Resumo: A simultaneidade de ações para Controle do Constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal e os Tribunais de Justiça geram algumas consequências nas suas tramitações. Diante disso, o presente artigo científico tece considerações acerca do Controle de Constitucionalidade e da duplicidade de jurisdições constitucionais em nosso ordenamento pátrio. Num primeiro momento, estuda-se o detalhamento do Controle de Constitucionalidade, os instrumentos existentes e os legitimados a provocar a manifestação do Poder Judiciário, bem como os efeitos das decisões por ele proferidas. Em seguida, expõe-se os questionamentos existentes diante da simultaneidade de ações para controle concentrado de constitucionalidade perante a Suprema Corte e os Tribunais de Justiça. Conclui-se que diante da simultaneidade, a ação que tramita perante o Tribunal de Justiça deve ser suspensa até o que o Supremo Tribunal Federal se manifeste e, somente se a manifestação for pela constitucionalidade da norma impugnada o Tribunal de Justiça poderá dar prosseguimento à demanda, inclusive julgado pela inconstitucionalidade da norma frente a Constituição Estadual. Utilizou-se para o desenvolvimento desta pesquisa o método indutivo, operacionalizado pela técnica da pesquisa bibliográfica.
Palavras-Chave: Controle de Constitucionalidade. Simultaneidade de Ações. Supremo Tribunal Federal. Tribunal de Justiça.
Abstract: The simultaneity of actions to control the constitutionality before the Supreme Court and the Courts of Justice generate some consequences in their processual course. Therefore, this scientific article presents considerations about the Judicial Review and duplicity of constitutional jurisdictions in Brazil. At first, we study the details of Judicial Review, existing instruments and legitimate parties to provoke the manifestation of the judiciary as well as the effects of the decisions handed down by it. Secondly we set up the existing questions on the simultaneity of actions over the control of constitutionality before the Supreme Court and the Courts of Justice. We conclude that in the face of concurrency, the action which is being processed before the Court of Justice should be suspended until the Supreme Court to manifest and only if the demonstration is through constitutionality of the contested provision the Court may proceed with the demand including judging by the unconstitutionality of the norm before the state constitution. It was used for the development of this research the inductive method, operated by the technical literature.
Keywords: Judicial Review. Simultaneity of Actions. Supreme Court. Courts of Justice.
Sumário: Introdução. 1. Controle de Constitucionalidade. 1.1 Controle de Constitucionalidade Jurisdicional. 1.1.1 Legitimados. 1.1.2 Ações para o Controle de Constitucionalidade e seus parâmetros. 1.1.3 Efeitos das decisões proferidas em Controle de Constitucionalidade. 2. Simultaneidade de Ações Direitas de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal de Justiça. 2.1 Continência e Litispendência. 2.2 Ações Simultâneas. 2.3 A formação da coisa julgada e a possibilidade de rediscussão da matéria. Considerações Finais.
Introdução
Sabe-se que nosso ordenamento jurídico possibilita a coexistência de duas jurisdições constitucionais, uma vez que tanto o Supremo Tribunal Federal (art. 102, inciso I, alínea "c", CF/88) como os Tribunais de Justiça dos Estados (art. 125, parágrafo 2º, CF/88), podem realizar o controle de constitucionalidade de leis e atos normativos. Nesta senda, considerando que cada órgão julgador deve observar algumas peculiaridades, verifica-se que em certas situações é possível que uma única lei possa ser objeto de discussão perante o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal de Justiça, ou seja, é possível que uma lei seja considerada inconstitucional perante a Constituição Estadual e perante a Constituição Federal, ocorrendo a simultaneidade de ações diretas de inconstitucionalidade.
Diante disso, é necessário saber qual decisão deve prevalecer, surgindo então alguns problemas a serem resolvidos, vejamos: se as ações são distribuídas ao mesmo tempo no Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, uma delas deve ser suspensa? Existe litispendência? Ou seria continência? Se primeiro é proposta a ação no Tribunal de Justiça que a julga ocorrendo o trânsito em julgado, é possível rediscutir a matéria perante o Supremo Tribunal Federal?
Assim, o presente trabalho busca responder a estes questionamentos e para tanto irá investigar o Controle de Constitucionalidade no Supremo Tribunal e Federal e nos Tribunais de Justiça e a ocorrência de simultaneidade de ações diretas de inconstitucionalidade, bem como os possíveis desfechos para elas.
Para seu desenvolvimento, o trabalho será dividido em dois itens. No primeiro serão estudados aspectos gerais do Controle de Constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal e perante os Tribunais de Justiça. No segundo, tratar-se-á da simultaneidade de ações de controle concentrado perante os referidos tribunais, bem como suas possíveis consequências.
Quanto à Metodologia, o relato dos resultados foi composto na base lógica Indutiva[i]e foi utilizada a técnica da Pesquisa Bibliográfica[ii].
1. Controle de Constitucionalidade
A existência do Controle de Constitucionalidade pressupõe que haja uma ordem jurídica encabeçada por uma Constituição rígida, estando nela esquadrinhados o conteúdo e o processo de elaboração das demais normas, bem como a estruturação e as normas fundamentais do Estado e a organização de seus órgãos.
Uma Constituição rígida "possui um processo de alteração mais dificultoso, mais árduo, mais solene do que o processo legislativo de alteração das normas não constitucionais" (LENZA, 2010, p. 195), de modo que a rigidez da Constituição é um pressuposto do Controle de Constitucionalidade, pois "se as leis infraconstitucionais fossem criadas da mesma maneira que as normas constitucionais, em caso de contrariedade ocorreria a revogação do ato anterior e não a inconstitucionalidade." (BARROSO, 2012, p. 23).
A Constituição se revela suprema, sendo "o fundamento de validade de todas as demais normas. Por força dessa supremacia, nenhuma lei ou ato normativo — na verdade, nenhum ato jurídico — poderá subsistir validamente se estiver em desconformidade com a Constituição" (BARROSO, 2012, p. 23). Todas as pessoas públicas ou privadas estão submetidas a esta supremacia, de modo que não é possível admitir que uma lei incompatível com a Constituição, seja formal ou materialmente, possa ser aplicada.
Diante disso, a Constituição Federal é a norma suprema do ordenamento do país e mesmo as Constituições dos Estados membros, que detém sua parcela de supremacia, devem observar a Constituição Federal em função do princípio da simetria, o qual "pressupõe um paralelismo, uma correspondência, entraa Constituição Federal e as diversas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas Municipais" (BUCK, 2014).
A realização do Controle de Constitucionalidade pode ser feita tanto de forma preventiva – durante o processo legislativo, como repressiva – após a publicação da norma; bem como por todos os Poderes da República: Executivo, Legislativo e Judiciário. Contudo, aqui iremos nos ater ao controle repressivo efetuado pelo Poder Judiciário.
1.1 Controle de Constitucionalidade Jurisdicional
O sistema de controle jurisdicional realizado pelo Poder Judiciário, pode ocorrer por um órgão único ou por todo e qualquer juiz ou tribunal, ou seja, de modo concentrado ou difuso, como explicam BRUNING e CAETANO SEBASTIANI (2013, p. 97/98):
"No controle difuso, qualquer juiz ou tribunal poderá diante de uma discussão jurídica sub judice, analisar a arguição de inconstitucionalidade de ato normativo que esteja relacionado com o julgamento da demanda, ou seja, a declaração de inconstitucionalidade é questão incidental, que precede a análise do objeto da demanda. De outra parte, no controle concentrado, o objeto da demanda é a própria declaração de inconstitucionalidade da norma abstrata. Será analisada, portanto, diretamente a constitucionalidade, ou não, de determinado ato normativo."
O controle difuso teve sua origem nos Estados Unidos da América, em 1803, quando o juiz John Marshall da Suprema Corte norte-americanajulgou o caso Marburyversus Madison, decidindo que "é nula qualquer lei incompatível com a Constituição; e que todos os tribunais, bem como os demais departamentos, são vinculados por esse instrumento" (LENZA, 2010, p. 224).
Já o controle concentrado surgiu na Áustria com a Constituição de 1920, sob a influência de Hans Kelsen, para quem "a fiscalização da validade das leis representava tarefa especial, autônoma, que não deveria ser conferida a todos os membros do Poder Judiciário, já encarregados de exercerem a jurisdição, mas somente a uma Corte Constitucional."(PAULO; ALEXANDRINO, 2012, p. 774).
No Brasil, o surgimento do controle do constitucionalidade se deu com a Proclamação da República em 1891, o qual, baseado no modelo americano, era feito de modo difuso e incidental. A Constituição de 1934 introduziu a representação interventiva mediante provocação do Procurador-Geral da República, dando origem no país ao controle concentrado a ser feito exclusivamente pelo Supremo Tribunal Federal.[iii]
Em 1965, a competência do Supremo Tribunal Federal foi ampliada com a Emenda Constitucional n. 16, que alterando a letra "k" do inciso I do Art. 100 da Constituição de 1946, dispôs que competia ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar: "a representação contra inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa, federal ou estadual, encaminhada pelo Procurador-Geral da República."[iv]
A Constituição de 1988 manteve o sistema híbrido, ou seja, que combina o controle difuso com o controle concentrado, porém, trouxe várias novidades quanto ao controle concentrado, conforme leciona BARROSO (2012, P. 59):
"a) a ampliação da legitimação ativa para a propositura de ação direita de inconstitucionalidade (art. 103); b) a introdução de mecanismos de controle de inconstitucionalidade por omissão, como a ação direta com esse objeto (art. 103, § 2º) e o mandado de injunção (art. 5º, Inc. LXXI); c) a recriação da ação direita de inconstitucionalidade em âmbito estadual, referida como representação do inconstitucionalidade (art. 125, §2º); d) a previsão de um mecanismo de arguição de descumprimento de preceito fundamental (art. 102, §1º); e) a limitação do recurso extraordinário às questões constitucionais (Art. 102, III)."
Além disso, estabeleceu que o controle concentrado pode ser realizado não somente pela Suprema Corte do país, o Supremo Tribunal Federal, mas também por todos os Tribunais de Justiça dos estados, conforme é possível colher do disposto no art. 102, inciso I, alínea "a", que diz: "Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal" e no art.125, §2º, que dispõe: "Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. […] § 2º – Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão."
1.1.1 Legitimados
Tendo em conta que no controle difuso a verificação da constitucionalidade é realizada de forma incidental, qualquer um dos intervenientes da ação principaldetém legitimidade para dar inicio ao controle de constitucionalidade no caso concreto: "as partes do processo, os eventuais terceiros interessados admitidos como intervenientes no processo e o representante do Ministério Público que oficie no feito, como fiscal da lei (custos legis)." (PAULO; ALEXANDRINO, 2012, p. 769). Além desses, o juiz ou tribunal da causa, ainda que não seja provocado, pode declarar a inconstitucionalidade de determinada lei, deixando de aplicá-la ao caso concreto, pois, eles têm o poder-dever de defender a Constituição.
Já no controle concentrado perante o Supremo Tribunal Federal, o rol de legitimados está fixado na própria Constituição Federal, vejamos:
"Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:
I – o Presidente da República;
II – a Mesa do Senado Federal;
III – a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;
V o Governador de Estado ou do Distrito Federal;
VI – o Procurador-Geral da República;
VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII – partido político com representação no Congresso Nacional;
IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional."
Dentre esses legitimados, alguns são tidos como universais e outros como especiais. Os universais não precisam demonstrar pertinência temática para a propositura da ação e são aqueles arrolados nos incisos I, II, III, VI, VII, VIII, já os legitimados especiais, incisos IV, V, IX,precisam demonstrar a existência de pertinência temática, ou seja, "é necessário haver uma relação entre a norma que se deseja impugnar e as atividades institucionais do requerente. Somente demonstrado esse entrelace é que o requerente será considerado efetivamente legitimado." (BRUNING; CAETANO SEBASTIANI, 2013, p. 174).
Os legitimados para propor ações do controle concentrado perante os Tribunais de Justiça estão enumerados nas Constituições Estaduais, as quais devem observar a Constituição Federal no que se refere a proibição de atribuir a legitimação a um único órgão.
1.1.2 Ações para o Controle Concentrado de Constitucionalidade e seus parâmetros
No âmbito federal, perante o Supremo Tribunal Federal, o controle abstrato em face da Constituição Federal pode ser exercido por meio das seguintes ações: Ação Direita de Inconstitucionalidade genérica (ADI), Ação Direita de Inconstitucionalidade por omissão (ADO), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF).
Cada uma tem que observar determinados parâmetros para o controle de constitucionalidade. A ADI e a ADC podem invocar qualquer norma formalmente constitucional vigente no momento da propositura da ação, ou seja, as normas integrantes da CFRB/1988, as permanentes (art. 1º ao art. 250) e as transitórias que ainda não tenham sua eficácia exaurida; bem como os tratados internacionais de direitos humanos aprovados nos termos do Art.5º, § 3º, da CFRB/1988. Contudo, não se admite como parâmetro para a ADI e a ADC: "I) normas de Constituições anteriores; II) norma constitucional revogada; III) o preâmbulo que, apesar de parte integrante da Constituição, não tem caráter normativo; e, IV) normas de Constituições Estaduais ou de Lei Orgânicas." (NOVELINO, 2011, p.294).
A ADO é a ação que busca combater a omissão do Poder Legislativo em regulamentar norma constitucional de eficácia limitada, qual seja, norma constitucional que, para produzir seus efeitos, depende da atuação do legislador infraconstitucional.Assim, seu parâmetro "são as normas constitucionais que dependem de alguma medida intermediadora dos poderes públicos para terem plena efetividade." (NOVELINO, 2011, p. 324).
Por sua vez a ADPF tem como parâmetro qualquer preceito fundamental. Acerca do significado de preceito fundamental, assim se expressou FERREIRA MENDES (2011, p. 148):
"É muito difícil indicar, a priori, os preceitos fundamentais da Constituição passíveis de lesão tão grave que justifique o processo e julgamento da arguição de descumprimento. Não há dúvida de que alguns desses preceitos estão enunciados, de forma explícita, no texto constitucional. Assim, ninguém poderá deixar de negar a qualidade de preceitos fundamentais da ordem constitucional aos direitos e garantias fundamentais (art. 5°, dentro outros). Da mesma forma, não se poderá deixar de atribuir essa qualidade aos demais princípios protegidos pela cláusula pétrea do art. 60§4°, da CF: o princípio federativo, a separação de poderes, o voto direto, secreto, universal e periódico."
Quanto ao objeto da ação, a ADC pode ter como objeto apenas lei ou ato normativo federal ea ADI lei ou ato normativo federal ou estadual; desde que tais normas sejam posteriores à Constituição de 1988. A ADPF pode ter como objeto lei, ato normativo ou qualquer ato do Poder Público federal, estadual ou municipal de qualquer tempo, ou seja, anterior ou posterior à Constituição vigente. A ADO tem como objeto a omissão constitucional.
No âmbito estadual, a competência para o controle concentrado de constitucionalidade é dos Tribunais de Justiça, por meio da Representação do Inconstitucionalidade, conforme disposto no Art. 125, parágrafo 2º da CRFB/88.
Segundo a lição de NOVELINO (2011, p.336), "o único parâmetro para o controle concentrado-abstrato no âmbito estadual são os dispositivos da Constituição do respectivo estado, não sendo possível estender o parâmetro à Constituição da República, nem à Lei orgânica Municipal."
Quanto ao objeto, a Representação de Inconstitucionalidade no âmbito estadual tem as leis ou atos normativos estaduais ou municipais, não sendo admitidos em qualquer hipótese como objetos leis ou atos normativos federais.
1.1.3 Efeitos das decisões proferidas em Controle de Constitucionalidade
As decisões proferidas no controle difuso de constitucionalidade, em regra, têm efeito "extunc", ou seja, "no momento que a sentença declara que a lei é inconstitucional, produz efeito pretéritos, atingindo a lei desde a sua edição, tornado-a nula de pleno direito. Produz, portanto, efeitos retroativos" (LENZA, 2010, p. 227), bem como efeito "inter partes", ouseja, tais decisões são vinculantes somente às partes envolvidas na lide, de modo que a lei tida por inconstitucional pode continuar sendo aplicada pelo Poder Público. Ocorre que essa ausência de força vinculante das decisões proferidas em controle difuso de constitucionalidade, pode gerar a multiplicação de demandas que também busquem a aplicação do entendimento já delineado pelo Tribunal ao seu caso concreto.
Diante disso, a Emenda Constitucional n. 45 de 2004 trouxe a figura da Súmula Vinculante, incluindo o Art. 103-A[v] na Constituição Federal, possibilitando que em determinados casos a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal passe a ter efeito vinculante. Para isso, é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos cumulativos: a matéria deve ser constitucional; a existência de reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal sobre essa matéria constitucional; existência de controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a Administração Pública; a controvérsia acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
Ademais, ao declarar a inconstitucionalidade de uma norma pelo controle difuso o Supremo Tribunal Federal deve comunicar ao Senado Federal, a quem compete privativamente suspender a sua execução, no todo ou em parte (CF/88, art. 52, inc. X), dando à decisão, portanto, efeito "erga omnes".
No que tange às decisões proferidas no controle concentrado, consoante o disposto na Lei n. 9.868/1999[vi], art. 28,as decisões proferidas em ADC e ADI têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal. No mesmo rumo reza o §3º do art. 10 da Lei n. 9.882/1999[vii], dizendo que a decisão proferida em ADPF terá eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público.
Insta ressaltar que tanto o Supremo Tribunal Federal como o legislador são imunes ao efeito vinculante das decisões, pois o STF poderá no futuro rever suas decisões e o legislador é livre para criar uma lei nova com um conteúdo material idêntico ao do texto normativo declarado inconstitucional.
Além disso, sobreleva-se que, em regra, a decisão que declara a inconstitucionalidade da lei produz efeitos retroativos, ou seja, extunc, pois:
"A decisão que reconhece a inconstitucionalidade tem caráter declaratório — e não constitutivo —, limitando-se a reconhecer uma situação preexistente. Como consequência, seus efeitos se produzem retroativamente, colhendo a lei desde o momento de sua entrada no mundo jurídico. Disso resulta que, como regra, não serão admitidos efeitos válidos à lei inconstitucional, devendo todas as relações jurídicas constituídas com base nela voltar ao status quo ante." (BARROSO, 2012, p. 32).
Contudo, é possível a aplicação do efeito "ex nunc" quando assim for necessário à manutenção da segurança jurídica ou o exigir o excepcional interesse social, em tais casos, o STF, por maioria de dois terços de seus membros, poderá restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou mesmo decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado, conforme autorizam o art. 27 da Lei n. 9.868/1999e o art. 11 da Lei n. 9.882/1999, esse procedimento é denominado de modulação do efeitos.
No controle concentrado perante os tribunais de justiça, as decisões têm as mesmo efeitos, ou seja, "extunc"e"erga omnes".
2. Simultaneidade de Ações Diretas de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal de Justiça
A Ação Direita de Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal pode ter como objeto ato normativo federal ou estadual, e a Representação de Inconstitucionalidade perante os Tribunais de Justiça dos estados tem como objeto as leis e atos normativos estaduais ou municipais, de onde se verifica que as leis estaduais podem ter sua constitucionalidade questionada tanto perante o STF quando perante os Tribunais de Justiça, obviamente tendo como parâmetro daquele a Constituição Federal e desses a Constituição Estadual respectiva.
Diante disso, é possível que uma mesma lei estadual seja questionada perante o STF e o TJ, de onde surgem várias questões a serem abordadas: se as ações forem distribuídas simultaneamente, qual das decisões prevalecerá caso sejam divergentes? Existe a necessidade de suspender o curso de uma das demandas? Ocorre litispendência ou continência? É possível rediscutir a matéria perante o Supremo Tribunal Federal, caso a ação anterior tenha transitado em julgado perante o Tribunal de Justiça?
Para elucidar tais questionamentos far-se-á uma leitura doutrinária e jurisprudencial, a fim deverificar como o tema vem sendo tratado.
2.1 Continência e Litispendência
Na processualística convencional a identificação de uma demanda ocorre pela análise de suas partes, causa de pedir e pedido, são os chamados elementos da ação.
Caso existam duas ações com os mesmos elementos tramitando ao mesmo tempo ocorrerá litispendência (CPC, Art. 301, §§1º a 3º). Contudo, caso haja identidade quanto às partes e a causa de pedir, mas o objeto de uma, por ser mais amplo, abrange o da outra, ocorre continência (CPC, Art. 104).
Ocorrendo litispendência, a demanda mais recente deve ser extinta sem a resolução do mérito (Art. 267, inciso V). No caso da continência as duas demandas continuarão tramitando, porém serão reunidas e julgadas pelo mesmo juízo (CPC, art. 105).
Desta feita, no ajuizamento de duas demandas questionando a constitucionalidade de uma lei estadual, uma no STF e outra no TJ é possível dizer que não ocorre nenhum dos institutos, isso porque a causa de pedir seria diversa, já que o parâmetro para a análise da constitucionalidade seria para o STF a Constituição Federal e para o TJ a Constituição Estadual.
2.2Ações Simultâneas
No caso de simultaneidade de ações, ou seja, se duas ações forem ajuizadas ao mesmo tempo questionando a mesma lei estadual, a parte da doutrina afirma que a ação proposta perante o Tribunal de Justiça deve ser suspensa até que o Supremo Tribunal Federal se pronuncie.
Assim, leciona NOVELINO (2011, p. 338): "Havendo a ocorrência de simultaneusprocessus, o instaurado perante o TJ deverá ser suspenso até a decisão final do STF."
No mesmo sentido se posiciona LENZA (2010, P. 323) quando diz que "a mesma lei estadual poderá ser objeto de controle concentrado no TJ e no STF. Se isso acontecer, estaremos diante do fenômeno da simultaneidade de ações diretas de inconstitucionalidade. Nessa situação, o controle estadual deverá ficar suspenso."
Na mesma toada FERREIRA MENDES e BRANCO (2012, p. 1587) ensinam que sendo propostas as duas ações "há de se suspender o processo no âmbito da Justiça Estadual até a deliberação definitiva da Suprema Corte."
Para estes doutrinadores, caso o STF declare a inconstitucionalidade da lei estadual perante a Constituição Federal, a ação ajuizada perante o TJ perderia seu objeto, já que a lei não produz mais efeitos; porém, caso a lei estadual seja tida por constitucional, o TJ pode dar prosseguimento ao processo a fim de verificar a compatibilidade da lei com a Constituição Estadual.
Já PAULO e ALEXANDRINO (2012, p. 924) analisam a questão estabelecendo uma distinção das normas da Constituição estadual, entre aquelas que são de reprodução obrigatória da Constituição Federal e aquelas de natureza autônoma. Se é questionada a constitucionalidade de uma lei perante uma norma de reprodução obrigatória, o TJ deve suspender a ação e ao final acatar de qualquer forma a decisão do STF, vejamos:
"Ao final, como o parâmetro para o exame da validade de lei estadual é o mesmo nas duas ações diretas (porque o parâmetro da Constituição Estadual é norma de reprodução obrigatória da Constituição Federal), a decisão de mérito do Supremo Tribunal Federal obrigará o Tribunal de Justiça, por força do efeito vinculante da decisão em ação direta pelo STF. Enfim, a decisão de mérito proferida pelo Supremo Tribunal Federal, quer tenha reconhecido a constitucionalidade, quer tenha reconhecido a inconstitucionalidade da lei estadual, é dotada de efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário, obrigando, portanto, o Tribunal de Justiça, que se limitará a seguir o entendimento firmando pelo STF."
Contudo, se o questionamento tiver como fundamento uma norma autônoma da Constituição Estadual, cada tribunal a examinará frente a parâmetros distintos, Constituição Federal e Constituição Estadual, assim os citados doutrinadores defendem que "caso o Supremo Tribunal Federal declara a lei estadual inconstitucional em confronto com a Constituição Federal, o Tribunal de Justiça não poderá considerá-la constitucional." Porém, caso o julgamento seja pela constitucionalidade, ensinam que "o Tribunal de Justiça prosseguirá, autonomamente, no julgamento da ação direta que impugna a lei em face da Constituição do estado, podendo declarar a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade desta."
O Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre o assunto na ADI 3482/DF, cujo Relator foi o Ministro Celso de Melo, em julgamento realizado em 08/03/2006, decidindo pela suspensão do processo em trâmite perante o Tribunal de Justiça, vejamos:
"AJUIZAMENTO DE AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADETANTO PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (CF, ART. 102, I, "A")QUANTO PERANTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL (CF, ART. 125, § 2º).PROCESSOS DE FISCALIZAÇÃO CONCENTRADA NOS QUAIS SE IMPUGNA OMESMO DIPLOMA NORMATIVO EMANADO DE ESTADO-MEMBRO OU DO DISTRITOFEDERAL, NÃO OBSTANTE CONTESTADO, PERANTE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,EM FACE DE PRINCÍPIOS INSCRITOS NA CARTA POLÍTICA LOCALIMPREGNADOS DE PREDOMINANTE COEFICIENTE DE FEDERALIDADE (RTJ147/404 – RTJ152/371-373). OCORRÊNCIA DE "SIMULTANEUSPROCESSUS". HIPÓTESE DE SUSPENSÃO PREJUDICIAL DO PROCESSO DECONTROLE NORMATIVO ABSTRATO INSTAURADO PERANTE O TRIBUNAL DEJUSTIÇA LOCAL. NECESSIDADE DE SE AGUARDAR, EM TAL CASO, ACONCLUSÃO, PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, DO JULGAMENTO DA AÇÃODIRETA. DOUTRINA. PRECEDENTES (STF)."[viii]
Diante disso, pode-se concluir que em qualquer hipótese de simultaneidade, a ação perante o Tribunal de Justiça deverá ser suspensa até que o Supremo Tribunal Federal se manifeste.Ademais, para que a lei permaneça no ordenamento jurídico é necessário que ambos os tribunais reconheçam sua constitucionalidade, pois, caso um deles a declare inconstitucional ela será retirada.
Esclarecido este ponto, iremos analisar a possibilidade de rediscussão da matéria no STF após o trânsito em julgado no TJ.
2.3 A Formação da Coisa Julgada e a Possibilidade de Rediscussão da Matéria.
Imaginemos que seja ajuizada ação perante o Tribunal de Justiça questionando a constitucionalidade de lei estadual e que a mesma seja processada, julgada improcedente declarando a lei constitucional e transite em julgado.
Se, tempos depois, a mesma lei for questionada perante a Constituição Federal a decisão do STF poderá influenciar a decisão proferida pelo TJ, seria o caso em que o STF reconheça a inconstitucionalidade da norma, neste caso "como o STF é o intérprete da máximo da Constituição, a nova decisão do STF prevalecerá inclusive sobre a coisa julgada estadual." (LENZA, 2010, p. 324).
Caso, entretanto, o Tribunal de Justiça tenha reconhecido a inconstitucionalidade da norma, não há que se falar em ajuizamento de ADI no STF, pois a norma já foi retirada do ordenamento jurídico.
Considerações Finais
O Controle de Constitucionalidade pressupõe a existência de uma Constituição rígida que seja a lei suprema do ordenamento jurídico, bem como a existência de órgão responsável pela verificação de compatibilidade das normas produzidas com esta Constituição.
O ordenamento jurídico brasileiro adota os sistema misto de controle, pois este pode ser realizado por todos os poderes da República (Executivo, Legislativo e Judiciário). E quanto ao controle realizado pelo judiciário ele pode se dar de modo difuso, ou seja, por todo e qualquer juiz que tenha jurisdição em qualquer local do país de forma incidente num caso concreto; bem como pelo modo concentrado, ou seja, somente pelas Cortes destinadas ao controle em abstrato.
O Controle Concentrado de Constitucionalidade é realizado tanto pelo Supremo Tribunal Federal que tem jurisdição federal e usa como parâmetro a Constituição Federal, como pelos Tribunais que têm jurisdição estadual e como parâmetro a Constituição do Estado.
Contudo, em que pesem as diversas ações que podem ser ajuizadas para o Controle Concentrado perante o Supremo Tribunal Federal, existe identidade de objeto entre a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade e a Representação de Inconstitucionalidade, visto que as duas podem questionar a constitucionalidade de leis estaduais, uma perante o STF tendo a Constituição Federal como parâmetro e a outra perante o TJ sendo parâmetro a Constituição do Estado.
Isso pode originar a simultaneidade de ações de controle concentrado, ocasião na qual a ação que tramita perante o Tribunal de Justiça deve ser suspensa até o que o Supremo Tribunal Federal se manifeste. Somente a manifestação pela constitucionalidade da norma impugnada autoriza o Tribunal de Justiça a prosseguir com demanda, inclusive julgado pela inconstitucionalidade da norma frente a Constituição Estadual. Caso o Supremo Tribunal Federal julgue a norma inconstitucional, a ação perante o Tribunal de Justiça perderá seu objeto, por a norma não terá mais existência no ordenamento jurídico.
Mestranda em Ciência Jurídica pelo Programa de Pós Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica PPCJ UNIVALI CAPES – Conceito 5. Pós-graduada em Direito Tributário pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI 2013 e em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera 2015. Bacharela em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI 2012. É Servidora Pública do Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina exercendo o cargo de Técnica Judiciária Auxiliar atuando na Comarca de Itajaí
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