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Considerações sobre direito de morrer

Resumo: O que se pretende com o presente artigo é relatar a possibilidade de o indivíduo exercer sua autonomia privada diante de um futuro estado vegetativo, optando por morrer ou continuar vivendo de maneira artificial, ou seja, através de aparelhagens. O ordenamento jurídico brasileiro não permite que ocorra o desligamento dos aparelhos de uma pessoa no estado vegetativo, para tanto, propõe-se ainda, que a eutanásia seja permitida, assegurando ao indivíduo o exercício de seus ideais, de sua vontade, considerando assim seus direitos fundamentais, uma vez que viver com dignidade não significa viver a qualquer custo, mas ter uma vida digna, saudável e consciente.

Palavras-chaves: direito – morte – eutanásia – vontade – autonomia – privada

Abstract: The intention with this article is to report the possibility of the individual to exercise their private autonomy in a future vegetative state, choosing to die or continue living in an artificial manner, ie, via appliances. The Brazilian legal system does not allow the shutdown occurs appliances from a person in a vegetative state, therefore, it is proposed also that euthanasia is allowed, ensuring the individual exercise of his ideals, his will, thus considering their rights fundamental, since living does not mean living with dignity at any cost, but have a decent life, healthy and conscious.

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Keywords: right – death – euthanasia – will – self – private

1.INTRODUÇÃO

Vivemos em uma sociedade diversificada culturalmente, de várias raças, religiões, idades, onde nem todos possuem visão única e absoluta, as pessoas possuem pensamentos e opiniões conflitantes, e com o intuito de acompanhar a maneira de pensar e de agir da sociedade, ou seja, com a intenção de participar do desenvolvimento da humanidade, a ciência do Direito também se modifica de forma a regular tal desenvolvimento.

Atualmente, o mundo tem evoluído de maneira acelerada, principalmente na área das ciências médicas e biológicas, os seres em constante evolução, realizam pesquisas científicas, como consequência, novas descobertas que auxiliam na qualidade da vida humana até mesmo no seu prolongamento, pois as pessoas geralmente temem a morte, não a aceita de forma natural e certa, por isso médicos e cientistas estão sempre buscando a cura para todos os males almejando prolongar a vida, porém se esquecem que para a morte não tem cura, ela será inevitável ocorrendo prévia ou tardiamente.

Existe o direito à vida, existiria também um direito de morrer? Ou deveria haver um prolongamento da vida a qualquer custo?

A vida não pode se transformar em um dever, apesar de ser protegida como um bem supremo, como um direito fundamental e principal, os seres humanos possuem autonomia, liberdade de escolha, sendo assim, poderiam optar, dependendo do caso concreto, em continuar vivendo ou morrer, afinal, viver bem não significa viver muito, mas sim viver de forma digna, pois a vida é singular, subjetiva, é feita de inúmeras sensações, é dinâmica e intensa, não podendo ser resumida a mero funcionamento do organismo, portanto, caberá ao indivíduo, de acordo com seus pensamentos e conceitos de vida, de dignidade, exercer sua autonomia privada caso esteja em um estado deplorável de vida vegetativa, onde aparelhagens médicas possibilitam que o organismo humano continue ativo, escolhendo até quando deseja viver.

As disposições de vontade do indivíduo (com plena capacidade) deverão ser consideradas, quanto a não submissão a tratamento ou até mesmo a não continuidade de uma vida artificial, respeitando-se o grande pilar do Estado Democrático de Direito, qual seja, a dignidade da pessoa humana, aceitando dessa forma a eutanásia como um procedimento natural, uma maneira de efetivar muita das vezes a vontade do indivíduo. Sendo assim, o sistema jurídico nacional deveria permitir e positivar a prática de eutanásia.

1.1. EUTANÁSIA ESTUDO COMPARATIVO

Diversos povos da antiguidade tinham como hábito dar fim a vida das pessoas, muitas das vezes os familiares por esses estarem velhos e doentes.

“Na Índia antiga, os incuráveis de doenças eram atirados no Ganges, depois de terem a boca e as narinas vedadas com lama sagrada. […] Na Idade Média, dava-se aos guerreiros feridos um punhal afiadíssimo, denominado misericórdia, que lhes servia para evitar o sofrimento prolongado da morte e para não caírem nas mãos do inimigo. O polegar para baixo dos Césares era uma permissão à eutanásia, facultando aos gladiadores uma maneira de fugirem da morte agônica e da desonra.” (SÁ; NAVES, 2011: 311)

Talvez esse ato provoque repulsa em muitas pessoas de cultura diferente, gere até mesmo discussões, mas em tais atitudes estavam implícitos valores sociais, culturais e religiosos que deveriam ser respeitados já que se vivia em uma sociedade que acreditava ser essa a melhor opção. Alguns países tratam com naturalidade a eutanásia e já a positivaram em sua legislação:

“O Uruguai, em 1934, incluiu a possibilidade da eutanásia no seu Código, através da possibilidade do "homicídio piedoso". Esta legislação uruguaia possivelmente seja a primeira regulamentação nacional sobre o tema. Vale salientar que esta legislação continua em vigor até o presente. A doutrina do Prof. Jiménez de Asúa, penalista espanhol, proposta em 1925, serviu de base para a legislação uruguaia.” (GOLDIM, 2010: 01).

Outros países também não responsabilizam criminalmente aquele que retira a vida de um paciente terminal, desde que haja prévio consentimento desse; como amostra, cita-se a Corte Colombiana: “Em 1997, a Corte Constitucional da Colômbia abriu uma exceção ao Código ao isentar de responsabilidade criminal aquele que tira a vida de um paciente terminal com o seu prévio consentimento.” (RÖHE, 2004: 08).

Passemos então para um breve conceito de Eutanásia, que significa a prática pela qual terceira pessoa, na maioria das vezes com formação médica, busca abreviar sem dor ou sofrimento a vida de um enfermo incurável ou em estado terminal. Tal prática ainda não possui amparo legal. É a conduta onde o médico emprega meios eficientes para produzirem a morte em paciente incurável e em estado de grave sofrimento, diferente do curso natural, abreviando-lhe a vida.

Eutanásia não é um suicídio assistido (hipótese em que o indivíduo orientado ou auxiliado por terceiros ou pelos médicos, pratica sua morte), mas sim uma aceitação de sua condição humana e o desejo de não receber um tratamento que não condiz com os resultados. Nesse caso, não estará o médico, por exemplo, desvirtuando-se de sua finalidade humanitária, nem atentando contra a dignidade do ser humano, ao contrário, o profissional da saúde estará respeitando o livre arbítrio de seu paciente, cumprindo uma vontade do mesmo, ajudando-o a ter uma morte digna, já que essa é iminente e inevitável, afinal é dever do médico, atenuar as angústias e os horrores da agonia quando se apresentem, não havendo obrigação de prolongar a vida indefinidamente, em uma luta incessante contra a morte, ficando o paciente submetido a equipamentos eletrônicos, perdendo sua qualidade de vida humana, sua identidade.

É necessário distinguir a eutanásia (conceito supracitado) da distanásia, que no sentido vernacular significa “morte lenta, com grande sofrimento”; seria um prolongamento artificial da vida ao máximo e a qualquer custo, garantindo quantidade e não qualidade da vida humana. Impõe o que se denomina tratamento fútil, ou seja, um tratamento inútil, sem resultados. Tal tratamento não é aconselhável por muitos autores, por exemplo, Léo Pessini que considera:

“No curso de uma doença que não pode ser curada e quando a morte está próxima e é inevitável, existem situações em que prolongar a vida não é aconselhável. Prolongar a vida a todo custo pode ser desumano para os pacientes. Isso tem sido reconhecido desde a introdução da terapia intensiva na segunda metade do século XX. De outra forma, o abençoado progresso da medicina facilmente se transformaria numa maldição se negasse o que chamamos de morte com dignidade. Isso significa que a responsabilidade do médico não se limita a sustentar a vida, mas abarca também o dever de oferecer cuidados paliativos se manter a vida não é mais razoável. Se um tratamento torna-se não razoável não significa que todo o tratamento vá ser interrompido. Significa uma mudança de objetivos de tratamento. Neste ponto, quando uma terapia é interrompida, os objetivos do tratamento devem ser definidos novamente. Manter a vida não é mais o objetivo principal, e alívio e cuidados humanos passam a ser as preocupações exclusivas”. (PESSINI, 2001: 100).

Observamos com a citação acima que a distanásia somente prolongaria um sofrimento desnecessário, visto que, a doença já não tem mais cura e a morte é inevitável, o médico estaria sustentando uma agonia enquanto poderia aliviar possíveis dores, até mesmo dos familiares que veem o paciente em tal situação. Assim, o médico não deixaria de exercer o seu dever, qual seja, oferecer o tratamento adequado a cada caso, sendo que, nos casos de eutanásia, estaria também preservando por inteiro e de pronto a dignidade do paciente.

1.2. AUTONOMIA DA VONTADE VERSUS AUTONOMIA PRIVADA

Autonomia seria a autoderteminação do homem, ou seja, sua liberdade para tomar decisões, todo o movimento psicológico destinado a um fim específico. A autonomia da vontade tem início por volta do século XVIII com a evolução do comércio e da indústria principalmente na Europa, como forma de facilitar transações individuais e consequente circulação de riquezas. Nessa época, o Estado apenas fixava regras básicas para a economia, sendo assim, os indivíduos possuíam plena liberdade negocial, ficando, muitas vezes, entregues a própria sorte.

Em tal período histórico, pode-se destacar a figura de um Estado liberal, onde a autonomia da vontade é entendida como a não intervenção do estado na esfera individual, aquilo que fosse estabelecido em função dessa autonomia deveria se respeitado.

 Com o surgimento do Estado social se observou que a não intervenção poderia ser um manancial de injustiças, ou seja, o mais forte econômica e culturalmente poderia se sobrepor de maneira desmedida frente a seu semelhante, logo a preocupação se volta a atender aos reclamos não somente de um indivíduo, mas de toda a coletividade; a autonomia da vontade recebe assim nova roupagem, passando a se denominar autonomia privada.

Devido ao nascimento da autonomia privada o que ocorre é uma releitura da autonomia da vontade, tornando essa menos subjetiva, estabelecendo regras para o comportamento dos agentes, a fim de impor-lhes limites em prol das necessidades/ interesses sociais, da justiça material e da valorização dos seres humanos como foco do ordenamento jurídico brasileiro.

Então, a autonomia da vontade é um fenômeno meramente volitivo, de dentro para fora. Já a autonomia privada, há um condicionamento da vontade a fatores externos e jurídicos para se evitar o arbítrio individual; procurando conciliar a autonomia pessoal com os interesses sociais, os deveres e responsabilidades que o ser humano deve possuir, assim, na atualidade se permite o indivíduo atuar em todos os ramos do direito exercendo a sua autonomia, desde que não se choque com normas do ordenamento, as quais prevalecerão em caso de conflito.

Assim, o que se pretende é demonstrar que as disposições de última vontade do indivíduo devem ser respeitadas e fazem parte de sua autonomia privada, já que o nosso ordenamento não condena essa possibilidade de exercício de um direito a qual se consubstancia em submeter a tratamento ineficaz, somente para prolongar uma vida já condenada ao fim.

2. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O DIREITO DE MORRER

Até quando deverá se prolongar a vida exageradamente causando atroz sofrimento ao paciente? Prolongar um tratamento inútil de um paciente em fase terminal será dever de um profissional da saúde? De acordo com Maria Helena Diniz, pode-se dizer que não, a prática da distanásia gera efeitos nocivos, pois a cura é impossível e o benefício esperado é menor do que os males causados pelo processo terapêutico, seria então, um tratamento fútil.

Todos os seres humanos possuem direito a vida, porém, “[…] o direito à vida é por vezes referido sob um modo qualificado, num sentido amplo, a abranger não apenas a preservação da existência física, mas designando, além disso, um direito a uma vida digna.” (MENDES, 2009: 400).

A vida é considerada pelo ordenamento jurídico como um bem indisponível, ou seja, o Estado a preserva acima de qualquer outro vetor, porém, dada peculiaridade de determinada situação brota a teoria de disponibilidade da vida, já que o Direito é uma ciência inexata e de evolução constante, nos permite, no caso concreto, aplicar tal teoria com base em um princípio que rege e orienta todo o Estado de Direito, que é o princípio da dignidade da pessoa humana.

A CRFB/88 traz em seu artigo 1º, inciso III, como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana.” (BRASIL, 2012: 21). Ou como podemos ler em Regina Maria Macedo Nery Ferrari: “A expressão ‘dignidade humana’ não é uma fórmula única e fechada, mas um conceito vago e indeterminado, na medida em que é possível reconhecer que está em constante processo de desenvolvimento e construção.” (FERRARI, 2011: 569).

Observa-se que não há possibilidade de restringir ou mesmo ponderar a dignidade, pois é um campo amplo, livre, porém, adequado à realidade e a razoabilidade.

Ter dignidade não quer dizer possuir condições materiais básicas para a existência, ou seja, não significa possuir apenas o mínimo existencial, pois esse corresponde, tão somente, a uma parcela do que compõe a dignidade da pessoa humana, uma vez que é evidente que as pessoas necessitam muito mais que o “mínimo existencial”, almejam qualidade de vida, bem estar, afinal pode se considerar medíocre nivelar a vida pelo mínimo. Além do mais, “[…] quando a Carta de 1988 consagrou o princípio da dignidade da pessoa humana – tornando-se a primeira Constituição brasileira a reconhecê-lo expressamente – foi aberta uma porta, não só para o direito a uma vida digna, também para o direito de morrer com dignidade.” (RÖHE, 2004, p.31).

Considerando o princípio da dignidade da pessoa humana, é possível apresentar um direito antagônico ao direito à vida, qual seja o direito de morrer, pois a CF/ 88 em um contexto geral preserva não só a vida, mas a vida digna, respeita o ser humano em si, zelando também pela individualidade e liberdade de escolha de cada um.

2.1. EUTANÁSIA: O DIREITO DE MORRER

Quando fica evidenciado que para a doença não existe mais tratamento com a possibilidade de cura, pois existem apenas tratamentos paliativos, que não permitam a recuperação mas estacionam a doença, a dor, um intolerável estado vegetativo, onde somente algumas funções fisiológicas ainda persistem e nada mais além disso, quando haja irreversibilidade e permanência da situação, insuficiência global e profunda de faculdades psíquicas, ausência total de vida consciente, onde o enfermo não pode mais compreender seus atos e nem dirigir suas ações; os médicos poderiam praticar a eutanásia com o prévio consentimento do paciente, que não estarão negando seus cuidados, mas sim auxiliando-os em uma “boa morte”, uma morte digna.

“Uma ‘boa morte’ conduz ao direito ao alívio da dor e do sofrimento inútil; ao direito de escolher onde morrer e como morrer. Significa dar amparo físico e espiritual nos momentos finais.” (RÖEH, 2004: 31).Atuando de tal forma, o médico estará agindo por compaixão, dando ao paciente incurável a possibilidade de morrer com nobreza e integridade. “Por sua vez, quando se refere ao direito de morrer, não se procura alcançar a morte a qualquer custo, e sim a permissão para morrer com serenidade e dignidade humana.” (RÖEH, 2004: 17).

 O que importa não é a quantidade de vida, mas sim sua qualidade. O estado vegetativo não traz qualidade de vida, pois os pacientes vegetam, ficam inanimados, inertes, não apresentando resposta a estímulos externos, porém, ainda não apresentam estado de morte cerebral, a pessoa está fisiologicamente viva, mas durante meses, anos, permanece alheia, incapaz de esboçar qualquer reação, qualquer comportamento intencional, não tendo nenhuma consciência. O estado vegetativo é a mais frustrante das condições humanas.

Os pacientes podem sorrir, chorar, fechar e abrir os olhos, emitir barulhos, gemidos, porém, são apenas reflexos do córtex cerebral e não tem relação consistente com estímulos; a pessoa pode permanecer nesse estado durante anos e os que estão ao seu redor, como por exemplo, familiares, devido a tais sinais de aparente vida, se equivocam e, infelizmente acabam alimentando falsas esperanças de melhora do paciente.

2.2. TESTAMENTO VITAL: O MEIO DE UM DIREITO A MORTE COM DIGNIDADE E AUTONOMIA

“As diretivas antecipadas surgiram nos Estados Unidos, no final da década de 1960 e, desde então, são entendidas como gênero, do qual são espécies o testamento vital e o mandato duradouro.” (BOSTIANCIC; PENALVA, 2010: 181). O testamento vital é um documento em que a pessoa determina que tipo de tratamento deseja se submeter em estado incurável ou terminal.

“O testamento vital consiste num documento, devidamente assinado, em que o interessado juridicamente capaz declara quais tipos de tratamentos médicos aceita ou rejeita, o que deve ser obedecido nos casos futuros em que se encontre em situação que o impossibilite de manifestar sua vontade, como, por exemplo, o coma. Ao contrário dos testamentos em geral, que são atos jurídicos destinados à produção de efeitos post mortem, os testamentos vitais são dirigidos à eficácia jurídica antes da morte do interessado.” (GODINHO, 2010: 01).

O mesmo texto, ainda esclarece:

“Em 2009, no Uruguai, foi aprovada a lei que instituiu naquele país o denominado "testamento vital", também conhecido como "declaração de vontade antecipada", já admitido em alguns países europeus e nos Estados Unidos, onde se consagrou o "living will". A lei uruguaia, de número 18.473, contém onze artigos, estabelecendo o primeiro deles que toda pessoa maior de idade e psiquicamente apta, de forma voluntária, consciente e livre, pode expressar antecipadamente sua vontade no sentido de opor-se à futura aplicação de tratamentos e procedimentos médicos que prolonguem sua vida em detrimento da qualidade da mesma, se se encontrar enferma de uma patologia terminal, incurável e irreversível. Isso permite que a pessoa possa antecipadamente declarar que recusa terapias médicas que apenas prolongariam sua existência, em detrimento da sua qualidade de vida”. (GODINHO, 2010: 01).

O paciente incurável que não desejar o estado vegetativo, deverá conscientemente declarar sua vontade, para tal, no momento da declaração o mesmo deverá possuir plena capacidade, procurando ser objetivo (sem deixar margens de interpretações para sua escolha). O instituto do testamento vital não encontra previsão legal no nosso país, por isso, não se pode afirmar quais seriam os requisitos (formais) de validade para tal.

O ordenamento jurídico brasileiro não permite a eutanásia, pois há tipicidade da mesma no Código Penal Brasileiro, no artigo 121, §1º, considerada como homicídio, ainda que privilegiado. Houve vários projetos para reforma do Código Penal:

“Um dos textos da primeira Subcomissão de Reforma da Parte Especial do Código Penal brasileiro de 1993, introduzia o § 6º ao artigo 121:

§6º – Não constitui crime a conduta de médico que omite ou interrompe terapia que mantém artificialmente a vida de pessoas, vítima de enfermidade grave e que, de acordo com o conhecimento médico atual, perdeu irremediavelmente a consciência ou nunca chegará a adquiri-la. A omissão ou interrupção de terapia devem ser precedidas de atestação, por dois médicos, da iminência e inevitabilidade da morte, do consentimento expresso do cônjuge, do companheiro em união estável, ou na falta, sucessivamente do ascendente, do descendente ou do irmão e de autorização judicial. Presume-se concedida a autorização, se feita imediata conclusão dos autos ao juiz, com condições exigidas, o pedido não for por ele despachado no prazo de três dias. Posteriormente em 24 de março de 1998, o Diário Oficial da União fez publicar o texto que alteraria os dispositivos da Parte Especial do Código Penal, e, em relação a eutanásia, ficou consignado o seguinte : art. 121. […]§3º Se o autor do crime agiu por compaixão, a pedido da vítima imputável e maior, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave: Pena- Reclusão de três a seis anos”. (SÁ; NAVES, 2011: 323).

Haveria também um parágrafo 4º no artigo 121 com a seguinte redação:

“§4º Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos, a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente, ou na sua impossibilidade de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão”. (SÁ; NAVES, 2011: 323 – 324).

 O parágrafo 4º positiva a eutanásia, sendo uma forma de solucionar a polêmica com relação à prática da mesma. Porém, nenhum dos projetos supracitados, seguiu adiante, permanecendo atravancados no Congresso Nacional.

A decisão de morrer, não pode ser tomada de forma leviana, já que só pertence ao paciente, visto que ele é o titular de sua vida e caso venha ficar em estado vegetativo, a solução seria o testamento vital, antes de tudo, a proposta seria de elaborar um laudo técnico de conteúdo interdisciplinar, envolvendo pareceres nas áreas da Psicologia, Direito e Medicina. Afinal, a decisão é irreversível e tanto o profissional envolvido, quanto o paciente ou familiar do individuo devem estar convictos de que a solução mais adequada é a eutanásia.

A opção de um indivíduo capaz e consciente deve ser respeitada, não devendo haver possibilidade de interferência externa, já que sua atitude diz respeito ao âmbito de sua vida particular, não prejudicando interesses de terceiros, pois é um direito do paciente resguardar sua morte com dignidade e autonomia, visto que ninguém tem a obrigação de viver; a pergunta a ser feita diante da declaração (testamento vital) deixado é: qual a real intenção do paciente? Devendo sempre criar uma correlação da vontade elementar com a declaração.

O testamento vital deve ser elaborado pelo paciente de forma clara e objetiva, visto que, servirá para externar a aceitação ou não de intervenção médica, sobretudo aquela que prolongue desnecessariamente a vida do paciente. Através de tal declaração, o paciente deverá exercer sua autonomia e essa autonomia já é tutelada pelo ordenamento jurídico brasileiro, especificamente pelos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da autonomia privada, além, da proibição de tratamento desumano.

Segue abaixo o voto da juíza Kogan no denominado caso M.D.C.S, que foi analisado pela Suprema Corte de Justiça de Buenos Aires, onde ela expõe sua opinião a respeito do assunto:

“Perante a irreversibilidade do quadro médico de pacientes em estado crítico, não é moralmente obrigatória a manutenção da vida mediante todo tipo de tratamento de suporte vital quando o paciente claramente rejeita essa terapia ou seus parentes em forma coincidente deixam transparecer essa vontade. Apesar disso, essa vontade não deve ser interpretada como uma afirmação genérica posto que é preciso estudar cada caso em particular e especialmente, se ater ao diagnóstico e prognóstico de cada paciente, assim como à opinião do Comitê de Bioética correspondente.”[1] (KOGAN apud BOSTIANCIC; PENALVA, 2010: 183).

Visto isso, o paciente deverá expressar sua vontade em não submeter-se a tratamento médico, caso futuramente esteja em estado vegetativo sem possibilidade de reversão, devendo ser observado cada caso concreto, além da vontade do paciente expressamente declarada, os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

“Para o filósofo Hans Jonas, a existência de um direito à morte decorre do próprio direito à vida. Protege-se juridicamente o direito à vida, o qual, todavia, não deve ser entendido como pressupondo uma obrigação de viver, exigível pela sociedade – ao menos, segundo o autor, não nas situações de prolongamento penoso do final da vida dos pacientes terminais”. (MÖLLER, 2010: 95-96).

Diante o exposto, é conveniente a edição de uma lei federal regulamentando o tema, a fim de dar maior segurança jurídica aos pacientes, aos médicos e a família.

3. CONCLUSÃO

 O objetivo desse artigo não é considerar a eutanásia como uma forma de “higienização social”, uma forma de eugenia, como ocorreu no apogeu nazista, onde se matava deficientes, doentes incuráveis e pacientes terminais, com o intuito de “purificar a raça”, aqui a intenção não é banalizar a vida, mas sim, garantir aos interessados seus direitos a uma morte digna, preservar sua liberdade de escolha, sua autonomia para dispor da própria vida se a mesma não lhes fizer sentido, visto que, não existe cura, estando cientes de que não serão tratados, pois o tratamento também não há ou somente prolongará um estado vegetativo, onde conviverão com a matéria, sem contínua atividade, sem vitalidade, isso não é vida, é apenas um adiamento da morte.

A Eutanásia deve ser entendida, dentro do ordenamento jurídico, através de uma leitura dos direitos fundamentais, do respeito do Estado para com o cidadão, onde cada ser possa guiar sua vida de acordo com seus valores sem a total interferência externa, sob a égide dos preceitos fundamentais.

Sendo assim, os pacientes incuráveis, cientes de sua futura e sólida condição, que não queiram permanecer em um estado vegetativo, possuem pleno direito de externarem através de um documento, uma declaração prévia, positivando sua vontade pela prática da eutanásia, onde os médicos se comprometem a realizá-la, caso sobrevenha o estado vegetativo.

A inserção de uma nova premissa com determinados requisitos, no Código Penal, visando a prática da eutanásia, seria uma maneira de garantir a concretização do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, pois, serviria de auxílio para aqueles que se encontram em estado deplorável, em fase tormentosa e irreversível de alguma doença grave. Então, o consentimento do paciente funcionaria como causa excludente de antijuridicidade.

Conclui-se que o direito a vida protegido pela Constituição Federal deverá ser considerado indisponível quando se puder viver bem e de forma digna, forma essa, considerada individualmente de acordo com os valores e entendimentos de cada ser, de modo subjetivo, devendo se fazer respeitar todos os direitos fundamentais, na busca pela realização como ser humano.

 

Referências Bibliográficas
BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
BOSTIANCIC, Maria Clara; PENALVA, Luciana Dadalto. As diretivas antecipadas no caso M.D.C.S: Análise das contribuições deste Hard Case argentino para o Brasil. In: FIUZA, Cesar; SÁ, Maria de Fátima Freire de. NAVES, Bruno Torquato de Oliveira. (Coord.) Direito Civil: Atualidades – teoria e prática no direito privado. VOL. IV Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p.173-191.
FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Direito Constitucional. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
GODINHO, Adriano Marteleto. Testamento vital e ordenamento brasileiro. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/15066/testamento-vital-e-o-ordenamento brasileiro#ixzz1rBKmX9V3. Acesso em: 31 de maio de 2012.
GOLDIM, José Roberto. Morte e morrer. Disponível em: URL:http://www.bioetica.ufrgs.br. Acesso em: 31 de maio de 2012.
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional/ Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. 4. ed .rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009.
MÖLLER, Letícia Ludwing. Direito à morte com dignidade e autonomia. / Letícia Möller Ludwing./ 1ª ed. (ano 2007), 2ª reimpr. / Curitiba: Juruá, 2010. 186 p.
PESSINI, Leo. Eutanásia: Porque abreviar a vida?. –São Paulo: Editora do Centro Universitário São Camilo, Edições Loyola, 2004.
RÖHE, Anderson. O Paciente Terminal e o Direito de Morrer. – Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2004.
SÁ, Maria de Fátima Freire de. NAVES, Bruno Torquato de Oliveira Manual de Biodireito. Belo Horizonte: Del Rey, 2011. 376 p.
VADE MECUM Acadêmico de Direito Riddel/ Anne Joyce Angher, organização – 14.ed. atual. e ampl. São Paulo: Riddel, 2012.- (Série Vade Mecum).
Nota:
[1] Suprema Corte de Justicia de Buenos Aires, Caso “S,M.d.C. Insania”. Disponível em http://www.scba.gov.ar/falloscompl/scba/2005/02-09/c85627.doc Acesso em: 17 de fev.2009, p.75 y 76

Informações Sobre os Autores

Aluer Baptista Freire Júnior

Doutorando em Direito Privado pela PUC-Minas. Mestre em Direito Privado pela PUC-Minas. MBA em Direito Empresarial. Especialista em Direito Privado Direito Público Direito Penal e Processual Penal. Professor da Fadileste Reduto-MG. Advogado

Lara Ramos Satler

Advogada


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Equipe Âmbito Jurídico

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