Resumo: O modelo brasileiro de controle de constitucionalidade pauta-se no controle jurisdicional misto, disciplinando diferentemente a extensão subjetiva de suas decisões declaratórias de inconstitucionalidade, uma vez que no controle abstrato ou concentrado sua decisão, por si só, terá eficácia vinculante e erga omnes. No controle concreto ou difuso, como a questão principal (questão de mérito) consiste na existência ou não de determinado direito subjetivo da parte, a declaração de inconstitucionalidade do ato normativo não valerá para outros senão os sujeitos parciais do processo, salvo se nos moldes do art. 52, X, da Constituição Federal, o Senado Federal determinar a suspensão da execução da lei declarada inconstitucional. A teoria da abstrativização ou objetivação do controle concreto ou difuso de constitucionalidade propõe a equiparação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade proferido no controle concreto ou difuso pelo Supremo Tribunal Federal aos da decisão prolatada em sede de controle abstrato, com base uma diferente interpretação do inciso X do art. 52 da Constituição, resultante de mutação constitucional. Entretanto, à vista do atual ordenamento jurídico-constitucional brasileiro, tal equiparação de efeitos é inválida.
Palavras-chave: Controle Difuso. Mutação. Abstrativização.
Abstract: The Brazilian model of judicial review is guided in court conntrole mixed different disciplines to extend their subjective declaratory judgments of unconstitutionality, since in an abstract or concentrate its decision, by itself, will be effective and binding erga omnes. In the control concrete or diffuse, as the main issue (issue of merit) is the existence or absence of certain subjective right of the party, the declaration of unconstitutionality of the legislative act will not be valid for other than the partial subject of the proceedings, unless in the templates art. 52, X of the Federal Constitution, the Senate determine the suspension of a law declared unconstitutional. The theory of abstrativização or objectification of concrete or diffuse control of constitutionality proposes to equate the effects of the decision of unconstitutionality ruling in actual control or diffuse the Supreme Court decision handed down in the seat of abstract control, based on a different interpretation of the clause X Art. 52 of the Constitution, the result of constitutional mutation. However, in view of the current Brazilian law-constitutional, this assimilation effect is invalid.
Keywords: Fuzzy Control. Mutation. Abstrativização.
Sumário: 1. Introdução. 2. Dos fundamentos teóricos da abstrativização ou objetivação do controle concreto ou difuso de constitucionalidade. 2.1. O papel do senado federal na suspensão de ato normativo declarado inconstitucional pelo supremo tribunal federal em controle concreto ou difuso: caso de mutação constitucional? 3. Criticas à tese da abstrativização ou objetivação do controle concreto ou difuso de constitucionalidade: inconstitucionalidade da mutação constitucional do art. 52, x, da constituição federal. 3.1. Da mutação constitucional e seus limites. 3.2. Da inconstitucionalidade da mutação do art. 52, x, da constituição federal de 1988. 4. Conclusão.
1 – INTRODUÇÃO
O inciso X do art. 52 da Constituição Federal de 1988 prescreve que compete privativamente ao Senado Federal “suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”.
Segundo a doutrina constitucionalista clássica, a citada regra jurídica consiste no meio pela qual o Senado Federal, por ato de natureza política, discricionariamente, edita resolução senatorial conferindo eficácia genérica à declaração de inconstitucionalidade, resolvida incidentalmente pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, como questão prejudicial ao julgamento de questão principal (mérito da causa) de um caso concreto submetido à jurisdição do egrégio tribunal.
Dito de outra forma, o Senado Federal estende a eficácia subjetiva da resolução da questão constitucional que declarou a inconstitucionalidade do ato normativo a todas às pessoas, atribuindo eficácia erga omnes a essa parte da fundamentação ou motivação da decisão judicial prolatada pelo Supremo Tribunal Federal no exercício do controle concreto ou difuso de constitucionalidade.
A maioria da doutrina assevera que a referida declaração de inconstitucionalidade somente opera efeitos ex nunc (não retroativos ou prospectivos) a contar da publicação da resolução senatorial, comungando desse posicionamento autores como Themístocles Brandão Cavalcanti, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, José Afonso da Silva dentre outros[1].
Contrapondo-se a esses encontramos o entendimento defendido por Dirley da Cunha Júnior[2]e Gilmar Ferreira Mendes[3], segundo os quais a declaração de inconstitucionalidade in casu gera efeitos ex tunc (retroativos), pois a resolução do Senado Federal apenas outorga generalidade à declaração de inconstitucionalidade proferida incidentalmente pelo Supremo Tribunal Federal, fazendo cessar daí em diante os efeitos normativos (comando geral e abstrato) do ato violador da Constituição. No entanto, como o Brasil adota o sistema de nulidade ab initio do ato inconstitucional, coerentemente, há que se reconhecer que todo ato concreto resultante da aplicação do ato normativo declarado inconstitucional e objeto de resolução senatorial já nasce inválido (sendo juridicamente um natimorto), eis que fundado em inconstitucionalidade originária[4].
Logicamente que a desconstituição dos atos jurídicos concretos realizados com fundamento jurídico em ato inconstitucional demandará a propositura de ação judicial pelos interessados (já que deve haver a demonstração de que sofreu a incidência daquele ato normativo), o que não infirma a alegação de que a extensão da declaração de inconstitucionalidade erga omnes, realizada pelo Senado Federal, é retroativa, uma vez que a resolução da questão prejudicial sobre inconstitucionalidade do ato normativo já se encontra resolvida de antemão, e de forma vinculativa.
Assim, tem-se que o controle concreto ou difuso de constitucionalidade tem caráter eminentemente subjetivo, eis que, como afirma Gilmar Ferreira Mendes, “o controle de constitucionalidade difuso, concreto ou incidental caracteriza-se, fundamentalmente, também no Direito brasileiro, pela verificação de uma questão concreta de inconstitucionalidade, ou seja, de dúvida quanto à constitucionalidade de ato normativo a ser aplicado num caso submetido à apreciação do Poder Judiciário”[5]. Dessa forma, a inconstitucionalidade declarada nesse processo subjetivo somente valerá para os sujeitos parciais que participaram da relação jurídica processual.
Vê-se, pois, que a extensão da eficácia erga omnes da declaração de inconstitucionalidade, proferida incidentalmente pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de controle concreto ou difuso de constitucionalidade, depende de um ato complementar que, segundo a redação do inciso X do art. 52 da Constituição Federal, consiste na edição de resolução do Senado Federal, determinando a suspensão da aplicação da lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do referido Tribunal.
Contrapondo-se a essa índole eminentemente subjetiva do controle concreto ou difuso de constitucionalidade, uma moderna corrente doutrinária e jurisprudencial defende que se deve conferir um caráter objetivo ou abstrato na resolução das questões constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, mesmo que tal resolução se opere incidentalmente no bojo de um processo subjetivo.
É essa tendência que se identifica como abstrativização ou objetivação do controle concreto ou difuso de constitucionalidade.
2 – DOS FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA ABSTRATIVIZAÇÃO OU OBJETIVAÇÃO DO CONTROLE CONCRETO OU DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE
Nos últimos anos, surgiu no Direito Constitucional brasileiro uma tendência doutrinária e jurisprudencial em se conferir efeitos típicos de decisões do Supremo Tribunal Federal em ações de controle de constitucionalidade em tese ou abstrato a resoluções de questões de constitucionalidade, que reconhecem a inconstitucionalidade de ato normativo, proferidas em processos subjetivos, em sede de controle concreto ou difuso.
Essa corrente teórico-jurisprudencial defende que a declaração de inconstitucionalidade proferida incidentalmente no controle concreto ou difuso de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, por si só, tem eficácia vinculante sobre os demais órgãos do Poder Judiciário e erga omnes, independentemente da edição de resolução senatorial suspendendo a execução do ato normativo declarado inconstitucional, nos termos do art. 52, X, da Constituição Federal.
Na seara doutrinária brasileira, a tese da abstrativização ou objetivação do controle concreto ou difuso de constitucionalidade tem como grande expoente o constitucionalista e Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Ferreira Mendes, que em obras individuais[6] e coletiva em co-autoria com Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco[7], desenvolve os fundamentos dessa teoria. Ainda no âmbito acadêmico, podemos citar como outro adepto dessa corrente o constitucionalista André Ramos Tavares[8].
No plano jurisprudencial, encontramos alguns precedentes no Supremo Tribunal Federal; no entanto, ainda não há definição sobre o posicionamento da corte acerca da questão, uma vez que os processos nos quais proferidos os votos que adotaram a tese ainda estão pendentes de julgamento definitivo.
Objetiva-se com a aplicação da tese a economia processual, celeridade e presteza na tutela jurisdicional constitucional, a isonomia entre os jurisdicionados, bem como a segurança jurídica em relação à solução de determinada questão constitucional, evitando-se diferentes decisões do Estado-juiz acerca da mesma questão.
A operacionalização da abstrativização ou objetivação do controle concreto ou difuso de constitucionalidade se dá por meio do fenômeno processual da transcendência dos (fundamentos) motivos determinantes da decisão (ratio decidendi) do Supremo Tribunal Federal que, incidentalmente, resolve a questão constitucional, declarando a inconstitucionalidade do ato normativo. A partir da análise da ratio decidendi, induz-se uma norma geral que será utilizada como paradigma, aplicável erga omnes e de forma vinculada, para a resolução daquela mesma questão constitucional para todos os demais casos concretos cujo suporte fático coincida com as circunstâncias fáticas do caso tomado como precedente. Nesse sentido, leciona Gilmar Ferreira Mendes:
“Observe-se, ainda, que nas hipóteses de declaração de inconstitucionalidade de leis municipais, o Supremo Tribunal Federal tem adotado uma postura significativamente ousada, conferindo efeito vinculante não só à parte dispositiva da decisão de inconstitucionalidade, mas também aos próprios fundamentos determinantes. É que são numericamente expressivos os casos em que o Supremo Tribunal tem estendido, com base no art. 557, caput. e § 1.ª – A do Código de Processo Civil, a decisão do plenário que declara a inconstitucionalidade de norma municipal a outras situações idênticas, oriundas de municípios diversos. Em suma, tem-se considerado dispensável, no caso de modelos idênticos, a submissão da questão ao Plenário. (…)
Tal procedimento evidencia, ainda que de forma tímida, o efeito vinculante dos fundamentos da decisão exarada pelo Supremo Tribunal Federal no controle de constitucionalidade do direito municipal. Evidentemente, semelhante orientação somente pode vicejar caso se admita que a decisão tomada pelo Plenário seja dotada de eficácia transcendente, sendo, por isso, dispensável a manifestação do Senado Federal.[9]
Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco sustentam a abstrativização ou objetivação controle concreto ou difuso de constitucionalidade na circunstância de a Constituição Federal de 1988 conferir ao Supremo Tribunal Federal a função de guardião e intérprete supremo de suas normas, competindo-lhe, em última instância, a tarefa de dar a última e definitiva palavra em relação às questões constitucionais.
Outrossim, a partir de uma orientação implícita de diversas decisões judiciais e legislativas no sentido de objetivar as resoluções de questões constitucionais, independentemente da natureza dos processos nos quais é proferida a decisão sobre essa questão (se processo objetivo ou subjetivo), bem como a postura de atribuir força vinculante aos precedentes sobre questões constitucionais, os autores defendem que o inciso X do art. 52 sofreu mutação constitucional, para atribuir ao ato do Senado Federal o mero efeito de dar publicidade à decisão do Supremo Tribunal Federal que declarou a inconstitucionalidade do ato normativo em controle concreto ou difuso de constitucionalidade. Para esclarecer, citamos as palavras dos doutrinadores acima mencionados, in verbis:
“Parece legítimo entender que a formula relativa à suspensão de execução da lei pelo Senado Federal há de ter simples efeito de publicidade. Dessa forma, se o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle incidental, chegar à conclusão de modo definitivo, de que a lei é inconstitucional, essa decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação ao Senado Federal para que publique a decisão no Diário do Congresso. Tal como assente, não é (mais) a decisão do Senado que confere eficácia geral ao julgamento do Supremo. A própria decisão da Corte contém essa força normativa. Parece evidente ser essa a orientação implícita nas diversas decisões judiciais e legislativas acima referidas. Assim, o Senado não terá a faculdade de publicar ou não a decisão, uma vez que não cuida de decisão substantiva, mas de simples dever de publicação, tal como reconhecido a outros órgãos políticos em alguns sistemas constitucionais (Constituição austríaca, art. 140, 5, publicação a cargo do Chanceler Federal, e Lei Orgânica da Corte Constitucional Alemã, art. 31,2, publicação a cargo do Ministro da Justiça). A não-publicação não terá o condão de impedir que a decisão do Supremo assuma a sua real eficácia.”[10]
Pelos argumentos expostos linhas acima, percebe-se de forma bastante clara que o exame de juridicidade da aplicação da tese da abstrativização ou objetivação controle concreto ou difuso de constitucionalidade, nos moldes em que o modelo brasileiro de controle de constitucionalidade está estruturado na Constituição Federal de 1988, necessariamente passa pela definição do real significado da norma insculpida no inciso X do art. 52 da carta política.
Isso porque, a característica marcante da tese ora tratada está na atribuição de eficácia vinculante e erga omnes da declaração de inconstitucionalidade, resolvida incidenter tantum, pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de controle concreto ou difuso.
Tais efeitos, nos termos da literalidade do inciso X do art. 52 da Constituição e do que entende a doutrina constitucionalista clássica, somente se verificarão se o Senado Federal editar resolução suspendendo a aplicação do ato normativo declarado inconstitucional. A prevalecer essa interpretação, inexoravelmente, há que se concluir pela invalidade da abstrativização ou objetivação controle concreto ou difuso, eis que afrontaria a Carta Magna.
Ciente dessa circunstância, os defensores da teoria, a fim de conferir a essa fundamentação constitucional, propõem uma interpretação diversa à norma constante do art. 52, X, da Constituição Federal, afirmando que o dispositivo foi objeto de mutação constitucional, para atribuir ao ato do Senado Federal o mero efeito de dar publicidade à decisão do Supremo Tribunal Federal.
Assim, cumpre examinarmos os argumentos em prol dessa mutação constitucional, assim como a função do Senado Federal na suspensão da lei declarada inconstitucional.
2.1 – O papel do Senado Federal na suspensão de ato normativo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em controle concreto ou difuso: caso de mutação constitucional?
Gilmar Ferreira Mendes defende que houve mutação constitucional sobre a norma constante no inciso X, do art. 52 da Constituição federal, de forma que, atualmente, o ato senatorial previsto no citado dispositivo possui tão-somente o efeito de conferir publicidade à decisão do Supremo Tribunal Federal, que exercendo controle concreto ou difuso, declara inconstitucional ato normativo. Aduz, ainda, que a única razão plausível para que a Constituição Federal de 1988 tenha previsto a suspensão pelo Senado Federal com a literalidade do art. 52, X, tem cunho exclusivamente histórico[11].
Explica o doutrinador que a previsão de suspensão pelo Senado Federal, órgão dotado de supremacia política à época, da lei declarada inconstitucional pela Corte Constitucional surgiu com a Constituição brasileira de 1934, como mecanismo destinado a conceder generalidade à declaração de inconstitucionalidade, em época na qual o controle de constitucionalidade era exclusivamente o concreto ou difuso. E o ato senatorial de extensão da eficácia erga omnes da declaração de inconstitucionalidade ostentava natureza de ato político[12], por meio do qual o Senado Federal tomava uma “decisão de calibragem”, no que tange à data dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, em relação à suspensão da eficácia normativa da lei inconstitucional[13].
Explica o autor que, se sob a égide das anteriores constituições, quando o modelo de controle de constitucionalidade brasileiro era pautado de maneira predominante no controle concreto ou difuso, o ato de extensão erga omnes do Senado Federal possuía um sentido substantivo, sendo conditio sine qua non para a obtenção do efeito geral. No entanto, a partir da promulgação da Constituição de 1988, com a previsão de diversas ações constitucionais para o exercício do controle abstrato ou concentrado, a serem julgadas pelo Supremo Tribunal Federal, bem como a ampliação dos legitimados para propor essas medidas judiciais, o modelo brasileiro de fiscalização constitucional outorgou prevalência ao controle abstrato ou concentrado de constitucionalidade, possibilitando que a grande maioria das questões constitucionais seja decidida por via de ação ou principaliter.
E continua o professor, asseverando que nas decisões de controle abstrato ou concentrado a eficácia vinculante e erga omnes são próprios da manifestação do Supremo Tribunal Federal, independentemente de qualquer ato do Senado Federal.
Indaga, então, que se em ações diretas de inconstitucionalidade a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a questão constitucional tem eficácia vinculante e erga omnes, independentemente da resolução do Senado Federal, qual seria razão a justificar que, se a mesma questão tivesse sido resolvida pela mesma Corte, mas em controle concreto ou difuso, somente haveria a extensão dos efeitos dessa decisão com a edição do ato senatorial[14], ao que o mesmo responde que assim o é somente por razões de caráter histórico.
Mais adiante, Gilmar Ferreira Mendes defende que a Constituição de 1988 provocou uma mudança substancial no modelo de controle de constitucionalidade brasileiro, conferindo ênfase ao modelo concentrado, e permitindo a apreciação pelo Supremo Tribunal Federal de praticamente todas as controvérsias judiciais, por meio de controle abstrato de normas[15]. E que “ao ampliar, de forma significativa, o circulo de entes e órgãos legitimados a provocar o Supremo Tribunal Federal, no processo de controle abstrato de normas, acabou o constituinte por restringir, de maneira radical, a amplitude do controle difuso de constitucionalidade”[16].
Para defender a mutação constitucional pretendida, o doutrinador argumenta, amparado na doutrina Lúcio Bittencourt, que a atribuição de um sentido substancial à resolução do Senado Federal relacionada à extensão subjetiva erga omnes da decisão da Corte Constitucional de inconstitucionalidade de ato normativo, vai de encontro à regra da nulidade ab initio do ato inconstitucional e da eficácia ex tunc (retroativa) da decisão que reconhece esse vício, e que fora consagrada em nosso modelo de controle de constitucionalidade. Isso porque, se somente é a resolução do Senado Federal que confere efeitos vinculante e erga omnes à declaração de inconstitucionalidade, reconhecida incidentalmente, aceita-se a situação de que o ato normativo inconstitucional, que trás em si a mácula de nulidade desde seu nascimento, somente fará parte do ordenamento jurídico (por natural, irradiando seus efeitos normativos) até a data em que o Senado Federal, por decisão política[17], dê efeito vinculante e erga omnes à decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal[18].
Gilmar Ferreira Mendes ainda ressalta a existência de um movimento legislativo nas duas últimas décadas, tendente a conferir eficácia vinculante para os demais órgãos judiciais aos precedentes jurisprudenciais emanados do Supremo Tribunal Federal, de que são exemplos a previsão para edição de súmulas vinculantes (Emenda Constitucional n.º 45/2004) e a previsão de súmulas impeditivas de recurso extraordinário (Lei n.º 8.033/1990) e de recursos em geral (art. 481, parágrafo único e art. 557, ambos do Código de Processo Civil).
Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco reforçam esse entendimento aduzindo que a adoção da súmula vinculante no sistema constitucional brasileiro corrobora a superação do art. 52, X, da Constituição ao permitir a eficácia erga omnes e vinculante de determinada orientação do Supremo Tribunal Federal acerca da inconstitucionalidade de ato normativo, sem que seja necessária qualquer interferência do Senado Federal. Ademais, ponderam que “a adoção da técnica de declaração de inconstitucionalidade com limitação de efeitos parece sinalizar que o Tribunal entende estar desvinculado de qualquer ato do Senado Federal, cabendo tão-somente a ele – Tribunal – definir os efeitos da decisão”[19].
Embasado nos argumentos acima expostos, o Gilmar Ferreira Mendes assevera que a norma constitucional constante do inciso X do art. 52 foi objeto de mutação constitucional, sendo que a mesma, hodiernamente, no tocante à suspensão do ato normativo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em controle concreto ou difuso, atribui ao Senado Federal a mera função de dar publicidade à decisão definitiva proferida pela Corte Constitucional brasileira, adotando entendimento a muito já defendido por Lucio Bittencourt [20].
A partir de tal raciocínio, o constitucionalista equipara os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal proferida em controle concreto ou difuso de constitucionalidade aos de suas decisões em controle abstrato ou concentrado, abstrativando ou objetivando, destarte, o controle concreto ou difuso de fiscalização constitucional.
Tal entendimento teve aplicação em concreto pelo eminente constitucionalista, quando, como Ministro do Supremo Tribunal Federal proferiu voto na Reclamação 4.335-5/AC, admitindo a propositura da medida judicial proposta para garantir a da autoridade de sua decisão proferida no HC 82.959/SP, manifestando-se nos seguintes termos:
“Conforme destacado, a ampliação do sistema concentrado, com a multiplicação de decisões dotadas de eficácia geral, acabou por modificar radicalmente a concepção que dominava entre nós sobre a divisão de poderes, tornando comum no sistema a decisão com eficácia geral, (…). A ênfase passou a residir, porém, não mais no modelo difuso, mas nas ações diretas. O advento da Lei 9.882/99 conferiu conformação à ADPF, admitindo a impugnação ou a discussão direta de decisões judiciais das instâncias ordinárias perante o Supremo Tribunal Federal. Tal como estabelecido na referida lei (art. 10, § 3º), a decisão proferida nesse processo há de ser dotada de eficácia erga omnes e efeito vinculante. Ora, resta evidente que a ADPF estabeleceu uma ponte entre os dois modelos de controle, atribuindo eficácia geral às decisões de perfil incidental. Vê-se, assim, que a Constituição de 1988 modificou de forma ampla o sistema de controle de constitucionalidade, sendo inevitáveis as reinterpretações ou releituras dos institutos vinculados ao controle incidental de inconstitucionalidade, especialmente da exigência da maioria absoluta para a declaração de inconstitucionalidade e da suspensão da execução da lei pelo Senado Federal. O Supremo Tribunal Federal percebeu que não poderia deixar de atribuir significado jurídico à declaração de inconstitucionalidade proferida em sede de controle incidental, ficando o órgão fracionário de outras Cortes exonerado do dever de submeter a declaração de inconstitucionalidade ao plenário ou ao órgão especial, na forma do art. 97 da Constituição. Não há dúvida de que o Tribunal, nessa hipótese, acabou por reconhecer efeito jurídico transcendente à sua decisão. (…) independente da intervenção do Senado. Esse entendimento está hoje consagrado na própria legislação processual civil. Essa é a orientação que parece presidir o entendimento que julga dispensável a aplicação do art. 97 da Constituição por parte dos Tribunais ordinários, se o Supremo já tiver declarado a inconstitucionalidade da lei, ainda que no modelo incidental. Na oportunidade, ressaltou o relator para o acórdão, Ilmar Galvão, no já mencionado RE 190.728, que o novo entendimento estava ‘em prefeita consonância não apenas com o princípio da economia processual, mas também como da segurança jurídica, merecendo, por isso, todo encômio, como procedimento que vem ao encontro da tão desejada racionalização orgânica da estrutura judiciária brasileira’, ressaltando que se cuidava ‘de norma que não deve ser aplicada com rigor literal, mas, ao revés, tendo-se em mira a finalidade objetivada, o que permite a elasticidade de seu ajustamento às variações da realidade circunstancial’. E ela também demonstra que, por razões de ordem pragmática, a jurisprudência e a legislação têm consolidado formas que retiram do instituto da ‘suspensão da execução da lei pelo Senado Federal’ significado substancial ou de especial atribuição de efeitos gerais à decisão proferida no caso concreto. Como se vê, as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de controle incidental, acabam por ter eficácia que transcende o âmbito da decisão, o que indica que a própria Corte vem fazendo uma releitura do texto constante do art. 52, X, da Constituição de 1988, que, como já observado, reproduz disposição estabelecida, inicialmente, na Constituição de 1934 (art. 91, IV) e repetida nos textos de 1946 (art. 64) e de 1967/69 (art. 42, VIII). Portanto, é outro o contexto normativo que se coloca para a suspensão da execução pelo Senado Federal no âmbito da Constituição de 1988. Ao se entender que a eficácia ampliada da decisão está ligada ao papel especial da jurisdição constitucional, e, especialmente, se considerarmos que o texto constitucional de 1988 alterou substancialmente o papel desta Corte, que passou a ter uma função preeminente na guarda da Constituição a partir do controle direto exercido na ADI, na ADC e na ADPF, não há como deixar de reconhecer a necessidade de uma nova compreensão do tema. (…) De qualquer sorte, a natureza idêntica do controle de constitucionalidade, quanto às suas finalidades e aos procedimentos comuns dominantes para o modelo difuso e concentrado, não mais parece legitimar a distinção quanto aos efeitos das decisões proferidas no controle direto e no controle incidental. Somente essa nova compreensão parece apta a explicar o fato de o Tribunal ter passado a reconhecer efeitos gerais à decisão proferida em sede de controle incidental, independentemente da intervenção do Senado. O mesmo há de se dizer das várias decisões legislativas que reconhecem efeito transcendente às decisões do STF tomadas em controle difuso. (…) É possível, sem exagero, falar-se aqui de uma autêntica mutação constitucional em razão da completa reformulação do sistema jurídico e, por conseguinte, da nova compreensão que se conferiu à regra do art. 52, X, da Constituição de 1988. Valendo-nos dos subsídios da doutrina constitucional a propósito da mutação constitucional, poder-se-ia cogitar aqui de uma autêntica reforma da Constituição sem expressa modificação do texto. (…) A multiplicação de processos idênticos no sistema difuso – notória após 1988 – deve ter contribuído, igualmente, para que a Corte percebesse a necessidade de atualização do aludido instituto. (…) No mesmo contexto situa-se a decisão que outorgou ao relator a possibilidade de decidir, monocraticamente, os Recursos Extraordinários vinculados às questões já resolvidas pelo Plenário do Tribunal. (…) A prática dos últimos anos, especialmente após o advento da Constituição de 1988, parece dar razão, pelo menos agora, a Lúcio Bittencourt, para quem a finalidade da decisão do Senado era, desde sempre, ‘apenas tornar pública a decisão do tribunal, levando-a ao conhecimento de todos os cidadãos’. (…) Assim, parece legítimo entender que, hodiernamente, a fórmula relativa à suspensão da execução de lei pelo Senado Federal, há de ter simples efeito de publicidade. Desta forma, se o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle incidental, chegar à conclusão, de modo definitivo, de que a lei é inconstitucional, essa decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação ao Senado Federal para que este publique a decisão no Diário do Congresso. Tal como assente, não é (mais) a decisão do Senado que confere eficácia geral ao julgamento do Supremo. A própria decisão da Corte contém essa ‘força normativa’. (…). Esta solução resolve de forma superior uma das tormentosas questões da nossa jurisdição constitucional. Superam-se, assim, também, as incongruências cada vez mais marcantes entre a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e a orientação dominante na legislação processual, de um lado, e, de outro, a visão doutrinária ortodoxa e – permita-nos dizer – ultrapassada do disposto no art. 52, X, da Constituição de 1988. Ressalte-se ainda o fato de a adoção da súmula vinculante ter reforçado a idéia de superação do referido art. 52, X da CF na medida em que permite aferir a inconstitucionalidade de determinada orientação pelo próprio Tribunal, sem nenhuma interferência do Senado Federal. Por último, observe-se que a adoção da técnica da declaração de inconstitucionalidade com limitação de efeitos parece sinalizar que o tribunal entende estar desvinculado de qualquer ato do Senado Federal, cabendo tão-somente a ele – Tribunal – definir os efeitos da decisão.”[21]
Não obstante a consistência da argumentação apresentada pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes e demais autores que defendem a abstrativização ou objetivação do controle concreto ou difuso de constitucionalidade, discordamos da tese e a consideramos inaplicável no Brasil por ser contrária a expresso mandamento constitucional.
3 – CRITICAS À TESE DA ABSTRATIVIZAÇÃO OU OBJETIVAÇÃO DO CONTROLE CONCRETO OU DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE: INCONSTITUCIONALIDADE DA MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL DO ART. 52, X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A validade constitucional da tese da abstrativização ou objetivação do controle concreto ou difuso de constitucionalidade depende da aferição da legitimidade da mutação constitucional do art. 52, X, da Constituição Federal, o que, com a devida vênia, entendemos não estar presente in casu, na medida em que a referida mutação proposta extrapola os limites constitucionais impostos para sua validade, como passamos a expor.
3.1 – Da mutação constitucional e seus limites
Visando a propiciar estabilidade institucional ao Estado, a constituição sempre é instituída com vocação de permanência. No entanto, as demandas surgidas na realidade fática social exigem a adaptação das normas constitucionais, ao novo contexto factual existente na sociedade.
A fim de permitir a adequação normativa à realidade social, as Constituições em geral prevêem mecanismo de modificação de suas normas.
De um lado, a alteração da norma constitucional pode se dar pela via formal, com a modificação do texto da Constituição, por meio de um procedimento legislativo mais complexo do que o exigido para a edição da legislação ordinária, em que serão utilizadas as figuras da emenda e revisão constitucional.
Por outro lado, é possível que alteração ocorra de maneira informal, por meio do mecanismo da mutação constitucional, o qual consiste na alteração do sentido e do alcance das normas constitucionais, sem qualquer modificação formal em seu texto, acarretando uma modificação substancial no conteúdo da norma[22], sendo manifestação do chamado poder constituinte difuso.
Seu fundamento reside na plasticidade da norma constitucional e na necessidade de adaptação da previsão normativa da Constituição às novas realidades verificadas na sociedade, conforme a teoria de Konrad Hesse, exposta em sua obra A força normativa da Constituição.
Como modo de alteração informal do conteúdo da Constituição, a mutação constitucional se submete a limitações jurídicas, que, se não observadas, retiram-lhe sua validade e eficácia modificadora da ordem constitucional. Tais limitações são trazidas por Luis Roberto Barroso:
“Por assim ser, a mutação constitucional há de estancar diante de dois limites: a) as possibilidades semânticas do relato da norma, vale dizer, os sentidos possíveis do texto que está sendo interpretado; e b) a preservação dos princípios fundamentais que dão identidade àquela específica Constituição”.[23]
Há que se mencionar, ainda, que um dos instrumentos pelos quais a mutação constitucional é realizada é a interpretação constitucional da norma, com a extração de seu sentido e alcance, com vistas à sua aplicação.
E é nesse processo hermenêutico desenvolvido pelos defensores da mutação constitucional do art. 52, X, da Constituição Federal que verificamos a inobservância dos limites jurídicos para a alteração informal da Constituição, pelo que, seu resultado é inválido e ineficaz, eis que inconstitucional.
3.2 – Da inconstitucionalidade da mutação do art. 52, X, da Constituição Federal de 1988
A alegada mutação constitucional do art. 52, X, da Constituição Federal, proposta por Gilmar Ferreira Mendes e demais autores que defendem a abstrativização ou objetivação do controle concreto ou difuso de constitucionalidade, é juridicamente inválida em nosso ordenamento jurídico positivado.
Com efeito, a mencionada mutação constitucional, ao atribuir à redação do inciso X do art. 52 da Constituição (cuja literalidade prescreve que compete privativamente ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal) o sentido que a resolução do Senado Federal somente tem o efeito de dar publicidade aos cidadãos acerca da decisão do Supremo Tribunal Federal que declarou definitivamente a inconstitucionalidade do ato normativo impugnado, não obedece às possibilidades semânticas da norma constitucional citada.
Isso porque, dos vários sentidos lingüísticos que podem ser extraídos do dispositivo constitucional, nenhum permite a conclusão de que não é ao Senado Federal que compete determinar a suspensão do ato normativo inconstitucional. Pelo contrário, a Constituição Federal possui dispositivo expresso exigindo a intervenção do Senado Federal para que se dê efeito erga omnes à decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal de inconstitucionalidade, e que não foi objeto de qualquer modalidade de alteração formal apta a embasar o sentido buscado por aqueles autores.
Destarte, por não respeitar as possibilidades semânticas do dispositivo constitucional, a pretendida mutação é inválida.
Mas é ao submeter a proposta mutação constitucional do art. 52, X, da Constituição Federal à análise da preservação dos princípios fundamentais de nossa Carta Política é que se destaca a sua insubsistência.
Sob um primeiro aspecto, verifica-se que o caminho interpretativo percorrido pelos defensores da aludida mutação desprezou princípios basilares da hermenêutica constitucional, tais como: o princípio da máxima efetividade da norma constitucional, já que impede a total incidência normativa do inciso X do art. 52 à hipótese que abstratamente regula; o princípio da unidade da Constituição, na medida em que despreza o modelo híbrido de controle de constitucionalidade brasileiro, no qual convivem os controles concreto ou difuso e abstrato ou concentrado; o princípio da força normativa da Constituição, uma vez que, sem observar o conteúdo semântico do inciso X do art. 52, desconsidera a sua norma; e, por fim, o princípio da razoabilidade (ou proporcionalidade), já que o sentido resultante da aludida mutação é irrazoável em face da redação do dispositivo constitucional.
Quanto ao resultado interpretativo, segundo os questionados doutrinadores, o conteúdo da norma constante no inciso X do art. 52 da Constituição é de que o Senado Federal tem a mera função de dar publicidade à decisão definitiva proferida pela Corte Constitucional brasileira, sem qualquer natureza substancial em sua manifestação.
Tal interpretação exclui a competência política conferida exclusivamente ao Senado Federal, pelo poder constituinte originário, caracterizando uma interferência constitucionalmente vedada do Poder Judiciário no Poder Legislativo e, por corolário, afrontando o Princípio da Separação dos Poderes, consagrado no art. 2.º da Constituição Federal.
Cabe lembrar que o mencionado princípio foi adotado em nossa Constituição como mecanismo para impedir o fortalecimento em demasia de um dos Poderes em face dos outros, situação que criaria um ambiente institucional propicio à afronta dos direitos fundamentais dos cidadãos pelo Estado, assim como já advertia Montesquieu em sua obra clássica O espírito das leis.
Há que se considerar a decisão política fundamental do poder constituinte originário que optou por instituir um modelo de controle de constitucionalidade jurisdicional misto, no qual há convivência harmônica entre os modos de controle de constitucionalidade concreto ou difuso e o abstrato ou concentrado.
Por outro lado, não há como deixar de observar que o constituinte originário efetivamente conferiu poder político e substancial ao Senado Federal para aquilatar a conveniência e oportunidade (num juízo político, pautado pelo critério do interesse social e segurança jurídica das relações estabilizadas) da extensão erga omnes da decisão definitiva de inconstitucionalidade, proferida pelo Supremo Tribunal Federal no exercício de controle concreto ou difuso de constitucionalidade.
Na mesma esteira desses argumentos, citamos Sérgio Resende de Barros, in verbis:
“ A intervenção do Senado no controle difuso é um engenhoso meio jurídico-político de atender ao princípio da separação de poderes, entre cujos corolários está o de que só lei pode revogar lei. Esse princípio tem de ser mantido no controle difuso, pois faz parte de sua lógica. A lógica do controle concentrado é outra: admite a corte constitucional como legislador negativo, o que é inaceitável no controle difuso. Cada modo de controle deve manter sua lógica para conviver em harmonia. Se não, o misto se torna confuso. Exatamente para manter a lógica do controle difuso, coerente com a separação de poderes, é que se teoriza que o Senado subtraí exiqüibilidade à lei, porém não a revoga.(…)”.[24]
Destarte, por ir de encontro ao Princípio da Separação dos Poderes, fragilizando o sistema constitucional de proteção aos direitos fundamentais, entendemos ser inconstitucional a mutação da norma constante do inciso X do art. 52 da Constituição.
Registre-se, também, o entendimento de Uadi Lammêgo Bulos, para quem sequer é possível falar em mutação constitucional do art. 52, X, da Constituição, asseverando que a norma apenas caiu em desuso, em vista de sua inadequabilidade social[25].
Aliás, a pretendida mutação constitucional fica ainda mais carente de defesa ao constatarmos que por ocasião da Emenda Constitucional n.º 45/2004, o poder constituinte derivado, mesmo dispondo acerca da eficácia vinculante e erga omnes de súmulas editadas a partir de reiterados precedentes do Supremo Tribunal Federal sobre questões constitucionais resolvidas em casos concretos sujeitos à apreciação da Corte Constitucional, manteve intocado o inciso X do art. 52 da Constituição, fato que demonstra que o sentido original e histórico da mencionada norma constitucional persiste incólume.
Assim, concluímos pela invalidade, e consequente inaplicabilidade, da tese da abstrativização ou objetivação do controle concreto ou difuso de constitucionalidade, na medida em que tem seu fundamento jurídico-constitucional de validade em nova interpretação da norma constante no inciso X do art. 52 da Constituição Federal, resultante de mutação constitucional abusiva, nos termos dos fundamentos retro expostos.
4 – CONCLUSÃO
O modelo brasileiro de controle de constitucionalidade jurisdicional adota forma híbrida, em que coexistem o controle concreto ou difuso e o controle abstrato ou concentrado.
Nos moldes em que formulado, o modelo brasileiro prevê fundamentais diferenças no que se refere à extensão subjetiva de suas decisões declaratórias de inconstitucionalidade, uma vez que no controle abstrato ou concentrado sua decisão, por si só, terá eficácia vinculante e erga omnes, porquanto seu efeito principal será a exclusão da norma inconstitucional do ordenamento jurídico, o que afeta todos aqueles que estavam sujeitos à eficácia normativa abstrata do ato. No controle concreto ou difuso, como a questão principal (questão de mérito) consiste na existência ou não de determinado direito subjetivo da parte, sendo a questão constitucional somente uma questão prejudicial ao mérito, a declaração de inconstitucionalidade do ato normativo não valerá para outros senão os sujeitos parciais do processo, salvo se, nos moldes do art. 52, X, da Constituição Federal, o Senado Federal determinar a suspensão da execução da lei declarada inconstitucional.
A teoria da abstrativização ou objetivação do controle concreto ou difuso de constitucionalidade propõe a mudança dessa sistemática de extensão subjetiva da decisão de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal, em controle concreto de constitucionalidade, no sentido de dispensar o ato senatorial para dar efeitos vinculantes e erga omnes a essa decisão (uma vez que haveria a transcendência de sua ratio decidendi), atribuindo ao órgão legislativo tão-somente o papel de dar publicidade à decisão judicial da Corte Constitucional, numa interpretação do inciso X do art. 52 da Constituição, resultante de mutação constitucional.
É indubitável que a tese da abstrativização ou objetivação do controle concreto ou difuso de constitucionalidade seja extremamente atraente pela funcionalidade que proporciona ao sistema de jurisdição constitucional, com a instituição de instrumentos para o alcance de valores processuais buscados pela Constituição Federal de 1988 como economia processual, celeridade e presteza na tutela jurisdicional constitucional, a isonomia entre os jurisdicionados, e a segurança jurídica em relação à solução de determinada questão constitucional, com o que se obsta diferentes decisões do Estado-juiz acerca da mesma questão.
No entanto, a referida tese tem seu fundamento jurídico em mutação de norma constitucional realizada de forma abusiva, o que acarreta a invalidade dessa mutação e do sentido normativo que extraiu do citado art. 52, X.
Anote-se que a juridicidade da abstrativização ou objetivação do controle concreto ou difuso de constitucionalidade somente seria consentânea com o ordenamento jurídico após alteração formal do texto constitucional (art. 52, X), por meio de emenda à constituição, o que não ocorreu.
Assim, nos alinhamos ao entendimento daqueles que consideram a aplicação da abstrativização ou objetivação do controle concreto ou difuso de constitucionalidade desprovida de fundamentação constitucional, sendo, destarte, inválida sua adoção no ordenamento jurídico brasileiro atual.
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