Resumo: O contrato de aprendizagem representa uma grande conquista para o mundo do trabalho e para a sociedade, haja vista estar voltado à inserção do jovem no mercado, promovendo-lhe qualificação profissional, além de contribuir em sua formação social e moral. Trata-se de um instituto de extrema relevância, permeado de regras que visam à proteção do menor em face às práticas efetuadas pela classe empregadora, cujo comportamento, comumente, acaba por desvirtuar o objeto da aprendizagem, mascarando um contrato de trabalho convencional. A política de aprendizagem vigora como uma ação de responsabilidade social, que deve estar pautada no princípio da primazia da realidade para que se efetive a qualificação profissional do jovem, aliando trabalho e educação em detrimento de quaisquer tipos de fraudes contratuais.
Palavras-chaves: Aprendiz; contrato e trabalho.
Abstract: The learning agreement is a major achievement for the world of work and society, considering being towards the inclusion of youth in the market, providing you with professional qualification, in addition to contributing to its social and moral formation. It is an institute of the utmost importance, permeated with rules aimed at protecting the child in relation to practices made by the employing class, whose behavior, commonly ends up distorting the object of learning, conventional masking a contract job. A learning policy is effective as an act of social responsibility that should be regulated on the principle of the primacy of reality that become effective for the qualification of the young, combining work and education at the expense of any kind of contractual fraud.
Keywords: Apprentice, and contract work.
1 Introdução
O Direito do Trabalho revela uma construção histórica marcada pela exploração da mão de obra infantil e pela ausência de direitos mínimos garantidos ao menor.
Hodiernamente, a Lei n. 10.097, de 19 de dezembro de 2000, ampara o instituto da aprendizagem, conferindo proteção especial ao adolescente e ao jovem, além de estabelecer regras concernentes à contratação do aprendiz.
Pretende-se no presente trabalho, por meio de revisão bibliográfica, análise de julgados e artigos científicos sobre o tema, demonstrar a importância da efetividade nos contratos de aprendizagem, bem como, confrontar a proposta do referido pacto laboral com as práticas empresariais da atualidade que em alguns casos afrontam direitos fundamentais do trabalhador.
Preliminarmente, impende verificar os aspectos legais referentes ao contrato de aprendizagem, abordar a evolução histórico-legislativa deste instituto e delinear quais as principais influências na formação desta relação especial de trabalho.
É oportuno salientar a contribuição do Estatuto da Criança e do Adolescente no que tange à aprendizagem, como também da legislação internacional, representada por Convenções e Recomendações da Organização Internacional do Trabalho – OIT. No âmbito internacional ressalte-se ainda a Declaração Universal dos Direitos da Criança e a Convenção sobre Direitos da Criança, ambos editados pela ONU.
Finalmente, cumpre examinar quais os reflexos da inserção de aprendizes no mercado de trabalho, haja vista as constantes situações de desvirtuamento do contrato em face ao princípio da primazia da realidade.
2 Considerações preliminares sobre a aprendizagem
A evolução histórica do contrato de aprendizagem no Brasil destoa um pouco da forma como ocorreu no mundo, visto que no Brasil saímos da fase da escravidão e passamos ao trabalho assalariado, sem sequer passar pelas corporações de ofício, desse modo, a regulamentação do trabalho do menor, a exemplo da regulamentação do trabalho em linha geral, se deu de forma lenta, sendo os direitos assegurados ao menor, na qualidade de trabalhador, uma conquista consagrada efetivamente apenas no período democrático.
A regulamentação do contrato de aprendizagem, encontra fundamento legal no art. 7º, XXXIII da Constituição Federal, regulamentado pelo Decreto 5.598 de 1º de dezembro de 2005, e pela Lei 10.097 de 12 de dezembro de 2000, cuja redação apresentou alterações significativas a dispositivos constantes na CLT. Com efeito, o Estatuto da Criança e do Adolescente define a aprendizagem, tendo como ponto central a proteção do menor, sendo essa uma proteção que decorre, sobretudo da doutrina da Proteção Integral.
No passado, no que concerne ao trabalho do menor, merece destaque as Corporações de Ofício Medievais, onde o menor realizava trabalho enquanto aprendiz, sendo-lhe conferida assistência profissional e moral. As Corporações de Ofício reuniam profissionais do mesmo ramo em uma mesma localidade e eram compostas por três categorias de membros: mestres (empregadores), companheiros (empregados) e aprendizes (menores que recebiam ensinamentos metódicos de um ofício ou profissão).[1]
Alice Monteiro de Barros explica que “os serviços que prestava (o menor) eram gratuitos e a família do aprendiz ainda pagava ao mestre uma importância em dinheiro”.[2]
Nota-se aqui uma preocupação exclusiva com o fato de ensinar ao menor um ofício que no futuro possa lhe garantir o sustento, já que o trabalho, nesse período, sequer gozava de proteção e prestígio no contexto social.
Neste sentido, a aprendizagem se desenvolvia no âmbito doméstico, realizada especialmente nas atividades de artesanato, nas quais o objetivo do mestre era transmitir ao aprendiz os ensinamentos de seu ofício, garantir que no futuro essa pessoa tivesse efetivamente uma profissão.
Essas atividades perduraram por um longo período, até que o impacto da Revolução Industrial, no século XVIII, viesse atingir as Corporações de Ofício e se apoderar da mão de obra de mulheres e menores, criando um novo cenário nas relações de trabalho, esse cenário, aliás, até hoje reflete nas relações laborais de forma negativa, pois foi exatamente nesse momento histórico que se verificou de forma mais evidente a utilização da mão de obra infantil de forma indevida.
Com a Revolução Industrial, houve a inserção do menor no mercado de trabalho, cuja jornada oscilava entre 12 e 16 horas por dia. Nesse período, utilizava-se excessivamente o trabalho do menor, o que culminou no declínio da aprendizagem e no ápice da exploração.
Desse modo, até que se vislumbrasse uma proteção em relação ao menor ocorreram muitas situações de exploração, principalmente no que se refere à mão de obra infantil.
Segundo Segadas Vianna:
“Foi somente com a guerra de 1914-1918, criando uma mentalidade nova, que se cuidou seriamente de tornar efetivas as medidas de proteção à infância, pondo fim a um regime brutal de exploração que desonrava todas as conquistas do progresso do século da aviação e do rádio.”[3]
Neste contexto histórico, vislumbrou-se uma busca por melhores condições de trabalho, bem como a intervenção do Estado contra a exploração de mulheres e crianças, especialmente no que se refere a jornadas excessivas de trabalho.
Nesse sentido, leciona Sussekind:
“O Tratado de Versalhes, aprovado em 1919 pelos Estados vitoriosos na guerra de 1914/18, consagrou ou princípios fundamentais que deveriam orientar a universalização da legislação social-trabalhista, incluindo, entre eles, a proteção das crianças e dos adolescentes e a organização do ensino profissional e técnico. Demais disto, para consecução da referida finalidade, criou a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a qual, desde sua instalação em 1919, vem dedicando especial atenção às questões atinentes ao trabalho e à formação profissional do menor.”[4]
É evidente que problemas de ordem social remontam à antiguidade, e isso acaba por justificar o labor de crianças e adolescentes com o escopo de prover a subsistência de suas famílias.
Trata-se, portanto, de uma realidade histórica, que não foi extirpada do contexto social, em que pese às inovações legais, percebe-se que embora toda vedação ao trabalho do menor e a regulamentação das hipóteses em que esse é permitido, o que se tem em verdade, é uma falta de efetivação desses direitos.
2.1. Evolução histórica e legislativa do contrato de aprendizagem
Os primórdios da proteção do trabalho do menor podem ser encontrados em escritos babilônicos que datam de 2.000 anos antes de Cristo, no Código de Hamurabi. Um artesão que adotasse um menor deveria ensinar-lhe seu ofício, sendo esta uma condição para que permanecesse com a criança.
No Brasil, os antecedentes históricos do trabalho do menor revelaram inúmeras leis que, embora aprovadas, não encontraram vigência. Isto porque as normas serviam mais como um ideal de proteção a ser exibido ao mundo, do que propriamente uma preocupação social.
O ordenamento jurídico brasileiro prevê medidas que, de fato, nunca foram regulamentadas, como o Decreto nº 1.313, de 17 de janeiro de 1891, cuja finalidade era proibir o trabalho de menores em fábricas, máquinas em movimento e faxina.[5]
Em 1923, o Decreto nº 16.300 estabelecia proibição ao trabalho do menor de 18 anos por mais de seis horas em vinte e quatro horas, tentativa que também não encontrou efetividade.
Somente com o Código de Menores – Decreto nº 17.943-A é que foi possível vislumbrar indícios de uma proteção efetiva em relação aos menores no Brasil. O referido instituto proibia o exercício de qualquer trabalho de crianças de até 12 anos e o trabalho noturno a menores de 18 anos.
Não obstante a legislação interna, o Brasil ratificou inúmeras Convenções da OIT que versam sobre o trabalho do menor, incorporando-as ao ordenamento jurídico pátrio, dentre as quais podemos citar as Convenções de n. 6, que proibiu o trabalho do menor na indústria no período noturno, a Convenção n. 182, que dispõe sobre a proibição das piores formas de trabalho infantil e ação imediata para sua eliminação e a Convenção n. 190, que definiu trabalhos perigosos.
Sob essa vertente é importante destacar que o objetivo da OIT é promover a justiça social, com vistas a zelar pelo exercício dos direitos humanos do trabalhador, bem como, assegurar o respeito e a dignidade nas relações de trabalho.
Em 1919, a OIT aprovou a Convenção nº 5, que estabeleceu a idade mínima de 14 anos para admissão nos trabalhos prestados na indústria. No mesmo ano, a Convenção nº 6 proibiu o trabalho do menor na indústria em período noturno. Contudo, tais dispositivos internacionais foram ratificados pelo Brasil somente em 1934 e 1935, respectivamente.[6]
Em 1930, por meio da Recomendação nº 60, a OIT disciplinou que a aprendizagem “é o meio pelo qual o empregador se obriga, mediante contrato, a empregar um menor, ensinando-lhe ou fazendo com que lhe ensinem metodicamente um ofício, durante período determinado, no qual o aprendiz se obriga a prestar serviços ao empregador”.[7]
Existem muitas outras Convenções que trataram da proteção do menor, especificando peculiaridades inerentes ao exercício do trabalho e disciplinando ações de combate à exploração da criança.
No âmbito internacional destaca-se ainda a Declaração Universal dos Direitos da Criança, em 1959, que tratou de assegurar proteção especial à criança, bem como a Convenção sobre Direitos da Criança, de 1989, ambos editados pela ONU.[8]
Esses documentos justificam-se não apenas pelo viés da tutela do direito de uma minoria, mas, sobretudo, pela necessidade iminente de se erradicar o trabalho infantil, no mundo.
3. O trabalho do menor sob a ótica das Constituições Brasileiras
Ao longo da história do Brasil, verifica-se que a questão do trabalho do menor, no que concerne a sua regulamentação pelas Constituições, sofreu ora retrocessos, ora avanços consideráveis, fator esse, evidentemente influenciado pelo contexto político vigente.
Nesse contexto, somente em 1934 verificou-se dispositivo sobre a temática, com a proibição de qualquer trabalho a menores de 14 anos, do trabalho noturno ao menor de 16 anos e da atividade insalubre desenvolvida em indústrias, ao menor de 18 anos. Mencionado dispositivo vedou ainda a diferença de salários por motivo de idade, desde que relacionada ao mesmo trabalho.
A Constituição de 1937 manteve os mesmos critérios da anterior, estabelecendo igualmente as restrições já consolidadas, conferindo ao trabalho um caráter social, reconhecendo um direito que deve ser protegido pelo Estado.[9]
A Constituição de 1937 instaurou o regime do Estado Novo, um dos regimes mais autoritários da história do país, mas que aos trabalhadores trouxe benefícios, tais como a criação da CLT e da Justiça do Trabalho.[10]
Nos ensinamentos de André Cremonesi:
“Um dos principais marcos da linha evolutiva do Direito do Trabalho no País: A Constituição de 1937, de cunho eminentemente corporativista, inspirada na Carta Del Lavoro. Foi criado nessa época o imposto sindical, entre uma série de outras regras, como forma de o Estado intervir e controlar a atividade das entidades de classe (sindicatos) e também o poder normativo da Justiça do Trabalho.”[11]
Já em 1939, por força do Decreto-lei n. 1238 de 02 de maio de 1939, verifica-se um aperfeiçoamento no tocante ao trabalho do menor; referido decreto fixava a oferta de cursos de aperfeiçoamento profissional para adultos e menores por empresas que tivessem acima de 500 empregados, inclusive prevendo multa em caso de descumprimento.
Outro importante avanço legislativo foi o Decreto-lei n. 4.481 de 16 de julho de 1942, que determinava a quantidade mínima e máxima de aprendizes admitidos pelo empregador, além dos requisitos para sua contratação.
Em 1º de maio de 1943 foi aprovada a Consolidação das Leis do Trabalho, que além de reunir toda a legislação existente, trouxe normas especiais de proteção ao trabalho do menor, dentre as quais o instituto da aprendizagem.
Leciona Amauri Mascaro Nascimento acerca do momento político vivenciado pelo país, quando da edição da CLT:
“A CLT resulta dos princípios políticos da época em que foi elaborada, em especial o corporativismo e o intervencionismo do Estado nas relações coletivas de trabalho, em prejuízo da liberdade sindical, do direito de greve e das negociações coletivas, em grande parte afetada pelas modificações posteriores.”[12]
A Constituição de 1946 inovou ao elevar para 18 anos a idade mínima para o trabalho noturno, bem como conservou a proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho por motivo de idade. Aos menores de 14 anos também era vedada qualquer forma de trabalho, conforme dispunha o art. 157, IX do referido diploma legal.[13]
Seguindo as mesmas diretrizes de proteção, a Constituição de 1967 proibiu o trabalho de menores de 12 anos, entendimento que se firmou pela Emenda Constitucional n. 1 de 1969.[14]
O advento da Constituição de 1988 culminou com o princípio da proteção integral, constante no art. 227, pelo qual se deve zelar e proteger a criança e o adolescente de toda e qualquer espécie de exploração, resguardando sua dignidade humana.
Embora a Carta Magna assentasse o limite de 14 anos para o menor trabalhar, a Emenda Constitucional n. 20, de 1998, estendeu para 16 anos a idade laborativa, incluindo a possibilidade de exercer atividade enquanto aprendiz, a partir dos 14 anos.
Alice Monteiro de Barros sobre a referida Emenda Constitucional assevera que:
“Não há dúvida de que a Emenda n. 20 permitiu a ratificação pelo Brasil da Convenção n. 138 da OIT, importante arma contra o trabalho infanto-juvenil. Isto porque o limite de idade fixado pela Constituição em 14 anos conflitava com a idade mínima exigida naquele instrumento internacional. Sustentavam alguns que a alteração de limite de idade não resolvia o problema da evasão escolar e que melhor seria que os trabalhadores de 14 a 16 anos, ao invés de abandonados nas esquinas, estivessem sob o regime de trabalho protegido, com salário garantido para a autossustentação. Outros afirmavam que a elevação do limite de idade proporcionaria maior espaço para a formação educacional do menor, desideratum que já se exteriorava no art. 227 da Constituição vigente.”[15]
A redação da Lei 10.097 de 19 de dezembro de 2000 regulamentou o instituto da aprendizagem profissional no Brasil, definindo os parâmetros gerais do contrato, que abrange trabalhadores maiores de 14 e menores de 24 anos, excetuando-se do limite etário pessoas portadoras de deficiência.
Trata-se de uma excelente oportunidade para quem busca o primeiro emprego, haja vista a possibilidade de ingressar no mercado de trabalho com carteira assinada, embora desempenhe sua atividade como aprendiz.
O contrato de aprendizagem em status de formação profissional, cujo objetivo principal é a qualificação do menor ante sua futura inserção no mercado de trabalho. Convém mencionar que o pacto deve ser celebrado por escrito e por prazo determinado, ressalvados os casos de aprendizes portadores de deficiência.
3.1 Contribuições do Estatuto da Criança e do Adolescente na regulamentação do contrato de aprendizagem
A proteção do trabalho da criança e do adolescente, contou com significativo avanço, com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente – o ECA foi instituído pela Lei 8.069 de 13 de julho de 1990, amparado por preceitos constitucionais que primam pela proteção do menor. Este diploma legal considera criança a pessoa que tem de 0 a 12 anos incompletos e adolescente de 12 a 18 anos de idade.
Segundo Martins[16], “os fundamentos principais da proteção do trabalho da criança e do adolescente são quatro: de ordem cultural, moral, fisiológica e de segurança”, referidos fundamentos estão em consonância com os princípios delineados no ECA, ao longo de todos os seus artigos.
Nesse sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente preconiza que o processo de formação técnico-profissional deverá assegurar condições para a realização do ensino regular, sendo compatível com o desenvolvimento do adolescente, bem como, possuindo horário adequado para o exercício das atividades.
Alice Monteiro de Barros estabelece que “As medidas de proteção estão direcionadas no sentido de proibir o trabalho da criança, restringir o trabalho do jovem e equiparar o trabalho do maior de 18 anos ao do adulto”.[17]
Tendo como escopo a proteção integral à criança e ao adolescente, o mencionado dispositivo legal estabelece restrições a determinadas atividades, assegurando o “direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”6.
Nos mesmos moldes, a Carta Constitucional prevê enquanto princípio fundamental a Proteção integral da criança e do adolescente e menciona, inclusive, condições inerentes ao exercício do trabalho pelo menor.
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los à salvo de tosa forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
§3 O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:
I – idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII”.
No tocante à proteção do menor, cumpre salientar que esta se estende à família, à sociedade e ao Estado, responsáveis por tutelarem direitos fundamentais da criança e do adolescente, o que deve representar um dever prioritário.
O art. 62 do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece o conceito de aprendizagem, a qual consiste na “formação técnico-profissional ministrada segundo as diretrizes e bases da legislação de educação em vigor”.
O referido preceito legal tem o condão de assegurar ao menor aprendiz seu desenvolvimento intelectual, sendo-lhe garantido o direito de acesso ao ensino, tão necessário quanto à aprendizagem técnica oferecida pela relação profissional.
Finalmente, o que se pretende nessa sistemática, é garantir o mínimo de dignidade ao adolescente, sendo de extrema importância destacar que ao permitir que o adolescente aprenda um ofício, também se está garantindo a ele dignidade. Desse modo, quando o contrato de aprendizagem é celebrado em consonância com os preceitos legais, ele certamente se torna um mecanismo hábil a consagrar a dignidade da criança, do adolescente e do jovem.
Há que se destacar que o equilíbrio entre aprendizagem e escolarização do menor deve ser considerado primordial, vez que constituem fatores indispensáveis à formação do jovem e seu ingresso no mercado de trabalho, que hoje, caracteriza-se um grande desafio da sociedade e do Estado, visto que o primeiro emprego tem sido um desafio para os jovens brasileiros.
O art. 405 da CLT prevê ainda, situações nas quais a atividade desempenhada ofende a moralidade do menor, e, portanto, não deve ser realizada pelo adolescente e pelo jovem, tutelado pelo referido artigo.
Trata-se de locais considerados prejudiciais ao adolescente como cinemas, boates, circos, cassinos, bem como, estabelecimentos nos quais haja venda de bebidas alcoólicas. Desse modo, verifica-se que a legislação, ao autorizar o trabalho do adolescente, foi cautelosa, no sentido de limitar as atividades, para que essas tivessem o condão lhes permitir um ofício sem, contudo, prejudicar o seu desenvolvimento saudável.
Entretanto, ainda que decorrente de previsão legal existem situações, como a da atividade circense, em que o juiz poderá autorizar o adolescente a trabalhar, ou ainda, participar de atividades, desde que haja finalidade educativa.
Nas palavras de Andréa Rodrigues Amim:
“Torna-se oportuno registrar que não será admitida atividade profissional realizada em horários e locais que não permitam a frequência à escola. O direito à educação é indisponível e poderá ser complementado pela atividade profissional, mas não o contrário.”[18]
Saliente-se que embora exista limitação da faixa etária para o início da atividade laboral, a Carta Constitucional assegura direitos trabalhistas e previdenciários a todos, com o objetivo de evitar o enriquecimento ilícito do empregador, ainda que exista violação, priorizando desse modo a função social do contrato de trabalho.
4. Definição do contrato de aprendizagem
Trata-se de um contrato de trabalho especial voltado à formação do jovem, com vistas a estimular sua inserção no mercado de trabalho ao proporcionar qualificação profissional, além da contraprestação salarial.
Reza o art. 428 da CLT que o contrato de aprendizagem é o pacto de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de 14 e menor de 24 anos, inscrito em programa de aprendizagem, formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar, com zelo e diligência, as tarefas necessárias a essa formação.
Segundo Amauri Mascaro Nascimento:
“O contrato de aprendizagem é um contrato de formação profissional, cujo objetivo é favorecer a inserção ou a reinserção profissional de trabalhadores, bem como, permitir a manutenção do emprego, o desenvolvimento de aptidões e o acesso à qualificação profissional”.[19]
Nesta esteira, merece especial atenção a Recomendação nº 117 da OIT de 1962 estabelece que:
“A formação não é um fim em si mesma, senão meio de desenvolver as aptidões profissionais de uma pessoa, levando em consideração as possibilidades de emprego e visando ainda permitir-lhe fazer uso de suas potencialidades como melhor convenha a seus interesses e aos da comunidade.”[20]
A validade do contrato de aprendizagem pressupõe requisitos específicos, tais como a anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social; matrícula e frequência do aprendiz na escola, caso ainda não tenha concluído o ensino médio; inscrição em programa de aprendizagem desenvolvido sob a orientação de entidade qualificada em formação técnico-profissional metódica.
Atendendo ao que preceitua o art. 429 da CLT, os estabelecimentos de qualquer natureza estão obrigados a contratar aprendizes em funções que demandem formação profissional. Isto porque a aprendizagem não pode alcançar atividades nas quais o ensino seja dispensável, configurando mera exploração de mão-de-obra.
No que se refere a esta temática, Alice Monteiro de Barros sustenta que:
“Há, também, ocupações que não demandam formação profissional ou aprendizagem metódica, situando-se aqui, a título de exemplo, as funções de boy, ascensorista, cobrador, contínuo, embalador, empacotador, envelopador, porteiro […]. Portanto, o menor que for contratado para essas funções deverá ter mais de 16 anos e suas condições de trabalho serão disciplinadas pelas normas de um contrato de trabalho comum, caso inexista formação profissional ou aprendizagem metódica.”[21]
No período anterior à promulgação da Lei 10.097 de 19 de dezembro de 2000, a aprendizagem estava restrita aos Serviços Nacionais de Aprendizagem e somente por estas entidades poderia ser prestada. O chamado “Sistema S” é composto por entidades qualificadas em formação técnico-profissional metódica, ligadas ao setor produtivo: SENAI (indústria), SENAC (comércio), SENAT (transportes), SENAR (agricultura) e SESCOOP (cooperativismo).
Atualmente, com a alteração do art. 430 da CLT, na hipótese de tais instituições não oferecerem cursos ou vagas suficientes para atender a demanda, outras entidades poderão suprir a formação do aprendiz, desde que atendidos os requisitos da legislação.
A aprendizagem poderá ser realizada por Escolas Técnicas de Educação e por entidades sem fins lucrativos, que tenham por objetivo a assistência ao adolescente e à educação profissional, registrada no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. Importante frisar que a estrutura das entidades deve estar adequada ao desenvolvimento dos programas de aprendizagem.
O art. 429 da CLT prevê a obrigatoriedade de contratação de aprendizes aos estabelecimentos de qualquer natureza em número equivalente a 5%, no mínimo, e 15%, no máximo, dos trabalhadores existentes, cujas funções demandem formação profissional. Os referidos percentuais alcançarão somente atividades que estejam em conformidade com a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO).[22]
Consoante o exposto é o entendimento do TRT de Mato Grosso:
“CONTRATO DE APRENDIZAGEM. INCLUSÃO DE MOTORISTAS E COBRADORES DE ÔNIBUS URBANO NA BASE DE CÁLCULO PARA DEFINIÇÃO DO NÚMERO MÍNIMO DE APRENDIZES. Em consonância com os artigos 9º a 12 do Decreto 5584/05 e art. 429 da CLT, os estabelecimentos de qualquer natureza devem contratar aprendizes equivalentes a 5%, no mínimo, e 15%, no máximo, incluídas na base de cálculo todas as funções que demandem formação profissional, independentemente de serem proibidas para menores de dezoito anos, não se inserindo na hipótese as funções que exigem formação de nível superior, técnico e os cargos de confiança. A Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), elaborada pelo Ministério do Trabalho e emprego, consigna expressamente que as funções de motorista e cobrador de transporte coletivo estão dentre aquelas que necessitam formação profissional. Referidas atividades estão classificadas no CBO sob o nº 7824-10 e nº 5112-15, respectivamente, nada justificando, portanto, a exclusão de tais funções da base de cálculo da cota legal de aprendizagem, porquanto identificadas e registradas em norma específica. Recurso a que se nega provimento. 9º5584429CLT.” (1117201000123001 MT 01117.2010.001.23.00-1, Relator: JUÍZA CONVOCADA CARLA LEAL, Data de Julgamento: 01/12/2011, 2ª Turma, Data de Publicação: 06/12/2011)[23]
Impende observar a atuação dos Tribunais no sentido de assegurar a verificação efetiva da aprendizagem ao ajustar a legislação à prática concreta das relações trabalhistas.
Sergio Pinto Martins doutrina que:
“A expressão estabelecimento de qualquer natureza quer dizer estabelecimento comercial, industrial, de serviços, bancário, etc.
As empresas não poderão ter menos de 5% de aprendizes, sob pena de pagar multa à União, prevista no art. 434 da CLT. O limite máximo é de 15%, porém, se a empresa desejar, poderá contratar um número maior de aprendizes. O porcentual será calculado por estabelecimento e não em relação à empresa toda.”[24]
Verifica-se, assim, que qualquer estabelecimento que mantenha empregados sob o regime celetista, estará vinculado à obrigatoriedade prevista na lei, inclusive órgãos públicos. Configura-se exceção a dispensa direcionada às microempresas e empresas de pequeno porte, conforme o art. 51, III da Lei Complementar nº123/06.
O contrato de aprendizagem, a exemplo de todos os contratos celebrados sobre os auspícios do ordenamento jurídico brasileiro, possui uma função social, nesse caso específico, a função social mostra-se ainda mais relevante, pois dele decorre diversos benefícios para a sociedade, já que não só garante ao menor a possibilidade de aprender um ofício, mas também, permite ao empregador, preparar esse menor aprendiz, para que no futuro torne-se um profissional com o perfil da empresa, que esteja integrado à política daquele empregador e, portanto, seja um trabalhador produtivo, eficiente e que trará bons resultados à empresa.
4.1 Natureza jurídica
No que concerne à natureza jurídica do contrato de aprendizagem, há divergência doutrinária, que decorre, sobretudo, das características específicas que envolvem a celebração do referido pacto laboral.
Embora seja um contrato de trabalho regido pela CLT, tem caráter discente, pois articula trabalho e educação.
Segundo os ensinamentos de Amauri Mascaro Nascimento, há três correntes:
“A primeira afirma que o contrato de aprendizagem é um contrato de trabalho, embora com fins simultâneos de ensino. Filiam-se a esse grupo, autores que entendem tratar-se a aprendizagem de mera cláusula inserida nos contratos de trabalho.
A segunda nega à aprendizagem caráter de contrato de trabalho, em face da sua finalidade principal, que é discente.
A terceira postula que a aprendizagem é um contrato sui generis, não redutível a nenhum dos dois contratos acima enumerados.”[25]
Atualmente, não há que se discutir a natureza jurídica do contrato de aprendizagem, tendo em vista que a legislação faz referência ao termo “contrato especial” na definição constante do art. 428 da CLT, fazendo cessar quaisquer controvérsias acerca do tema.
4.2. Características
Como já comentado anteriormente, pela própria natureza jurídica do contrato de aprendizagem, fica evidente que esse é dotado de características especiais, visto que sua formação também impõe algumas formalidades que normalmente são dispensadas nos contratos de trabalho em geral.
Nesse sentido, destaca-se que o contrato de aprendizagem deve ser confeccionado por escrito, a fim de que não restem dúvidas acerca de sua existência, evitando assim a ocorrência de fraudes.
Configura-se contrato de trabalho e, portanto, o empregador tem obrigação de proceder ao registro na CTPS, no qual deve constar o termo “aprendiz” junto à função constante no programa de aprendizagem com correspondência na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO).[26]
No que tange à duração, não poderá ultrapassar dois anos, sob pena de tornar-se contrato de trabalho comum, com prazo indeterminado. Entretanto, essa limitação não se aplica ao portador de deficiência, vez que não está submetido ao critério de idade máxima previsto na legislação.
Martins leciona que:
“Anteriormente, o prazo máximo do contrato de aprendizagem, fixado pelo Ministro do Trabalho, não poderia exceder três anos(§1º do art. 4º do Decreto nº 31.546).
Prevê o §3º do art. 428 da CLT que o contrato de aprendizagem não poderá ser estipulado por mais de dois anos, salvo para o aprendiz deficiente. Como o contrato do aprendiz é de prazo certo, tem de atender ao art. 445 da CLT, que determina o prazo de dois anos para esse tipo de pacto. Excedido o prazo de dois anos, o pacto transforma-se em contrato de prazo indeterminado. Logo, foi revogada a determinação que previa o prazo de três anos para a aprendizagem.”[27]
A Constituição Federal, conforme art. 7º, XXX, proíbe a diferença de salários por motivo de idade. O §2º do art. 428 da CLT menciona que ao menor aprendiz, salvo condição mais favorável, será garantido o salário-mínimo hora.
Em que pese à permissiva legal quanto à celebração do contrato, ao menor é lícito firmar recibo pelo pagamento dos salários, conforme dispõe o art. 439 da CLT.
O texto constitucional limita o exercício da atividade do aprendiz menor de 18 anos, sendo-lhe proibido o trabalho noturno, perigoso ou insalubre, nos termos do art. 7º, XXXIII. Vale ressaltar aqui, que tal limitação, justifica-se, sobretudo, em razão de sua natureza jurídica, qual seja, garantir ao adolescente um ofício. O caráter pedagógico dessa modalidade de contrato fundamenta todas as vedações e especificidades que o permeiam.
É evidente a preocupação do legislador em resguardar direitos inerentes à educação, haja vista a obrigatoriedade de matrícula e frequência do aprendiz à escola.
Tendo como objetivo primordial a formação da mão-de-obra, a duração do trabalho do aprendiz não excederá seis horas diárias, sendo vedadas a prorrogação e a compensação de jornada. Há ressalva nos casos em que o aprendiz tenha completado o ensino fundamental, vez que a jornada poderá estender-se para oito horas por dia, desde que computadas as horas destinadas à aprendizagem teórica (art. 432 da CLT).
O período de férias não se submete ao livre arbítrio do empregador, pois deverá coincidir, preferencialmente, com as férias escolares, visando conferir ao aprendiz um efetivo período de descanso.[28]
No tocante ao FGTS, há redução da alíquota para 2% sobre a remuneração, cujo objetivo é incentivar os empregadores à contratação de aprendizes. Tal disposição encontra respaldo no Decreto n.º 5.598/05, que assegura a aplicação da lei do FGTS aos contratos de aprendizagem.
O contrato de aprendizagem extinguir-se-á no seu termo ou quando o aprendiz completar 24 anos. Poderá ainda, ser extinto antecipadamente nas seguintes hipóteses: desempenho insuficiente ou inadaptação do aprendiz; falta disciplinar grave; ausência injustificada à escola que implique perda do ano letivo; a pedido do aprendiz. Em caso de rescisão antecipada não haverá pagamento de indenização.
Em caso de indenização devida ao menor de 18 anos, o art. 439 da CLT estabelece que é necessária a assistência de seus responsáveis legais para dar quitação ao empregador pelo recebimento.
5. Eficácia do Contrato de Aprendizagem
O Governo Federal, por meio do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)[29], editou o Manual da Aprendizagem, cujo objetivo é esclarecer questões inerentes à Lei 10.097/2000, orientando a contratação de aprendizes.
O Manual da Aprendizagem expõe que o curso ministrado pelo Serviço Nacional de Aprendizagem não gera ônus adicional para as empresas, haja vista a contribuição compulsória a que já estão obrigadas, cuja alíquota de 1% incide sobre a folha de salários dos empregados. A empresa se limita aos custos trabalhistas e previdenciários decorrentes da relação contratual.
Ademais, ao aprendiz que tiver concluído o curso de aprendizagem com aproveitamento, será concedido certificado de qualificação profissional, conforme dispõe o art. 430 §2º da CLT.
Significa dizer que a formação técnico-profissional possivelmente ampliará o leque de oportunidades do jovem, vez que o mercado de trabalho exige profissionais capacitados. O MTE dispõe de um Cadastro Nacional de Aprendizagem, um banco de dados nacional, disponibilizado no sítio eletrônico (www.mte.gov.br).
Em que pese toda a legislação minuciosamente elaborada e amplamente discutida pelo legislador acerca da aprendizagem, resta verificar se têm sido alcançados os resultados delineados por tais institutos.
Nas relações de trabalho, importa muito mais a prática concreta efetivada na prestação de serviços, que propriamente o que foi pactuado pelas partes no campo formal. Revela-se no campo prático o princípio da Primazia da realidade, pelo qual se busca a verdade real.
Nesse sentido, o confronto entre a proposta da aprendizagem, qual seja, a formação profissional, e a prática empresarial, deve demonstrar se a legislação vigente tem se mostrado efetiva.
5.1 Situações de desvirtuamento do objeto do contrato em face do Princípio da Primazia da realidade
O direito do trabalho, entre outros princípios é informado pelo princípio da primazia da realidade, esse, aliás, de grande relevância no que concerne a tutela dos direitos fundamentais do trabalho, pois por meio dele, torna-se possível diminuir as afrontas experimentadas pelos trabalhadores nas relações de trabalho, que em relação ao adolescente e ao jovem, acabam se perpetrando de forma mais intensa, razão pela qual referido princípio reveste-se de tamanha importância.
No campo teórico, a aprendizagem representa uma política efetiva, frente à possibilidade de formação e qualificação de adolescentes e jovens aprendizes. De outro lado, a cobiça desenfreada da classe empregadora atenta contra o caráter discente da aprendizagem, refutando a conexão entre trabalho e educação e consagrando meramente um contrato de trabalho.
Desse modo, quando analisado sob a perspectiva do Princípio da Primazia da Realidade, o contrato de aprendizagem não atende satisfatoriamente aos objetivos preconizados na legislação trabalhista. Trata-se de uma incompatibilidade entre teoria e prática, tendo em vista que em muitas situações o contrato é desvirtuado, não atendendo a sua real finalidade e mascarando na verdade um contrato de trabalho convencional.
São diversas as situações de desvirtuamento, embora poucas cheguem ao Poder Judiciário.
Os Tribunais, por sua vez, tem cobrado com rigor o atendimento de requisitos formais da legislação, em que pese a inércia dos empregadores, que diante.
Veja-se que o entendimento do TRT de São Paulo é categórico:
“MENOR APRENDIZ – AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DO ARTIGO 428, § 1º DA CLT428§ 1ºCLT- DESCARACTERIZAÇAO Não é menor aprendiz o trabalhador cujo contrato não atende aos requisitos do artigo 428, § 1º da CLT. Não é porque a empresa dá ao cargo o nome de aprendiz aplicador que passa o trabalhador a deter a condição jurídica de menor aprendiz. Recurso provido neste tópico.428§ 1ºCLT”. (1978200806102003 SP 01978-2008-061-02-00-3, Relator: JONAS SANTANA DE BRITO. Data de Julgamento: 24/03/2009, 3ª TURMA, Data de Publicação: 05/05/2009)[30]
Observe que os Tribunais têm se manifestado exemplarmente, de molde a fazer cumprir o que determina a legislação, conforme se extrai do seguinte julgado:
“TRT-PR-25-11-2011 CONTRATO DE APRENDIZAGEM. ART. 428 DA CLT. DESVIO DE FINALIDADE. O escopo do contrato de aprendizagem, como a própria denominação já indica, é a formação profissional do cidadão, aprimorando com o trabalho o aprendizado teórico fornecido pelas escolas técnicas. Todavia, resta incontroverso que o Réu não cumpriu com sua parte na formação profissional do Autor, pois, contratando-o como "aprendiz administrativo", de onde se poderia esperar que lhe fossem designadas tarefas afeitas à seara administrativa da empresa, foram-lhe, contudo, atribuídas tarefas que em nada contribuíram para seu aperfeiçoamento profissional (empacotamento e reposição de mercadorias). O argumento patronal de que o labor em diversos setores da empresa, por se tratar de um supermercado, ofereceria um maior conhecimento sobre a atividade, seria factível caso o Autor também houvesse atuado, e de forma preponderante, no setor administrativo, o que não ocorreu, resumindo-se suas atividades aos setores de empacotamento e de reposição de mercadorias, alheias ao objeto de sua contratação. Patente, portanto, a ocorrência de desvio de finalidade. Assim, frustrado o principal objetivo do contrato de aprendizagem, por desvio de finalidade, este perde sua natureza de "contrato de trabalho especial", a afastar as previsões especiais inerentes a sua singularidade. Recurso do Réu a que se nega provimento, no particular. TRT-PR-27123-2010-009-09-00-6-ACO-47656-2011 – 1A. TURMA Relator: UBIRAJARA CARLOS MENDES. Publicado no DEJT em 25-11-2011.”[31]
Desse modo, é indispensável que o empregador atue com cautela, atentando-se às regras previstas na CLT quanto à contratação de aprendizes. O que se espera é que as empresas cumpram sua função social, conferindo ao aprendiz uma oportunidade efetiva de ingressar no mercado de trabalho e obter ascensão profissional.
Ao Estado, por sua vez, cabe o papel de fiscalizar, e mais que isso, de divulgar a importância desse tipo de contrato para o contexto social; cabe ainda ao Poder Público a criação de políticas efetivas para que se realize tal fiscalização, de modo que todos sejam conclamados a dar efetividade ao contrato, nos estritos limites legais.
5.2. Aspectos positivos e negativos do contrato de aprendizagem
O atual contexto social e econômico exige uma análise criteriosa acerca da efetividade da aprendizagem no Brasil, pontuando reflexos positivos e negativos da inserção do menor adolescente no mercado de trabalho.
Cumpre investigar se pairam sobre estas relações de emprego a verdade real, consubstanciada pelo Princípio da Primazia da Realidade, haja vista o caráter discente do contrato de aprendizagem. Está inserida neste contexto a proteção do menor frente às atividades desempenhadas, assim como a jornada de trabalho e a duração do contrato.
O IBGE divulgou números do Censo 2010, que contou 3,4 milhões de crianças e adolescentes de 10 a 17 anos trabalhando.[32] Nota-se, portanto, uma forte presença do menor no mercado de trabalho informal, que realiza atividade laboral sem que haja proteção à sua integridade física e moral, contrariando o disposto no artigo 227 da Constituição Federal, bem como as disposições constantes do Estatuto da Criança e do Adolescente.
É evidente que a aprendizagem, quando realizada conforme os ditames legais, contribui amplamente na formação social e moral do adolescente, o que resulta em benefícios em prol de toda a coletividade, vez que se traduz em redução da criminalidade, profissionalização e formação educacional.
Contudo, a crítica reside na ideia de que o jovem e o adolescente não podem ter seus direitos tolhidos frente a interesses meramente econômicos, seja ao realizarem jornadas excessivas de trabalho, ou mesmo por não receberem a formação profissional adequada, objeto da aprendizagem.
Os cursos de aprendizagem, em regra, são oferecidos por entidades filantrópicas, ONGs ou pelo chamado “Sistema S”, como por exemplo, SENAI e SENAC. Todavia, as empresas também podem oferecer cursos específicos, de acordo com as atividades que desempenham, atuando como entidades de formação.[33]
Há que se observar o caráter discente da aprendizagem, que vai ao encontro de uma garantia constitucional, qual seja, o direito à educação; este, por sua vez, contribui para a formação de uma sociedade menos desigual, tendo em vista que promove a inclusão social e o acesso a melhores condições de trabalho.
Têm ocorrido inúmeras violações ao instituto da aprendizagem, o que enseja imposição de multas, encaminhamento de relatórios ao Ministério Público do Trabalho (MPT) para as providências legais cabíveis, nulidade do contrato de aprendizagem, bem como a formalização de termo de ajuste de conduta, instauração de inquérito administrativo e/ou ajuizamento de ação civil pública, nos casos em que se fizerem necessários tais procedimentos.[34]
Não obstante, o Ministério Público do Trabalho (MPT), tem atuado no sentido de punir as empresas que não cumprirem a lei, o que demonstra que o Poder Público não tem permanecido inerte.
No tocante à atuação do Judiciário, recentemente a Justiça do Trabalho confirmou a prática de desvirtuamento dos contratos de aprendizagem firmados pela empresa Casas Pernambucanas. Houve concessão de liminar para que a empresa promovesse a regularização, sob pena de multa diária de R$ 10 mil Reais por contrato irregular identificado, cujo valor deve ser revertido para o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).[35]
O surgimento da aprendizagem vigora como uma ação de responsabilidade social, aliada a uma expectativa de fomentar a qualificação profissional do jovem, promovendo cidadania.
Frise-se, portanto, a necessidade de tornar mais efetiva a aprendizagem, por meio de políticas públicas voltadas ao incentivo e a ampliação do programa, revelando-se fundamental a parceria entre governo e empresas.
O Poder Público deve voltar os olhos à implementação de programas de aprendizagem, bem como à ampliação do quantitativo de vagas e cursos oferecidos pelo “Sistema S”, além de promover uma fiscalização contínua, a fim de verificar se estão sendo atendidas as cotas mínimas de contratação por parte das empresas.
Outra medida necessária que tem se tornado presente é a realização de audiências públicas voltadas à conscientização da classe empresária quanto à importância do cumprimento da lei de aprendizagem.
A obrigação legal imposta às empresas, referente à contratação mínima de aprendizes, não deve ser vislumbrada como um encargo, mas sim como um estímulo, vez que desperta a responsabilidade social ao promover o direito à profissionalização.
Em 2008 foi desenvolvido um projeto de atuação pela Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes (Coordinfância), com o objetivo de promover a efetivação da aprendizagem profissional. O referido documento prevê a realização de políticas públicas, cuja implementação tem sido paulatinamente conquistada.[36]
Conclusão
Infere-se que o instituto da aprendizagem é um mecanismo fundamental para promover a qualificação profissional jovem adolescente, vez que representa uma política efetiva de inclusão, propiciando uma oportunidade de ingresso no mercado de trabalho por meio do ensino técnico.
Não obstante, a realidade do mercado de trabalho contemporâneo revela que o caráter discente da aprendizagem tem padecido frente ao desvirtuamento do objeto do contrato.
É evidente que a concretização do direito à aprendizagem depende da atuação do Poder Público, principalmente no que se refere à fiscalização quanto ao preenchimento das cotas de contratação e a adequação aos requisitos legais previstos. A implementação de políticas públicas também vigora como um instrumento importante na efetivação da aprendizagem, pois visa alcançar um maior número de aprendizes na medida em que amplia o quantitativo de vagas.
Nesse sentido, o desafio reside em assegurar que as relações de trabalho no âmbito da aprendizagem atendam os ditames legais, tendo em vista que a legislação é contundente, sendo necessário tão somente garantir que seus dispositivos sejam consumados.
Finalmente, conclui-se que o contrato de aprendizagem permite o cumprimento da função social do contrato de trabalho, bem como se traduz em efetivação dos direitos sociais do trabalhador e consequente garantia do trabalho descente, voltado a dignidade que o piso vital do ordenamento jurídico brasileiro.
Referências
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SUSSEKIND, Arnaldo. Instituições de direito do trabalho. 22. ed. atualizada. São Paulo: LTr, 2005.
Notas:
Advogada, professora universitária, especialista em direito aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná, Mestre em Direitos da Personalidade pelo Cesumar.
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