A Constituição Federal de 1988 estabeleceu, entre outras garantias, normas que tratam de forma diferenciada crimes considerados extremamente graves. Alguns crimes são classificados como imprescritíveis e/ou inafiançáveis, o que significa que não prescrevem ao longo do tempo e não admitem a possibilidade de pagamento de fiança para que o acusado possa responder em liberdade.
Essas disposições estão inseridas no rol de direitos e garantias fundamentais, e refletem a preocupação do legislador com a preservação da ordem social e dos direitos humanos. Neste artigo, abordaremos de forma detalhada quais são os crimes imprescritíveis, o que significa essa classificação, e também analisaremos os crimes inafiançáveis e a questão dos crimes que não admitem indulto.
A prescrição é um instituto jurídico que estabelece um prazo limite para que o Estado possa processar e punir alguém por um crime. Se o prazo prescricional expira, o direito de punir do Estado se extingue, o que significa que o criminoso não pode mais ser responsabilizado penalmente. No entanto, a própria Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XLIV, prevê exceções a essa regra, classificando determinados crimes como imprescritíveis, ou seja, crimes que podem ser punidos a qualquer tempo, independentemente de quanto tempo se passou desde sua prática.
O racismo é considerado um crime gravíssimo pela legislação brasileira e, por essa razão, foi declarado imprescritível. Isso significa que, mesmo que décadas se passem, o Estado tem o direito e o dever de investigar, processar e punir o autor de um ato de racismo.
O crime de racismo é caracterizado por condutas que discriminam, ofendem ou prejudicam pessoas com base em sua raça, cor, etnia ou origem. Além de ser imprescritível, o racismo também é inafiançável, ou seja, o acusado não pode ser liberado mediante o pagamento de fiança.
Outro crime imprescritível estabelecido pela Constituição é a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. Esse tipo de conduta abrange ataques organizados que busquem subverter a ordem política, como tentativas de golpe de Estado ou insurreições armadas que visam derrubar o governo legítimo.
Esses crimes são considerados uma ameaça grave à estabilidade e ao funcionamento das instituições democráticas e, por isso, podem ser processados e punidos a qualquer tempo, independentemente da data de sua ocorrência.
Há propostas de ampliação da lista de crimes imprescritíveis. Um exemplo é o Projeto de Lei nº 5686/2019, que sugere a inclusão de crimes como terrorismo, tráfico de drogas e crimes hediondos no rol dos crimes imprescritíveis. No entanto, essa proposta ainda está em tramitação e não foi aprovada. Atualmente, apenas o racismo e a ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático são crimes imprescritíveis conforme a legislação vigente.
Embora o racismo e a ação de grupos armados contra a ordem constitucional sejam os únicos crimes imprescritíveis expressamente previstos pela Constituição, há outros crimes que são classificados como inafiançáveis, ou seja, crimes pelos quais não se admite a possibilidade de concessão de fiança, embora possam prescrever com o tempo.
Os crimes inafiançáveis não permitem que o acusado pague uma quantia para responder ao processo em liberdade, devido à gravidade da conduta. O artigo 5º da Constituição Federal, em seus incisos XLIII e XLIV, lista esses crimes:
Os crimes mencionados acima, além de serem inafiançáveis, não permitem a concessão de anistia ou graça, ou seja, o Estado não pode conceder perdão ou indulto para os condenados por essas condutas.
Além de alguns crimes específicos serem considerados imprescritíveis, também existem direitos que são imprescritíveis. Isso significa que esses direitos podem ser reivindicados a qualquer tempo, independentemente de quando ocorreram as violações ou os fatos que geram a pretensão. A imprescritibilidade desses direitos está diretamente relacionada à sua natureza fundamental, ou seja, são direitos que o Estado deve proteger em qualquer circunstância.
Exemplos de direitos imprescritíveis incluem:
O direito à vida é um dos pilares da Constituição e é considerado imprescritível. Ele deve ser garantido pelo Estado em qualquer circunstância, e qualquer violação desse direito, como em casos de homicídio, deve ser processada.
Outro direito fundamental que é imprescritível é o direito à dignidade da pessoa humana. Esse princípio norteia toda a estrutura constitucional brasileira, sendo base para a interpretação de todas as normas e para a aplicação da justiça.
O direito à igualdade, que se refere ao tratamento igualitário de todas as pessoas perante a lei, sem discriminações de qualquer natureza, é imprescritível. Esse direito garante que todos os indivíduos tenham as mesmas oportunidades e proteção legal, e sua violação pode ser questionada a qualquer tempo.
O indulto é uma prerrogativa do Presidente da República, que pode conceder perdão total ou parcial de penas a determinados condenados, conforme previsto no artigo 84, inciso XII, da Constituição Federal. O indulto pode ser concedido por meio de decreto presidencial, e costuma ser utilizado para liberar presos que já cumpriram parte de sua pena e apresentam bom comportamento.
No entanto, a Constituição e a legislação infraconstitucional estabelecem exceções para o indulto. Existem crimes que, em razão de sua gravidade, não podem ser perdoados por meio de indulto. Entre os crimes que não admitem indulto, destacam-se:
Os crimes hediondos são aqueles considerados de extrema gravidade pela legislação. Eles incluem homicídios qualificados, estupro, latrocínio (roubo seguido de morte), sequestro, entre outros. Conforme estabelecido pela Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/1990), os condenados por esses crimes não podem receber indulto, anistia ou graça.
O crime de tortura é uma grave violação dos direitos humanos, e por essa razão, os condenados por esse tipo de crime não podem ser beneficiados com o indulto. Além disso, a tortura é inafiançável e não admite anistia.
O tráfico de drogas é considerado um crime de grande impacto social, sendo responsável por uma série de outras formas de violência e criminalidade. Por essa razão, o indulto não se aplica a traficantes condenados, conforme estabelecido pela Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006).
Os crimes de terrorismo são considerados ameaças à segurança e à estabilidade de um país. Por essa razão, os condenados por terrorismo não têm direito a indulto ou outros benefícios que reduzam suas penas.
Os crimes imprescritíveis e inafiançáveis são tratados de maneira diferenciada pela Constituição Federal devido à sua gravidade e ao impacto que podem ter sobre a ordem social e os direitos humanos. Enquanto os crimes imprescritíveis, como o racismo e a ação de grupos armados contra o Estado Democrático, podem ser processados e punidos a qualquer tempo, outros crimes inafiançáveis, como terrorismo, tráfico de entorpecentes, tortura e crimes hediondos, também não permitem fiança ou indulto.
Essas classificações reforçam o compromisso do Estado brasileiro com a defesa dos direitos fundamentais e a preservação da ordem pública, impondo barreiras legais para que crimes extremamente graves sejam enfrentados com rigor. Ao mesmo tempo, garantem que condutas como o racismo, que violam a dignidade humana, possam ser punidas a qualquer momento, independentemente de quanto tempo tenha se passado desde sua prática.
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