição de Estado liberal, isto é, o ente estatal alheio à vida da sociedade e que, por consequência, não intervinha na sociedade. Incluem os direitos a segurança social, ao trabalho e proteção contra o desemprego, ao repouso e ao lazer, incluindo férias remuneradas, a um padrão de vida que assegure a saúde e o bem-estar individual e da família, à educação, à propriedade intelectual, bem como as liberdades de escolha profissional e de sindicalização.
Bonavides, ao tratar do tema, destaca que os direitos de segunda dimensão “são os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas do Estado social, depois que germinaram por ora de ideologia e da reflexão antiliberal”[18]. Os direitos alcançados pela rubrica em comento florescem umbilicalmente atrelados ao corolário da igualdade. Como se percebe, a marcha dos direitos humanos fundamentais rumo às sendas da História é paulatina e constante. Ademais, a doutrina dos direitos fundamentais apresenta uma ampla capacidade de incorporar desafios. “Sua primeira geração enfrentou problemas do arbítrio governamental, com as liberdades públicas, a segunda, o dos extremos desníveis sociais, com os direitos econômicos e sociais”[19], como bem evidencia Manoel Gonçalves Ferreira Filho.
4 Comentários aos Direitos Fundamentais Sociais: Os Influxos da Vedação à Discriminação de Gênero na Seguridade Social
Em altos alaridos, dicciona o Texto Constitucional que todos são iguais perante a lei e que brasileiros e estrangeiros residentes no território nacional não sofrerão qualquer discriminação. Doutro modo, um dos escopos fundamentais da República Federativa do Brasil está alicerçado na promoção do bem-estar de todos, sem preconceitos, em razão do gênero. Aludida disposição constitucional concentra em seu âmago determinação de que homens e mulheres são iguais perante a lei, inexistindo qualquer distinção discriminatória assentada no gênero. “Desse modo, partindo da premissa de que o direito é dinâmico e está para regular as relações sociais, deve ser prestigiada a opção sexual do cidadão”[20], para fins de estruturação das células familiares e consequentes reflexos no direito de seguridade social. Ora, é possível destacar, como reflexo do princípio da igualdade, está inserta a proibição constitucional de discriminação em razão do sexo, não limitada tal valoração à mera distinção entre homens e mulheres.
À sombra do pontuado, não é admissível em razão do sexo, independente do cidadão ser homossexual, transexual ou não, sob pena de vilipêndio aos princípios constitucionais da igualdade e da proteção à dignidade da pessoa humana. Desta feita, uma vez constituída a célula familiar entre indivíduos do mesmo sexo, o companheiro homossexual em tais relações deve ser considerado como dependente econômico presumido do segurado falecido ou recluso. Assim, em consonância com o corolário da isonomia, deve a autarquia previdenciária tratar de forma igual todos os dependentes segurados, sob pena de discriminação em razão do sexo. Ao lado disso, entender de forma diversa seria atentar contra a proteção constitucional à dignidade humana e liberdade constitucional de escolha de sexo, concebida como direito fundamental ao desenvolvimento da personalidade. Neste aspecto, é possível trazer à colação o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça, em especial quando acena:
“Ementa: Direito civil. Previdência privada. Benefícios. Complementação. Pensão post mortem. União entre pessoas do mesmo sexo. Princípios fundamentais. Emprego de analogia para suprir lacuna legislativa. Necessidade de demonstração inequívoca da presença dos elementos essenciais à caracterização da união estável, com a evidente exceção da diversidade de sexos. Igualdade de condições entre beneficiários. – Despida de normatividade, a união afetiva constituída entre pessoas de mesmo sexo tem batido às portas do Poder Judiciário ante a necessidade de tutela, circunstância que não pode ser ignorada, seja pelo legislador, seja pelo julgador, que devem estar preparados para atender às demandas surgidas de uma sociedade com estruturas de convívio cada vez mais complexas, a fim de albergar, na esfera de entidade familiar, os mais diversos arranjos vivenciais. […] “A proteção social ao companheiro homossexual decorre da subordinação dos planos complementares privados de previdência aos ditames genéricos do plano básico estatal do qual são desdobramento no interior do sistema de seguridade social” de modo que “os normativos internos dos planos de benefícios das entidades de previdência privada podem ampliar, mas não restringir, o rol dos beneficiários a serem designados pelos participantes”. – O direito social previdenciário, ainda que de caráter privado complementar, deve incidir igualitariamente sobre todos aqueles que se colocam sob o seu manto protetor. Nessa linha de entendimento, aqueles que vivem em uniões de afeto com pessoas do mesmo sexo, seguem enquadrados no rol dos dependentes preferenciais dos segurados, no regime geral, bem como dos participantes, no regime complementar de previdência, em igualdade de condições com todos os demais beneficiários em situações análogas. – Incontroversa a união nos mesmos moldes em que a estável, o companheiro participante de plano de previdência privada faz jus à pensão por morte, ainda que não esteja expressamente inscrito no instrumento de adesão, isso porque “a previdência privada não perde o seu caráter social pelo só fato de decorrer de avença firmada entre particulares”. […] Recurso especial provido.” (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp 1.026.981/RJ/ Relatora: Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 04.02.2010/ Publicado no DJe em 23.02.2010).
Tendo como arrimo o sedimento colacionado, é possível salientar que o artigo 6º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[21], dentre os direitos sociais, inclui o direito à previdência social, sendo esta direcionada à cobertura de contingências geradoras de necessidades decorrentes, dentre outras, da morte, cabendo aos dependentes do segurado obituado o recebimento de pensão previdenciária ou, ainda, o auxílio-reclusão para os dependentes do segurado recluso e a proteção à maternidade. Em sede infraconstitucional, o diploma que norteia os benefícios previdenciários estabelece, com clareza solar, o reconhecimento do companheiro como dependente presumido do segurado. Note-se, oportuno, que o direito previdenciário apresenta-se lacunoso ao conferir amparo ao companheiro homossexual. Entrementes, não se pode olvidar que a legislação não estabelece, de maneira expressa, qualquer disposição que conceba o companheiro como pessoa heterossexual, sendo possível, deste modo, emprestar uma interpretação extensiva ao vocábulo companheiro.
Reiterar se faz necessário que o diploma legal em comento, ao tratar da figura do companheiro, não exige que o dependente seja exclusivamente oriundo de uma relação heterossexual, o que permite ao intérprete a possibilidade de concessão do benefício de pensão por morte ou auxílio-reclusão, a partir da premissa que a legislação faz menção apenas ao companheiro. Logo, em razão do cenário contemporâneo, que confere tônica aos arranjos familiares homoafetivos, é possível incluir o companheiro homossexual. Quadra salientar que, em harmonia com os argumentos arvorados, a Instrução Normativa Nº 25/2000, do Instituto Nacional do Seguro Social, regulamentou a concessão dos benefícios de pensão por morte e auxílio-reclusão ao companheiro homossexual.
Entrementes, “na prática, o que se nota por parte da autarquia previdenciária é a reiterada negativa de concessão de benefícios previdenciários em casos de união homoafetiva sob o fundamento de ausência de prova de dependência econômica”[22]. Ancorado em tais justificativas, o Instituto Nacional do Seguro Social, para não discriminar em razão do sexo, incorre em outra prática, também dotada de exclusão, pois acaba por desconstitucionalizar o direito social do dependente à Previdência Social, direito este alçado ao patamar de fundamental pelo Texto Constitucional. Em decorrência de tais práticas da Administração Pública, a esse cidadão não resta alternativa senão bater às portas do Poder Judiciário, o qual, consoante maciça parte de suas decisões, tem resgatado a cidadania, conferindo, via de consequência, dignidade humana no trato da Administração Pública com seus administrados. Insta, neste ponto, colacionar o entendimento jurisprudencial que acena:
“Ementa: Recurso Especial. Direito Previdenciário. Pensão por Morte. Relacionamento Homoafetivo. Possibilidade de concessão do benefício. Ministério Público. Parte Legítima. 1 – A teor do disposto no art. 127 da Constituição Federal, "O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático de direito e dos interesses sociais e individuais indisponíveis." In casu, ocorre reivindicação de pessoa, em prol de tratamento igualitário quanto a direitos fundamentais, o que induz à legitimidade do Ministério Público, para intervir no processo, como o fez. […] 3 – A pensão por morte é: "o benefício previdenciário devido ao conjunto dos dependentes do segurado falecido – a chamada família previdenciária – no exercício de sua atividade ou não (neste caso, desde que mantida a qualidade de segurado), ou, ainda, quando ele já se encontrava em percepção de aposentadoria. O benefício é uma prestação previdenciária continuada, de caráter substitutivo, destinado a suprir, ou pelo menos, a minimizar a falta daqueles que proviam as necessidades econômicas dos dependentes. " (Rocha, Daniel Machado da, Comentários à lei de benefícios da previdência social/Daniel Machado da Rocha, José Paulo Baltazar Júnior. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora: Esmafe, 2004. p.251). 4 – Em que pesem as alegações do recorrente quanto à violação do art. 226, §3º, da Constituição Federal, convém mencionar que a ofensa a artigo da Constituição Federal não pode ser analisada por este Sodalício, na medida em que tal mister é atribuição exclusiva do Pretório Excelso. Somente por amor ao debate, porém, de tal preceito não depende, obrigatoriamente, o desate da lide, eis que não diz respeito ao âmbito previdenciário, inserindo-se no capítulo ‘Da Família’. Face a essa visualização, a aplicação do direito à espécie se fará à luz de diversos preceitos constitucionais, não apenas do art. 226, §3º da Constituição Federal, levando a que, em seguida, se possa aplicar o direito ao caso em análise. 5 – Diante do § 3º do art. 16 da Lei n. 8.213/91, verifica-se que o que o legislador pretendeu foi, em verdade, ali gizar o conceito de entidade familiar, a partir do modelo da união estável, com vista ao direito previdenciário, sem exclusão, porém, da relação homoafetiva. 6- Por ser a pensão por morte um benefício previdenciário, que visa suprir as necessidades básicas dos dependentes do segurado, no sentido de lhes assegurar a subsistência, há que interpretar os respectivos preceitos partindo da própria Carta Política de 1988 que, assim estabeleceu, em comando específico: " Art. 201- Os planos de previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a: […] V – pensão por morte de segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, obedecido o disposto no § 2 º. " 7 – Não houve, pois, de parte do constituinte, exclusão dos relacionamentos homoafetivos, com vista à produção de efeitos no campo do direito previdenciário, configurando-se mera lacuna, que deverá ser preenchida a partir de outras fontes do direito. 8 – Outrossim, o próprio INSS, tratando da matéria, regulou, através da Instrução Normativa n. 25 de 07/06/2000, os procedimentos com vista à concessão de benefício ao companheiro ou companheira homossexual, para atender a determinação judicial expedida pela juíza Simone Barbasin Fortes, da Terceira Vara Previdenciária de Porto Alegre, ao deferir medida liminar na Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0, com eficácia erga omnes. Mais do que razoável, pois, estender-se tal orientação, para alcançar situações idênticas, merecedoras do mesmo tratamento 9 – Recurso Especial não provido.” (Superior Tribunal de Justiça – Sexta Turma/ REsp 395.904/RS/ Relator: Ministro Hélio Quaglia Barbosa/ Julgado em 13.12.2005/ Publicado no DJ em 06.02,2006, p. 365).
Diante do cenário pintado, salta aos olhos, notadamente em razão da evolução dos valores contemporâneos, tal como os traços peculiares que norteiam os arranjos familiares, conferindo ao afeto papel de destaque, inadmissível é o emprego de uma visão discriminatória, notadamente quando esta não mais encontra amparo nas interpretações aplicadas. Trata-se de pecha que ainda influencia e, por vezes, obsta a concreção dos direitos fundamentais, valendo de valores e orientações anacrônicas e ultrapassadas, reflexos de um contexto patriarca-patrimonialista que não mais subsiste. Ao lado disso, outra não é a conclusão senão a de que o Ente Estatal, por meio de seus agentes, violenta, diariamente, os preceitos constitucionais dotados de proeminência e imprescindíveis à concreção de um Estado Democrático de Direito. Neste cenário, incumbe ao Poder Judiciário desempenhar importante papel na manutenção da força normativa do texto, tal como o sucedâneo de preceitos e corolários implícitos, na Constituição de 1988.
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES
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