Sumário: Introdução; 1. O Controle Jurisdicional da Administração Pública; 2. Discricionariedade e Mérito Administrativo; 3. As Políticas Públicas enquanto Categorias Jurídicas; 4. O Controle Jurisdicional de Políticas Públicas; 5. O Princípio da Separação de Poderes e a Justiciabilidade de Políticas Públicas; 6. O Problema Orçamentário e o Limite da Reserva do Possível; Considerações Finais; Referências.
INTRODUÇÃO
A extrema rapidez com que se alteram os cenários político e econômico, aliada à crescente complexidade da sociedade contemporânea, tem exigido um profundo redimensionamento do papel do Direito e das instituições jurídicas no corpo social. Aquele modelo jurídico de cunho marcadamente liberal, no mais das vezes indiferente às pressões das massas populares e às lutas pelo direito a ter direitos, vem sendo paulatinamente suplantado por um modelo de Estado de direito[1] inclusivo, que assume obrigações perante os cidadãos e procura dialogar com os anseios dos mais diferentes conjuntos de atores sociais.
Esta é a leitura que se pode fazer da Constituição Federal de 1988, uma carta política que, embora taxada de prolixa, reflete os interesses das mais diversas camadas da sociedade brasileira. O expressivo número de direitos fundamentais de cunho liberal e social é um forte indicativo neste sentido. O grande desafio está na sua implementação, sobretudo os direitos sociais, aqueles direitos fundamentais ditos positivos porque exigem a atuação direta e efetiva do Poder Público.
A supremacia da Constituição e o caráter vinculante dos direitos fundamentais são os traços característicos do Estado constitucional, um modelo de Estado de direito pautado pela força normativa dos princípios constitucionais e pela consolidação de um modelo substancial de justiça, conforme pensado pelas teorias pós-positivistas[2] que vêm sustentando a consolidação do que se pode referir como o novo constitucionalismo[3].
A superação do positivismo jurídico exige uma revisão de vários institutos jurídicos e inúmeras teorias que, embora servissem ao modelo liberal de Estado de direito, atualmente não se sustentam no seio do novo constitucionalismo: a teoria liberal da separação de poderes, a própria noção de soberania, o papel do Poder Judiciário no controle da Administração Pública[4], o controle jurisdicional da discricionariedade e do mérito administrativo, e, o objeto central deste texto, a justiciabilidade de políticas públicas.
Esta será a tônica da presente exposição: o estudo do Direito Administrativo e, principalmente, do controle jurisdicional da Administração Pública, sob as bases do pós-positivismo, da prevalência da Constituição e do Estado constitucional de direito, que tem na implementação dos direitos fundamentais positivos a sua missão precípua.
No Brasil, a história do Direito Administrativo apresenta três grandes ondas de reformas: a primeira, na década de 1930, com a chamada Era Vargas, cujos traços principais foram o intervencionismo estatal na economia, a descentralização administrativa com o sistema de autarquias e a estruturação da burocracia estatal; a segunda onda, na década de 1960, período da ditadura militar, com o Decreto-lei 200/67, onde transpareceu a clara intenção de dinamizar a estrutura burocrática e aumentar o profissionalismo administrativo.
A terceira onda de mudanças começou com a Constituição de 1988, sofrendo sensível redimensionamento com a Emenda Constitucional n. 19/98 (EC 19/98), a chamada reforma gerencial. Esta reforma alterou profundamente o modelo administrativo do Estado, sendo elevado o princípio da eficiência à condição de princípio constitucional expresso.
Ainda que a reforma administrativa trazida pela EC 19/98 e o princípio da eficiência não sejam os objetos centrais deste estudo, uma leitura sistemática e teleológica[5] da Constituição de 1988 sugere que Administração Pública eficiente é aquela que assegura aos cidadãos os direitos fundamentais de liberdade e implementa, no maior grau possível, os direitos fundamentais positivos, garantindo a eficácia dos direitos sociais.
Seguindo o estudo da temática proposta, passar-se-á a uma análise panorâmica do controle jurisdicional da Administração Pública, necessária para que se possa avançar ao exame da possibilidade do controle jurisdicional de políticas públicas.
1. O CONTROLE JURISDICIONAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A atividade administrativa pode ser controlada interna e externamente, com a finalidade de se examinar a conformidade dos atos administrativos aos princípios da legalidade e da juridicidade[6]. O controle interno, ou autocontrole, ocorre no interior da própria Administração, por órgãos incumbidos desta função fiscalizatória. Já o controle externo, ou heterocontrole, compreende o controle parlamentar direto, o controle exercido pelo Tribunal de Contas – órgão auxiliar do Poder Legislativo – e o controle jurisdicional[7], que será doravante abordado[8].
Vale desde logo frisar, conforme ensina GORDILLO, que não procede a suposta distinção entre “jurisdição judicial” e “jurisdição administrativa”, como sendo espécies do mesmo gênero. Falar-se em “jurisdição judicial” soa redundante, enquanto a expressão “jurisdição administrativa” implica em uma contradição terminológica, pois se há jurisdição, não há Administração, e vice-versa. A função jurisdicional é própria dos juízes e não dos administradores. As supostas “faculdades jurisdicionais da Administração” não se confundem nem se substituem à função própria do Poder Judiciário (GORDILLO, 1977, p. 154-57).
O controle jurisdicional da Administração Pública encontra seu refúgio fundamental na Constituição de 1988. Nela resta estabelecido o sistema de jurisdição única, competindo exclusivamente ao Poder Judiciário decidir, com força de definitividade, todas as contendas resultantes da aplicação do Direito.
O modelo de jurisdição única se diferencia do sistema de alguns países europeus, como a França, onde existe o chamado “contencioso administrativo”. Conforme prescrito no artigo 5°, XXXV da Constituição de 1988, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Compete, portanto, ao Judiciário controlar a legalidade e a legitimidade da atuação da Administração Pública, anulando os atos contrários ao ordenamento normativo vigente.
Controvérsia da maior relevância refere-se ao alcance do controle jurisdicional da Administração Pública e aos limites impostos a esse controle. Grande parte da doutrina administrativista[9] entende que a justiciabilidade da Administração, ainda que deva examinar a discricionariedade administrativa, não pode adentrar, sob nenhuma hipótese, no mérito administrativo. O mérito do ato administrativo, segundo entendimento majoritário, constitui-se em faixa da discricionariedade administrativa onde fica vedada a apreciação jurisdicional.
Em inúmeras situações, segundo BANDEIRA DE MELLO, em decorrência da limitação humana em saber, no caso concreto, qual a solução ótima para atender ao interesse tutelado pela norma, quando a solução não vem predeterminada, fica impossível conhecer, com exatidão, qual a providência cabível. Em tais situações, não caberia a um terceiro verificar a exatidão ou não da solução escolhida. “É exatamente nesta esfera que reside verdadeiramente a real discricionariedade. É esta esfera que […] se constitui, no ‘mérito’ do ato administrativo. É este campo e só este que é insindicável pelo Judiciário” (BANDEIRA DE MELLO, 1983, p. 36).
No controle jurisdicional da atividade administrativa, a Administração Pública deixa de ser órgão ativo do Estado, para situar-se perante o Poder Judiciário como parte, em condição de igualdade – claro com certos privilégios – com o cidadão que com ela litiga. “A finalidade essencial e característica do controle jurisdicional é a proteção do indivíduo em face da Administração Pública. Esta, como órgão ativo do Estado, tem freqüentes oportunidades de contato com o indivíduo, nas quais lhe pode violar os direitos, por abuso ou erro na aplicação da lei” (SEABRA FAGUNDES, 1984, 107-08).
O controle jurisdicional da Administração Pública pode ser suscitado por inúmeros remédios processuais, uns comuns, como os interditos possessórios, a ação penal, ações ordinárias de cunhos declaratório e constitutivo; outros especialmente destinados a esta finalidade, como a ação de mandado de segurança (Constituição de 1988, artigo 5°, LXIX e LXX), o “habeas corpus” (Constituição de 1988, artigo 5°, LXVIII), o “habeas data” (Constituição de 1988, artigo 5°, LXXII) e a ação popular (Constituição de 1988, artigo 5°, LXXIII).
Antes da análise das políticas públicas como categoria jurídica e do estudo dos argumentos favoráveis e contrários à possibilidade de seu controle jurisdicional, faz-se mister uma breve exposição acerca da discricionariedade e do mérito administrativo, até como preparação para a temática central deste trabalho.
2. DISCRICIONARIEDADE E MÉRITO ADMINISTRATIVO
A teoria da discricionariedade administrativa[10] remonta ao liberalismo clássico, que marcou o Estado liberal, caracterizado pela distinção entre as três funções precípuas do Estado: a legislativa, a executiva e a jurisdicional. Neste período a discricionariedade se constituía em um poder eminentemente político, conferido ao administrador para que, livremente, desempenhasse as atividades administrativas, restando vedado o controle jurisdicional.
De fato, sob as bases do Estado liberal, a discricionariedade administrativa representava uma esfera de autuação livre de qualquer vinculação à lei, uma vez que ao administrador era dado fazer tudo o que a lei expressamente não proibisse, numa espécie de vinculação negativa. A discricionariedade se constituía na regra geral da ação administrativa, vez que representava a liberdade da Administração em todas as esferas não reguladas pela lei.
Com a estruturação do Estado social e a evolução dos contornos do princípio da legalidade, a Administração Pública passou a sofrer uma vinculação positiva da lei, somente podendo fazer o que a lei permitisse. A discricionariedade passou a ser limitada pelo ordenamento jurídico, e somente aceita se conforme ao princípio da legalidade.
A teoria liberal tradicional do “direito por regras”, que sustentava a ação administrativa discricionária imune à revisão jurisdicional, não se pode mais sustentar. A evolução do positivismo jurídico para o pós-positivismo consolidou a supremacia da Constituição, a força normativa e vinculante dos princípios constitucionais, assentando as bases do “direito por princípios” (MORAES, 1999, p. 31).
Quando se fala em uma vinculação da Administração Pública à lei e da exigência de conformidade da discricionariedade administrativa ao princípio da legalidade, não se está, por certo, indicando uma legalidade estrita, formal, aos moldes do positivismo. Há que se entender o princípio da legalidade num sentido amplo, alargado, lei em sentido material, lei enquanto Direito.
A discricionariedade administrativa se encontra vinculada aos princípios constitucionais e às máximas que regem o Estado democrático de direito, só se cogitando de liberdade de atuação conforme o Direito. Neste sentido, pode-se entender que o aspecto da legalidade formal foi assimilado por um campo mais alargado, o da “juridicidade”[11], englobando as regras e os princípios jurídicos.
A teoria da justiciabilidade dos atos administrativos discricionários, embora bastante difundida e consolidada, tem preservado do exame jurisdicional o chamado mérito administrativo[12]. Ainda persiste, com certa força, o dogma da insindicabilidade jurisdicional dos aspectos de conveniência e oportunidade da atividade administrativa.
A conceituação do que se possa entender por mérito administrativo[13] reveste a mais larga relevância, porquanto permite discriminar o cerne da discricionariedade administrativa, a situação pela qual o administrador, obedecendo ao ordenamento jurídico e por ele legitimado, pode, com certa margem de liberdade, decidir a extensão e a intensidade da medida a ser praticada, a fim de solucionar o caso concreto e realizar o interesse público.
O mérito, fator não essencial na integração do ato administrativo e que, por vezes, relaciona-se com o motivo e o conteúdo do ato, é a margem de atuação do administrador público, no exercício de competências discricionárias, onde resta facultada a valoração subjetiva acerca da utilidade e necessidade do ato a ser praticado. Trata-se de uma esfera de apreciação acerca da conveniência e oportunidade da medida administrativa, mirando a satisfação da finalidade prevista no mandamento normativo.
O administrador, antes de decidir por editar o ato administrativo, ou abster-se de sua prática, deve refletir satisfatoriamente acerca da conveniência e oportunidade da atividade administrativa[14], ponderando sobre uma infinidade de aspectos que possam influenciar no acerto ou desacerto da medida eleita. O julgamento do que se pode entender por conveniente e oportuno no mundo do ser, com certeza não reflete uma uniformidade plena, dada a indeterminação e vagueza do significado destas expressões.
Passada esta breve exposição acerca do mérito administrativo, há que se reconhecer que o dogma da impossibilidade de seu exame jurisdicional, de marcado cunho liberal-positivista, deve ser temperado com as teorias pós-positivistas e os contornos do Estado democrático de direito. Some-se ainda, o reflexo da importante evolução da cláusula do devido processo legal, que não mais comporta meros aspectos processuais, constituindo-se em expressiva garantia aos direitos subjetivos dos cidadãos.
A redefinição do princípio da razoabilidade[15] como meio limitador à atuação do Poder Público, no sentido de vedar restrições desarrazoadas e inadequadas a direitos subjetivos dos cidadãos, acaba por reclamar o alargamento da atuação do Poder Judiciário, a fim de proteger os cidadãos da atuação injusta e desproporcional do Estado, onde quer que se alojem tais vícios. O novo conteúdo conferido ao princípio da razoabilidade sustenta o insofismável agigantamento do Poder Judiciário, abrindo-lhe possibilidade ao exame do mérito das leis e dos atos administrativos[16].
Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, aliados aos demais princípios constitucionais, sobretudo com o redimensionamento do princípio da separação de poderes, servem de efetivos parâmetros à aferição jurisdicional da legalidade e constitucionalidade da ação administrativa.
Há que se reconhecer, por outro lado, a existência de casos em que parece impossível atestar, com segurança, qual dentre duas ou mais medidas é a que alcançaria melhor resultado, com o menor ônus à coletividade. Nestas situações, pela própria limitação da compreensão humana, fica difícil, senão impossível, asseverar qual das medidas é a mais oportuna, justa e conveniente.
O controle jurisdicional do mérito administrativo ora defendido não guarda uma conotação positiva, no sentido de invalidar determinada medida administrativa porque existe outra mais razoável. Ao juiz é vedado invadir o mérito administrativo e anular o ato praticado, sob o fundamento de que, ao tempo da decisão administrativa, o administrador dispunha de outra medida mais adequada ao cumprimento do resultado pretendido.
Compete ao juiz apreciar o mérito do ato administrativo, no intento de apurar possível injustiça ou irrazoabilidade do meio empregado à solução do caso concreto. O Poder Judiciário tem o poder-dever de analisar toda e qualquer lesão ou ameaça a direitos dos cidadãos. Ao Judiciário não é vedado o controle negativo do mérito administrativo, anulando os atos que a Administração Pública tenha praticado de modo desarrazoado, injusto e inadequado.
3. AS POLÍTICAS PÚBLICAS ENQUANTO CATEGORIAS JURÍDICAS
No tópico anterior foi discutida a possibilidade de controle jurisdicional da ação administrativa discricionária e do mérito administrativo. Nota-se que esta espécie de análise gira em torno da idéia de ato administrativo, uma das categorias basilares do Direito Administrativo. Entretanto, com a paulatina estruturação de um modelo prestacional de Estado, pautado por uma mais acentuada intervenção no domínio econômico e social, mostra-se de suma relevância para o Direito o estudo das políticas públicas.
O interesse jurídico pelas políticas públicas vem crescendo em simetria com o agigantamento do Poder Executivo, fenômeno próprio do Estado social. Tanto que justifica um reexame da classificação tradicional dos poderes estatais, baseada na supremacia do Poder Legislativo e no papel secundário do Poder Executivo, deslocando o lugar de destaque da lei para as políticas públicas, ou seja, do Estado legislativo para o Estado social, que tem na realização de finalidades coletivas a sua principal fonte de legitimidade[17].
Pode-se dizer que as políticas públicas representam os instrumentos de ação dos governos, numa clara substituição dos “governos por leis” (government by law) pelos “governos por políticas” (government by policies). O fundamento mediato e fonte de justificação das políticas públicas é o Estado social, marcado pela obrigação de implemento dos direitos fundamentais positivos, aqueles que exigem uma prestação positiva do Poder Público (BUCCI, 1996, P. 135).
Há uma questão que deve ser analisada previamente à definição de política pública: a política não é uma norma nem um ato jurídico; no entanto, as normas e atos jurídicos são componentes da mesma, uma vez que esta pode ser entendida como “um conjunto organizado de normas e atos tendentes à realização de um objetivo determinado”. As normas, decisões e atos que integram a política pública têm na finalidade da política seus parâmetros de unidade. Isoladamente, as decisões ou normas que a compõem são de natureza heterogênea e submetem-se a um regime jurídico próprio (COMPARATO, 1997, p. 18).
No entendimento de COMPARATO, as políticas públicas são programas de ação governamental (1997, p. 18). O autor segue a posição doutrinária de DWORKIN, para quem a política (policy), contraposta à noção de princípio, designa aquela espécie de padrão de conduta (standard) que assinala uma meta a alcançar, no mais das vezes uma melhoria das condições econômicas, políticas ou sociais da comunidade, ainda que certas metas sejam negativas, por implicarem na proteção de determinada característica da comunidade contra uma mudança hostil. Nas palavras de DWORKIN: “Los argumentos de principio se proponen establecer um derecho individual; los argumentos políticos se proponen establecer um objetivo colectivo. Los principios son proposiciones que describen derechos; las políticas son proposiciones que describen objetivos” (DWORKIN, 1989, p. 158 e ss.).
Segundo defende BUCCI, há certa proximidade entre as noções de política pública e de plano, embora aquela possa consistir num programa de ação governamental veiculado por instrumento jurídico diverso do plano. “A política é mais ampla que o plano e define-se como o processo de escolha dos meios para a realização dos objetivos do governo, com a participação dos agentes públicos e privados. […] A política pública transcende os instrumentos normativos do plano ou do programa. Há, no entanto, um paralelo evidente entre o processo de formulação da política e a atividade de planejamento” (2002, p. 259).
Desta forma, a autora define políticas públicas como sendo “programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados” (BUCCI, 2002, p. 241).
As políticas públicas podem ser entendidas como o conjunto de planos e programas de ação governamental voltados à intervenção no domínio social, por meio dos quais são traçadas as diretrizes e metas a serem fomentadas pelo Estado, sobretudo na implementação dos objetivos e direitos fundamentais dispostos na Constituição.
Há que se fazer a distinção entre política pública e política de governo, vez que enquanto esta guarda profunda relação com um mandato eletivo, aquela, no mais das vezes, pode atravessar vários mandatos. Deve-se reconhecer, por outro lado, que o cenário político brasileiro demonstra ser comum a confusão entre estas duas categorias. A cada eleição, principalmente quando ocorre alternância de partidos, grande parte das políticas públicas fomentadas pela gestão que deixa o poder é abandonada pela gestão que o assume.
Inegável, por certo, que o estudo das políticas públicas pelo Direito Administrativo marca profundamente a evolução do Direito como um todo, acompanhando a consolidação do chamado Estado democrático de direito, o Estado constitucional pautado pela defesa dos direitos de liberdade e pela implementação dos direitos sociais.
No Estado constitucional, pautado pelas teses do novo constitucionalismo, a função fundamental da Administração Pública é a concretização dos direitos fundamentais positivos, por meio de políticas públicas gestadas no seio do Poder Legislativo ou pela própria Administração[18], políticas estas orientadas pelos princípios e regras dispostos na Constituição.
Independentemente do espaço de poder onde são geradas, se no Poder Legislativo – discutindo e aprovando as leis, os planos e os orçamentos necessários a sua implementação – ou na Administração Pública, impende concluir que as políticas públicas são atividades marcadamente administrativas e submetidas ao regime jurídico administrativo. As funções de planejar, governar, gerir e direcionar os recursos financeiros são próprias da Administração Pública.
Um dos principais problemas que se colocam quando do estudo da implementação de políticas públicas é a possibilidade do controle jurisdicional. Até que ponto e sob quais parâmetros estaria aberta a via judicial à discussão acerca da legalidade e constitucionalidade da ação ou omissão do Poder Público no implemento de políticas públicas? A resposta a este problema tentar-se-á esboçar a seguir.
4. O CONTROLE JURISDICIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS
Uma primeira questão que deve ser discutida, no que toca à justiciabilidade de políticas públicas, é a diferença entre o juízo de validade de uma política governamental e o juízo de validade das normas e atos que a compõem. Conforme sustenta COMPARATO, uma lei, “editada no quadro de determinada política pública, por exemplo, pode ser inconstitucional, sem que esta última o seja. Inversamente, determinada política governamental, em razão da finalidade por ela perseguida, pode ser julgada incompatível com os objetivos constitucionais que vinculam a ação do Estado, sem que nenhum dos atos administrativos, ou nenhuma das normas que a regem, sejam, em si mesmos, inconstitucionais” (1997, p. 18-19).
Neste sentido, mostra-se necessária uma ampliação do juízo de constitucionalidade das leis e atos do Poder Público para alcançar as políticas públicas. Em um Estado constitucional como o brasileiro, marcado por uma Constituição de inegável feição dirigente, os objetivos e direitos fundamentais inscritos, expressa ou implicitamente, no texto constitucional, são juridicamente vinculantes para todos os poderes estatais.
Não se pode, por certo, afastar a judicialização das políticas públicas sob o argumento de que consubstanciam questões exclusivamente políticas. As políticas públicas têm inegáveis contornos jurídicos, havendo um verdadeiro poder-dever do Judiciário em analisar sua legalidade e constitucionalidade.
A Constituição da Republica de 1934 trazia, em seu artigo 68, disposição que expressamente vedava “ao Poder Judiciário conhecer de questões exclusivamente políticas”. Ainda que a Constituição de 1988 não albergue dispositivo semelhante, impende reconhecer que, mesmo no seio daquela Constituição, não estava vedado o juízo acerca da constitucionalidade de políticas públicas. A vedação se limitava às questões exclusivamente políticas, não aos programas de ação governamental.
Por questões exclusivamente políticas há que se entender, por exemplo, a declaração de guerra, a celebração da paz, a decretação de estado de defesa e de estado de sítio, nomeação e exoneração de Ministros de Estado, etc. São questões dessa natureza que podem ser caracterizadas como exclusivamente políticas, refugindo ao controle jurisdicional.
Do ponto de vista doutrinário, o controle jurisdicional de políticas públicas vem sendo discutido no âmbito de duas correntes contrapostas, a corrente procedimentalista, ancorada principalmente nas idéias de HABERMAS, e a corrente substancialista, que busca sustentação no pensamento jurídico e político de DWORKIN (VIANNA, 1999, p. 15 e ss.).
No entendimento da corrente procedimentalista, o juízo de constitucionalidade de políticas públicas acaba por dificultar o exercício da cidadania participativa, favorecendo a desagregação social e o individualismo. O cidadão, colocando-se na posição de simples sujeito de direitos, assume uma posição passiva perante o Estado, uma espécie de cidadão-cliente, frente ao Judiciário fornecedor de serviços.
O fortalecimento da cidadania ativa se dá com a conquista de canais de comunicação, que veiculam o poder democrático do centro para a periferia. Deste modo, o papel da Constituição é o de assegurar a existência desses canais ou procedimentos de ação comunicativa dos cidadãos, para que os mesmos criem seu próprio direito, uma vez que a lei não pode ser vista como a vontade direta do povo. A Constituição não deve expressar conteúdos substantivos, mas apenas instrumentalizar os direitos de participação e comunicação democrática (democracia deliberativa) (HABERMAS, 1997, p. 09 e ss.).
Uma das mais lúcidas críticas ao modelo de democracia procedimental defendido por HABERMAS é a exigência de uma prévia cultura política da liberdade, de base social estável, capaz de produzir consenso democraticamente. Outra exigência da democracia procedimental é a existência de partidos políticos fortes e distantes das ingerências econômicas, o que acaba por distanciar o modelo da atual conjuntura social, principalmente de países como o Brasil, onde a cultura da democracia ativa e da cidadania participativa está apenas engatinhando (1997, p. 09 e ss.).
A corrente substancialista, por seu turno, defende que o Estado constitucional exige uma redefinição do papel do Poder Judiciário, porquanto, com a evolução do Estado das leis para o Estado das políticas públicas, resta ao Judiciário a função de assegurar a implementação dos direitos fundamentais e a progressiva marcha da sociedade para um ideal de justiça substancial.
A judicialização das políticas públicas encontra seu fundamento na supremacia da Constituição, norma de caráter fundamental e superior a todos os poderes estatais. Ao efetuar o juízo de constitucionalidade de políticas públicas, o Judiciário acaba por desempenhar sua função precípua, qual seja: garantir a prevalência da Constituição.
Há que se refutar, ainda, o argumento da corrente procedimentalista, para a qual a justiciabilidade do Poder Público acaba por tolher a democracia participativa, transformando os cidadãos em clientes do Estado paternalista. Em verdade, o Poder Judiciário se transforma em instância de efetivação da cidadania participativa, um canal aberto aos cidadãos para pleitearem o implemento de ações governamentais voltadas à efetivação dos direitos sociais.
Embora se venha consolidando na doutrina a teoria da justiciabilidade das políticas públicas, no âmbito jurisprudencial o entendimento é quase que unânime no sentido inverso. Tem-se sedimentado posição jurisprudencial que vê no princípio da separação de poderes o maior obstáculo ao juízo de constitucionalidade de políticas públicas[19].
Uma decisão dissonante da jurisprudência dominante é trazida por BUCCI, quando cita julgado da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, em sede de apelação cível em Ação Civil Pública, promovida pelo Ministério Público paulista, com o objetivo de obrigar determinando ente municipal à construção de sistema de saneamento básico. Segundo o Tribunal de Justiça paulista a “saúde coletiva é, por sua natureza, prioritária; a respeito, não há discricionariedade do Poder Público: sem água cujos padrões de pureza se encontrem dentro das classes legais de aproveitamento […] a própria vida não é possível, como bem primeiro!” (2002, p. 275).
Imperiosa se faz a análise do princípio da separação de poderes, com a efetiva redefinição de seus contornos, a fim de apurar se o mesmo serve de justificativa para a vedação do juízo de constitucionalidade de políticas públicas, ou se, inversamente, tal princípio sustenta a justiciabilidade dos programas de ação governamental.
5. O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES E A JUSTICIABILIDADE DE POLÍTICAS PÚBLICAS
Os contornos da moderna doutrina da separação de poderes foram delineados por MONTESQUIEU, que concluiu tratar-se “de uma experiência eterna que todo homem que possui poder é levado a dele abusar; ele vai até onde encontra limites (…). Para que não se possa abusar do poder, é preciso que pela disposição das coisas, o poder limite o poder” (1996, p. 166).
Analisando a experiência inglesa da época, o autor notou que em cada Estado existem três funções principais, que devem ser separadas em diferentes centros de poder: a de fazer as leis por um tempo ou para sempre; a de aplicar as leis criadas, de fazer a guerra e celebrar a paz; e, a de castigar os crimes ou julgar os litígios envolvendo particulares.
No Estado liberal, marcado pelo primado da lei, pelo império da lei em substituição ao império do monarca, sustentou-se a supremacia do Poder Legislativo frente aos demais poderes públicos. Esse entendimento pode ser encontrado em autores como COOLEY, que sustenta ser o Legislativo o “depositário do mais alto poder”, e também o “representante imediato da soberania” (1982, p. 91).
Por certo, a idéia de supremacia do Poder Legislativo não se pode mais sustentar, sem largo afastamento da realidade estabelecida desde o advento do Estado social. O agigantamento do Executivo e a necessidade de respostas legislativas rápidas às promessas do Estado de bem-estar forçaram a comunhão da função legislativa entre a Administração Pública e o Poder Legislativo.
Da mesma forma, a teoria da tripartição de Poderes que, no modelo de MONTESQUIEU, entendia a função jurisdicional como secundária, sendo o Judiciário um Poder invisível e nulo, não mais encontra guarida. Desde a Constituição estadunidense, o Poder Judiciário, incumbido do controle da constitucionalidade das leis, tem tido lugar destacado na limitação e controle do Poder Público.
Ao Judiciário cabe a guarda da Constituição e a defesa das instituições democráticas, sendo-lhe função principal o controle de atos legislativos e executivos contrários ao manifesto teor da Constituição. A função de controle da constitucionalidade das leis, dos atos da Administração e das políticas públicas, não reflete, contudo, a superioridade do Judiciário sobre o Legislativo ou Executivo, mas a supremacia da Constituição, sobre as leis e atos administrativos[20].
Não se está, portanto, defendendo que a supremacia do legislador, verdadeiro ‘senhor do direito’ no Estado legislativo, seja substituída pela supremacia dos juízes, os novos ‘senhores do direito’. Ainda que seja inegável e essencial o agigantamento das responsabilidades dos juízes no Estado constitucional, como instrumentos de realização da justiça material, a idéia da existência de qualquer ‘senhor do direito’ é incompatível com o Estado constitucional (ZAGREBELSKI, 1995, p. 150 e ss.).
Com os atuais contornos traçados pelo Estado constitucional não mais parece adequado falar em diferentes poderes. Em verdade, o que existem são funções públicas desempenhadas por diferentes órgãos, todos voltados ao implemento da Constituição.
A supremacia da Constituição é o traço marcante do Estado constitucional. A própria teoria da soberania do Estado deve ser deslocada para a idéia de soberania da Constituição. O Estado somente alcança legitimidade, na medida em que garante as liberdades fundamentais e implementa os direitos fundamentais sociais, numa clara redefinição do conceito de soberania. Soberana é a Constituição; o Estado é apenas um instrumento de efetivação dos ditames constitucionais.
Partindo desses parâmetros, não parece que o controle jurisdicional de políticas públicas afronta o princípio constitucional da separação de poderes. Antes o torna efetivo, vez que por meio da justiciabilidade de políticas públicas se busca garantir a implementação de direitos fundamentais positivos. A Constituição de 1988, conforme o artigo 5°, XXXV, conferiu ao Poder Judiciário ampla função jurisdicional, sendo vedado à lei excluir da sua apreciação lesão ou ameaça a direito. A legitimidade do Judiciário para examinar quaisquer violações a direitos dos cidadãos não decorre do princípio político democrático; ressai, expressamente, do texto constitucional, não devendo encontrar nenhum óbice legal.
6. O PROBLEMA ORÇAMENTÁRIO E O LIMITE DA RESERVA DO POSSÍVEL
Afora a argumentação de que a judicialização de políticas públicas afrontaria o princípio da separação de poderes, são levantados, ainda, como obstáculos ao controle jurisdicional de políticas públicas, as limitações orçamentárias e a reserva do possível. Há que se analisar tais argumentos, porquanto, de fato, a implementação de direitos fundamentais positivos exige a disponibilidade orçamentária e está sujeita a limitações de recursos financeiros.
O orçamento[21] deve ser entendido como um instrumento de implementação das disposições constitucionais, a expressão do planejamento das políticas públicas a serem realizadas pela Administração Pública. Nele estão contidas a destinação das verbas, a estimativa das receitas e a fixação das despesas de determinado exercício financeiro. Trata-se de um conjunto de atos normativos pelos quais são elaborados, avaliados e executados os programas governamentais, em todos os planos de atuação do Poder Público.
Neste sentido, a Constituição vincula a elaboração e execução das leis orçamentárias, exigindo a previsão de programas e planos de ação governamental destinados à implementação dos direitos fundamentais sociais. Não se pode mais encarar o orçamento como simples peça contábil de previsão de receita e fixação de despesa, mas sim como verdadeira expressão do planejamento estatal voltado ao desenvolvimento social e econômico.
A realização material dos direitos sociais constitucionalmente assegurados requer a destinação de elevada monta financeira. A conhecida escassez de recursos públicos, sobretudo em Estados periféricos como o brasileiro, traz o problema da definição sobre quais políticas públicas devem ser implementadas, já que a limitação orçamentária não comportaria o cumprimento dos direitos sociais na sua integralidade.
Para tentar resolver o problema da escassez de recursos e o cumprimento de direitos fundamentais positivos, ALEXY propõe a aplicação do método de ponderação, pelo qual a prestação pleiteada pelos cidadãos deve estar cingida àquilo que se pode razoavelmente exigir do Poder Público. Ainda que existam recursos, há o limite do razoável que veda aos cidadãos exigirem do Estado aquilo que possam prover como seus próprios recursos. Entretanto, segundo o autor impende reconhecer que o direito a um mínimo vital, à educação escolar, à assistência médica, à formação profissional, deve ter a efetivação garantida pelo Poder Público, por conta de que é mínimo o conflito com os demais princípios constitucionais (1993, p. 494-99).
Por certo, em um Estado como o brasileiro, onde o déficit de políticas públicas para o implemento de direitos sociais alcança níveis absurdos, onde ainda está longe a realização material de direitos básicos, como níveis mínimos de assistência à saúde, educação fundamental, sistema de saneamento básico, etc., contrastando com um orçamento cada vez mais comprometido com o pagamento de serviços da dívida pública externa, sumamente espinhosa se mostra a discussão sobre a justiciabilidade de políticas públicas.
Por outro lado, quanto maior é a escassez de recursos orçamentários, com maior responsabilidade deve ser feita sua destinação. Assim, SARLET sustenta o necessário aprimoramento dos mecanismos de gestão democrática dos recursos públicos e um efetivo ativismo judicial, que com cautela e responsabilidade deve zelar pela efetivação dos direitos fundamentais positivos (2003, p. 339 e ss.).
A Constituição é a baliza mestra da atuação do Poder Público. Vincula toda a ação do Estado e exige que tal ação esteja voltada ao implemento de suas disposições. O Estado se coloca perante a Constituição como instrumento de realização dos ditames constitucionais. Este é o verdadeiro fundamento de sua existência, sua fonte de legitimidade.
Não se pode aceitar, portanto, que o cumprimento da Constituição seja preterido pela observância de uma norma infraconstitucional, ou por um quadro de conjuntura político-econômica desfavorável. A Constituição tem força normativa, ativa e vinculante, exigindo a máxima atuação dos poderes constituídos para o seu fiel implemento. São inaceitáveis certas práticas governamentais que esquecem de cumprir a Constituição sob o argumento da falência orçamentária do Estado ou para garantir o fiel cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal.
A escassez orçamentária não é argumento sólido o bastante para afastar o imperativo de implementação dos direitos fundamentais sociais. Ainda que os recursos públicos sejam limitados, não é vedado ao Judiciário determinar ao Estado a alocação de verbas orçamentárias específicas para o cumprimento de direitos sociais.
Quando provocado, o Judiciário pode e deve garantir o cumprimento dos direitos fundamentais sociais, sem que isso possa configurar afronta ao princípio da separação de poderes ou trazer desequilíbrio ao orçamento do Estado. Levando em conta as circunstâncias do caso concreto, cabe ao juiz assinalar ao Poder Público um prazo razoável para o cumprimento da obrigação constitucional, sem que restem afetados os programas governamentais traçados nas leis orçamentárias.
A jurisprudência nacional registra caso em que foi determinado o cumprimento de determinada política pública, construção de sistema de tratamento de esgoto, submetendo-se o prazo de cumprimento da obrigação a arbitramento prévio, por meio de prova técnica que possibilitasse a adequação dos projetos e cronogramas da obra às disponibilidades orçamentárias do Poder Público (BUCCI, 2002, p. 275).
A prévia adequação do cumprimento de obrigações constitucionais às disponibilidades orçamentárias, com base em ampla prova técnica, resguarda o equilíbrio das finanças públicas sem descuidar da implementação dos direitos sociais. O problema orçamentário e os limites da reserva do possível podem ser resolvidos por um ativismo judicial cauteloso, responsável e comprometido com a guarda da Constituição.
Outro argumento contrário à justiciabilidade de políticas públicas é a competência do Poder Legislativo para a destinação dos recursos públicos, mediante a aprovação das leis orçamentárias. Insustentável tal argumentação, a uma porque o Legislativo não dispõe de competência absoluta para a destinação das verbas orçamentárias; a duas porque o Legislativo está vinculado aos mandamentos constitucionais, sendo que a ausência de políticas públicas voltadas ao implemento de direitos fundamentais positivos exige o controle jurisdicional, até para resguardar o caráter normativo e vinculante da Constituição.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo das relações e dos pontos de tensão entre o Poder Judiciário e a Administração Pública, esta enquanto gestora e implementadora de políticas públicas voltadas à efetiva realização dos ditames constitucionais, aquele enquanto guardião da ordem normativa constitucional e limitador da ação administrativa, sugere, necessariamente, o estabelecimento de uma sólida teoria da Constituição.
Toda a temática desenvolvida gravita no entorno de uma teoria da Constituição capaz de se sobrepor a conjunturas político-econômicas, e refundar uma ordem constitucional pautada na supremacia da Constituição, na força normativa e vinculante dos direitos fundamentais e na consolidação do Estado como instrumento de efetivação das normas constitucionais.
Sem a firme e viva radiação da ordem constitucional no lastro social, sem a consolidação de uma verdadeira ‘cultura da Constituição’, dificilmente se alcançará uma efetiva justiciabilidade de políticas públicas. A participação ativa e efetiva da sociedade, por meio das mais diversas organizações sociais e, principalmente, do Ministério Público, é condição inarredável ao processo de educação constitucional.
Neste contexto, mostra-se crucial o papel do Poder Judiciário, enquanto guardião da ordem constitucional e conformador da ação administrativa e legislativa dos demais poderes constituídos. O ordenamento constitucional exige um Poder Judiciário imbuído de ‘vontade de Constituição’, consciente de seu destacado mister na efetivação das normas constitucionais, que não se furte em decidir acerca da adequação das ações governamentais para o implemento dos direitos fundamentais.
Os objetivos e direitos fundamentais que orientam a Constituição gozam de plena força normativa, vinculando todos os poderes constituídos. O Estado constitucional e seus órgãos funcionalmente divididos buscam o fundamento de legitimidade na Constituição. Todos são instrumentos que devem estar à disposição da Constituição, voltados a sua fiel concretização.
Inafastável, portanto, a justiciabilidade de políticas públicas. Muito mais que um poder, o controle de políticas públicas é dever inarredável do Poder Judiciário, a quem compete fazer valer a vontade constitucional. Tal controle não afronta o princípio da separação de poderes, senão o fortalece e nele se justifica, porquanto a separação de poderes deve ser entendida como uma divisão de funções necessária a uma melhor satisfação dos ditames constitucionais.
Para a consolidação dos direitos fundamentais de liberdade e implementação dos direitos fundamentais sociais, urge a consolidação de um ativismo judicial responsável e consciente do lugar de destaque que o Poder Judiciário ocupa no Estado constitucional. O controle jurisdicional de políticas públicas exige um Judiciário forte e independente, capaz de garantir a supremacia da Constituição, ainda que em tempos de conjunturas político-econômicas desfavoráveis.
Embora as questões orçamentárias e a reserva do possível representem graves problemas na implementação de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento social, por certo, um dos maiores entraves à consolidação de um efetivo controle jurisdicional de políticas públicas está na insipiência dos mecanismos de participação popular nas decisões políticas, no difícil fortalecimento de uma democracia participativa e de uma cidadania ativa, consciente de seu papel e que exija do Poder Judiciário uma postura comprometida com a Constituição. Fomentar esta cultura de participação popular é também atribuição dos juristas!
Doutorando em Direito Administrativo pela UFSC. Mestre em Direito Constitucional pela UFSC. Especialista em Direito Administrativo pelo CESUSC. Professor de Direito Administrativo da Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina (ESMESC). Professor de Direito Administrativo da Escola Nacional de Administração (ENA/Brasil), em convênio com a École Nationale d’Administration (l’ENA/França). Professor Titular de Ciência Política e Teoria Geral do Estado e Professor Substituto de Direito Administrativo no Curso de Graduação em Direito da UNIDAVI, bem como em Cursos de Pós-Graduação em Direito da UNIDAVI, CESUSC, UNISUL, UNOESC, UnC e diversas outras instituições. Professor em cursos preparatórios para Concursos Públicos e Exames de Ordem, nas disciplinas de Direito Constitucional e Direito Administrativo. Membro fundador do Instituto de Direito Administrativo de Santa Catarina (IDASC). Assessor Jurídico do Sindicato dos Trabalhadores na Rede Estadual de Ensino de Santa Catarina (SINTE/SC). Advogado militante na seara do Direito Público, Sócio do Escritório Cristóvam & Palmeira Advogados Associados S/C
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