Conceito e requisitos da União Estável

Resumo: Breve resumo do conceito de união estável definido pela legislação brasileira e pela doutrina, bem como os requisitos subjetivos e objetivos para sua configuração.


Palavras chave: união; família; estável; afeto.


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Abstract: Brief summary of the concept of common-law marriage set by brazilian’s law and doctrine as well the subjective and objective requirements.


Keywords: Family; afect; common-law; marriage


Em razão da origem católica da sociedade e do Direito brasileiro, durante muito tempo a legitimidade da família esteve condicionada ao casamento, sendo ignoradas as demais uniões, formadas à sua revelia.[1] Esta situação era ainda mais agravada pela ausência do instituto do divórcio, criado apenas em 1977, contribuindo para a formação de família à margem da lei.[2]


O Direito demorou a se adaptar a essa realidade social, em que coexistiam, enquanto relações familiares, o casamento e as uniões não reconhecidas, proliferando problemas relacionados à filiação, aos alimentos, aos bens adquiridos durante a convivência, que foram recebendo soluções legislativas pontuais e apenas paliativas.[3]


Até o advento da Constituição Federal de 1988, essas uniões eram chamadas de concubinato, expressão que poderia se referir tanto àquela união à margem do casamento, quanto à posse do estado de casado, isto é, no interesse numa comunhão de fato[4], instituição que recebeu inúmeras restrições pelo legislador do Código Civil de 1916.


Às uniões concubinárias eram garantidos pela jurisprudência direitos limitados, de acordo com a participação dos concubinos na aquisição em comum de bens. Criou-se um instituto de direito de família regido por regras de Direito das Obrigações, da sociedade de fato, conforme a Súmula nº 380[5], editada pelo Supremo Tribunal Federal.[6]


A Constituição Federal de 1988 inovou ao reconhecer, em seu artigo 226, §3º, a “união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. A partir desse momento, ainda que não equiparando a união estável ao casamento, pela primeira vez o legislador pátrio a reconheceu enquanto entidade formadora da família, surgindo inúmeros projetos de lei que tentaram estabelecer normas para essa nova entidade familiar.[7]


No entanto, sem regulamentação infraconstitucional, a proteção constitucional teve pouca eficácia prática, continuando a ser tratada no âmbito do Direito das Obrigações. A jurisprudência pátria continuou tratando a união estável como uma relação jurídica familiar de segunda classe, como se nada tivesse sido alterado pela nova Constituição.[8]


A primeira lei promulgada que tentou regulamentar o preceito constitucional de união estável foi a Lei nº 8.971/94, que conferiu direitos sucessórios e alimentares ao companheiro.[9] Não obstante, a lei restringiu esses direitos aos conviventes desimpedidos, determinando em seu artigo 1º que “a companheira de homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo”, que com ele conviveu há mais de cinco anos ou dele tenha prole, terá direito a alimentos e aos direitos sucessórios nela consignados, sendo reconhecidos, pelo parágrafo único do mesmo artigo, iguais direitos ao companheiro da mulher solteira, separada judicialmente, divorciada ou viúva.[10]


Em razão das diversas lacunas deixadas pela referida Lei, foi promulgada em 10 de maio de 1996 a Lei nº 9.278, estabelecendo, em seu artigo 1º, que “é reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e de uma mulher, estabelecida com o objetivo de constituição de família”, afastando o requisito objetivo de convivência por cinco anos da Lei de 1994.


Com o advento do Código Civil de 2002 um novo conceito de união estável emergiu da legislação brasileira, nos termos do artigo 1.723: “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.


Assim como a Lei nº 9.278/96, o Código Civil de 2002 não estabeleceu um período mínimo de convivência para a configuração da união estável, não sendo o número de anos que deverá caracterizar uma relação como união estável, mas sim a presença dos requisitos previstos no artigo 1.723.[11]


Rodrigo da Cunha Pereira entende que essa nova conceituação trazida pelo legislador de 2002 foi uma evolução, pois eliminou dois elementos que acabavam ocasionando injustiças:


Primeiro, a demarcação de um tempo rígido para a caracterização da união estável como fazia a Lei nº 8.971/94. Pode ser que uma relação entre homem e mulher, com 30 anos de duração, seja apenas um namoro. Pode ser que uma relação de apenas um ou dois anos constitua uma família. Ou seja, não é o tempo com determinação de x ou y meses, ou anos, que deverá caracterizar ou descaracterizar uma relação como união estável. (…)


Segundo, foi a compreensão de que as pessoas que mantiveram seu estado civil de casadas, mas estando separadas de fatos, poderão estar constituindo união estável.”[12]


Dessa forma, a partir dessa evolução legislativa até o advento do Código Civil de 2002, no magistério de Maria Helena Diniz, a união estável caracteriza-se pela:


“(…) convivência pública, contínua e duradoura de um homem com uma mulher, vivendo ou não sob o mesmo teto, sem vínculo matrimonial, estabelecida com o objetivo de constituir família, desde que tenha condições de ser convertida em casamento, por não haver impedimento legal para sua convolação”.[13]


Não obstante a ausência de formalismo para a constituição da união estável, ao contrário do casamento, a partir do conceito trazido pelo Código Civil de 2002, depreende-se a existência de vários requisitos ou pressupostos para sua configuração, de ordem subjetiva e objetiva.[14]


Os requisitos de ordem subjetiva são a convivência more uxorio e o affectio maritalis. O primeiro consiste na “comunhão de vidas, no sentido material e imaterial, em situação similar à de pessoas casadas”[15]. Este requisito envolve a mútua assistência moral, material e espiritual, caracterizada pelos interesses e atos comuns, inerentes à entidade familiar.


O affectio maritalis consiste no ânimo de constituir família, isto é, que além do afeto (elemento componente de toda relação familiar), o propósito comum de formação de uma entidade familiar.[16]


Os requisitos objetivos para a constituição da união estável, na lição de Carlos Roberto Gonçalves, são a notoriedade, a estabilidade ou duração prolongada, a continuidade, a inexistência de impedimentos matrimoniais, a relação monogâmica e a diversidade de sexos.[17]


A notoriedade não consiste necessariamente na publicidade do relacionamento, mas sim de que a relação não seja furtiva, secreta. Assim, para a configuração desse requisito basta que os companheiros tratem-se socialmente como marido e mulher, revelando sua intenção de constituir família.[18]


O requisito da estabilidade ou duração prolongada não exige um tempo mínimo de convivência para a configuração da união estável, mas sim o suficiente para que possa que se reconheça a estabilidade da relação que pode ser de meses ou de anos, desde que nesse período fique comprovada a intenção de constituir uma família.[19]


Ademais, faz-se necessário para a configuração da união estável a existência de continuidade no relacionamento, sem interrupções, vez que a instabilidade causada por constantes rupturas no relacionamento pode provocar insegurança jurídica.[20]


Por comando legal expresso no §1º do artigo 1.723 do Código Civil, estão vedadas as uniões estáveis quando presentes os impedimentos matrimoniais do artigo 1.521 da mesma lei, fundamentados no interesse público. Como ressalta Carlos Roberto Gonçalves, “quem não tem legitimação para casar não tem legitimação para criar entidade familiar pela convivência”[21]. A única exceção trazida pelo Código é em relação às pessoas casadas, separadas de fato ou judicialmente que, ainda que impedidas de contrair matrimônio, podem conviver em união estável.


Pela mesma razão, é necessária para a caracterização da união estável que ambos os companheiros sejam monogâmicos, isto é, não possuam outra relação de caráter conjugal, sendo, nesse caso, considerada concubinato.


Por fim, é requisito para a caracterização da união estável a diversidade de sexo entre os companheiros, conforme preceitua o artigo 226, §3º da Constituição Federal e o artigo 1.723 do Código Civil. Na lição de Carlos Roberto Gonçalves, “por se tratar de modo de constituição de família que se assemelha ao casamento, apenas com a diferença de não exigir a formalidade da celebração, a união estável só pode decorrer de relacionamento de pessoas de sexo diferente”.[22]


Assim, o legislador constitucional e infraconstitucional, ao tratar da união estável, reconhece apenas a existente entre pessoas de gêneros distintos, sendo omisso, não reconhecendo, nem vedando, a união entre pessoas de mesmo gênero.


 


Notas:

[1] LOTUFO, M. A. Z. Curso avançado de Direito Civil: Direito de Família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. v. 5. p. 164.

[2] Ibid., p. 164.

[3] Ibid., p. 165.

[4] BITTENCOURT, 1975. p. 45-46 apud LOTUFO, 2002. p. 166.

[5] Súmula nº 380, STF: Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.

[6] AZEVEDO, A. V. União estável – jurisprudência, evolução legislativa e novo Código Civil. Revista CEJ/Conselho da Justiça Federal. Brasília: CEJ, jan./mar. 2004. n. 24. p. 48.

[7] PEREIRA, R. C. Da união estável. _________; DIAS, M. B.; (Coord.). Direito de Família e o novo Código Civil. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 226.

[8] DIAS, M. B. Manual de Direito das Famílias. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 159.

[9] RODRIGUES, S. Direito Civil: Direito de Família. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 6. p. 304.

[10] RODRIGUES, 2002. p. 304.

[11] GONÇALVES, C. R. Direito Civil brasileiro: Direito de Família. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 6. p. 545-546.

[12] PEREIRA, 2002. p. 229.

[13] DINIZ, M. H. Curso de Direito Civil brasileiro: Direito de Família. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 5. p. 368.

[14] GONÇALVES, 2008. p. 548.

[15] Ibid., p. 549.

[16] GONÇALVES, 2008. p. 551-552.

[17] Ibid., p. 549.

[18] DINIZ, 2008. p. 378.

[19] GONÇALVES, op. cit., p. 555.

[20] Ibid., p. 556.

[21] GONÇALVES, 2008. p. 557.

[22] Ibid., p. 552.

Informações Sobre o Autor

Matheus Antonio da Cunha

Advogado criminal de Piracicaba/SP; graduado em Direito pela UNIMEP – Universidade Metodista de Piracicaba; associado ao escritório Pedroso Advogados Associados


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