Resumo: O presente artigo aborda a tutela do dano moral no sistema processual coletivo brasileiro e tenta responder a algumas perguntas como a possibilidade ou não de ocorrência do dano moral em processos que envolvam direitos transindividuais e, se positiva a resposta, quais são os critérios utilizados para se arbitrar o quantum da indenização e de que maneira fazê-lo? Para se tentar responder as questões acima, além de algumas outras que surgem no decorrer do estudo, foi feito um profundo estudo doutrinário sobre o instituto do dano moral e de diversos outros institutos que compõem o sistema processual coletivo brasileiro. Para da maior sustentação ao trabalho, também foi feita uma extensa análise jurisprudencial para se verificar como o Colendo Superior Tribunal de Justiça trata o tema proposto (possibilidade de ocorrer ou não dano moral em processo coletivo), cujo resultado final restou exposto na conclusão.
Palavras-chave: Tutela. Dano moral. Processo coletivo.
Abstract: This article talks about the protection of the collective moral damages in the Brazilian procedural system and attempts to answer some questions as to whether or not the occurrence of moral damages in cases involving trans-rights and if positive the answer, what are the criteria used to arbitrate the quantum of compensation and how to do it? To try to answer the above questions, plus a few others that arise in the course of the study, a deep doctrinal study on the institution of moral damages and many other institutes that comprise the Brazilian legal system was made. It was made an extensive jurisprudential analysis to see how the Superior Court treats the theme (likely to occur or not damage morale collective process) and, in the end, the result remains exposed in the conclusion.
Keywords: Relief. Punitive damages. Collective process.
Sumário: Introdução. I – Considerações Iniciais, Problematizações E Justificativas Para O Desenvolvimento Do Tema Proposto. II – Algumas Considerações Necessárias Acerca Dos Interesses Ou Direitos No Processo Coletivo. II.A. – Os Interesses Ou Direitos Difusos. II.B. – Os Interesses Ou Direitos Coletivos Stricto Sensu. II.C. – Os Interesses Ou Direitos Individuais Homogêneos. III – Breves Considerações Acerca Do Dano E O Sistema De Responsabilidade Civil. IV – Breves Considerações Acerca Do Instituto Do Dano Moral. IV.A – Alguns Critérios Existentes Para Fixação De Um Valor A Título De Indenização Por Dano Moral. V – Brevíssimos Apontamentos Sobre A Coisa Julgada No Processo Coletivo Brasileiro. VI – Brevíssimos Apontamentos Acerca Da Execução De Sentença Prolatada Em Sede De Ação Coletiva Lato Sensu. VII – Do Exame Sobre A Divergência Jurisprudencial Acerca Do Cabimento Do Dano Moral Transindividual Em Ações Coletivas Lato Sensu. VIII – Conclusão.
INTRODUÇÃO:
De acordo com o artigo 01º da Lei n.º 7.347/1985, norteiam-se pelas disposições dessa lei “[…] sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados […]” ao meio ambiente (inciso I), ao consumidor (inciso II), a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (inciso III), a qualquer outro interesse difuso ou coletivo (inciso IV), por infração da ordem econômica (inciso V); e à ordem urbanística (inciso VI).
Em rápida leitura do dispositivo acima, é possível extrair uma interpretação no sentido de que o instituto do dano moral (de natureza personalíssima – salvo as exceções – v.g. honra do de cujus) pode ser objeto de ações coletivas lato sensu. Vislumbra-se, pois, em sede de ação coletiva lato sensu, a possibilidade de ocorrência de dano moral transindividual, ou seja, aquele causado não às pessoas individualmente lesadas e determinadas, mas, sim, à coletividade, grupos, classes ou categoria de pessoas (indeterminados ou indetermináveis). Contudo, essa interpretação não poder ser tão imediata e elementar quanto parece.
O que se propõe, no presente artigo, é a análise do instituto do dano moral, bem como também fazer uma breve visita a alguns dispositivos do processo coletivo brasileiro para, ao final, tentar responder a 02 (duas) perguntas: a primeira se é possível (ou não) a aplicação do dano moral no âmbito dos processos coletivos lato sensu e a segunda, se positiva a primeira resposta, como indenizar adequadamente os lesados se o destino do produto da indenização, a priori, é o fundo previsto no artigo 13 da Lei 7.347/1985?
Além de tentar responder as 02 (duas) questões acima propostas, ao final, será oferecida uma sugestão de como se pode tutelar o dano moral transindividual no sistema processual coletivo brasileiro e como interpretar o artigo 13 da Lei 7.347/1985?
I – CONSIDERAÇÕES INICIAIS, PROBLEMATIZAÇÕES E JUSTIFICATIVAS PARA O DESENVOLVIMENTO DO TEMA PROPOSTO.
Passemos, então, às considerações iniciais, problematizações e as justificativas para o desenvolvimento do tema ora proposto.
Adotemos, como ponto de partida, um caso hipotético de uma sociedade empresarial que, de forma proposital, deixa de investir em recursos para a amenização da poluição oriunda de sua atividade. Considere, ainda, que essa sociedade descarta, de forma irregular, dejetos químicos (metais pesados) oriundos de seu processo de produção em um rio onde, ao redor, vive uma comunidade de pescadores que depende dele para a sobrevivência (comércio e alimentação).
Considere por fim que, por conta do descarte irregular, houve a diminuição considerável da população de peixes desse rio o que, consequentemente, prejudicou o sustento dessa comunidade, além ter causado doenças e algumas mortes de pessoas por conta da contaminação pelos metais pesados.
Diante dos fatos acima narrados, a associação local dos pescadores (artigo 05º, inciso V da Lei n.º 7.347/1985) ajuizou uma ação coletiva com os seguintes pedidos: (a) obrigação de fazer (recuperação in natura da área degradada, executando projeto de recuperação ambiental ou a compensação da área mediante a constituição de ecossistema equivalente, no caso de a primeira opção ser impossível, desproporcional, ou insatisfatória); (b) não fazer (cessar o descarte irregular de dejetos naquele rio); e (c) uma indenização por dano moral coletivo por conta de todos os transtornos e prejuízos causados à comunidade pesqueira.
Se, no final, a ação for julgada procedente, por quais parâmetros o magistrado deve se balizar para arbitrar o valor a título de indenização por dano moral? Buscar critérios para arbitrar um valor justo e razoável a título de dano moral para uma determinada pessoa, seja ela física ou jurídica, configura-se, por si só, uma complexa tarefa. Que dirá, então, arbitrar um valor para a coletividade como um todo, em que cada um tem uma percepção e sentimento diferente acerca de um determinado acontecimento.
É que, muitas vezes, esse tipo de dano não está ligado à repercussão física ao meio ambiente, mas, ao revés, relaciona-se à transgressão do sentimento coletivo, consubstanciado no sofrimento da comunidade, ou do grupo social, diante da lesão ambiental. E o instituto do dano moral não existe, de forma geral, para reparar (monetariamente) o sentimento, o abalo psíquico da pessoa seja ela física ou jurídica?
Ou será que, na verdade, o dano moral é personalíssimo e próprio daquele que percebe os efeitos do ato ilícito, razões pelas quais, a ação deve ser parcialmente procedente indeferindo-se o pedido de dano moral coletivo? Sim, pois, o ar poluído, a floresta devastada, a espécie extinta (também porque não possuem personalidade jurídica) não percebem danos morais haja vista que não sentem dor, aflição, tristeza, angústia etc., características inerentes aos humanos.
Outra dificuldade que se vislumbra, também de fundamental importância, é a identificação do titular (individual) do direito da indenização para que se possa, por exemplo, medir a extensão do dano e definir o destino de eventual indenização.
E tem mais: em havendo condenação em dinheiro, o valor será revertido a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e os representantes da comunidade (artigo 13 da Lei n.º 7.347/1985). Quer dizer, dependendo da forma que o pedido for formulado na Inicial, o valor resultante da indenização não será destinado, de forma direta, aos lesados difusa ou coletivamente.
Será que o procedimento acima exposto atende a proposta do dano moral que é de amenizar, reparar e compensar a dor da vítima? No caso hipotético proposto, se o valor da indenização fosse revertido para o fundo que prevê o artigo 13 da Lei n.º 7.347/1985 os pescadores e suas respectivas famílias teriam o sofrimento amenizado? O instituto do dano moral atinge a sua finalidade se o valor da indenização for destinado ao fundo para a reconstituição do bem lesado?
Essas são, em breve síntese, algumas considerações iniciais necessárias, as justificativas para o desenvolvimento do tema e algumas das problematizações decorrentes da possível aplicação, ou não, do dano moral em ações coletivas lato sensu.
II – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES NECESSÁRIAS ACERCA DOS INTERESSES OU DIREITOS NO PROCESSO COLETIVO.
No sistema processual brasileiro, a expressão “processo coletivo” é utilizada como gênero para abranger ações relativas à tutela de interesses ou direitos: (i) difusos (que são os essencialmente coletivos); (ii) coletivos stricto sensu (que são os coletivos propriamente ditos) e os; (iii) direitos individuais homogêneos (que são de natureza coletiva apenas na forma em que são tutelados).
II.A. – OS INTERESSES OU DIREITOS DIFUSOS.
A primeira modalidade a ser estudada encontra-se estampada no artigo 81, parágrafo único, inciso I do Código de Defesa do Consumidor e define os interesses ou direitos difusos como “[…] os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.”. Esses direitos, nas precisas palavras do professor Hugo Nigro Mazzilli “[…] compreendem grupos menos determinados de pessoas (melhor do que pessoas indeterminadas, são antes pessoas indetermináveis), entre as quais inexiste vínculo jurídico ou fático se preciso. São como um feixe ou conjunto de interesses individuais, de objeto indivisível, compartilhados por pessoas indetermináveis, que encontrem unidas por circunstâncias de fatos conexas.”[1]
A primeira característica marcante desse interesse ou direito é a transindividualidade (que deve ser analisada sob o aspecto subjetivo). Essa característica recai sobre o titular do direito que não é um único indivíduo. Trata-se, pois, de um direito que pertence a um grupo de pessoas e não à administração pública ou ao particular que aspiram uma mesma pretensão de natureza indivisível.
A próxima característica é a natureza indivisível do objeto que se traduz pela impossibilidade de fracionar o direito entre os membros que compõe a coletividade envolvida. Melhor explicando, não é possível resolver o problema para um sem, automaticamente, resolver o de todos. Tampouco também é possível excluir quem quer que seja do polo da pretensão por força da natureza inclusiva do processo que possui objeto extrapatrimonial. Elton Venturi leciona que “A indivisibilidade relaciona-se com a própria natureza da pretensão, cuja fruição deve se dar indistintamente entre todos os seus titulares. Tal atributo, aliás, deveria importar, logicamente e legalmente, a unidade da tutela jurisdicional dos direitos difusos, constituindo verdadeira heresia seu tratamento processual cindido, parcial, ou, pior, diversificado, como por vezes se verifica na praxe forense, seja em decorrência da ignorância do sistema de tutela coletiva, seja em decorrência da aplicação de regras inconstitucionalmente implementadas ao microssistema legal coletivo […]”.[2]
Justamente pelas características acima expostas acerca da indivisibilidade do objeto é que o professor Hugo Mazzilli aponta que “[…] o produto de eventual indenização obtida em razão da degradação ambiental não pode ser repartido entre os integrantes do grupo lesado, não apenas porque cada um dos lesados não pode ser individualmente determinado, mas porque o próprio objeto do interesse em si mesmo é indivisível”.[3]
A característica seguinte refere-se aos titulares como pessoas indeterminadas. A coletividade titular do direito é formada por sujeitos indeterminados ou indetermináveis individualmente. Ou seja, não é possível identificar um a um os envolvidos. E nem é essa a intenção quando se cuida de um interesse difuso (e coletivo stricto sensu). E, aqui, cabe mencionar uma curiosa observação feita por Daniel Amorim Assumpção Neves no sentido de que é um equívoco afirmar que “[…] a titularidade desse direito é de pessoas indeterminadas. Na realidade, os titulares não são sujeitos indeterminados, mas sim a coletividade. Essa coletividade, naturalmente, é formada por pessoas humanas, mas o direito difuso não as considera como indivíduos, mas tão somente como sujeitos que compõe a coletividade, como integrante desta”.[4]
O fato é que os titulares, simplesmente, não são identificados ou identificáveis por conta da dimensão do direito e pelo número de sujeitos que podem estar envolvidos. Para se tentar ter uma ideia do alcance dessa característica o professor Hugo Mazzilli nos apresenta as seguintes situações: “[…] como individualizar as pessoas lesadas com o derramamento de grandes quantidades de petróleo na Baía de Guanabara, ou com a devastação da Floresta Amazônica? Como determinar exatamente quais as pessoas lesadas em razão de terem tido acesso a uma propaganda enganosa, divulgada pela rádio ou televisão?”.[5]
Diante disso fica, então, fácil de se compreender que a indeterminação dos titulares refere-se, portanto, à impossibilidade de estabelecer o número de pessoas que tem o mesmo direito. Eles não têm condições de se organizar em grupo de modo a abranger todos os possíveis interessados. Não por que não querem, mas, sim, porque não sabem onde estão e quem são os sujeitos que se encontram com o mesmo direito violado.
Finalmente, a quarta característica é que os titulares estão ligados por uma circunstância de fato que os unem sendo, pois, dispensável a necessidade de uma relação jurídica base. Como bem observa o Hugo Nigro Mazzilli “[…] no caso dos interesses difusos, a lesão ao grupo não decorrerá da relação jurídica em si, mas sim da situação fática resultante […]”[6]. Por fim, vale colacionar os apontamentos do professor Pedro Lenza no sentido de que, nas circunstâncias de fato, “[…] não se percebe qualquer vínculo jurídico, mas apenas uma situação fática a unir os sujeitos titulares dos interesses difusos. Não se identifica qualquer relação jurídica-base ligando o grupo, categoria ou classe de pessoas entre si ou com a parte contrária, relação esta percebida nos interesses ou direitos coletivos, onde esta característica evidencia-se antes da lesão ou ameaça de lesão coletiva”.[7]
Por fim, é preciso citar alguns clássicos exemplos de interesse ou direito difuso: (i) a publicidade enganosa de um produto que promete um resultado milagroso, mas, na verdade, somente causa potenciais efeitos colaterais e; (ii) o direito que todos têm de respirar um ar de boa qualidade.
II.B. – OS INTERESSES OU DIREITOS COLETIVOS STRICTO SENSU.
O artigo 81, parágrafo único, inciso II do Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, diz ser os interesses ou direitos coletivos stricto sensu “[…] os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base”.
Essa modalidade de direito, nas palavras do professor Hugo Nigro Mazzilli “[…] são transindividuais indivisíveis de um grupo determinado ou determinável de pessoas, reunidas por uma relação jurídica básica comum”.[8]
Sobre a transindividualidade e a natureza indivisível do objeto já foram tecidas as devidas considerações acima na definição dos direitos difusos. De maneira que essas 02 (duas) características são igualmente aplicáveis para os direitos coletivos stricto sensu.
Cabe, no entanto, tecer considerações acerca da titularidade que será um grupo, categoria ou classe de pessoas. Diferentemente dos direitos difusos o titular, aqui, será uma “comunidade” delimitada por um grupo, classe ou categoria de pessoas. São, pois, determináveis. É preciso observar que, ainda que a pessoa não seja sindicalizada ou vinculada àquela associação ou entidade de classe, não lhe é retirado o direito de co-titular das pretensões eventualmente pleiteadas em sede de ação coletiva. Nesse sentido, o professor Kazuo Watanabe nos ensina que “Mesmo sem organização, os interesses ou direitos ´coletivos ´, pelo fato de serem de natureza indivisível, apresentam identidade tal que, independentemente de sua harmonização formal ou amalgamação pela reunião de uma entidade representativa, passam a formar uma só unidade, tornando-se perfeitamente viável, e mesmo desejável, a sua proteção jurisdicional em forma molecular.”[9]
O professor Rizzatto Nunes, por sua vez, observa que “[…] para a verificação da existência de um direito coletivo não há necessidade de se apontar concretamente um titular específico e real”.[10]
A outra característica é a relação jurídica base. É, pois, dessa relação que nasce o direito a ser tutelado guardando, por isso, íntima relação com lesão ou a ameaça de lesão. Em sentido complementar, o professor Hugo Nigro Mazzilli observa que “[…] Embora o CDC se refira a ser uma relação jurídica básica o elo comum entre os lesados que comunguem o mesmo interesse coletivo (tomado em seu sentido estrito), ainda aqui é preciso admitir que essa relação jurídica disciplinará inevitavelmente uma hipótese fática concreta; no caso de interesses coletivos, a lesão ao grupo não decorrerá propriamente da relação ao grupo.”[11]
É importante observar também que a relação-base necessita ser preexistente à lesão ou à ameaça de lesão do direito que reúne o grupo, a categoria ou a classe de pessoas. E, aqui, é preciso observar que não se deve confundir a relação jurídica base preexistente com a relação jurídica originária da lesão ou ameaça de lesão. De forma oportuna Fredie Didier Jr. consigna que “[…] a relação-base forma-se entre os associados de uma determinada associação, os acionistas da sociedade ou ainda os advogados, enquanto membros de uma classe, quando unidos entre si (affectio societatis, elemento subjetivo que os une entre si em busca de objetivos comuns); ou, pelo vínculo jurídico que os liga a parte contrária […].”[12]
De forma complementar, Elton Venturi leciona que “A entidade associativa, ressalte-se, apenas tem a responsabilidade de coordenar judicialmente os interesses do grupo, classe ou categoria, mas não tem o poder de criar seus integrantes. Vale dizer, os componentes de uma determinada coletividade são identificáveis não propriamente em função do vínculo associativo ou sindical que as reúne – que, aliás, deve ser compreendido como meramente facultativo e eventual -, mas sim em função do enquadramento de cada um no regime jurídico próprio, comum e indivisível da pretensão coletiva.”[13]
São clássicos exemplos desses interesses ou direitos: (i) a discussão de reajuste abusivo de mensalidade em um determinado colégio pela Associação de Pais e Mestres (partes ligadas entre si por uma relação jurídica) e; (ii) a discussão acerca do pagamento ou não de uma taxa por determinado grupo, classe ou categoria (titular ligado ao sujeito passivo por uma relação jurídica).
II.C. – OS INTERESSES OU DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS.
Por fim, o artigo 81, parágrafo único, inciso III do Código de Defesa do Consumidor assevera ser os interesses ou direitos individuais homogêneos aqueles “[…] decorrentes de origem comum”. Cuida-se, nas palavras de Elton Venturi, de um artifício legislativo constituído “[…] para fomentar o acesso à justiça, também pela via coletiva, de pretensões individuais reunidas em função de sua origem comum, atrelada às causas remotas ou próximas das lesões ou ameaças de lesões produzidas por um mesmo responsável”[14]
Como bem observa o professor Rodolfo de Camargo Mancuso […] temos um interesse que só é efetivo na forma por que é exercido, não em sua essência. Um feixe de interesses individuais não se transforma em interesse coletivo pelo só fato de o exercício ser coletivo. A essência permanece individual”.[15] Ou como assevera o Kazuo Watanabe, esses direitos são “[…] individuais em sua essência, sendo coletivos apenas na forma em que são tutelados.”[16]
A tutela desse direito não é um litisconsórcio, mas, sim, um direito coletivo. Não se trata, pois, conforme aponta Rizzatto Nunes, de um “[…] ajuntamento de várias pessoas, com direitos próprios e individuais no pólo ativo da demanda, o que se dá no litisconsórcio ativo”.[17]
Abordadas algumas considerações iniciais sobre os direitos individuais homogêneos passemos, agora, a analisar mais profundamente a definição dessa categoria de direito que, para o professor Hugo Mazzilli “[…] são aqueles de grupo, categoria ou classe de pessoas determinadas ou determináveis, que compartilham prejuízos divisíveis, de origem comum, normalmente oriundos de uma mesma circunstância de fato […] Em sentido lato, os interesses individuais homogêneos não deixam de ser também interesses coletivos”.[18]
Por outro lado, o professor Elton Venturi observa que:“[…] não nos parece correto referir a titularidade dos direitos individuais homogêneos como pertencente a pessoas integrantes de ´grupos, classe ou categorias´, eis que, na realidade, entre si ou com a parte adversária, qualquer espécie de vínculo, formal ou informal, suficiente a reuni-los sob as referidas qualificações. A única ligação existente entre os indivíduos titulares de direitos homogêneos é meramente fática e casual (a origem comum da lesão), não versando sobre elementos essencialmente aptos a defini-los como transindividuais. Por fim, a confusão gerada pela equivocada imputação de pertinência subjetiva dos direitos individuais homogêneos a ´grupos, classes ou categorias´torna-se ainda mais evidente quando se verifica que o Código de Defesa do Consumidor imprime regimes distintos de extensão da coisa julgada: ultra partes, quando referíveis a grupos categorias ou casses; e erga omnes, quando referíveis a vítimas e sucessores”.[19]
A origem comum é, pois, um evento que vincula os titulares do direito violado. Esses direitos nascem em decorrência de uma lesão ou de uma ameaça à lesão que atingem (ou podem atingir) os indivíduos de forma igual.
Esse evento pode ser fático, jurídico ou fático e jurídico e não se limita apenas e tão somente aos eventos relacionados ao consumidor. Ao contrário, a origem comum pode estar ligada às questões ambientais, tributárias, previdenciária etc. Ou seja, o vínculo que unem as partes decorre senão da própria lesão ou ameaça de lesão configurada em cada caso.
Além da origem comum é preciso também a homogeneidade (que não é sinônimo de igualdade, mas, sim de afinidade). É preciso apenas que, do fato, conforme assevera Fredie Didier, “[…] decorra a homogeneidade entre os direitos dos diversos titulares de pretensões individuais”.[20] Nas palavras de Marcelo Abelha Rodrigues “A homogeneidade existe em razão de um conceito relacional, que, segundo pensamos, em relação ao sistema processual coletivo, deve ser feito sob a luz de um aspecto quantitativo e qualitativo. O qualitativo é o de que devem possuir uma origem comum (não necessariamente idêntica), compreendida sob o aspecto da causa de pedir próxima ou remota. O quantitativo diz respeito ao fato de tais interesses homogêneos devem possuir, efetivamente, uma considerável extensão dos indivíduos, de tal forma, que seja lícito atribuir-lhes um caráter de ´homogêneos´, portanto, com dimensão social que justifique, pois, um tratamento coletivo”.[21]
Para Antonio Gidi, por outro lado “[…] como a homogeneidade decorre tão-só e exclusivamente da origem comum dos direitos, estes não precisam ser iguais quantitativa e qualitativamente. Assim, da mesma forma que o quantum de cada prejuízo individual é algo peculiar e irrelevante, para a caracterização da homogeneidade de tais direitos, esses prejuízos individualmente sofridos podem ser das mais variadas espécies (patrimoniais, morais, lucros cessantes, danos emergentes) sem comprometimento à referida homogeneidade. Afinal, o ´homogêneo´ aqui se refere à identidade ou igualdade matemática entre os direitos, mas, a um núcleo comum que permita um tratamento universal e globalizante para todos os casos”.[22]
Contudo, nem sempre a homogeneidade será, por si só, suficiente para caracterizar a homogeneidade do direito em voga.
Ademais, é preciso observar que, diferentemente do que ocorre com os direitos difusos e coletivos stricto sensu o bem é divisível e os titulares são determinados. Conforme ressalta o professor Rizzatto Nunes […] a origem é comum e atingiu a todos os titulares determinados do direito individual homogêneo, mas o resultado real da violação é diversa para cada um, de tal modo que se trata de objeto que se cinde, que é divisível”[23]. Em sentido complementar, Hugo Nigro Mazzilli observa que “Tanto os interesses individuais homogêneos como os difusos originam-se de circunstâncias de fato comuns; entretanto, são indetermináveis os titulares de interesses difusos, e o objeto de seu interesse é indivisível; já nos interesses individuais homogêneos, os titulares são determinados ou determináveis, e o objeto da pretensão é divisível (isto é, o dano ou a responsabilidade se caracterizam por sua extensão divisível ou individualmente variável entre os integrantes do grupo).”[24]
O fato acima, como pondera Fredie Didier “[…] não altera a possibilidade e pertinência da ação coletiva. Permanece o traço distintivo: o tratamento molecular, nas ações coletivas, em comparação à fragmentação da tutela (tratamento atomizado), nas ações individuais”.[25]
Por fim, insta salientar que em um processo cujo objeto é um direito individual homogêneo busca-se uma sentença condenatória genérica (artigo 95, do Código de Defesa do Consumidor). Como bem nos ensina Fredie Didier Jr. “[…] o pedido nas ações coletivas será sempre uma ´tese jurídica geral´ que beneficie, sem distinção, os substituídos. As peculiaridades dos direitos individuais, se existirem, deverão ser atendidas em liquidação de sentença a ser procedida individualmente.”[26]
E como bem observa Elton Venturi “[…] pouco importa que dentre os lesados de um evento comum […] reúnam-se vítimas que, para além da remota origem comum, ainda ostentem heterogêneas causas de pedir próximas, eis que, de toda a forma, em tais casos necessitarão alegar e provar todos os fatos novos que lhes digam respeito com exclusividade, somente no âmbito do procedimento de liquidação previsto no art. 608 do CPC.”[27]
Cada interessado ingressará com uma liquidação de sentença individual (artigos 97 e 98 do Código de Defesa do Consumidor) comprovando o dano e o nexo causal. Deverá o interessado, ainda, sustentar a imputação da responsabilidade civil por conta do ato omissivo ou comissivo do demandando. Em sendo complexa a tentativa de demonstrar o nexo causal não haverá interesse de agir. Nesse sentido, Daniel Amorim Assumpção aduz que “[…] quando não for possível de forma simples a determinação do nexo causal do direito individual e daquele que seria reconhecido na sentença coletiva, não haverá interesse de agir para a ação coletiva, dado que tal ação não será útil e nem adequada para resolver a crise jurídica enfrentada pelos indivíduos. Por outro lado, a sentença não será eficaz, porque de pouco proveito será aos titulares dos direitos individuais, considerando que a liquidação da sentença nesse caso em tudo se assemelhará a um verdadeiro processo de conhecimento condenatório individual”.[28]
Isso porque, conforme conclui Elton Venturi “[…] diante das peculiaridades do modelo brasileiro de ação coletiva de tutela a direitos individuais – insistimos -, basta a origem comum, seja ela próxima, seja remota. Pouco importa, neste sentido, que em relação à demonstração do nexo causal predominem questões individuais sobre questões comuns, visto que são absolutamente irrelevantes para a obtenção da sentença genérica condenatória. Por mais diversificadas que se revelem as questões pessoais envolvendo as vítimas ou sucessoras do evento lesivo e o demandado, ou, mesmo, por mais heterogêneo que se apresente o grupo formado por elas, ainda assim a tutela coletiva se apresenta como viável e útil para a defesa dos direitos individuais conexos pela causa comum, eis que, quando menos, importará a fixação definitiva do dever de indenizar, imunizando tal tema das subseqüentes ações de liquidação e execução. Conclui-se, pois, que a exigência legal extraída do art. 81, parágrafo único, III, do CDC diz respeito à homogeneidade da causa, e não à homegeneidade do grupo.”[29]
Um exemplo desse direito é a hipótese de abatimento do valor referente àquela mercadoria viciada adquirida por determinados consumidores (artigo 18, §01º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor).
III – BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DO DANO E O SISTEMA DE RESPONSABILIDADE CIVIL.
O Código Civil adota como regra a teoria subjetiva e, como exceção, a objetiva. Pela teoria clássica, para se configurar a responsabilidade civil deve se verificar 03 (três) pressupostos, quais sejam: (1) a culpa; (2) o dano; (3) e o nexo causal entre o dano e a conduta do agente.
De maneira que, uma vez evidenciada a culpa do agente quanto ao dano, surge para ele a obrigação de reparar o prejuízo. Sergio Cavalieri Filho conceitua dano como “[…] sendo a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral. […]”[30]
Se houver culpa concorrente da vítima, a indenização pode ser reduzida proporcionalmente (artigo 945, do Código Civil).
As hipóteses de excludentes de responsabilidade podem ser subjetivas (caso fortuito e força maior – artigo 393 do Código Civil -, os atos praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido – artigo 188, inciso I, do Código Civil -) ou objetivas (culpa exclusiva da vítima, de terceiro, de terceiro e da vítima – artigo 945 do Código Civil – etc.).
A teoria objetiva aplica-se a casos especificados em lei, bem como quando a atividade normalmente desenvolvida pelo agente implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outra pessoa (§ único, do artigo 927, do Código Civil). Com efeito, é de concluir que a teoria subjetiva coexiste com a teoria objetiva, sendo esta última aplicada nas hipóteses em que a desigualdade econômica ou social entre o agente e a vítima traz a necessidade de abolir qualquer indagação sobre a subjetividade do infrator.
IV – BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DO INSTITUTO DO DANO MORAL.
Até o ano de 1988 existiam discussões acerca da possibilidade, ou não, da reparação a título de dano moral. Contudo, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 05º, inciso V e X pôs uma pá de cal sobre o assunto.
O que se verifica no direito contemporâneo, no entanto, é o crescimento, uma tendência de ampliação das hipóteses de danos que até então não eram admitidos. Antigamente, por exemplo, não se falava em dano moral por fato do produto. Tampouco se falava também em danos morais por descumprimento contratual. Hoje, no entanto, nessas e em outras situações, a ocorrência do dano moral é possível.
Essa nova realidade, nas precisas palavras do professor Eneas de Oliveira Matos[31], tem fundamento na dignidade humana. Mas, qual a definição de dano moral? Para Yussef Said Cahali, dano moral é “[…] tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral […]”[32]
O professor Eneas Matos, por sua vez, nos ensina que o dano moral “[…] consubstancia-se no dano injusto causado à pessoa humana, que lhe causa revolta, repulsa, sentimento de injustiça e de invasão sem fundamento plausível à esfera de seus direitos englobados na integridade moral, sempre se referindo a uma lesão extrapatrimonial.”[33]
Ronald Sharp Junior, de forma oportuna, nos ensina que existem duas forças convergentes na ideia de reparação do dano moral, quais sejam, “[…] uma de caráter punitivo ou aflitivo (castigo ao ofensor) e outra compensatória (compensação como contrapartida do mal sofrido).” [34] E é em casos como esses, que o dano moral encontra um fértil campo para atuação. Nas lavras do ilustre doutrinador Sérgio Cavalieri “[…] só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar.[…]”[35]
Com efeito, todo o fato que venha causar dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio ao sujeito, deve ser indenizado?
Em não sendo possível a reparação in natura do dano, busca-se ressarcir o prejuízo sofrido pela vítima ou compensar seu dano através de um equivalente ou sucedâneo pecuniário.
IV.A – ALGUNS CRITÉRIOS EXISTENTES PARA FIXAÇÃO DE UM VALOR A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL.
A questão dos critérios utilizados pelo magistrado e o quantum a que se chega, são 02 (duas) clássicas discussões que envolvem o tema. No presente artigo, não poderíamos deixar de abordá-los, ainda que brevemente.
Para Roberto Senise Lisboa, os critérios para a fixação do valor são: (01) a situação socioeconômica do agente, (02) a gravidade da extensão do dano; e (03) a observação da função do desestímulo da reincidência.[36] Vejamos com mais detalhes, a seguir, esses e outros parâmetros que podem ser utilizados na fixação do valor do dano moral:
(A) EXTENÇÃO DO DANO – Art. 944, do Código Civil: quanto maior o dano, maior a indenização. A preocupação, portanto, é exclusivamente com a figura da vítima, cujo dano se busca apagar ou ao menos minorar.
(B) GRAU DE CULPA DO AGENTE E CONTRIBUIÇÃO CAUSAL DA VÍTIMA – Arts. 944, § único e 945, do Código Civil. Quanto maior o grau de culpa do agente maior tende a ser a indenização. Se o agente agiu com dolo ou culpa grave, a reparação do dano é integral. Se agiu com culpa leve ou culpa levíssima reduz a indenização por equidade (redução equitativa da indenização ou contribuição causal com redução por equidade).
(C) CONDIÇÕES GERAIS DOS ENVOLVIDOS – São as condições econômicas, financeiras, culturais, sociais etc.
(D) VEDAÇÃO DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA – O valor não pode gerar a ruína do ofensor nem o enriquecimento do ofendido. Aqui, utiliza-se do critério da proporcionalidade.
(E) CARÁTER PEDAGÓGICO E PUNITIVO DA DECISÃO PARA QUE O INFRATOR NÃO REPITA O EVENTO OU A CONDUTA DANOSA – Para que este instituto possa ser utilizado, necessário se faz a ocorrência prévia de 02 (dois) requisitos obrigatórios e 01 (hum) facultativo, quais sejam, respectivamente, (01) a ocorrência de dano moral; (02) a culpa de natureza grave do ofensor; e (03) ocorrência de um lucro com ato ilícito do infrator.
Aqui deixaremos de lado a polêmica de se permitir ou não o caráter punitivo da indenização (punitive damages). Vale, no entanto, registrar alguns dos principais argumentos contra a utilização desse instituto: o primeiro é a falta de regra expressa que autorize a utilização desse tipo de sanção; o segundo argumento é a existência da regra contida no artigo 944, do Código Civil, no sentido de que a indenização mede-se pela extensão do dano.
A noção de indenização punitiva, porque distanciada da tradição do civil law ainda encontra considerável resistência de uma parte da doutrina, que tem apresentado várias objeções motivadas pelo temor da repercussão que o instituto pode provocar nas relações socioeconômicas. Para Anderson Schereiber, a utilização dos punitive damages se distancia do original norte-americano e “[…] cria-se uma espécie bizarra de indenização, em que ao responsável não é dado conhecer em que medida está sendo apenado e em que medida está simplesmente compensando o dano, atenuando, exatamente, o efeito dissuasivo que consiste na principal vantagem do instituto.”[37]
Outro contundente argumento é no sentido de que, ao se valer do punitive damages, há, inevitavelmente, uma “quebra” entre a esfera civil e penal, pois se aplica a um ilícito civil uma pena, sem balizamento legal, golpeando o princípio da nullum crimen, nulla poena sine lege estampada no o artigo 5º, XXXIX da Constituição Federal. Nesse sentido, temos o magistério de Wilson Melo da Silva: “Para que haja pena, mister se torna, em cada caso, um texto legal expresso que a comine e um delito que a justifique”, ou seja, “ nulla poena sine lege ”. Para que haja dano basta a simples infringência da ampla regra do “ neminem laedere ”.O delito, no dano, é apenas o fato gerador, a circunstância determinante dele.E o que no juízo cível se busca ressarcir é apenas a conseqüência do delito, ou seja, o dano (…) Mira-se, na responsabilidade civil, a pessoa do ofendido e não a do ofensor; a extensão do prejuízo, para a graduação do quantum reparador, e não a culpa do autor.”[38]
O problema é que a pena, no Direito Civil (sistema aberto) à diferença do Direito Penal (sistema fechado, pautado em tipos legais), se relaciona à violação de um dever de conduta (valores sociais, boa-fé objetiva, ética etc.), conduz a uma sanção dúplice: (a) a punição do agente (em danos punitivos, punitive damages reversíveis para a sociedade (fundo); e (b) a compensação dos danos (reversível para a indenização da vítima).
Entretanto, com a devida vênia, esses argumento devem ser afastados pois dentro do próprio Código Civil brasileiro tem-se institutos de natureza penal tais como a arras (artigos 418 e 420 do Código Civil) e o pagamento em dobro (artigo 940 do Código Civil).
Essa parcela da doutrina alerta, ainda, a forma de controle e gestão dessas quantias, as quais poderiam ser desviadas para outros fins. Tal ato, no entanto, pode ser evitado com a aplicação, por analogia, do parágrafo do artigo 883 do Código Civil.
De outra banda, Yussef Said Cahali alude um caráter tríplice da indenização do dano moral: “[…] reparar, punir, admoestar ou prevenir.”[39]. Sergio Cavalieri Filho também enxerga, ao lado da finalidade satisfatória, uma função punitiva da indenização: “Com efeito, o ressarcimento do dano moral não tende à restitutio in integrum do dano causado, tendo mais uma genérica função satisfatória, com a qual se procura um bem que recompense, de certo modo, o sofrimento ou a humilhação sofrida. Substitui-se o conceito de equivalência, próprio do dano material, pelo de compensação, que se obtém atenuando, de maneira indireta, as conseqüências do sofrimento. Em suma, a composição do dano moral realiza-se através desse conceito – compensação –, que, além de diverso do ressarcimento, baseia-se naquilo que Ripert chamava “substituição do prazer, que desaparece, por um novo”. Por outro lado, não se pode ignorar a necessidade de se impor uma pena ao causador do dano moral, para não passar a infração e, assim, estimular novas agressões. A indenização funcionará também como uma espécie de pena privada em benefício da vítima.” [40]
No mesmo sentido pronunciou-se o Colendo Superior Tribunal de Justiça, conforme se pode verificar nos autos do Recurso Especial n.º 389.879/MG[41], de Relatoria do ex-ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira que, em seu voto, ponderou que “O valor dos danos morais, de seu turno, como tenho assinalado em diversas oportunidades, deve ser fixado em termos razoáveis, não se justificando que a reparação enseje enriquecimento indevido, devendo o arbitramento operar-se com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao porte financeiro das partes, orientando-se o julgador pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, não deixando de observar, outrossim, a natureza punitiva e disciplinadora da indenização”.
E o Excelentíssimo Relator ainda levou em consideração “[…] a situação econômico-social das partes, a atividade ilícita exercida pelo réu 2º recorrente, de ganho fácil, o abalo físico, psíquico e social sofrido pelo autor, o elevado grau da agressão, a ausência de motivo e a natureza punitiva e inibidora que a indenização, no caso, deve ter”. Considerou, ainda, que “as lesões decorreram de conduta criminosa, de acentuado dolo, como se vivêssemos em um País sem leis e em estado de barbárie”.
Conforme se verifica do julgado acima, o Colendo Superior Tribunal de Justiça conferiu um caráter punitivo ao dano moral, criando o dano moral punitivo, cujo objetivo é o desestímulo à reiteração de condutas similares pelo infrator.
Portanto, o propósito geral dessa espécie de indenização é o de punir o ofensor, estabelecendo uma sanção que lhe sirva de exemplo para que não ouse a repetir o ato lesivo, além de dissuadir comportamentos semelhantes por parte de outros que tenha a intenção em adotar uma conduta semelhante.
Por fim, finalizadas as breves explicações acerca dos parâmetros, não poderia deixar de se destacar o venerando acórdão oriundo do Recurso Especial n.º 1.152.541/RS[42] em que o colendo Superior Tribunal de Justiça apresentou um método bifásico de indenização sendo que, na primeira fase, fixa-se um valor básico para a indenização considerando o interesse jurídico violado. Em um segundo momento, examina-se as circunstâncias do caso pra a fixação definitiva do valor da indenização, atendendo-se à determinação legal de arbitramento equitativo pelo magistrado.
Com efeito, alguns dos principais parâmetros a serem observados na fixação do valor a título de danos morais são (01) a extensão do dano; (02) as condições pessoais e econômicas das partes envolvidas; (03) moderação e razoabilidade atendendo-se à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de forma a não haver o enriquecimento sem causa da vítima e; (04) modernamente (e para parte da doutrina), uma carga de desestimulo cumulado com um cunho pedagógico (punitive damages) para que o infrator não torne a repetir o ato ilícito.
Resta claro, portanto, que o quantum a ser fixado a título de dano moral dependerá da boa aplicação dos critérios no caso prático como um todo, da experiência e do bom senso, sendo que tal decisão sempre se sujeitará à revisão dos tribunais em caso de recurso.
Faz-se necessário, agora, abordar, a coisa julgada no processo coletivo brasileiro (insculpido no artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor) sendo que é muito relevante a questão dos efeitos.
V – BREVÍSSIMOS APONTAMENTOS SOBRE A COISA JULGADA NO PROCESSO COLETIVO BRASILEIRO.
Para se entender a coisa julgada em processo coletivo é preciso deixar de lado o conceito e o regime tradicional da coisa julgada prevista no Código de Processo Civil (artigo 472). Vejamos, nas próximas linhas, como funciona a coisa julgada nos sistema coletivo!
A coisa julgada em processo coletivo é secundum eventun litis vel probationis, ou seja, forma-se de acordo com o resultado do julgamento combinado com a suficiência ou não das provas produzidas nos autos.
A improcedência da demanda em ação coletiva lato sensu, sem a devida instrução probatória, não faz coisa julgada.
A coisa julgada em processos que envolvam interesses ou direitos difusos, em caso de procedência da ação, terá efeito erga omnes. Se, no entanto, a ação for julgada improcedente por falta de provas não haverá a formação de coisa julgada material o que, portanto, autoriza o ajuizamento da mesma ação, inclusive, pelo mesmo legitimado que a ajuizou desde que se tenha uma nova prova hábil e capaz de reverter a sorte da ação antes improcedente (artigo 103, inciso I do Código de Defesa do Consumidor).
Caso, no entanto, a sentença seja de procedência ou improcedência com suficiente instrução probatória haverá a formação da coisa julgada formal e material e os legitimados (v.g. art. 05º da Lei 7.347/1985 e art. 82 do CDC) não estão autorizados ao ajuizamento de uma nova ação. Ainda que se trate de outro legitimado que não aquele que ajuizou a ação julgada improcedente.
Em se tratando de processo coletivo que abordem interesses ou direitos coletivos stricto sensu tem-se por aplicáveis as mesmas regras expostas nos 02 (dois) parágrafos acima diferenciando, no entanto, apenas os efeitos da coisa julgada que será ultra partes (e não erga omnes). Vale dizer: os efeitos da coisa julgada estão limitados ao grupo, categoria ou classe (artigo 103, inciso II do Código de Defesa do Consumidor).
Se o objeto da ação coletiva, no entanto, envolver questões ligadas aos interesses e direitos individuais homogêneos somente haverá efeitos erga omnes caso haja procedência do pedido e desde que para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores (artigo 103, inciso III do Código de Defesa do Consumidor). Repare que, nesta hipótese, o legislador pátrio não se manifestou se é necessário ou não a suficiente instrução probatória no feito. Logo, a conclusão a que se pode chegar é que, havendo ou não a devida instrução probatória, haverá a formação de coisa julgada. Ou seja, os legitimados não poderão ajuizar a mesma ação.
Ainda sobre os interesses ou direitos individuais homogêneos é preciso, ainda, mencionar também a hipótese de existir uma ação coletiva lato sensu e uma ação ajuizada pelo particular individual que tenham os mesmos objetos (pedido e causas de pedir próxima e remota).
Na situação acima narrada, o particular terá 02 (duas) opções: (01) requerer a suspensão de seu processo até o julgamento da ação coletiva. Em sendo a ação coletiva procedente, o particular poderá aproveitar a sentença; (02) Se, no entanto, o particular prejudicado optar por prosseguir com a sua ação individual (portanto em paralelo com a coletiva) e, por ventura, não obtiver êxito em sua empreitada (improcedência) não poderá ele se valer de eventual sentença de procedência prolatada na ação coletiva.
Percebe-se, portanto, que a coisa julgada em processo coletivo (difusos, coletivos e individuais homogêneos), em tese, não prejudica o indivíduo lesado seja a ação coletiva stricto sensu julgada procedente ou improcedente havendo ou não suficiente instrução probatória ressalvada, claro, a hipótese acima (a existência de ação ajuizada por um particular em já existindo uma ação coletiva lato sensu em trâmite).
Abordemos por fim, agora, o último assunto que nos interessa, que é a forma de execução da sentença prolatada em ação coletiva lato sensu.
VI – BREVÍSSIMOS APONTAMENTOS ACERCA DA EXECUÇÃO DE SENTENÇA PROLATADA EM SEDE DE AÇÃO COLETIVA LATO SENSU.
O Código de Defesa do Consumidor disciplina apenas a liquidação de sentença dos interesses ou direitos individuais homogêneos (preferencialmente por artigos). Não há, no entanto, prejuízo em aplicar esses dispositivos, no que couber, aos interesses ou direitos difusos e coletivos stricto sensu. Em última análise, tanto a liquidação como a execução das condenações havidas em ações coletivas são feitas individualmente.
O Código de Defesa do Consumidor silenciou quanto aos interesses difusos e coletivos stricto sensu, o que nos leva a concluir que apenas os interesses ou direitos individuais homogêneos foram priorizados. Logo, não existe procedimento especial para os interesses ou direitos difusos e coletivos stricto sensu podendo ser adotado a forma de liquidação que mais convir previsto no Código de Processo Civil.
A Outra hipótese de liquidação e execução de sentença ocorre na forma do artigo 100 do Código de Defesa do Consumidor. Trata-se, aqui, de uma liquidação e execução essencialmente coletiva.
Conclui-se, portanto, que pode haver, conforme o caso, a liquidação e execução da sentença coletiva e/ou a liquidação e execução coletiva da sentença.
A primeira hipótese, a mais comum, a liquidação e execução da sentença coletiva ocorrem, basicamente, de 02 (duas) maneiras: (a) pelos entes legitimados (v.g. art. 05º da Lei 7.347/1985 e art. 82 do CDC) ou; (b) de forma individual, promovida pelas vítimas ou seus sucessores, com o transporte in utilibus da coisa julgada oriundo do processo coletivo lato sensu objetivando a definição do quantum da reparação devida individualmente.
No caso proposto inicialmente, a ação coletiva requereu uma obrigação de fazer (recuperação in natura da área degradada, executando projeto de recuperação ambiental ou a compensação da área mediante a constituição de ecossistema equivalente, no caso de a primeira opção ser impossível, desproporcional, ou insatisfatória) e não fazer (cessar o descarte irregular de dejetos naquele rio), bem como também uma indenização por dano moral.
Uma vez procedente a ação inicia-se a fase de liquidação e execução da sentença pelos legitimados autorizados que farão fazer valer o comando da sentença (obrigação de fazer e não fazer), bem como também providenciará a destinação de eventual valor obtido a título de indenização para o fundo mencionado no artigo 13 da Lei 7.347/1985.
Mas, e como fica cada pescador lesado do nosso caso hipotético? Bom. Poderá ele se utilizar da sentença proferida em sede de ação coletiva (como causa de pedir remota) para fundamentar e justificar a sua habilitação de crédito. Trata-se do transporte in utilibus da coisa julgada.
Ou seja, forte na sentença de procedência obtida em sede de ação coletiva, poderá o indivíduo lesado habilitar seu crédito comprovando o ato, dano e o nexo causal. A liquidação, nesses casos, ocorrerá (a) ou por liquidação por artigos (artigo 475-E do CPC), (b) ou por liquidação por arbitramento (art. 475-C do CPC); (c) ou, em caso que envolver simples cálculo aritmético, com a apresentação de memória de cálculo (art. 475-B do CPC).
A liquidação dessa sentença não tem por objeto apenas a definição do valor da indenização (quantum debeatur). Pode ser incluído também, na habilitação, gastos e despesas não abarcados na sentença coletiva, mas, que foi necessário para, por exemplo, para o restabelecimento da saúde do lesionado tais como uma cirurgia e medicamentos.
Haverá, no entanto, situações em que o objeto da reparação dos danos não seja efetivo ou não traga os efeitos desejados para o fim que a ação se destinou. E, aqui, estamos diante da segunda hipótese, ou seja, da execução e liquidação coletiva da sentença que, para melhor elucidá-la, apresentaremos 02 (duas) situações: a primeira um pedágio que cobra, por engano (ou até mesmo de forma dolosa), R$ 0,05 (cinco centavos) à mais do preço regular dos usuários de determinada rodovia no período de um mês; a segunda um fornecedor de caviar indicar em sua embalagem o conteúdo de 100g (cem gramas) do produto mas, na verdade, o fabricante oferece somente 95g (noventa e cinco gramas) dessa iguaria.
Em ambas as situações, o direito violado é ínfimo ou quase que imperceptível frente a um consumidor individual o que, na prática, faz com que poucos (ou nenhum) consumidores corram atrás de seus direitos (habilitem seus crédiros). Mas, por outro lado, não há como passar despercebido o lucro obtido por ambos os agentes (enriquecimento sem causa). Lucro esse que, de centavo a centavo, pode se constituir em um vultoso valor. Se isso ocorrer (poucos interessados em reaver o seu crédito) há uma solução dada pelo Código de Defesa do Consumidor.
Se, no entanto, no prazo de 01 (hum) ano (a meu ver a se contar do trânsito em julgado da sentença genérica) não houver habilitação de interessados suficientes à compatibilidade da extensão e da gravidade do dano, poderão os legitimados do artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor promover a execução dessa sentença na forma do artigo 100 do mesmo codex (fluid recovery). Por toda a interpretação do sistema processual coletivo brasileiro o prazo de 01 (hum) ano não deve ser interpretado como decadencial.
O legitimado, em executando a sentença genérica, requererá ao magistrado a fixação de um valor a título de indenização tendo como parâmetro o dano global causado e este produto terá como destino o fundo criado pelo artigo 13 da Lei 7.347/1985. Portanto, este artigo (13 da Lei 7.347/1985) tem aplicação residual frente ao sistema coletivo processual brasileiro porque essa indenização tem gins diversos dos reparatórios.
Note que a necessidade e a legitimidade para a execução e liquidação coletiva da sentença surgem se não existir interessados em número proporcional à lesão no prazo de 01 (hum) ano. É, portanto, essa modalidade, residual. Subsidiária.
VII – DO EXAME SOBRE A DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL ACERCA DO CABIMENTO DO DANO MORAL TRANSINDIVIDUAL EM AÇÕES COLETIVAS LATO SENSU.
Uma vez analisados alguns conceitos do processo coletivo brasileiro e o instituto do dano moral passar-se-á, agora, à análise jurisprudencial acerca da possibilidade de aplicação, ou não, do dano moral em ações coletivas lato sensu. A jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça ainda não pacificou o entendimento acerca desse tema.
A 01ª Turma do Colendo, por exemplo, entende não caber reparação de dano moral transindividual sob a justificativa de que não existe sofrimento negativo coletivo. É o que se pode observar nos autos do Recurso Especial n.º 598281/MG[43] de Relatoria do Excelentíssimo Ministro Luiz Fux.
Os Excelentíssimos Ministros Luiz Fux, D.D. Relator, bem como também o Excelentíssimo Ministro José Delgado tiveram os seus votos vencidos ao darem provimento ao Recurso Especial interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais para condenar os recorridos ao pagamento de dano moral transindividual decorrente da ilicitude da conduta dos réus para com o meio ambiente. Ambos entenderam, na essência, que “[…] o dano moral ambiental caracterizar-se-á quando, além dessa repercussão física no patrimônio ambiental, sucede ofensa ao sentimento difuso ou coletivo – v.g.: o dano causado a uma paisagem causa impacto no sentimento da comunidade de determinada região, quer como v.g; a supressão de certas árvores na zona urbana ou localizadas na mata próxima ao perímetro urbano”.
E assim concluíram: “[…] Consectariamente, o reconhecimento do dano moral ambiental não está umbilicalmente ligado à repercussão física no meio ambiente, mas, ao revés, relacionado à transgressão do sentimento coletivo, consubstanciado no sofrimento da comunidade, ou do grupo social, diante de determinada lesão ambiental. Deveras, o dano moral individual difere do dano moral difuso e in re ipsa decorrente do sofrimento e emoção negativas. Destarte, não se pode olvidar que o meio ambiente pertence a todos, porquanto a Carta Magna de 1988 universalizou este direito, erigindo-o como um bem de uso comum do povo. Desta sorte, em se tratando de proteção ao meio ambiente, podem co-existir o dano patrimonial e o dano moral, interpretação que prestigia a real exegese da Constituição em favor de um ambiente sadio e equilibrado. […].”
Por outro lado, os demais eminentes Ministros Teori Albino Zavascki, Denise Arruda e Francisco Falcão votaram por negar provimento ao recurso ao entenderem que o dano ambiental não comporta, em sua generalidade, a responsabilização por dano moral do agente causador da ofensa ao meio ambiente, porquanto para a condenação em dano moral, faz-se impositiva a comprovação de que o estrago alcançou a órbita subjetiva de terceiros, atingindo uti singuli a pessoa, de forma a lhe causar desconforto de caráter individual.
Na mesma linha de raciocínio, a doutrina justifica a sua posição no sentido de que é necessária a vinculação do dano moral à noção de dor e sofrimento psíquico, o que são incompatíveis á noção de coletividade. A propósito, o agora Ministro do Excelso Pretório, o Dr. Teori Zavascki defende que: “[…] a vítima do dano moral é, necessariamente, uma pessoa. É que o dano moral envolve, necessariamente, dor, sentimento, lesão psíquica, afetando ´a parte sensitiva do ser humano, como a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas´, ou seja ´tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado´. Assim, não se mostra compatível com o dano moral a ideia de transidividualidade (= da indeterminabilidade individual do sujeito passivo e da indivisibilidade da ofensa e da reparação) da lesão ao direito lesado.”[44]
Da mesma opinião compartilha Rui Stoco ao posicionar-se no sentido de que “[…] não existe ´dano moral ao meio ambiente´. Muito menos ofensa aos mares, tios, à Mata Atlântica, ou mesmo agressão moral a uma coletividade ou a um grupo de pessoas não identificadas. A ofensa moral sempre se dirige à pessoa enquanto portadora de individualidade própria; de um vultus singular e único. Os danos morais são ofensas aos direitos da personalidade, assim como o direito à imagem constitui um direito de personalidade, ou seja, àqueles direitos da pessoa sobre ela mesma. […] Ressuma claro que o dano moral é personalíssimo e somente visualiza a pessoa, enquanto detentora de características e atributos invioláveis. Os danos morais dizem respeito ao foro íntimo do lesado, pois os bens morais são inerentes à pessoa, incapazes,por isso, de subsistir sozinhos […] Do que se conclui mostra-se impróprio, tanto no plano fático como sob o aspecto lógico-jurídico, falar em dano moral ao ambiente, sendo insustentável a tese de que a degradação do meio ambiente por ação do homem conduza, através da mesma ação judicial, à ação de reconstituí-lo, e, ainda, de recompor o dano moral hipoteticamente suportado por um número indeterminado de pessoas.”[45]
Além disso, sustentam que a coletividade não goza de personalidade jurídica, logo, não seria possível aferir a dor, o abalo psíquico e moral da coletividade.
A 03ª Turma do Colendo Superior Tribunal de Justiça, por outro lado, entende ser cabível o dano moral transindividual conforme se verifica nos autos do Recurso Especial n.º 636.021/RJ[46], de Relatoria da Excelentíssima Ministra Nanci Andrighi que, em seu voto, expôs as seguintes considerações: Estabelecida essa primeira premissa, segundo a qual a existência em nosso sistema legal dos interesses difusos e coletivos é inquestionável diante do expresso reconhecimento legal, deve-se analisar o conceito de dano moral. […] Constrói-se, assim, uma segunda premissa de fundamental importância para o deslinde da presente controvérsia. O dano moral corresponde, hoje em nosso sistema legal, à lesão a um bem não suscetível de avaliação em dinheiro. […] Ora, se por um lado, a coletividade não goza de personalidade jurídica e se, por outro, há bens de sua titularidade que são insuscetíveis de valoração econômica, como, por exemplo, o ar, o equilíbrio ambiental e a sobrevivência de uma espécie animal, não há que se falar, em regra, de patrimônio – no sentido tradicional – difuso ou coletivo. A conseqüência que se extrai dessa conclusão é que a lesão a um bem difuso ou coletivo corresponde a um dano não-patrimonial e, por isso, deve encontrar uma compensação, permitindo-se que os difusamente lesados gozem de um outro bem jurídico. Não se trata, portanto, de indenizar, porque não se indeniza o que não está no comércio e que, portanto, não tem preço estabelecido pelo mercado. A degradação ambiental, por exemplo, deve ser compensada, pois a perda do equilíbrio ecológico, ainda que temporária, não pode ser reduzida a um valor econômico. Mesmo que possa se identificar o custo da despoluição de um rio, não se precifica a perda imposta à população ribeirinha que se vê impossibilitada, durante meses, de nadar em suas águas outrora límpidas. Por tudo isso, deve-se reconhecer que nosso ordenamento jurídico não exclui a possibilidade de que um grupo de pessoas venha a ter um interesse difuso ou coletivo de natureza não patrimonial lesado, nascendo aí a pretensão de ver tal dano reparado. Nosso sistema jurídico admite, em poucas palavras, a existência de danos extra-patrimoniais coletivos, ou, na denominação mais corriqueira, de danos morais coletivos. […]”
A 02ª Turma do Colendo Superior Tribunal de Justiça também parece seguir a mesma linha da 03ª Turma, conforme se verifica nos autos do Recurso Especial n.º 1.057.274/RS[47], de Relatoria da Excelentíssima Ministra Eliana Calmon que, em seu voto, pondera que: “Não aceito a conclusão da 1ª Turma, por entender não ser essencial à caracterização do dano extrapatrimonial coletivo prova de que houve dor, sentimento, lesão psíquica, afetando "a parte sensitiva do ser humano, como a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas" (Clayton Reis, Os Novos Rumos da Indenização do Dano Moral, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 236), "tudo aquilo que molesta a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado" (Yussef Said Cahali, Dano Moral, 2ª ed., São Paulo: RT, 1998, p. 20, apud Clayton Reis, op. cit., p. 237), pois como preconiza Leonardo Roscoe Bessa: (…) a indefinição doutrinária e jurisprudencial concernente à matéria decorre da absoluta impropriedade da denominação dano moral coleitvo, a qual traz consigo – indevidamente – discussões realtivas à própria concepção do dano moral no seu aspecto individual.(apud Dano Moral Coletivo, p. 124) […] E não poderia ser diferente porque as relações jurídicas caminham para uma massificação e a lesão aos interesses de massa não podem ficar sem reparação, sob pena de criar-se litigiosidade contida que levará ao fracasso do Direito como forma de prevenir e reparar os conflitos sociais. A reparação civil segue em seu processo de evolução iniciado com a negação do direito à reparação do dano moral puro para a previsão de reparação de dano a interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, ao lado do já consagrado direito à reparação pelo dano moral sofrido pelo indivíduo e pela pessoa jurídica (cf. Súmula 227⁄STJ). Com efeito, os direitos de personalidade manifestam-se como uma categoria histórica, por serem mutáveis no tempo e no espaço. O direito de personalidade é uma categoria que foi idealizada para satisfazer exigências da tutela da pessoa, que são determinadas pelas contínuas mutações das relações sociais, o que implica a sua conceituação como categoria apta a receber novas instâncias sociais. (cf. LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental. do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 287). […] O dano moral extrapatrimonial deve ser averiguado de acordo com as características próprias aos interesses difusos e coletivos, distanciando-se quanto aos caracteres próprios das pessoas físicas que compõem determinada coletividade ou grupo determinado ou indeterminado de pessoas, sem olvidar que é a confluência dos valores individuais que dão singularidade ao valor coletivo. O dano moral extrapatrimonial atinge direitos de personalidade do grupo ou coletividade enquanto realidade massificada, que a cada dia mais reclama soluções jurídicas para sua proteção. É evidente que uma coletividade de índios pode sofrer ofensa à honra, à sua dignidade, à sua boa reputação, à sua história, costumes e tradições. Isso não importa exigir que a coletividade sinta a dor, a repulsa, a indignação tal qual fosse um indivíduo isolado. Estas decorrem do sentimento coletivo de participar de determinado grupo ou coletividade, relacionando a própria individualidade à idéia do coletivo. Assim sendo, considero que a existência de dano extrapatrimonial coletivo pode ser examinado e mensurado, tendo-se em consideração os requisitos de configuração do dano moral individual. […]”.
Há bens que não são suscetíveis de valoração econômica tais como a qualidade do ar, o equilíbrio ambiental, a sobrevivência de uma espécie animal etc.
A doutrina, então, defende que a lesão a um bem coletivo lato sensu corresponde a um dano não-patrimonial e, por isso, deve encontrar uma compensação/reparação pois esses bens difusos e/ou coletivos não se reduzem a um valor econômico. Essa, inclusive, foi a opção do legislador pátrio ao incluir o artigo 01º da Lei 7.347/85. Nesse sentido, o consagrado professor Hugo Nigro Mazzilli nos ensina que “[…] é possível reconhecer a presença de dano moral, mesmo que não haja dano patrimonial, como nos casos do art. 11 da Lei n.º 8.429/92. […] Não se justifica o argumento de que não pode existir dano moral coletivo uma vez que o dano moral estaria vinculado à noção de dor ou sofrimento psíquico individual. De um lado, os danos transindividuais nada mais são do que um feixe de lesões individuais, de outro, mesmo que se recusasse o caráter de soma de lesões individuais para o dano moral coletivo, seria necessário lembrar que hoje também se admite uma função punitiva na responsabilidade civil, o que confere caráter extrapatrimonial ao dano moral coletivo.”[48]
Conforme se verifica dos entendimentos até aqui expostos, o segundo maior Tribunal do país, bem como também a doutrina, divergem quanto à possibilidade ou não de aplicação dos danos morais transindividuais em sede de ações coletivas lato sensu. Se é assim em um Tribunal Excepcional, é certo que perante os demais tribunais da federação, nos juízos singulares e os operadores do direito enfrentam a mesma dificuldade.
VIII – CONCLUSÃO.
Após a análise de alguns dos institutos do direito processual coletivo brasileiro, uma breve visita a alguns institutos do direito civil e após uma análise jurisprudencial acerca do tema ora proposto tentar-se-á, agora, nessa parte conclusiva, responder as 02 (duas) questões inicialmente propostas na introdução, ou seja, se é possível (ou não) a aplicação do dano moral no âmbito dos processos coletivos lato sensu e, se positiva a primeira resposta, como indenizar adequadamente os lesados se o destino do produto da indenização, a priori, é o fundo previsto no artigo 13 da Lei 7.347/1985?
No que se refere á primeira pergunta, a resposta parece ser positiva, ou seja, vislumbra-se, sim, a possibilidade de aplicação do instituto do dano moral em ações coletivas lato sensu ainda que a coletividade não possua personalidade jurídica e/ou sentimento para ser abalado moralmente.
O fato de a coletividade não poder sofrer um dano que lhe cause dor, vexame, sofrimento ou humilhação de modo a atingir seu psicológico proporcionando-lhe a angústia e o desequilíbrio em seu bem-estar, não é impeditivo para o reconhecimento do dano moral em uma ação de natureza coletiva lato sensu. E por uma razão muito simples: se a coletividade não possui sentimento, os membros que a compõem, por outro lado, têm!
As pessoas que compõem a coletividade sujeitam-se a todas as perturbações decorrentes do ato ilícito. Em última análise, são elas que sentem todas as consequências do ato ilícito que podem ser graves, maléficas e até devastadoras.
Situações como o caso hipotético apresentado no início do presente trabalho (contaminação aquática por componentes químicos), infelizmente, ocorrem com certa frequência no mundo. Em termos de Brasil, cita-se 02 (dois) casos recentes.
O primeiro caso refere-se a 03 (três) galpões de propriedade da Copersucar (localizados aos redores do porto de Santos, São Paulo) que foram atingidos por um incêndio ocorrido na manhã do dia 18.10.2013 que consumiu uma quantidade estimada de 180.000,00 (cento e oitenta mil) toneladas de açúcar que lá estavam armazenados.[49]
A Companhia Ambiental do estado de São Paulo – CETESB, estimou que de 200 a 300 (duzentas a trezentas) toneladas do açúcar derretido (melaço) foram escoados diretamente no porto do canal de Santos percorrendo o leito do rio que nasce em Santa Adélia e corta os municípios de Pindorama, Catanduva, Catiguá e Uchoa até chegar ao Rio Turvo causando uma grande mortandade de peixes.[50]
Além do melaço formado por conta do incêndio, houve também uma grande quantidade de água residuária decorrente do combate ao incêndio. Dados preliminares, também da CETESB, estimaram que a extensão de contaminação é de 50 Km (cinquenta quilômetros) de Santa Adélia até Pindorama, onde o nível de oxigênio é de 0%. (zero por cento).[51]
A secretária de Meio Ambiente da cidade de Catanduva (Katia Casemiro Penteado), afirmou que “Já é considerada uma das maiores tragédias ambientais dos últimos tempos no Brasil. Toda a fauna aquática deste rio vai acabar. Com o passar do tempo podemos acelerar a recuperação do rio com a recolocação de peixes”[52]. Nem é preciso comentar que muitas pessoas dependem da atividade pesqueira no local. As consequências, no entanto, não se limitaram a isso. Ruas e casas ficaram ilhadas em caramelo. Isso sem contar o forte odor gerado pelo melaço.
Por conta do lançamento irregular de efluentes líquidos e de resíduos de açúcar, a CETESB aplicou uma multa à Copersucar de 10.000 (dez mil) UFESP´s, que equivale à quantia de R$ 193.700,00 (cento e noventa e três mil e setecentos reais).[53]
O segundo caso, de igual repercussão, ocorreu em meados de novembro de 2011 em que a sociedade empresarial americana Chevron foi a responsável pelo vazamento de óleo no campo de Frade, localizada na Bacia de Campos (Rio de Janeiro), em razão da abertura de fissuras durante atividades de perfuração. Estima-se que a mancha de óleo tenha alcançado 18 km (dezoito quilômetro) de extensão, cobrindo uma área de 11,8 km² (onze vírgula oito quilômetros quadrados).[54]
A Chevron assinou um Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público Federal na data de 13.09.2013, em que restou ajustado diversas obrigações de precaução e prevenção de novos incidentes, além de um investimento em melhorias compensatórias socioambientais na ordem de R$ 95.000.000,00 (noventa e cinco milhões).[55]
Em 2012, a Chevron também desembolsou a quantia de R$ 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões) à Agência Nacional de Petróleo (ANP) pelo vazamento causado. Além disso, o IBAMA aplicou uma multa de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais).[56]
Em um primeiro momento, pode até parecer que o valor a ser desembolsado (ou já desembolsado) pela Chevron no importe de R$ 180.000.000,00 (cento e oitenta milhões), sem considerar eventuais outras ações já existentes, parece ser desproporcional à área contaminada por óleo estimada em 18 km (dezoito quilômetro) de extensão cobrindo uma área de 11,8 km² (onze vírgula oito quilômetros quadrados).
Contudo, não se trata apenas da área atingida e danificada. Trata-se, pois, da degradação natural do local, da morte das espécies que ali viveram, da consequente contaminação delas pelo óleo, da movimentação do produto pelo mar em decorrência do vento aumentando potencialmente os riscos de maior dano ambiental, os prejuízos causados etc. Todos esses eventos (ou pelo menos a maioria deles), seguramente, não há preço que paguem.
Há, sem dúvidas, situações que parecem ser inconcebíveis deixar impune o infrator irresponsável que pouco fez, por exemplo, para contribuir com a diminuição dos impactos ambientais e, tampouco, cumpriu as normas vigentes para a preservação ambiental.
Logo, portanto, parece que o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 01º, inciso III da Constituição Federal) e a responsabilidade civil (dever de indenizar) são 02 (dois) fundamentos mais do que suficientes para se justificar a aplicação do dano moral transindividual. Isso sem falar na fundamentação constitucional (artigo 05º, incisos V e X e artigo 116, inciso VI).
Contudo, para que seja possível o reconhecimento do dano moral transindivual em processo coletivo, o legitimado deve pleitear tal pedido no sentido de se ser reconhecida a ocorrência desse instituto no caso em concreto (an debeatur). Os interessados, então, em fase de habilitação de crédito, comprovam o ato infrator, o dano sofrido e o nexo causal entre este e aquele apresentando, se o caso, um valor (quantum debeatur).
Em outras palavras, o legitimado deve requerer apenas o reconhecimento da ocorrência do dano moral e o valor ser liquidado ou apurado em fase posterior. Em se tratando de interesses ou direitos difusos e coletivos stricto sensu esse procedimento deve ser evitado. Em se tratando, por outro lado, de interesses ou direitos individuais homogêneos, o procedimento pode ser adotado com tranquilidade (artigo 95 do Código de Defesa do Consumidor).
Em ações coletivas que tenha por objeto interesses ou direitos difusos e coletivos stricto sensu deve-se, a todo custo, evitar o procedimento bifásico consistente em aferição do an debeatur e posterior fixação do quantum debeatur.
Nesses tipos de ações é a coletividade (ou o grupo, classe ou categoria) que faz parte do polo ativo. E, justamente por isso, que essas ações devem evitar pedidos em pecúnia para que a sentença proferida possa ser executada (o quanto antes) e não liquidada. Por isso, recomenda-se pedidos consistentes em obrigações de fazer não fazer. É que interessa muito mais à coletividade (ou à comunidade) a restituição do bem ao seu estado anterior do que obtenção de numerário como contrapartida da conduta lesiva. A compensação monetária, cada lesado poderá buscar em ação individual.
Não é, pois, por outra razão que a tutela ressarcitória ou compensatória só deve ser admitida subsidiariamente, quando inviável a recomposição dos interesses difusos e coletivos stricto sensu lesados.
As ações que versam sobre interesses ou direitos individuais homogêneos, de outra banda, objetivam a prolação de sentença que sejam aproveitadas pelos indivíduos lesionados. A intenção é que a sentença sirva como um título executivo (ainda que representativo de obrigação ilíquida). De modo que, se não for possível, de forma simples, a determinação do nexo causal do direito individual e daquele que seria reconhecido na sentença coletiva, não haverá interesse de agir para a ação individual.
É preciso, agora, fazer um parêntese muito importante antes de prosseguir com a conclusão: a floresta destruída, a espécie animal extinta, o rio poluído etc. não possuem personalidade jurídica, sentimento e psíquico a serem abalados. Logo, portanto, a ação coletiva com pedido de dano moral objetivando a reconstituição do bem lesado não parece ser possível.
Não é possível aferir a dor, o abalo psíquico e o dano moral da coletividade que varia de acordo com a concepção de cada indivíduo que a compõe. O que pode ser mais gravoso para um pode não ser tanto para o outro. Tampouco há como estimar ou reduzir a um valor econômico a perda ambiental como, por exemplo, a extinção de uma espécie, a floresta destruída ou o rio poluído.
Ainda que fosse possível, como se chegar a um valor correto de dano moral ambiental, por exemplo? Como chegar a um valor justo e razoável que não ficará aquém ou que não suplante as pretensões de todos os lesados e que ainda dê para reconstruir o bem lesado?
Os critérios existentes para a apuração do dano moral são variados, mas, nenhum deles, no entanto, levam a um valor comum. Vale relembrar esses critérios: o jurisprudencial (método bifásico do Colendo Superior Tribunal de Justiça); e o doutrinário (extensão do dano – art. 944 do Código Civil, grau de culpa do agente e contribuição causal da vítima – art. 944, § único e 945 ambos do Código Civil, condições gerais dos envolvidos (econômicas, financeiras, culturais, sociais), a vedação do enriquecimento sem causa etc.). Modernamente, uma parte da comunidade jurídica vem considerando também o caráter pedagógico e educativo da indenização (punitive damages).
Todos os critérios ora expostos são utilizados tanto pela doutrina como pela jurisprudência, cada um a seu modo, na tentativa de se fixar um valor a título de indenização. Com efeito, pode se concluir, com certa segurança, que é impossível se chegar a um valor unânime às partes utilizando-se deste e daquele critério ou daquele além deste e mais o outro. A fixação do valor a título do dano moral cairá sempre no subjetivismo e dependerá do sentimento do operador do direito ou do magistrado.
Sempre haverá uma celeuma. A parte que vai pagar achará excessivo o valor e a que percebeu o dano se sentirá insatisfeita. E a mesmíssima situação, em outra cultura, poderá resultar, não raras vezes, em valore diferente a título de condenação.
Talvez para o fim de reconstituição do bem lesado, um pedido de indenização por danos materiais parece ser mais adequado (ainda que não recomendável esse tipo de pedido conforme já exposto). Aliás, um pedido de obrigação de fazer (recuperação in natura da área degradada, executando projeto de recuperação ambiental ou a compensação da área mediante a constituição de ecossistema equivalente, no caso de a primeira opção ser impossível, desproporcional, ou insatisfatória) e/ou um pedido de obrigação de não fazer (cessar a atividade lesiva) parece(m) ser mais coerente(s) em ações que versem sobre ações que tratam de direitos difusos e coletivos stricto sensu.
É preciso, por oportuno, esclarecer que não há contradição nessa parte conclusiva. O dano moral transindividual pode ser reconhecido em sentença de modo a favorecer os individualmente lesados (direitos individuais homogêneos). Estes, se quiserem, podem se utilizar da sentença coletiva como causa de pedir remota em sua ação individual (transporte in utilibus da coisa julgada).
O pedido de dano moral para fins de reconstituição do bem lesado, por outro lado, parece não ser possível (talvez o pedido de dano material, sim). Mas, repita-se, que esse tipo de pedido não se figura como recomendável em sede de ação coletiva, a não ser que se trate de interesses ou direitos individuais homogêneos (artigo 95, do Código de Defesa do Consumidor).
Os órgãos existentes (aqui foram citados o IBAMA, a CETESB e a ANP) aplicam as multas que bem podem atender o fim de reconstruir o bem lesado e a persuadir o infrator a não mais cometer a mesma infração. É importante relembrar que a multa tem caráter administrativo ou penal ao causador do dano, que são manifestações do poder sancionador monopolizado pelo Estado. A indenização por danos morais, por sua vez, tem uma função eminentemente reparatório e está dentro do âmbito da responsabilidade civil.
É importante frisar que os valores arrecadados em pagamento de multas por infração ambiental são revertidos ao Fundo Nacional do Meio Ambiente, Fundo Naval, fundos estaduais ou municipais de meio ambiente, ou correlatos, conforme dispõe o órgão arrecadador (artigo 73, da lei n.º 9.605/1998). As multas aplicadas pelos órgãos estaduais e municipais de meio ambiente têm suas destinações estabelecidas por leis estaduais e municipais.
O Fundo Nacional do Meio Ambiente – FNMA – é o mais antigo fundo ambiental da América Latina. Cuida-se de uma unidade do Ministério do Meio Ambiente (MMA), criado pela lei n.º 7.797/1989, com a missão de contribuir, como agente financiador, por meio da participação social, para a implementação da Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA.
Indenização e multa podem ser cumuladas desde que se suponha que a indenização supõe dano e que a aplicação de penas supõe lei prévia que estabeleça seu conteúdo e as hipóteses de incidência.
Com as considerações até aqui expostas, a segunda pergunta, ou seja, “como indenizar adequadamente os lesados se o destino do produto da indenização, a priori, é o fundo previsto no artigo 13 da Lei n.º 7.347/1985?” já pôde ser parcialmente respondida cabendo, ainda, ser complementada.
Em primeiro lugar, é importante registrar que o fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais a que se refere o artigo 13 da Lei n.º 7.347/1985 é o Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD) que tem por finalidade a reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico, por infração à ordem econômica e a outros interesses difusos e coletivos (artigo 01º, § 01º, da Lei n.º 9.008/1995).
Os recursos arrecadados pelo FDD são aplicados na recuperação de bens, na promoção de eventos educativos, científicos e na edição de material informativo especificamente relacionados com a natureza da infração ou do dano causado, bem como na modernização administrativa dos órgãos públicos responsáveis pela execução das políticas relativas às áreas mencionadas no §1º, do artigo 01º da Lei n.º 9.008/1995 (artigo 01º, § 03º, da Lei n.º 9.008/1995).
A ideia de que se “o produto da indenização for destinado a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais não irá compensar ou amenizar toda a dor e sofrimento causados às famílias ou os pescadores individuais pelo ato infrator no caso hipotético proposto” deve ser afastada. Vejamos, nas próximas linhas, as razões.
A primeira porque o individualmente lesado, via de regra, não será prejudicado. A ele estará reservado o direito de ação com fundamento no artigo 05º, inciso XXXV da Constituição Federal.
Quando muito, pode existir uma ação coletiva já em trâmite. Nessa hipótese, o particular será a intimado a dizer se requer a suspensão da ação dele até o julgamento da ação coletiva ou se prefere prosseguir de forma independente. Se o particular optar em prosseguir com sua ação individual, não poderá ele aproveitar a sentença coletiva em caso de procedência. Se no entanto, o indivíduo lesado optar em suspender a sua ação até o julgamento do processo coletivo e esta for improcedente, não terá ele prejuízo, podendo prosseguir com a ação individual.
A segunda razão, os órgãos já existentes (PROCON, IBAMA, ANP, CETESB etc.) já atuam aplicando multas perante todo o território nacional para punir e dissuadir o infrator a cometer o mesmo erro.
A terceira razão é que o produto da indenização somente irá para o fundo previsto no artigo 13 da Lei n.º 7.347/985 caso o número de lesados habilitados sejam ínfimos frente aos danos causados (artigo 100 do Código de Defesa do Consumidor). Ou seja, essa ocorrerá apenas residualmente. De forma subsidiária se, dentro do prazo de 01 (hum) ano, não surgir interessados suficientes. Ainda, sim, os legitimados agirão para encontrar um valor a ser destinado ao fundo.
A quarta razão, o infrator poderá responder, além de civil, criminalmente se o ato infrator estiver tipificado como crime.
Numa sociedade em que os direitos de personalidade são lesados dia após dia, reiteradamente, em detrimento de interesses financeiros, a sanção privada se apresenta como resposta almejada, no intuito ter não só seus danos restaurados, mas também, de garantir que foi dada ao infrator uma pena suficiente para dissuadi-lo de repetir a conduta ofensiva ou passiva. A sanção privada, portanto, é a resposta que a população hodierna almeja, de modo a afastar o sentimento de impunidade que é inerente em nossa sociedade sendo, portanto, aplicável no âmbito das ações coletivas lato sensu.
Essas são, enfim, as conclusões a que se chegam sobre o tema com a certeza de não tê-lo exaurido e de estar longe de uma resposta unânime (que dirá correta) por conta do complexo sistema processual coletivo e da grande divergência jurisprudencial sendo, pois, naturais as críticas construtivas ou destrutivas que podem surgir.
Advogado. Mestrando em direitos Difusos e Coletivos e especialista em direito Processual Civil pela PUC/SP. Cursa LL.M. em Direito Empresarial pelo IICS. Também possui diversos cursos de atualização e extensão em gestão de conflitos, Processo Civil, Direito Civil, e Direito do Consumidor
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