Direito Penal

Criminalização da LGBTfobia Pelo STF: Uma Análise à Luz Dos Princípios Constitucionais

Nome do autor: Cindy Tanus Lopes – Acadêmica em Direito pela Faculdade de Direito do Centro Universitário Faminas – UNIFAMINAS/Muriaé. email: cindy.tanus@hotmail.com

Coautora: Gabriela Lomeu Soares de Oliveira – Advogada. Pós-Graduanda no curso de Direito e Processo do Trabalho do Instituto Damásio de Direito. Email: gabrielalosou@gmail.com

Coautora: Vânia Ágda O. Carvalho – Professora universitária-UNIFAMINAS-Muriaé/MG. Mestra em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável- ESDHC/MG. Especialista em Direito Civil e Processo Civil-FADIVALE-MG. E-mail: vaniaagdaocarvalho@gmail.com

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Orientador: Eduardo de Assis Pinheiro. Advogado, especializado em Direito Empresarial e dos Negócios. Professor Faculdade de Direito do Centro Universitário Faminas – UNIFAMINAS em Muriaé.  E-mail: eduardo.pinheiro@unifaminas.edu.br

Resumo: O presente artigo busca analisar a Constitucionalidade da atuação do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, de nº 26, e do Mandado de Injunção de nº 4733, que passou a enquadrar as práticas de Homofobia e Transfobia nos diversos tipos penais na Lei nº 7.716/89 – Lei de racismo. Tem como objetivo o esclarecimento dos conceitos importantes ao estudo de gênero e as demais definições de sexualidade, baseando-se no contexto histórico e as diferentes concepções sociais existentes acerca da comunidade LGBT. Assim, propõe-se a discutir, vinculado ao objetivo principal, as questões acerca da legalidade e o ativismo judicial envolvido na problemática. Além de avaliar os reflexos jurídicos e sociais da criminalização da homotransfobia na garantia da efetivação dos Princípios Constitucionais, em especial a Dignidade da Pessoa Humana, o Princípio da Igualdade e o Princípio da Liberdade.  Foram utilizados como fonte os artigos disponíveis nas bases de dados Google Acadêmico, Scielo, Academia.edu, doutrinas e revistas jurídicas.

Palavras-chave:Ativismo judicial. Criminalização.  LGBTfobia. Omissão Inconstitucional. Princípios Constitucionais.

 

Abstract: The present article seeks to analyze the Constitutionality of the action of the Supreme Federal Court in the judgment of Direct Action of Unconstitutionality for Omission of No. 26 and Injunction Order of No. 4733, which started to frame the practices of Homophobia and Transphobia in the various criminal types in Law No. 7.716 / 89 – Law of racism. It aims to clarify the concepts important to the study of gender and other definitions of sexuality, based on the historical context and the different existing social conceptions about the LGBT community. This article aims to analyze and discuss the questions of legality and judicial activism involved in the problem. In addition to assessing the legal and social consequences of the criminalization of homotransphobia in guaranteeing the effectiveness of the Constitutional Principles, especially the Dignity of the Human Person, the Principle of Equality and the Principle of Liberty. The articles available in the Google Scholar, Scielo and Academia.edu databases, doctrines and legal journals were used as a source.

Keywords: Judicial activism Criminalization. LGBTphobia. Unconstitutional omission. Constitutional principles.

 

Sumário:  Introdução. 1. Conceitos importantes do estudo de gênero e sexualidade. 2. Concepções sociais e históricas acerca da comunidade LGBT+. 2.1. A homossexualidade ao longo da história. 2.2 A homossexualidade como pecado 2.3. A homossexualidade como doença. 3. Homofobia 3.1. Dados da violência contra LGBT 3.2 Movimento LGBT  4. Homofobia no Brasil sob a ótica dos princípios constitucionais. 4.1. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 4.2. Princípio da igualdade 4.3. Princípio da liberdade. 5.  Ação direta de inconstitucionalidade por omissão e a equiparação da LGBTfobia ao crime de racismo – ADO 26 e MI 4733. Conclusão. Referências

 

Introdução

É inegável que a identidade da pessoa humana tem como um dos elementos mais importantes que integram a sua personalidade os aspectos de gênero e de sua orientação sexual.

O discurso existente na sociedade de um padrão heteronormativo, em que as diferenças existentes entre o homem e a mulher, determinam a forma como estes venham a desempenhar seus papéis sociais, é o oposto da diversidade e do pluralismo evidentes de uma sociedade democrática.

Dessa forma, pessoas cujas quais não se adequam a esse padrão construído e estabelecida pela sociedade encontram-se cada vez mais em situações expostas à diversos tipos de violência, estas de caráter segregacionista, que visam a limitar ou suprimir suas prerrogativas de vida.

No trabalho em questão será abordada a violência destinada às essas pessoas inseridas na minoria LGBT, quais sejam, gays, lésbicas, bissexuais, transsexuais e entre outros.

Ao analisarmos a Constituição Federal de 1988 (CRFB/1988), esta preleciona a punição de qualquer discriminação que seja atentatória de direitos e liberdades fundamentais, devendo-se preservar os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da liberdade.

Nesse sentido, a Ação Direta de Constitucionalidade, de nº 26, e o Mandado de Injunção de nº4733, alegam a ausência de proteção estatal, diante da omissão do Congresso Nacional para a produção de normas efetivas de proteção direcionadas à comunidade LGBT, enquanto uma minoria que se encontra em situação de desigualdade perante a sociedade, no que diz respeito aos seus direitos.

Analisaremos neste artigo, portanto, os pontos principais e os controvertidos que levaram a referida decisão pelo STF de criminalizar a homofobia enquadrando-a na Lei de Racismo, discutindo sobre quais foram os fundamentos para a tomada da decisão.

 

  1. Conceitos importantes acerca de gênero e sexualidade:

A sexualidade trata-se de um fenômeno amplo que envolve o ser humano e seu aspecto biológico, do papel sexual, da orientação sexual, de identidade de gênero e da prática do ato sexual em si. Ou seja, envolve uma construção ampla de identidade, ao abranger tanto a cultura biológica do indivíduo, quanto a cultura biográfica dele, aquilo que é e se constrói com o tempo e com influência do meio. Para a World Health Organization (WHO), a sexualidade pode ser definida como “uma energia que nos motiva para encontrar amor, contato, ternura e intimidade; ela integra-se no modo como sentimos, movemos, tocamos e somos tocados, é ser-se sensual e ao mesmo tempo ser-se sexual. A sexualidade influencia pensamentos, sentimentos, ações e interações e, por isso, influencia também a nossa saúde física e mental”. (WHO, 2006, p. 05).

É muito comum ao tratar do tema sexualidade que esta seja conceituada apenas na perspectiva do masculino ou do feminino, bem como da relação sexual, o que ocasionaria com que a palavra “sexo” seja considerada um sinônimo, porém, como visto, essa se refere a um campo muito mais amplo.

Fortemente ligada aos fatores socioculturais, políticos, econômicos, legais, religiosos e espirituais aos quais o indivíduo está inserido, percebe-se que diferentes culturas apresentam diferentes características relacionadas a como este vem a expressar sua sexualidade e as diversas relações de poder que definem o que vem a ser visto como um comportamento normal e aceitável ou anormal e inaceitável, conforme assevera Weeks. (2001, p.43). Como por exemplo, em sociedades de cultura oriental é comum a prática da poligamia e bigamia, enquanto em países de cultura ocidental, em sua maioria, a prática é proibida por lei, não existindo a possibilidade de estabelecer esse tipo de relação na forma legal. Logo, podemos observar que, tal como a cultura, quando falamos sobre sexualidade não estamos diante de uma constante, podendo haver modificações ao longo do tempo da maneira pela qual expressamos nossas identidades e desenvolvemos nossas relações interpessoais.

Quanto aos aspectos da sexualidade, entende-se o biológico pela análise dos órgãos genitais do indivíduo, podendo ser masculino ou feminino. Existem casos em que a pessoa nasce com ambos os órgãos, sendo chamados de intersexuais. Nesta situação, costuma ocorrer a predominância física de características relativas ao feminino ou masculino e assim seria definido o sexo da pessoa. Entretanto, alguns países consideram como um terceiro sexo.

Já o papel sexual, segundo o Brasil Escola, refere-se do modo como homens e mulheres se relacionam em sociedade. Analisa como é incorporado o papel de cada um, criando-se um padrão influenciado pela cultura predominante, esta que muitas vezes coloca o homem como hierarquicamente superior e, na maioria das vezes, não enxerga com bons olhos quem não segue o paradigma.

A respeito da identidade de gênero, enfatiza-se o aspecto psicológico e intrínseco do indivíduo, além de como ele se apresenta e comporta em suas relações sociais. Embora relacionamos a qualidade de ser homem com a masculinidade e a feminilidade com a qualidade de ser mulher, a conotação biológica não é levada em consideração nesse caso, como, por exemplo o que acontece em relação aos transexuais, referindo-se aos indivíduos cuja identidade de gênero distingue da qual foi designada ao nascer, ocorrendo a transição para o gênero oposto, por meio de procedimentos estéticos, tratamentos hormonais e dentre outras. (National Center for Transgender Equality, 2014).”

Também é importante reconhecer os indivíduos chamados não binários, cujas identidades não se encaixam nas categorias binárias de gênero masculino ou feminino.

Em relação à orientação sexual, essa diz respeito ao indivíduo que tem como identidade pessoal e social com base nas suas atrações, estabelecendo um envolvimento durável emocional, e/ou atração sexual por homens, mulheres, ou por ambos os sexos, aderindo, dessa forma, à uma comunidade de pessoas que compartilham dessa mesma orientação. (APA, 2008.)

Geralmente, são reconhecidos três tipos de orientação sexual: a heterossexualidade, a homossexualidade e a bissexualidade. Alguns consideram a assexualidade como uma quarta categoria de orientação sexual, distinta das anteriores, eis que se refere à ausência de atração sexual.

Logo, se a atração é dirigida a alguém do mesmo sexo, denomina-se homossexual, sendo as mulheres conhecidas como lésbicas e os homens como gays. Se ao contrário, a atração é dirigida a alguém do sexo oposto, denomina-se heterossexual. No caso do indivíduo que tem atração por ambos os sexos, se denomina bissexual. (RIOS e PIOVESAN, 2001).

O regime binário existente na sociedade como um modelo social impõe uma ordem sexual, em que de acordo com essa visão o sexo biológico é determinante para um comportamento social específico de ter como papel sexual o masculino ou feminino e portanto, a heterossexualidade, reproduzindo, tal qual sexismo como a homofobia. Sobre esse assunto, Daniel Borrilo diz que “A homofobia torna-se, assim, a guardiã das fronteiras tanto sexuais (hétero/homo), quanto de gênero (masculino/feminino). Eis por que os homossexuais deixaram de ser as únicas vítimas da violência homofóbica, que acaba visando, igualmente, todos aqueles que não aderem à ordem clássica dos gêneros: travestis, transexuais, bissexuais, mulheres heterossexuais dotadas de forte personalidade, homens heterossexuais delicados ou que manifestam grande sensibilidade…”.

Nas palavras de Borrilo, a homossexualidade “é apenas a simples manifestação do pluralismo sexual, uma variante constante e regular da sexualidade humana.” devendo ser considerada uma forma de sexualidade legítima e por isso respeitada.

 

  1. Concepções sociais e históricas acerca da comunidade LGBT:

Assevera Rios (2002, p. 120) que tratar a homossexualidade como sendo uma construção social significa postular que a identificação ou qualificação de alguém e seus atos em detrimento de uma outra orientação sexual, apenas tem sentido, na medida em que, em um contexto histórico cultural existe a figura da institucionalização de papéis e práticas definidas para cada um dos sexos, considerando assim a atração pelo sexo oposto ou não um elemento de relevância, capaz de impor tratamento desigual entre os indivíduos, sendo a condição homo ou heterossexual um critério de distinção, de tal maneira que em outras culturas esse tipo de informação pode ser irrelevante ou assumir um tipo de conotação diversa.

 

2.1 A homossexualidade ao longo da história

Durante a Pré-História, essa conduta era tratada com naturalidade, “a inseminação homossexual ritualizada dos meninos que, transcorrida a infância, eram separados das mães e retirados da ‘casa das mulheres’, para dormir com o pai na ‘casa dos homens’ […].” (TALAVERA, 2004, p. 65).

Na Grécia Antiga e no Império Romano também ocorria a normalização, sendo considerado “um estágio de evolução da sexualidade, das funções definidas para os gêneros e para as classes” (DIAS, 2006, p. 25). O casal mais conhecido da mitologia grega possui Zeus, que era considerado o Deus Supremo, e Ganimedes, um príncipe de Tróia, como protagonistas. “O deus mais poderoso e senhor do Olimpo era terminantemente apaixonado por Ganimedes”. (TALAVERA, 2004, p. 68).

Como podemos observar, a homossexualidade era vista como uma demonstração de desejo, considerada de total importância para a iniciação da vida adulta. Entretanto, “a heterossexualidade aparecia como uma preferência de certo modo inferior e reservada à procriação”, e a homossexualidade era a “instituição pedagógica ou ritual iniciatório” importante e necessário para transmissão dos ensinamentos por meio das gerações (DIAS, 2006, p. 26).

Em Roma, segundo Talavera (2004, p. 70), “permanecia as inconstâncias quando o assunto era a moralidade e a sexualidade: Para assegurar afeição, respeito e fidelidade, os romanos constituíam família com a escolha de uma esposa […]”, mas, todavia, “[…] se desejassem intempestividade, paixão e volúpia, escolhiam um garoto, tal qual os efebos que eram escolhidos pelos aristocratas e preceptores gregos”.

Para os romanos, de acordo com Dias (2006), a passividade sexual estava ligada a inaptidão política, logo, o agente passivo da relação homossexual ocupava o mesmo lugar dos escravos e mulheres, estes que também sofriam preconceito e eram exclusos do sistema de poder.

O Imperador Romano César, O Grande, ficou afamado como omnium virorum mulier, omnium mulierum virum, ou seja, mulher de todos os homens e homem de todas as mulheres, demonstrando a plenitude de sua bissexualidade (TALAVERA, 2004, p. 70).

Talavera também valida que outras sociedades como na Suméria, na Mesopotâmia, no Egito, na China e na Índia da Antiguidade, bem como no Império Islâmico, respeitavam e honravam o amor entre pessoas do mesmo sexo.

Na Idade Média, especialmente no período Renascentista, artistas e intelectuais, como “Leonardo Da Vinci, Michelângelo, Caravaggio, Shakespeare e Francis Bacon, cultivaram explicitamente paixões eminentemente homossexuais” (TALAVERA, 2004, p. 66).

Observa-se com isso que o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo nem sempre foi ditado pela sociedade como algo negativo.

Sabemos que hácódigos penais impugnando a homossexualidade, sendo o primeiro abordado noséculo XIII,noimpério de Gengis Kahn, onde a sodomia era sinônimo de pena de morte.

Havia também os chamados tribunais de Santa Inquisição que realizavam enforcamentos, afogamentos e fogueira como forma de condenar as pessoas que tinham condutas homossexuais. Tal prática acontecia também no período da Peste Negra em que era demonstrada como um ato de purificação para com a sociedade.

Juntamente com as missões jesuíticas, que foram as práticas de catequização oriundas da colonização espanhola e portuguesa, que nas civilizações americanas decorreu-se a recriminação de condutas homossexuais.

Percebe-se, portanto, que a prática de repreensão para com tais condutas se deu juntamente com o crescimento das religiões monoteístas, como, por exemplo o cristianismo, o islamismo e o judaísmo.

Enquanto na Revolução Francesa colocava-se um fim à condenação por sodomia no país, no ocidente, em 1953, começaram a serem escritas as leis do movimento cristão, o Buggery Act e o Código Penal de Portugal constavam os “Atos de Sodomia” e possuíam o juízo dotribunal eclesiástico que também condenavam por pena de morte.

Durante o nazismo, houve um extermínio intencional da comunidade LGBT. Eles eram levados ao campo de concentração, onde havia o genocídio. Esses grupos sofriammartírios, mutilações, choques,  leucotomia e até mesmo estupros, sob a defesa de que era uma doença mental.

 

2.2 A homossexualidade como pecado

A evolução da comunidade LGBT, esta que possui uma vertente social e histórica, também se divide na vertente religiosa, a qual possui forte influência por se sentir contrariada.

Antes do advento do Cristianismo e da Igreja Católica Apostólica Romana, o homoerotismo e as relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo eram comuns como instrumento de educação sexual entre homens mais velhos que ensinavam aos mais jovens o conhecimento dos seus corpos e das práticas sexuais (ULLMANN, 2007).

Para TREVISAN (2004, p. 19), além de ser inútil para a reprodução da espécie, a prática homossexual solaparia a família (em cujo seio se geram os novos consumidores) e seus padrões ideológicos (cuja ordem é consumir). […] o vácuo político-ideológico, a crise do capitalismo e a recrudescência dos credos religiosos institucionalizados criaram terreno fértil para as execrações morais, insufladas agora por um milenarismo de olho no capital.

É da Era Cristã que advém o maior preconceito com a homossexualidade, “A concepção bíblica busca a preservação do grupo étnico baseado no Gênesis e na história de Adão e Eva, de que a essência da vida é o homem, a mulher e sua família.” Dias (2006, p. 27)

A frase “vox populi, vox Dei” tinha o sentido de que qualquer atitude em descompasso com a maioria estava em desarmonia com a vontade divina e, por consequência, as minorias deveriam ser castigadas por implícito atentado a Deus.” (DIAS, 2006, p. 28)

Posteriormente, com o enfraquecimento dos laços entre o Estado e a Igreja, a dogmática de estrita obediência às normas estabelecidas pela religião cedeu lugar a um espaço de maior valoração do afeto, no qual a orientação sexual deixou de caracterizar um ilícito a ser severamente punido (DIAS, 2006, p. 29).

Hoje em dia, as declarações feitas pelo Papa, tais como a de que “não tem coração humano” ao falar sobre pessoas que rejeitam os homossexuais e a mais recente feita em seu filme que casais homoafetivos devem ser protegidos por união civil: “Pessoas homossexuais têm o direito de estar em uma família. Elas são filhas de Deus e têm direito a uma família. Ninguém deveria ser descartado [dela] ou ser transformado em miserável por conta disso.” permite nos dizer que o atual representante da Igreja Católica adota uma postura mais aberta em relação à proteção dos direitos dos LGBTs.

 

2.3 A homossexualidade como doença

Durante anos, a homossexualidade era reconhecida como uma doença que necessitava de tratamento, consoante observamos pela nomenclatura que era utilizada, qual seja, “homossexualismo”, sendo essa terminação “ismo” utilizada para apontar distúrbio, anomalia, disfunção. Enquanto o sufixo “dade” abrange um modo de ser, sendo, consequentemente, mais adequado.

“No início do século XX, os que tinham práticas homoeróticas, especialmente os homens, foram objeto da atenção de médicos e “estudiosos do comportamento humano”, que procuravam classificar e explicar seu comportamento. Os criminologistas também não deixaram de propor relações entre uma “sexualidade desviante” e a prática de delitos criminosos.”. (BRASIL, 2011, p. 11).

A Classificação Internacional das Doenças (CID78) identificou, inicialmente, o homossexualismo (termo utilizado) como desvio ou transtorno sexual, inserido no capítulo das doenças mentais (DIAS, 2006, p. 37).

Todavia, como o homossexualismo “interrompia as cíclicas considerações que o entabulavam como doença”, a Organização Mundial da Saúde – OMS – inseriu-o no capítulo dos “Sintomas Decorrentes de Circunstâncias Psicossociais”, ou seja, passou a ser considerado um “desajustamento social decorrente de discriminação religiosa ou sexual” (TALAVERA, 2004, p. 47).

O Conselho Federal de Medicinal no ano de 1985 retirou a Homossexualidade do rol de patologias, a Organização Mundial de Saúde fez o mesmo em 1990 e a Classificação Internacional das Doenças também assim o fez em sua décima versão no ano de 1992.

Destarte, os especialistas concluíram que a homossexualidade “não mais encontra suporte defensável como diagnóstico médico, pois não existem sintomas que justifiquem considerá-la uma doença” (TALAVERA, 2004, p. 47).

No ano de 1999 foi aprovado pelo Conselho Federal de Psicologia a Resolução (CFP) de Nº 001 que estabeleceu as normas de atuação dos psicólogos em relação à questão da orientação sexual, prelecionando que “a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão”, deste modo, proibindo qualquer atitude por meio do profissional de psicologia que favoreça a patologização de comportamentos homossexuais, além de proibir que adotem ações coercitivas que busque “uma cura gay” não solicitada.

Ademais, o mesmo CFP por meio da Resolução 489/2006 impediu atitude que diferencie o paciente por parte dos psicólogos e assistentes sociais em virtude da orientação sexual, a intenção seria reprimir o preconceito por intermédio de terapia para cuidar do homossexualismo.

Logo, com os estudos científicos e o avanço da sociedade, entende-se que a homossexualidade é a maneira de agir e ser do ser humano, não sendo cabível a ligação com nenhuma doença.

 

  1. Homofobia

Homofobia é um termo que tem origem em dois radicais, quais sejam, “homo” que significa iguais/idênticos e “fobia” que significa aversão.

Segundo Junqueira (2007) o termo “homofobia” é um neologismo cunhado pelo psicólogo clínico George Weinberg (1972) em 1965, ao vivenciar atos públicos de repúdio direcionados a uma amiga em razão dela ser lésbica. Weinberg (1972) agrupou dois radicais gregos, “semelhante” e “medo”, para definir sentimentos negativos em relação aos homossexuais. Acrescenta Junqueira (2007), que o termo costuma ser empregado em referência a conjuntos de emoções negativas (tais como aversão, desprezo, ódio, desconfiança, desconforto ou medo) em relação a pessoas homossexuais. Tais emoções, segundo o autor, seriam a tradução em determinados casos do receio inconsciente de a própria pessoa homofóbica ser homossexual (ou de que os outros pensem que ela seja).

Em Society and the Healthy Homosexual (A Sociedade e o Homossexual Saudável), a publicação de Weiberg que introduz o conceito homofobia, e sua definição acaba por: “Homofobia é o pavor de estar próximo a homossexuais – e no caso dos próprios homossexuais, auto aversão” (Costa e Nardi, 2015, p. 717).

Entretanto, na década de 70, o termo ganhou novos significados semânticos e políticos, além da esfera individual, adquirindo uma dimensão social maior, passando a ser utilizado também em situações de preconceito e violência com a população LGBT.

Ademais, apenas o fato de buscar entender a homossexualidade, buscando explicações biológicas, sociais ou psicológicas para a mesma, já constitui, consequentemente, uma forma de homofobia, pois, com esse pensamento infere-se a existência de uma sexualidade plena, qual seja, a heterossexualidade e que a partir dela deve-se julgar e interpretar as demais.

Molina esclarece o conceito de homofobia atualmente ao dizer que: “a homofobia, preconceito contra pessoas que se relacionam afetivo-sexualmente com outras do mesmo sexo, é diariamente marcada por gestos, olhares, palavras, discursos, agressões e até mesmo assassinatos”. (MOLINA, 2011, p. 950)

Atualmente não existe no Brasil lei específica para criminalizar a discriminação por ser homossexual. Entretanto esses feitos são punidos por intermédio de tipos penais como lesão corporal, homicídio, injúria que constam no Código Penal e através da Lei 7716/89.

O movimento LGBT solicita por uma criminalização da homofobia, esperando que com essa lei o aumento de violências motivadas por essa razão seja diminuído.

Através do Programa Direitos Humanos, Direitos de Todos, nasceu o Plano de Combate a Discriminação contra Homossexuais. Então, a Secretaria Especial de Direitos Humanos lançou o Programa Brasil Sem Homofobia – Programa de Combate à Discriminação contra LGBT, afirmando esse compromisso, afim de promover os direitos, a cidadania bem como a erradicação da discriminação contra diversidade sexual e combate a violência, no ano de 2004. (Brasil, 2004)

Segundo a ILGA (Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexuais) existem 71 países que consideram crime ser homossexual, e em alguns deles temos a pena de morte como condenação.  No Brasil, a discriminação acontece há várias décadas, independente de existir ou não os direitos criados para defender sua integridade física e moral. Nesse contexto, cabe ao Estado a obrigação de proteger os homossexuais e de punir quem age de maneira opressora.

 

3.1 Dados da violência contra LGBT

Constata-se que a visibilidade da população LGBT vem aumentando durante os anos, todavia, juntamente com essa conquista verificamos uma crescente no número de casos de violência contra esse público.

O Brasil foi considerado o país que mais mata pessoas trans no mundo, consoante apurado no ranking realizado pela organização Transgender Europe (2016), esta que ao recolher e analisar os relatos de homicídios de pessoas trans no mundo constatou que apenas no nosso país houveram 1.017 casos durante o período de 2008 a setembro de 2017.

Ao comparamos os dados com os dos Estados Unidos, infere-se que a nossa população transexual sofre o risco de uma morte com emprego de violência 12 vezes maior em relação aos americanos. (SOUTO, 2018).

A cada 26 horas um LGBT é vítima de assassinado ou se suicida por motivos de LGBTfobia em território brasileiro, assegurando o título ao Brasil de campeão mundial de crimes contra as minorias sexuais, sendo que a maior parte, mais da metade, desses assassinatos ocorridos no mundo são em nosso país. (WAREHAM, 2020).

Consoante relatório formulado pelo Julio Pinheiro Carida, ex-coordenador da Diretoria de Promoção dos Direitos LGBT do Ministério dos Direitos Humanos, a pedido da Comissão Interamericana de Direitos Humanos no final de 2018 foi constatado que no período entre 2011 a 2018 foram registradas no Brasil 4.422 denúncias de assassinato, consoante a soma dos dados relativos ao Disque 100, Transgender Europe e GGB.

Os dados fornecidos pelo âmbito governamental são coletados por meio do Disque 100, um serviço de discagem que tem como função acatar e encaminhar denúnicias de violações dos Direitos Humanos que envolvam as minorias, como no caso da população LGBT, sobre o qual o balanço geral realizado em relação ao ano de 2018 atesta que foram registradas 2.879 violações resultantes de 1.685 casos de denúncia, sendo 70,56% referentes à discriminação, 47, 95% são de violência psicológica, esta que consiste em atos de injúria, xingamentos, humilhação e entre outros, após a violência física com 27,48% e por último a violência institucional com 11,51%. (BRASIL, 2019).

No tocante aos tipos de violência denunciados, devemos observar com atenção os dados relativos à categoria da violência física, eis que, esta, dependendo da sua gravidade pode levar a morte de quem a sofre.

Segundo o relatório divulgado pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), organização não governamental fundada em 1980 que atua em prol da defesa dos direitos humanos dos homossexuais e  promove um levantamento sobre os dados da violência contra esses, no ano de 2019 a população homossexual sofreu 329 mortes violentas, sendo entre elas 297 homicídios e 32 suicídios, uma queda de 22% ser for comparar em relação ao ano anterior.

De acordo com o fundador do Grupo Gay da Bahia (GGB) Luiz Mott entende-se que “a explicação mais plausível para tal diminuição se deve ao persistente discurso homofóbico do Presidente da República e sobretudo às mensagens aterrorizantes dos “bolsominions” nas redes sociais no dia a dia,  levando o segmento LGBT a se acautelar mais, evitando situações de risco de ser a próxima vítima, exatamente como ocorreu quando da epidemia da Aids e a adoção de sexo seguro por parte dessa mesma população.” (SILVA, 2020).

Ademais, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade e reconhecer o crime de homofobia como prática de racismo e portanto, passível de ser aplicada a Lei nº 7.716/89 serviu como um estímulo para a diminuição dos números de casos de morte por meio de violência à essa parte da população.

Destarte, a despeito do fato de que muitos direitos estão sendo reconhecidos pela minoria LGBT, persiste uma reação contrária por meio de grupos orientados por preceitos religiosos em prol de que não sejam reconhecidos tais direitos, ocasionando insensibilidade e invisibilidade quanto as questões dessa população.

No tocante a esse assunto, Renato Rossato Amaral preleciona que:

“O Brasil vive um movimento paradigmático em relação aos direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros – LGBT. Se por um lado cada vez mais são garantidos direitos a tais minorias, de outra banda se assiste a uma reação conservadora de uma elite heteronormativa, muitas vezes guiada por conceitos religiosos e não jurídicos, perseguindo o alijamento desses direitos.” (AMARAL, 2016, p. 89).

Nesse sentido, a Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos atual, Damares Alves, afirma que “Essa violência precisa ser combatida, é uma prioridade deste governo. Ressalto que também queremos a manutenção de todos os direitos já adquiridos pela população LGBT”.

 

3.2 Movimento LGBT

A sigla LGBT engloba o fragmento da sociedade composto por lésbicas, gays, bissexuais e transexuais, sendo o termo aprovado na I Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais com enfoque no tema “Direitos Humanos e Políticas Públicas: O Caminho para Garantir a Cidadania GLBT” no ano de 2008. (FEITOSA, 2017).

Segundo Ferrari (2003), o Movimento que defende os Direitos dos Homossexuais teve início na Europa, no final do século passado, tendo como principal bandeira a não criminalização da homossexualidade e a luta pelo total reconhecimento dos direitos civis dos homossexuais.

Apesar do preconceito e o repúdio, o Movimento LGBT busca sempre a isonomiasocial, recorrendo à conscientizaçãodas pessoas para o estudo da causa e também por intermédio de representação das pessoas LGBT nas mais variadas repartições da sociedade.

Esse movimento possui representação social e civil que procura apoio e aceitação das pessoas LGBT na coletividade, independentemente de não ser um movimento organizado e unificado ao redor do mundo, as organizações não-governamentais (ONG’s) movimentam-se para prestar ajuda e representação.

Entretanto, esse movimento social, quando formado, possui um gigante ativismo político e atuações culturais, contando com as famosasmarchas de rua, e também com grupos especializados em mídia, em artes e até em pesquisas acadêmicas.

Na década de 80, usando como inspiração os movimentos feministas e étnicos que ocorreram na década anterior, o movimento gay buscou modificar a percepção de que os homossexuais eram seres anormais que contrastavam com o heterossexual que era o padrão e, portanto, era respeitável, além das outras reivindicações, considerando que o indivíduo homossexual seria uma varação natural da sexualidade humana, assim como a diversidade étnica.  (SAMPAIO; GERMANO, 2014)

Seu objetivo ao redor do mundo é  criminalizar a LGBTfobia, acabando também com a criminalização da homossexualidade e das penas relacionadas em alguns países, busca o reconhecimento social da identidade de gênero, o fim do tratamento das identidades trans como anomalia e o fim da “cura gay”; a igualdade no casamento civil, permissão na adoção de crianças por casais homoafetivos; o respeito à laicidade do Estado e erradicar a autoridade da igreja em processos políticos; o fim da discriminação com o auxílio de políticas públicas, erradicar os clichês LGBT abordados na mídia e nos meios de comunicação e dentre outros.

Conforme o Ilustríssimo Doutrinador SILVA JÚNIOR (2010, p. 71-72)

“De fato, com o declínio da influência da Igreja, a dessacralização do casamento oficializado pelo Estado e, em especial, com a valorização psicológica e jurídica do afeto, como fundamento primordial de uma sexualidade mais livre de restrições discriminatórias […], a homofobia institucional e social diminuiu um pouco, e os homossexuais, mais destemidos, passam a se organizar, juridicamente, através de grupos de pressão voltados para a defesa dos seus direitos de cidadania […]. Tal movimento libertário […] ficou conhecido, nos Estados Unidos, pelo slogan ‘saindo do armário’ – uma resposta […] à ação policial injustificada, arbitrária da histórica madrugada de 28.06.1969 […]. Por isso, no dia 28 de junho, de todos os anos subseqüentes, passou-se a comemorar, mundialmente, o Dia do Orgulho Gay, como sinônimo de conscientização crítico-transformadora e de respeito à diversidade sexual”

 

  1. Homofobia no Brasil sob a ótica dos princípios constitucionais

Os princípios constitucionais desempenham um valor imprescindível na vida do homem, exercendo o papel de alicerce no ramo da ciência jurídica e de sustentação às normas, onde se pode extrair concepções e intenções para a formação de novas, ou ainda tem o propósito de auxiliar como sustentação em caso de lacunas normativas na sua aplicação, permitindo assim uma constante evolução interpretativa.

E esses princípios não se identificam tão somente com um único caso concreto, mas com uma percepção mais genérica do ordenamento jurídico. São fundamentos precípuos da ordem jurídica, como relata Augusto Zimmermann (2006, p.74):

“Podemos analogamente avaliar que os princípios fundamentais são como luzes irradiantes para a interpretação constitucional. Afinal, eles provêm o interprete com elementos axiológicos para uma razoável interpretação e, assim sendo, desenvolvem uma lógica sistêmica ao ordenamento constitucional. Indiferentemente ao grau de abstração revelada pelo ordenamento constitucional, cada princípio oferece uma capacidade de enquadramento valorativo de normas jurídicas do ordenamento constitucional, servindo a adequação de regras (ou normas jurídicas) aos casos concretos. Deste modo, a interpretação constitucional encontra-se operacionalizada por princípios que então procedem à justificação valorativa das regras do direito positivo. Por isso, os princípios constitucionais agiriam como ‘agentes catalisadores’ do ordenamento constitucional, definindo estratégias razoáveis de interpretação. Pois que cada princípio emanaria uma dose de legitimação à (CRFB/1988), fazendo-se desta última muito mais do que um simples aglomerado de regras jurídicas desconexas umas das outras. Antes de tudo, a desconsideração dos princípios constitucionais destruiria à própria integridade do corpo constitucional, em função da imperativa necessidade de reconhecimento de uma certa conexão elementar entre princípios e a própria normatividade do texto constitucional”.

Diante disso, é possível compreender como fundamento da democracia que os princípios são conjuntos de valores e práticas que protegem as necessidades dos indivíduos como: a liberdade humana, igualdade, vida e segurança jurídica. Remetendo assim um ponto de vista mais abrangente do Estado Democrático de Direito, acolhido pela Constituição Federal de 1988, em seu art. 1º.

Assim, quando há a omissão no âmbito legislativo em relação à proteção dos direitos que envolve a comunidade LGBT gera-se uma desarmonia e desequilíbrio com as garantias estabelecidas na (CRFB/1988), violando, desse modo, alguns princípios basilares, como a Dignidade da Pessoa Humana, o direito à não discriminação e o direito à igualdade. Além disso, é oportuno salientar que a (CRFB/1988) traz a prevalência dos Direitos Humanos em seu artigo 4º inciso II como requisito que não pode ser afastado para as relações internacionais. Diante disso, no Brasil vale a universalidade dos Direitos Humanos, sobrepondo-se à cultura e flexibilizando a soberania do Estado para garanti-los.

Logo, debater sobre a criminalização da LGBTfobia é se expressar em consonância com direito à vida, esta que é uma garantia fundamental e também um direito inviolável, a fim de garantir a sobrevivência e o bem-estar do ser humano, nos termos do art. 5º, caput, da (CRFB/1988):

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

 

4.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

Em se tratando da criminalização da LGBTfobia é imprescindível falar da garantia do direito à vida, que deve ser entendida e interpretada à luz da dignidade da pessoa humana, esta que é um direito fundamental que norteia todos os demais no campo do direito, sendo uma fonte da qual podemos exprimir um grande valor jurídico dentro do atual ordenamento.

A dignidade da pessoa humana é uma característica inerente a todos, eis que assegura ao ser humano o respeito e a consideração por parte do Estado e também por toda a sociedade, garantindo assim, a proteção contra atitudes cruéis, desumanas, degradantes e violentas aos indivíduos, além disso, garante as condições existenciais mínimas para uma vida digna e saudável, ou seja, é possibilitar a pessoa o mínimo existencial de direitos nos quais devam ser respeitados pela sociedade e também pelo poder público, de forma a preservar a valorização do ser humano.

O princípio supramencionado estabelece um dos fundamentos basilares do Estado Democrático de Direito da República Federativa do Brasil, com intuito de preservar a dignidade do ser humano, previsto no artigo 1º, inciso III da Carta Magna:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (…) III – a dignidade da pessoa humana.

É oportuno salientar que a dignidade é um atributo inerente a todos os indivíduos, independentemente de qualquer outra característica ou distinção, ainda que o indivíduo apresente características diferentes dos padrões socialmente aceitos pela sociedade. Esse princípio remete ao ser humano como o centro do universo jurídico e por esse motivo é imprescindível assegurar os direitos básico como; vida, integridade física, saúde, liberdade física, psicológica, honra, imagem, nome, intimidade e propriedade.

O artigo 3º inciso IV da (CRFB/1988)traz um dos objetivos fundamentais dos mais importantes para o tema em questão, vejamos:

“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (…) IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

Através de uma interpretação extensiva acerca desse comando, podemos extrair que todas as condutas discriminantes, preconceituosas e violentas em relação a população LGBT devem ser vistas como uma prática criminosa, uma vez que a intolerância, o discurso de ódio, e o preconceito ferem os objetivos fundamentais da República Federativa.

 

4.2 Princípio da igualdade

À luz do princípio da igualdade, considerado um princípio basilar da democracia, a (CRFB/1988)trouxe expressamente em seu texto reiterando o ensinamento de que todas as pessoas merecem tratamentos igualitários e que não exista distinções entre indivíduos perante a lei. Essa proteção é garantida ao indivíduo desde sua existência no mundo.  Tal direito se faz presente no artigo 5º da Constituição Federal, vejamos:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

Porém, no mundo real quando o assunto é a comunidade LGBT, é notório que não há a efetivação desse princípio, visto tamanhas discriminações ocorridas no dia a dia dessas minorias.

Nem sempre o ordenamento jurídico tratou essa comunidade de forma isonômica, ou equivalente aos demais membros da sociedade, visto que os direitos dos homossexuais são extemporâneos, ou seja, fora do tempo, atrasados, como podemos notar no cenário do casamento homoafetivo no Brasil que só foi assegurado pela justiça em 15 de maio de 2013. Um tratamento totalmente contrário em se tratando de isonomia e equidade entre os indivíduos da mesma sociedade, dando uma tratativa de direitos aos casais homossexuais diferente em relação aos heterossexuais.

O ilustríssimo doutrinador RIOS, (2015, p. 83) tem um posicionamento acerca dos princípios básicos da liberdade, igualdade e da dignidade humana na esfera da sexualidade, analisamos:

“Trata-se de afirmar a pertinência da sexualidade ao âmbito da proteção dos direitos humanos, deles extraindo força jurídica e compreensão política para a superação de preconceito e de discriminação voltados contra todo comportamento ou identidade sexuais que desafiem o heterossexismo, entendido como uma concepção de mundo que hierarquiza e subordina todas as manifestações da sexualidade a partir da ideia de “superioridade” e de “normalidade” da heterossexualidade.

Ainda que no atual ordenamento jurídico não exista uma lei própria, para a proteção da comunidade LGBT, o sistema judiciário visa garantir um tratamento equilibrado e igualitário a essas pessoas e como não há uma lei específica acabam existindo algumas lacunas que o sistema judiciário deve sanar buscando o melhor interesse dessa comunidade.

 

4.3 Princípio da liberdade

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) de 1948 define os direitos humanos básicos aos quais devem ser respeitados, sendo um marco moral para os indivíduos, trazendo uma mensagem tão significativa de que todas as pessoas nascem livres e de forma iguais em dignidade e direitos. Reforçando assim um comando constitucional de liberdade e paridade entre todos os homens perante a lei.

A (CRFB/1988)trata a liberdade não somente em relação do indivíduo com o Estado, mas também nas relações privadas, considerando que o homem é livre para conduzir sua vida e fazer suas próprias escolhas. A manifestação da orientação sexual da pessoa precisa ser respeitada como algo livre e natural, caso contrário o direito à liberdade estará cerceado, ou seja, restringindo a liberdade de expressão sexual.

Retirar de uma pessoa a liberdade de expressar sua sexualidade de forma que ela bem queira é inadmissível e incompatível com o Estado Democrático em que vivemos, visto que a sexualidade é algo pessoal, íntimo e intrínseco do ser humano, e a sua proibição ou repressão é obtida como uma violência introspectiva, que gera uma lesão não apenas na sua liberdade de expressão, mas também na dignidade da pessoa.

A adoção de algumas medidas e direitos assegurados como, por exemplo, a adoção de crianças, o reconhecimento do casamento de pessoas de mesmo sexo ou a própria criminalização da homofobia não torna a comunidade LGBT privilegiada em relação aos heterossexuais, pelo contrário, tais medidas seria um modo de integração e isonomia de direitos. Além disso, é um método que buscaria minimizar um débito cultural totalmente discriminatório e excludente dessa minoria na sociedade.

Saliento por oportuno que a Declaração Universal dos Direitos Humanos já supramencionada contempla no seu artigo 19 o direito à liberdade de expressão, vejamos:

“Art. 19 Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, este direito implica a liberdade de manter as suas próprias opiniões sem interferência e de procurar, receber e difundir informações e ideias por qualquer meio de expressão independentemente das fronteiras.

Todavia, alguns grupos de cunho conservadores têm a visão distorcida sobre esse comando, e acabam utilizando essa liberdade de opinar e se expressar como escopo para disseminar o discurso de ódio, preconceituosos e discriminatório. Esse tipo de manifestação não é aceitável, uma vez que não se pode suprimir um direito para utilizar outro, a menos que seja feito um juízo de razoabilidade e proporcionalidade da conduta, ou seja, não é razoável ferir a honra a dignidade de um grupo de pessoas para que discursos homofóbicos sejam efetivados.

O incite de ódio e intolerância é um tipo de violência, psicológica ou física que consiste a não aceitação de características de um grupo, que no caso em comento são vítimas os gays, lésbicas, pansexuais, travestis e entre outros. Reintegro que é assegurado no ordenamento jurídico brasileiro a utilização da liberdade de expressão, porém, esse direito não permite que seja usado com a finalidade de atacar a sexualidade de alguém.

 

  1. Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão e a equiparação da LGBTfobia ao crime de racismo – ADO nº 26 e MI 4733

O Mandado de Injunção (MI) previsto no artigo LXXI e a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADO), com previsão no artigo 103, §2º, da Constituição Federal/1988, são instrumentos de suma importância no combate às omissões infraconstitucionais e à mora legislativa.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão é uma ação do controle concentrado, que não restringe somente as garantias e os direitos fundamentais, mas sim a todas as normas que necessitam de regulamentação previstas na Constituição Federal. O artigo 103, § 2º da (CRFB/1988) aduz que:

“Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.”

A ADO também encontra respaldo na legislação infraconstitucional, na Lei nº 12.063/2009, que acrescentou à Lei nº 9.868/99, o Capítulo II-A, estabelecendo a disciplina processual da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão e por se tratar de controle concentrado, os legitimados que poderão propor são as autoridades previstas no artigo 103 da Constituição Federal/1988.

O Mandado de Injunção é o instrumento adequado para assegurar o exercício de direitos e liberdades constitucionais quando inviável o seu gozo por falta de norma regulamentadora. Nesse contexto o Ilustríssimo doutrinador Padilha (2018):

“É uma ação judicial, de origem constitucional, de natureza civil, com caráter especial, que objetiva combater a morosidade do Poder Público em sua função legislativa regulamentadora, para que viabilize o exercício concreto de direitos, liberdades ou prerrogativas constitucionalmente previstas”.

O objetivo principal desse remédio constitucional é assegurar o exercício de direitos e garantias quando houver uma ausência de norma regulamentadora para que possa ser exercido. Em relação à sua legitimidade, este permite que qualquer pessoa possa impetrar, desde que afirmar ser titular de direitos e garantias constitucionais. Além disso, tem como finalidade acabar com as omissões legislativas, em especial na aplicabilidade nas normas de eficácia limitada, pois essa necessita da criação da uma norma infraconstitucional.

Para o estudo do caso é de suma importância o entendimento da Ação Direta de Inconstitucionalidade registrada sob o nº26 e o Mandado de Injunção nº 4.733/DF.

No ano de 2012 foi distribuído o Mandado de Injunção nº 4.733/DF, ajuizado pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais (ABGLT). Foi postulado que houvesse o reconhecimento que a homofobia e transfobia se enquadrassem no conceito otológico-constitucional de racismo, ou subsidiariamente que sejam enquadradas as condutas como discriminações atentatórias a direitos e liberdades fundamentais e ainda a declaração de mora inconstitucional. Tal associação defendeu que existe uma ordem constitucional de legislar criminalmente que obriga o legislador a criminalizar a LGBTfobia, tendo em vista que a homofobia e a transfobia constituem espécies do gênero racismo e que, por isso, impõe-se a elaboração de legislação criminal que coíba discriminações.

Em primeira análise o relator não reconheceu o MI nº4733 por compreender que havia uma manifesta inviabilidade da via injuncional no caso e, como fundamento a essa decisão, aludiu a jurisprudência do STF demostrando que para prosseguir com o Mandado de Injunção era necessário a demonstração de existência inequívoca de um direito subjetivo, concreta e especificamente consagrado na Carta Magna.

Porém, tal decisão não prosperou e logo em seguida foi reconsiderada com força no artigo 5º, inciso LXXI da Constituição Federal, vejamos:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade sob o nº 26 foi ajuizada em 2013 pelo Partido Socialista Brasileiro (PPS), em face do Congresso Nacional, com o intuito de alcançar a criminalização específica de todas as formas de discriminações motivadas pela orientação sexual e/ou identidade de gênero, punindo as ofensas, homicídios, agressões contra a comunidade de homossexuais e transexuais. Os pedidos feitos pela ADO nº 26 eram o reconhecimento da omissão legislativa e que fosse dada uma ordem para o poder legislativo editar tal norma específica.

Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal, no dia 13 de junho de 2019, determinou que a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero seja considerada crime. A criminalização da homofobia e da transfobia foi feita por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 26 e do Mandado de Injunção nº 4733, ajuntados no mesmo julgamento pelo motivo da equivalência das matérias.

A Corte analisou as demandas e certificou que realmente havia uma omissão por parte do Congresso Nacional na promulgação de uma legislação específica destinada a criminalizar práticas discriminatórias em relação a comunidade LGBT. Assim, por maioria, o STF reconheceu a mora do Congresso Nacional em criminalizar os atos atentatórios aos direitos fundamentais a esse grupo.

Importante destacar que a inconstitucionalidade por omissão ocorre quando os Poderes Públicos se negam a elaborar uma norma para satisfação de garantias exigidas pela Constituição Federal de 1988 e o não fazer legislativo acaba ferindo o dever de agir dos indivíduos em defesa dos seus próprios direitos e liberdades constitucionais. Segundo o Ministro Celso de Mello (2019) em seu voto no julgamento citou, vejamos:

“A omissão do Estado mediante a inércia do poder público também desrespeita a (CRFB/1988), ofende os direitos que nela se fundam e impede, por ausência ou insuficiência de medidas, a própria aplicabilidade dos postulados da lei fundamental”.

Por 8 votos a 3 os ministros enquadraram a homofobia e transfobia no tipo penal regulamentado na Lei 7.716/1989 (Lei de Racimo), até que seja editada uma lei específica sobre a matéria. Os ministros Celso de Mello, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes concordaram em enquadrar tais condutas na Lei de Racismo. Já os ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli discordaram dos demais e entenderam que tal criminalização só poderia ser feita por lei aprovada pelo Legislativo. Já o ministro Marco Aurélio nem se quer reconheceu a mora legislativa.

Diante disso, o STF reconheceu não apenas a mora legislativa em desfavor do Poder Legislativo, mas também atribuiu interpretação no sentido de que a criminalização da homotransfobia deverá ser punida nos diversos tipos penais da lei de racismo.

O Senado Federal não gostou nada dessa decisão adotada pela STF, eis que considerou que a decisão da Suprema Corte excedeu os limites da atuação do Judiciário, ferindo o Princípio da Separação dos Poderes, e Reserva Legal, pegando para si a competência privativa legislativa do Congresso Nacional, em matéria penal, conforme artigo 22, I da Carta Magna. O caso em comento reascende, mais uma vez, o clássico debate acerca do ativismo judicial e a judicialização, tendo em vista o limite ao Poder Judiciário de exercer a atribuição de criação de leis, uma vez que o Senado Federal entende que é função típica do Poder Legislativo.

Em consonância com o posicionamento do Senado Federal, o Senador Marcos Rogério (DEM/RO) apresentou manifestação ao plenário do Senado, através de um Projeto de Decreto Legislativo registrado sob o nº 404/2019, visando afastar os efeitos legislativo da decisão da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão em questão.

O ministro Celso de Mello, relator da ADO 26, em uma entrevista divulgada pelo site Consultor Jurídico (POMPEU, 2019, online), afirmou que a LGBTfobia é uma forma contemporânea de racismo, de maneira que a homofobia e a transfobia podem ser equiparadas ao crime de racismo. E segundo o mesmo, não se trata de interpretação in malam partem, ou seja, não configura interpretação mais gravosa das normas previstas na Lei de Racismo, não havendo neste modo a formulação de novos tipos penais usurpando a competência constitucional do Congresso Nacional ou o princípio basilar da separação dos poderes, mas apenas ocorreria a subsunção de condutas homotransfóbicas.

Conforme pesquisas na rede de internet, o dicionário direito explica a compreensão de subsunção, vejamos:

“A subsunção em seu conceito semântico e quando um fato se adequa com facilidade à norma. Estará presente sempre que for possível julgar determinado direito com base nos dispositivos expressamente previstos em lei”.

Ademais, o próprio artigo da Lei 7.716/89 que define o que é racismo, engloba não só os indivíduos que formam um grupo social por conta de raça, cor ou etnia, como também abarcou os que sofrem discriminação por motivos de religião, portanto, a intolerância religiosa, e a procedência nacional, que neste caso estaria ligado à xenofobia: “Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.”

Segundo Borrilo, (2010), tanto o objetivo, como o modo que se sucede a discriminação racista e homofóbica, são semelhantes:

“Enquanto violência global caracterizada pela supervalorização de uns pelo menosprezo de outros, a homofobia baseia –se na mesma lógica utilizada por outras formas de inferiorização: tratando-se da ideologia racista, classista ou antissemita, o objetivo perseguido consiste sempre em desumanizar o outro, em torná-Io inexoravelmente diferente. À semelhança de qualquer outra forma de intolerância, a homofobia articula-se em torno de emoções (crenças, preconceitos, convicções, fantasmas…), de condutas (atos, práticas, procedimentos, leis…) e de um dispositivo ideológico (teorias, mitos, doutrinas, argumentos de autoridade …).”

Dessa forma, ele conclui que:

“Do mesmo modo que a xenofobia, o racismo ou o antissemitismo, a homofobia é uma manifestação arbitrária que consiste em designar o outro como contrário, inferior ou anormal; por sua diferença irredutível, ele é posicionado a distância, fora do universo comum dos humanos.”

Em consonância com o entendimento estabelecido pelo STF ao julgar o Habeas Corpus nº82.424/RS, conhecido como “caso Ellwanger” que deu interpretou de forma extensiva à discriminação quanto a religião como semelhante ao tipo qualificado pela Lei 7.716/89, bastaria a repreensão de um grupo humano para consumar a tipificação da agressão pelo racismo.

Aliás, o Ministro Maurício Corrêa, presidente do STF na época do julgamento do Habeas de Corpus em questão, proferiu seu voto com base no estudo feito pelo Projeto Genoma Humano (Human Genome Project, HGP) que estabeleceu, por meio de dados científicos, que a classificação antropológica tradicional da espécie humana em raças, com fundamento em suas características físicas que são transmitidas através da genética, tornou-se ultrapassado, tendo em vista que, conforme os dados analisados por eles “Negros, brancos e amarelos diferem tanto entre si quanto dentro de suas próprias etnias.”, não existindo base genética para aquilo que as pessoas descrevem como raça, sendo poucas as diferenças existentes entre uma pessoa e outra.

 

Outrossim, sabe-se que o ordenamento jurídico permite a flexibilização do Princípio da Legalidade, que assegura que não há crime, nem pena, sem lei anterior que os defina, não sendo este um princípio absoluto, desde que se a respeite a irretroatividade da lei penal e não se utilize da analogia in malam partem.

Ademais, o Estado ao omitir-se das violências praticadas contra essa minoria, torna-se politicamente responsável pelas mesmas, o que retrata também que a citada criminalização rompe com esse trágico silêncio institucional.

Diante disso, reconhecendo a existência da mora do Congresso Nacional, o STF teve duas opções, quais sejam: a cientificação aos parlamentares para que adotem em um prazo estipulado as medidas necessárias para a concretização da norma constitucional e, portanto, a criação de uma lei específica; ou reconhecer a subsunção existente entre os crimes de homofobia e transfobia com o crime de racismo, aplicando-se de imediato a Lei 7.716/1989 e dessa forma, cumprindo de imediato com a CF e resguardando o direito dessa minoria.

Ao analisarmos a tese contrária à decisão do STF que leva em questão o encarceramento em massa, o aumento do poder punitivo e a comprovada ineficiência do punitivismo penal para resolução de conflitos, compreende-se que outras medidas de políticas públicas devem ser tomadas para diminuir a discriminação, como por exemplo uma intervenção de institutos mais próximos dos agentes da violência, tais como o combate à LGBTfobia nas escolas, sendo também cabível a interferência de outros ramos do direito, optando por uma solução na esfera cível, administrativa ou comercial.

No entanto, gize-se que a decisão foi proferida em razão da diferença atribuída à essa minoria, e não de qualquer vontade normalizadora, escolhendo, deste modo, respeitar a Carta Magna e proteger os direitos fundamentais da população LGBT, até então excluídos, e evitar o desamparo dos mesmos, até que seja aprovada uma lei autônoma no Congresso Nacional criminalizando a homofobia.

Ressalva-se que o Supremo Tribunal Federal tem como função de “guarda” da Constituição, consoante o determinado no art. 102 da CF. Ao defender a sua tese, a Ministra Carmém Lucia proferiu: “A tutela dos direitos fundamentais há de ser plena, para que a Constituição não se torne mera folha de papel”, não se tratando, portanto, de mero ativismo judicial.

Além do mais, trata-se de uma tentativa de inibir os discursos de ódio, tendo em vista de que agora não teria mais o rótulo de opinião, o que nos leva a analisar o questionamento realizado pela Advocacia-Geral da União por meio de um recurso ao Supremo para que este esclareça se a criminalização da homofobia não contrariaria a liberdade religiosa.

Conforme afirmado pelo advogado e professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) ao Huffpost Brasil, Renan Quinalha:

“Antecipando que essa seria uma discussão, o ministro [Celso de Mello] se precaveu e já deixou muito claro que a liberdade religiosa está preservada, assim como a liberdade de expressão, desde que não configurem crime de ódio, discriminação”.

Sabe-se que os dois princípios em questão, tanto o da liberdade religiosa e o da liberdade de expressão, servem de amparo para que todos possam se expressar de forma livre ao manifestar suas ideias.

Porém, a partir do momento que tal manifestação passa a ofender e estimular a intolerância à uma minoria social, constituindo um crime, não tem motivos pelo qual essa proteção deva incidir em seu âmbito de tutela.

Além do mais, o Princípio da Liberdade Religiosa está intimamente ligada ao fato de que o Estado é laico, o que, consequentemente, determina uma separação entre Estado e uma religião predominante, sendo a escolha de uma fé para se seguir ou não, uma questão que deve ser tratada na esfera privada de cada um.

Isto posto, apesar da educação ser o principal instrumento de modificação social, é necessário que a política de segura pública resguarde também a população LGBT.

Diante dos fatos supramencionados, a decisão da Suprema Corte ao enquadrar a homofobia e transfobia na Lei nº 7.716/89 não fere o Princípio da Separação dos Poderes e nem ao Princípio da Legalidade por ser subsumível ao tipo penal já previsto em lei, ou seja, o conceito jurídico-constitucional de racismo abrange a homotransfobia, como confirmado pelos pontos controvertidos analisados neste artigo.

 

Conclusão:

Gize-se no presente artigo a existência de uma hierarquia de sexualidade ainda presente na sociedade brasileira, baseada na ordem heterossexista, que acarreta em variadas violências àqueles que não se adequam ao conceito binário de sexualidade ou de orientação.

Dessa forma, a discriminação é voltada para um grupo alvo, qual seja, a população LGBT, que apenas por serem indivíduos diferentes do estabelecido pelo paradigma de dominação imposto, sob o pleito ideológico de origens diversificadas, sofrem violências tanto no âmbito físico, quanto moral e psicológico.

Portanto, a Ação de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26 e o Mandado de Injunção de nº 4733 pretendiam obter a confirmação da omissão legislativa por parte da Corte Suprema, cientificando da mora na criação de uma lei específica, no qual fosse possível criminalizar as condutas homotransfóbicas dentro de um tipo penal específico. Tanto o ADO quanto MI foram analisados conjuntamente, conhecidos e posteriormente julgados procedentes, e desde modo, a criminalização contra a homofobia e transfobia foi incluída na Lei nº 7.716/89.

Apesar de que a Lei de Racismo não foi criada inicialmente com esse escopo, a referida lei visa proteger os direitos e liberdades das pessoas, em salvaguarda aos Princípios Constitucionais que foram abarcados no decorrer do presente artigo, como a dignidade da pessoa humana, da igualdade e da liberdade.

Consequentemente, quando há a existência de omissões no âmbito legislativo em relação à proteção dos direitos que envolve a comunidade LGBT, acarreta-se uma dissonância e desequilíbrio com as garantias e princípios estabelecidos na (CRFB/1988).

Ainda acerca da abrangência da Lei nº 7.716/89 ocorre que, com estudos mais atuais, é fato notório que o conceito de raça e cor foi se desenvolvendo ao longo dos anos, estendendo também à religião, etnia e procedência nacional, sendo, a partir da recente decisão da Suprema Corte, incluídas a orientação sexual e identidade de gênero.

Desse modo, entende-se que os atos discriminatórios e atentatórios contra a comunidade LGBT+ passa a ser incluída na Lei nº 7.716/89, concluindo-se que a omissão do Congresso Nacional ao deixar de produzir normas penais que visam a proteção desse grupo social trata-se de uma afronta ao texto estabelecido na Constituição Federal de 1988.

No caso em questão utilizou-se da flexibilização do princípio da legalidade para fazer cumprir a igualdade e a justiça, além da importância da visibilidade atingida e com ela aumentar o debate público, legitimando-o nas diferentes instâncias e representando uma reparação do Estado à comunidade LGBT.

Portanto, trata-se de mais uma vitória à minoria LGBT, sendo considerada um avanço enquanto uma política social, juntamente com outros direitos conquistados, como o do direito ao casamento homoafetivo, retificação de prenome e de gênero e entre outros.

 

Referências:

AGI, Samer. A decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a criminalização da homofobia e o nazismo às avessas. 2019. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/artigos-discursos-e-entrevistas/artigos/2019/a-decisao-do-supremo-tribunal-federal-sobre-a-criminalizacao-da-homofobia-e-o-nazismo-as-avessas. Acesso em 10 out. 2020.

 

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