Resumo: Este artigo objetiva debruçar-se sobre a análise do conceito de Meio Ambiente, de forma sistemática, além de estabelecer um estudo sobre a natureza jurídica do Direito ao Meio Ambiente, que não encontra um consenso teórico, e que, aqui, tornou obrigatório analisar-se, também, por consequência lógica, estudar, em subtópicos, tanto a indeterminação dos sujeitos quanto a indivisibilidade do objeto, como é da singularidade deste direito.
Palabras clave: Direito Ambiental, conceito de meio ambiente, natureza jurídica.
Sumário: 1. Introdução; 2. O Conceito de Meio Ambiente; 3. A Natureza Jurídica de Meio Ambiente; 3.1. Indeterminação dos Sujeitos; 3.2 Indivisibilidade do Objeto; 4.Considerações Finais; 8. Bibliografia.
1 Introdução
O presente artigo surge da necessidade acadêmica de se entender o meio ambiente e, por consequência lógica, o Direito Ambiental, no que concerne o seu conceito, sua natureza jurídica, que se bifurca na análise dos seus sujeitos e do seu objeto.
Para esse fim, buscar-se-á, aqui, estabelecer uma análise sistemática do conceito de meio ambiente, que se dará em sua expressão, que é composta por duas palavras, uma vez que, separada ou conjuntamente, podem alcançar significados distintos.
Em segundo momento, como referido, analisar-se-á a natureza jurídica do Direito ao Meio Ambiente, uma vez que inexiste, a seu respeito, um consenso doutrinário.
Em seguida, como consequência lógica do estudo de sua Natureza Jurídica, dissertar-se-á sobre os sujeitos do Direito Ambiental, analisando por que destes serem indeterminados, e sobre seu objeto, que tem a peculiaridade de ser indivisível.
2 O Conceito de Meio Ambiente
Ao contrário do que possa parecer, conceituar “meio ambiente” não é tão simples. Tal ideia pode ser observada pela própria composição da expressão “meio ambiente”, formada por duas palavras que necessitam, ambas, de adequada interpretação, de modo a entendê-las individual e conjuntamente, para o alcance da compreensão ideal da expressão.
Em um primeiro momento, definir-se-á o significado do termo “ambiente”.
Neste sentido, o jurista Toufic Daher Deebeis (1999), dita duas definições. A primeira, baseada no “Novo Dicionário de Língua Portuguesa”, diz que “ambiente” significa “o que cerca ou envolve os seres vivos ou as coisas por todos os lados, envolvente”. Já a Segunda definição, ditada pelo autor, é retirada do livro de “Direito Ambiental Constitucional”, de José Afonso da Silva, e diz que “a palavra ambiente indica a esfera, o círculo, o âmbito que nos cerca, em que vivemos”.
Em um segundo momento, necessário faz-se definir o significado do termo “meio”.
Sobre este termo, Deebeis, novamente citando José Afonso da Silva, escreve, referindo-se a palavra “ambiente”, que “em certo sentido, portanto, nela já se contém o sentido da palavra meio” (SILVA[1] apud DEEBEIS, 1999, p.25). Observando o raciocínio, entende-se, pois, que as palavras “ambiente” e “meio”, apesar de terem nomenclatura distintas, têm significados próximos.
Diante do analisado, poderia afirmar um estudioso mais equivocado, que, por terem os termos “ambiente” e “meio” sentidos semelhantes, logo seria a junção deles na expressão “meio ambiente” uma reles redundância, sem nada a acrescentar, já que une, em seu bojo, duas palavras de sentidos próximos.
Entretanto, tal ideia pode ser facilmente desmistificada ao se ler o mencionado pelo já citado autor. Afirma ele que: “a expressão meio ambiente se manifesta (…) mais rica de sentido do que a simples palavra ambiente”.
Diz-se, ainda, complementarmente que:
“o conceito de meio ambiente há de ser, pois, globalizante, abrangente de toda natureza original e artificial, bem como os bens culturais correlatos, compreendendo, portanto, o solo, a água, o ar, a flora, as belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico e arqueológico” (SILVA apud DEEBEIS, 1999, p.26).
Diante do conceito acima citado, fica fácil compreender que realmente a expressão “meio ambiente” é carregada de redundância, que é derivada, justamente, da junção de termos isolados (ambiente e meio) que possuem significados próximos. E é, definitivamente, esta redundância que amplia a fronteira dos objetos alcançados e abraçados pelo conceito agora abordado.
Desta feita, seria um erro considerar a redundância contida na expressão meio ambiente “reles” e “sem nada a acrescentar”, quando, na verdade, ocorre o oposto. Afinal, ela é a grande responsável pela ampliação valorativa da expressão em tela.
Como pode ser percebido, no conceito de Silva, o “meio ambiente” não se limita, apenas, às florestas, às matas, ao Pantanal, aos rios, aos oceanos, aos animais. Ele alcança as próprias relações humanas entre o homem e o seu meio, entre o homem e os demais seres vivos e entre o homem e o próprio homem. Nesta certeza, Silva afirma que se engloba em seu conceito o “patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico e arqueológico”.
3 A Natureza Jurídica do Direito ao Meio Ambiente
Muita polêmica existe na determinação da natureza jurídica do meio ambiente. Parte da doutrina afirma ser o meio ambiente, juridicamente, de natureza coletiva. Nessa parte, incluem-se doutrinadores de relevo como, por exemplo, José Afonso da Silva (2000, p.466) que ao referir-se à ação popular afirma que “o que lhe dá conotação essencial é a natureza impessoal do interesse defendido por meio dela: interesse da coletividade”. Luís Carlos Silva de Moraes também defende esse raciocínio quando diz que: “atribui-se ao Estado a proteção do chamado interesse coletivo (…). A maior prova disso é o local de inserção das normas de meio ambiente na CF: Título VIII – Da Ordem Social (arts. 193 a 232). Se importa à ordem social, é coletivo” (MORAES, 2001a, p.15).
Além da confusão gerada pela ideia de coletividade, poder-se-ia muito bem confundir a natureza do meio ambiente com o caráter de direito público, por se tratar de um bem que requer proteção do Estado, do próprio Poder Público, com o fito de viabilizar a proteção da população nacional. Entretanto, sobre a definição da natureza jurídica de meio ambiente, ter-se-á cautela pela certeza de que o meio ambiente não é de natureza jurídica pública, como, equivocadamente, poderiam os leigos pensar. Confirmar-se-á, neste tópico, que a natureza deste objeto alcança patamares ainda maiores, abraça muito mais do que o limitado pela característica “pública”. Um excelente esclarecimento, sobre este aspecto, pode ser construído com base na redação contida no caput do art. 225 da C.F. de 1988, pois “ao dizer que é papel do Estado e da coletividade defender e preservar o meio ambiente, abandona-se o conceito de que o meio ambiente é um bem público, no sentido que apenas a atuação do puissance publique era permitida”. Por esse raciocínio depreende-se, por conseguinte, que
“consoante noção trazida pelo referido artigo, o conceito de meio ambiente supera esta denominação, visto que não só do Estado, mas também da coletividade é dever defendê-lo e preservá-lo. Isto nos remete ao conceito de interesse difuso, qual seja, aquele que se situa no hiato entre o interesse público e o interesse privado” (FIORILLO, RODRIGUES, 1995, p.49).
Na verdade, “coletivo”, “público” e “difuso”, apesar de parecerem expressões de significados próximos, essencialmente, são de significados distintos, indicando, cada uma, um “grau” preciso de coletividade. Há quem considere, nessa ótica, que os interesses inculcados nas expressões representam uma “escala crescente de coletivização”.
“Sob esse enfoque, caminha-se desde os interesses ‘individuais’ (suscetíveis de captação e fruição pelo indivíduo isoladamente considerado), passando pelos interesses ‘sociais’ (os interesses pessoais do grupo visto como uma pessoa jurídica); mais um passo, temos interesses ‘coletivos’ (que passam as esferas anteriores, mas se restringem a valores concernentes a grupos sociais ou categorias bem definidas); no grau seguinte temos o interesse ‘geral’ ou ‘público’ (referindo primordialmente à coletividade representada pelo Estado e se exteriorizando em certos padrões estabelecidos, ou standards sociais, como bem comum, segurança pública, saúde pública). Todavia, parece que há ainda um grau nessa escala, isto é, haveria certos interesses cujas características não permiti-riam, exatamente, sua assimilação a essas espécies. Referimo-nos aos interesses difusos” (MANCUSO, 1997, p.74).
Pelo mencionado supra, compreende-se que, considerando-se a existência dessa “escala crescente de coletivização”, estaria o interesse difuso em último grau, já que a sua coletivização se dá mais acentuadamente que nas demais categorias de interesses. Portanto, o direito difuso não trata especificamente de uma coletividade, mas, diversamente, trata da coletividade enquanto indeterminação dos sujeitos. Assim sendo, fica nítida a idéia de que a natureza jurídica do meio ambiente é de direito difuso, pois, sendo o meio ambiente direito de cada indivíduo e de todos simultaneamente, e levando-se em consideração a qualificação ubíqua do meio ambiental, de estar presente em todas as partes – como será visto mais à frente, no tópico de princípios do Direito Ambiental, não há como se entender que alterações nesse bem afetem apenas determinados indivíduos ou determinada coletividade, quando, de certo, os reflexos dos danos ambientais não se prendem à territorialidade de seu surgimento, podendo, indistinta e imprevisivelmente, atingir a um indivíduo, a uma coletividade ou a todos respectivamente dependendo de sua intensidade.
“Desse modo, os interesses difusos ‘excedem’ ao interesse público ou geral, configurando-se no quinto e último grau daquela ordem escalonada, notabilizando-se por um alto índice de desagregação ou de ‘atomização’, que lhes permite referirem a um contingente indefinido de indivíduos e a cada qual deles, ao mesmo tempo” (MANCUSO, 1997, p.75).
Importante, outrossim, faz-se esclarecer que os “interesses difusos apresentam as seguintes notas básicas: indeterminação dos sujeitos; indivisibilidade do objeto; intensa conflituosidade; duração efêmera, contingencial” (MANCUSO, 1997, p.79). Dessa maneira, com a finalidade de melhor entender a natureza jurídica do meio ambiente, analisar-se-á as suas duas principais, ou mais marcantes características: indeterminação dos sujeitos e indivisibilidade do objeto, vislumbrando, não um estudo visceral (já que não se trata do objeto central desta pesquisa), mas um estudo geral, viabilizando uma compreensão genérica, todavia relevante, do que venha a ser um direito difuso.
3.1 Indeterminação dos Sujeitos
O interesse difuso, por sua própria essência, não possui sujeitos ou titulares determinados. Um exemplo claro dessa afirmação é o direito ao meio ambiente, que, por sua ubiquidade, ou seja, pela sua característica de estar presente em todas as partes, acaba tendo uma vinculação com uma quantidade indeterminada de pessoas. Esse fato inviabiliza uma determinação objetiva daqueles que são titulares do direito. Da mesma forma, essa inviabilidade é derivada do fato de que o meio ambiente é de cada um e, ao mesmo tempo, de todos, sendo, da mesma maneira, o prejuízo gerado nesse direito repartido por todos e não somente por um. Nesses moldes, notar-se-á claramente que a indeterminação dos titulares é, de certo, uma das mais importantes características do direito difuso.
3.2 Indivisibilidade do Objeto
A indivisibilidade do objeto é derivada da própria indeterminação dos sujeitos. Por ela, qualquer benefício ou prejuízo a um direito difuso beneficiará ou prejudicará a todos, isto é, se uma pessoa impetrar uma ação popular ambiental, com o fito de evitar, por exemplo, que a prefeitura de um determinado município destrua um casarão antigo, mesmo que não esteja preocupada com o bem-estar social, caso bem sucedida, o benefício gerado pela preservação do patrimônio histórico da cidade será um ganho para toda a coletividade e não apenas para o sujeito que impetrou a referida ação popular. Desta feita, se os titulares dos direitos difusos são indeterminados, indeterminados, então, serão os beneficiados, não sendo possível a divisão do objeto almejado. Sobre esse panorama, diz-se, ainda, que
“tais interesses caracterizam-se por pertencerem a uma série indeterminada de sujeitos e pela indivisibilidade de seu objeto, de forma tal que a satisfação de um de seus titulares implica a satisfação de todos, do mesmo passo que a lesão de um só constitui, ipso facto, lesão da inteira coletividade” (BARROSO, 1996, p.254).
Relevante, por fim, é ditar que “os interesses difusos são indivisíveis, no sentido de serem insuscetíveis de partição em quotas atribuíveis a pessoa ou grupos estabelecidos” (MANCUSO, 2001, p.83).
4 Considerações Finais
Por tudo já explanado, observa-se o quanto complexo é o estudo sobre o Direito Ambiental, particularmente com relação aos tópicos aqui explorados, podendo-se alcançar as seguintes constatações nucleares:
– na análise do conceito de Meio Ambiente, verificou-se que a expressão “Meio Ambiente”, composta por duas palavras que têm significados próximos, foi responsável por ampliar valorativamente sua acepção, uma vez que passa a abarcar, também, as relações humanas entre o homem e o seu meio, o que, na prática, possibilitou abranger o patrimônio histórico, artístico, paisagístico e arqueólogo.
– na análise da natureza jurídica do meio ambiente, destacou-se a divergência teórica sobre o tema, tornando-se claro, não obstante, que sua natureza jurídica é de direito difuso, haja vista ser o meio ambiente de cada indivíduo e de todos simultaneamente.
– na análise dos sujeitos indeterminados, observou-se que sua indeterminação se dá porque o interesse difuso tem por essência não possuir sujeitos determinados. O meio ambiente é ubíquo e, por estar em todos os lugares, acaba por vincular-se a um número indeterminado de pessoas.
– na análise da indivisibilidade do objeto, constatou-se que essa indivisibilidade se origina da própria indeterminação dos sujeitos, pois, o ato benéfico ou maléfico de um, beneficiará ou prejudicará a todos.
No mais, observa-se que, este pequeno estudo do Direito Ambiental, já possibilita constatar a importância e a complexidade que pode existir no menor dos seus temas, e que, nessa área, qualquer discussão, como a própria natureza jurídica do meio ambiente, por ser difusa, afeta a todos.
Advogado. Escritor. Professor Substituto da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e Professor da Faculdade de Tecnologia e Ciências. Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidad Nacional de La Plata. Mestrando em Ciências Ambientais pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Membro da APRODAB.
Advogado. Escritor. Especialista em Direito do Estado pelo Jus Podivm
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