OF THE APPLICATION OF A COERCIVE FINE AGAINST PUBLIC AGENT IN A WRIT OF MANDAMUS
PABLO HENRIQUE GARCETE SCHRADER – Bacharel em Direito pela União da Associação Educacional Sul-Mato-Grossense Faculdades Integradas de Campo Grande (FIC-UNAES). Pós-graduado em Direito do Estado e das Relações Sociais pela UCDB/ESMAGIS (lato sensu). Pós-graduado (especialista) em Advocacia Pública pelo Instituto Para o Desenvolvimento Democrático – IDDE. Pós-graduando em Direito Processual Civil pela EDAMP/MS e Unigran. Procurador do Estado de Mato Grosso do Sul (PGE-MS).
RESUMO: O objetivo deste trabalho é proceder ao estudo alusivo à possibilidade de aplicação de multa coercitiva contra agente público em sede de mandado de segurança. Para tanto, será levado em consideração o posicionamento favorável da doutrina e da jurisprudência pátrias atual a esse respeito, inclusive do Superior Tribunal de Justiça. Outrossim, utilizar-se-á como marco legal o novo Código de Processo Civil de 2015 e a Lei do Mandado de Segurança, mormente nos casos em que, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado equivalente, o juiz poderá determinar as medidas necessárias ao cumprimento da decisão judicial, sobretudo em sede de mandado de segurança, em cuja demanda a autoridade impetrada possui posição sui generis. Ao final, será demonstrado que, em casos nos quais a autoridade apontada como coatora mostrar-se renitente, desidiosa ou recalcitrante ao cumprimento de determinação judicial dirigida contra a pessoa jurídica da qual integra, o próprio agente público é quem deverá sofrer eventuais sanções, dentre as quais, a aplicação de multa coercitiva, sob pena de a sociedade ter que arcar com um ônus do qual efetivamente não deu causa.
Palavras-chave: multa coercitiva; agente público; mandado de segurança.
ABSTRACT: The aim of this paper is to proceed to the study alluding to the possibility of imposing a coercive fine against a public agent in the writ of mandamus. To this end, consideration will be given to the favorable position of current doctrine and case law in this regard, including the Superior Court of Justice. In addition, the new Code of Civil Procedure 2015 and the Writ of Mandamus Law will be used as a legal framework, especially in cases where, for the performance of specific protection or obtaining protection for the equivalent result, the judge may to determine the measures necessary to comply with the judicial decision, especially in the context of a writ of mandamus, in which the defendant has a sui generis position. In the end, it will be demonstrated that, in cases in which the appointed co-authority appears to be reluctant, disloyal or recalcitrant to comply with a court order directed against the legal entity of which it is a member, it is the public agent himself who should be subject to any sanctions, among others. which, the imposition of coercive fine, under penalty of the society having to bear a burden of which it effectively did not cause.
Keywords: coercive fine; public agent; writ of mandamus.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Conceito de agente público. 1.1 Da diferença entre agente público e autoridade pública. 1.2 Da autoridade coatora e da legitimidade passiva em sede de mandado de segurança. 2. Das medidas coercitivas de ordem patrimonial previstas no Código de Processo Civil. 2.1 Da multa diária como mecanismo de efetivação da tutela específica. 3. Da aplicação de multa coercitiva contra agente público em sede de mandado de segurança. Conclusão. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
Em prolegômenos, o presente artigo científico, tendo como metodologia a pesquisa bibliográfica, buscará abordar tema alusivo à possibilidade de aplicação de multa coercitiva contra agente público em sede de mandado de segurança.
Para tanto, ao longo do texto, será demonstrado que a aplicação da sobredita penalidade deverá ser impingida, exclusivamente, à autoridade coatora/impetrada, em casos nos quais este agente público mostrar-se renitente, desidioso ou recalcitrante ao cumprimento de determinação judicial dirigida contra a pessoa jurídica de direito público da qual integra, sob pena de a sociedade ter que responder por um ônus do qual efetivamente não deu causa.
Ademais, será levado em consideração o posicionamento favorável da doutrina e da jurisprudência pátrias atual a esse respeito, inclusive do Superior Tribunal de Justiça.
Outrossim, utilizar-se-á como marco legal o novo Código de Processo Civil de 2015 e a Lei do Mandado de Segurança, mormente nos casos em que, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado equivalente, o juiz poderá determinar as medidas necessárias ao cumprimento da decisão judicial, sobretudo em sede de mandado de segurança, em cuja demanda a autoridade impetrada possui posição sui generis.
Por derradeiro, por ocasião da conclusão, demonstrar-se-á que a aplicação de multa coercitiva, de forma exclusiva, contra agente público, em sede de mandado de segurança, além de ter escoro legal, doutrinário e jurisprudencial, importará em um efeito pedagógico a qualquer autoridade estatal, pois, ciente da sua própria responsabilidade, atuará de modo a respeitar-se o erário e o ente público do qual é parte integrante.
É assente que a expressão agente público é bastante elástica, para determinar, de forma específica, os sujeitos que exercem funções públicas. Desse modo, qualquer pessoa que age em nome do Estado é agente público, independentemente de vínculo jurídico, ainda que atue sem remuneração e transitoriamente.
Assim sendo, uma vez que o Estado está atuando por via do sujeito, responderá pelos atos praticados, sendo a responsabilidade objetiva do Estado, nos moldes do disposto no art, 37, § 6º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Neste sentido, a Lei 8.429/92 estabelece que:
Reputa-se agente público, para fins desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.
Logo, por intermédio do agente público, o Estado se faz presente, manifestando sua vontade nas esferas de Governo (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), em quaisquer dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário).
Outrossim, pode-se afirmar que agente público é a pessoa física que presta serviço ao Estado lato sensu (União, Estado, Distrito Federal e Municípios – Administração Direta) e às pessoas jurídicas da Administração Indireta (autarquias, fundações públicas empresas públicas e sociedades de economia mista), ainda que de forma transitória ou sem remuneração.
Inclusive, o Código Penal confere a mesma abrangência ao definir funcionário público. É cediço que a expressão funcionário público já está superada no Direito Administrativo, sendo substituída pela expressão agente público. Entretanto, o Código Penal estabelece, em seu artigo 327, que “Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, empregou ou função pública”.
Sendo assim, nas palavras de Matheus Carvalho (CARVALHO, 2016, p. 734):
[…] podem ser considerados agentes públicos aqueles que exercem função pública em virtude de relação trabalhista, em qualquer dos entes da Administração Pública Direta ou Indireta, seja este em regime estatutário, mediante a nomeação de servidores que se submetem às regras definidas em estatuto próprio, seja um regime de emprego, por meio de contratação de empregados, sob o regime da Consolidação das Leis Trabalhistas para prestarem serviços, mediante regime de emprego público.
Da mesma forma, todos os particulares contratados sob regime de cargo temporário, nos moldes definidos pelo art. 37, IX da Constituição Federal, ainda são considerados agentes públicos e exercem função pública.
Também podem ser considerados agentes públicos aqueles que, mesmo não possuindo qualquer vínculo de natureza administrativa ou política com o ente estatal, atuam no exercício de funções públicas, tais como, por exemplo, o mesário no dia da eleição ou o jurado, no dia em que presta o serviço de atuação no júri popular, ou, ainda, os agentes das concessionárias e permissionárias de serviços públicos e os titulares das serventias de cartório, autorizados, após aprovação em concurso público, para execução de serviços notariais e registrais, mediante delegação.
Celso Antônio Bandeira de Mello (DE MELLO, 2008, p. 242) assim se manifesta acerca dos agentes públicos:
Os servidores públicos são uma espécie dentro do gênero “agentes públicos”. Para bem distinguir tal espécie, apartando-a claramente das demais, é útil, primeiramente, examinar o panorama dentro do qual ela se encarta. É o que se fará apresentado o amplo quadro compreensivo das variedades tipológicas de agentes por meio dos quais o Estado se manifesta.
Esta expressão – agentes públicos – é a mais ampla que se pode conceber para designar genérica e indistintamente os sujeitos que servem ao Poder Público como instrumentos expressivos de sua vontade ou ação, ainda quando o façam apenas ocasional ou episodicamente.
E, em todos os casos, o Estado responde pelos atos praticados pelo sujeito, se ele causar dano a alguém no exercício da função pública, haja vista o fato de que, naquele momento, ostenta a qualidade de agente público atuando em nome do ente estatal. De fato, a Administração Pública os habilita para atuarem em seu nome.
Impende asseverar, por oportuno, que, por exercerem função pública, os atos ou omissões perpetrados pelos agentes públicos são imputados à pessoa jurídica que integram e se sujeitam ao controle judicial, que se pode dar por meio dos remédios constitucionais, tais como Mandado de Segurança e Ação Popular.
Neste comenos, os agentes públicos, considerados amplamente, podem figurar como autoridade coatora, para prestação de informações em Mandado de Segurança, somente não sendo admitida, nos moldes da Lei n. 12.016/2009, em seu artigo 1º, §2º[1], a impetração do writ constitucional contra os atos de gestão comercial, praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público.
Logo, como por exemplo, é possível que o mandamus seja impetrado em face de atos praticados pelo diretor de uma universidade particular, ante a função pública por este exercida.
Por derradeiro, em razão do exposto no art. 37, §6º, da Lei Maior, o poder público se responsabiliza objetivamente por todos os atos praticados pelos agentes públicos, neste caso, considerados amplamente, sendo que, após o pagamento de eventual indenização que se entenda devida, é cabível a propositura de ação regressiva em face do sujeito, desde que reste demonstrada que sua participação no evento danoso se deu a título de dolo ou, ao menos, que ele agiu culposamente para a ocorrência do dano causado a outrem.
1.1 DA DIFERENÇA ENTRE AGENTE PÚBLICO E AUTORIDADE PÚBLICA
Como visto acima, os agentes públicos, considerados amplamente, podem figurar como autoridade coatora, para prestação de informações em Mandado de Segurança, a teor do disposto no art. 1º, § 1º, da Lei n.º 12.016, de 7 de agosto de 2009 – a qual regula o mandado de segurança individual e coletivo e dá outras providências -, a saber:
Art. 1º […]
Logo, o termo legal autoridade coatora pode ser entendido como sinônimo de autoridade pública, a qual é a pessoa física investida de poder de decisão dentro da esfera de competência que lhe é atribuída, de forma legal.
Ademais, consoante apregoam Mário Lúcio Quintão Soares e Lailson Baeta Neves, ao diferir-se a autoridade pública do agente público, tem-se o seguinte quadro (SOARES; NEVES, 2019, p. 12):
O que difere a autoridade pública do simples agente público é que o primeiro tem poder de decisão dentro de uma ordem hierárquica, ou seja, demonstra-se competente para praticar atos administrativos decisórios.
Casos tais atos sejam praticados, com abuso ou de forma ilegal, dão azo à impetração do mandado de segurança.
Por isso, segundo a doutrina, o agente público não responde por meros atos executórios.
Por ato de autoridade (MEIRELLES; WALD; MENDES, 2010, p. 33), conclui-se que:
Ato de autoridade é toda manifestação ou omissão do Poder Público ou de
seus delegados, no desempenho de suas funções ou a pretexto de exercê-las.
Por autoridade, entende-se a pessoa física investida de poder de decisão dentro da esfera de competência que lhe é atribuída pela norma legal. Deve-se distinguir autoridade pública do simples agente público. Aquela detém, na ordem hierárquica, poder de decisão e é competente para praticar atos administrativos decisórios, os quais, se ilegais ou abusivos, são suscetíveis de impugnação por mandado de segurança, quando ferem direito líquido e certo; este não pratica atos decisórios, mas simples atos executórios e, por isso, não está sujeito ao mandado de segurança, pois é apenas executor de ordem superior.
Com efeito, para fins de Mandado de Segurança, consideram-se autoridades públicas aquelas pessoas físicas investidas de poder de decisão dentro de sua esfera de competência atribuída por meio de lei. Também, podem ser classificados no mesmo sentido os administradores ou representantes de autarquias e de entidades paraestatais ou ainda pessoas naturais ou jurídicas, com funções delegadas ou enquanto concessionários de serviços de utilidade pública no que concerne a essas funções.
1.2 DA AUTORIDADE COATORA E DA LEGITIMIDADE PASSIVA EM SEDE DE MANDADO DE SEGURANÇA
A Lei do Mandado de Segurança (Lei Federal n.º 12.016/2009) prescreve que o impetrante deverá, quando do ajuizamento do writ mandamental, integrar o polo passivo da relação processual não só com a autoridade coatora, mas, também, com a pessoa jurídica de direito público a qual esta se encontra vinculada, senão veja-se:
Art. 6º A petição inicial, que deverá preencher os requisitos estabelecidos pela lei processual, será apresentada em 2 (duas) vias com os documentos que instruírem a primeira reproduzidos na segunda e indicará, além da autoridade coatora, a pessoa jurídica que esta integra, à qual se acha vinculada ou da qual exerce atribuições.
Igualmente, a referida lei reza que o juiz, ao despachar a inicial, deverá intimar o órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, bem como, ao final do processo, intimá-lo da decisão que conceder a segurança. Leia-se os seguintes preceitos:
Art. 7º Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:
II – que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que, querendo, ingresse no feito;
Art. 13. Concedido o mandado, o juiz transmitirá em ofício, por intermédio do oficial do juízo, ou pelo correio, mediante correspondência com aviso de recebimento, o inteiro teor da sentença à autoridade coatora e à pessoa jurídica interessada.
Consoante se infere, a nova lei mandamental tentou pôr fim a uma infindável controvérsia tanto na doutrina[2] como na jurisprudência[3] sobre o tema. E, nesse tanto, a parte final do precitado dispositivo legal, ao criar a obrigatoriedade de inclusão da pessoa jurídica de direito público, trouxe para a relação jurídica processual o real responsável pelo ato violador do direito líquido e certo do impetrante.
A corroborar tal assertiva, colhe-se o ensinamento de Rafael Véras de Freitas (FREITAS, 2015, p. 597):
Isso se justifica porque o ente público é, sem dúvida, o titular da manifestação de vontade do servidor – neste caso, a da autoridade coatora impetrada –, bem como será o responsável por eventuais ônus patrimoniais decorrentes de condenações no feito.
Ademais, resta saber se o novo diploma fez surgir um litisconsórcio passivo necessário, ou seja, se se estipulou a obrigatoriedade de apresentação de contestação, ou se criou, tão-somente, a obrigatoriedade de uma intimação do representante fazendário para a participação no feito.
Ora, vê-se que não parece se tratar de um litisconsórcio passivo necessário, mas, sim, da obrigatoriedade de indicação da pessoa jurídica no polo passivo do mandado de segurança para fins de intimação, na medida em que a autoridade coatora encontra-se vinculada funcionalmente à pessoa jurídica de direito público.
Essa interpretação compatibiliza-se com a celeridade própria do rito mandamental, porquanto não seria razoável que a pessoa jurídica de direito público tivesse que ser citada para apresentar contestação. Contudo, deve tal entidade se manifestar, quando da sentença de concessão da segurança, em observância à mens legis de manter-se a celeridade da ação mandamental.
Ainda, reforça o entendimento de que, no âmbito mandamental, até a prolação da sentença, a comunicação dos atos processuais deve ser feita à autoridade impetrada, que é quem detém a obrigação legal de prestar informações[4], e não à pessoa jurídica de direito público.
Todavia, segue-se a advertência de Rafael Véras de Freitas (FREITAS, 2015, p. 598):
É evidente, pois, que, se antes de prolação da sentença de concessão da segurança, ficar evidenciada a atuação culposa ou dolosa da autoridade coatora no Mandado de Segurança, deverá a pessoa Jurídica de Direito Público intervir no processo, no estado em que se encontra, de forma a coibir eventuais ilegalidades já praticadas, tudo isso dentro do seu dever de autotuela (Súmula 473 do STF).
Ora, se a pessoa jurídica de direito público será colocada no polo passivo da relação jurídica processual, é imprescindível que o seu órgão de representação jurisdicional seja intimado para atuar no feito, para defesa dos interesses secundários do Estado.
Trata-se, em última análise, de um corolário do devido processo legal, notadamente nas vertentes do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, inciso LV, da CRFB). Além disso, esta ciência prévia do ajuizamento do writ, certamente, contribuirá para o fortalecimento da atuação da Advocacia de Estado (artigo 131 e 132 da CFRB), como órgãos que devem exercer, na mesma medida, o controle da legalidade dos atos do Poder Público.
Além do mais, Carlos Alberto Garcete (GARCETE, 2010, p. 45) entende que a pessoa jurídica a que esteja a autoridade coatora (impetrada) vinculada é quem figura no polo passivo do remédio heroico, verbis:
Nosso entendimento é no sentido de que a pessoa jurídica a que esteja a autoridade coatora (impetrada) vinculada é quem figura no polo passivo do remédio heroico. A sabendas, note-se – pelo procedimento adotado pela Lei Federal nº 12.016/2009 – que a atuação do coator se cinge a prestar as informações necessárias ao esclarecimento do ato tido por viciado – porquanto é quem está mais bem preparado para relatar e explicitar o ocorrido – e a cumprir a ordem eventualmente determinada pelo juiz da causa.
No mais, a pessoa jurídica a que esteja vinculado é quem se manterá no polo passivo, suportando todos os ônus e exercendo o devido processo legal, inclusive para interpor os recursos necessários. Além disso, será quem, em eventual ação (posterior) de indenização que decorra do reconhecimento judicial da ilegalidade do ato de autoridade, figurará no polo passivo e, em caso de procedência da pretensão, será condenada.
Logo, não parece escorreito o entendimento de que a autoridade coatora deva ser considerada com a titular do polo passivo.
No mesmo trilho, Leonardo Carneiro da Cunha (CUNHA, 2014, p. 561) pontua que “a legitimidade passiva para o mandado de segurança é da pessoa jurídica a cujos quadros pertence a autoridade de quem emanou o ato impugnado”.
Frise-se que esse posicionamento – o qual entende-se escorreito – está firmado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça[5].
Ora, a identificação da autoridade coatora é de suma importância, pois serve para definir a competência do juízo, além de precisar quem deve, especificamente, sofrer o comando judicial e cumpri-lo.
Outrossim, deve ser indicada como autoridade, no mandado de segurança, aquele agente público com competência para desfazer o ato atacado ou para cumprir a segurança. Neste passo, assim reza a Súmula 627 do STF[6].
Lado outro, não obstante a existência das regras contidas nos artigos 6º e 7º da Lei nº 12.016/2009, que determinam a indicação da pessoa jurídica com sua posterior intimação, tal situação não modifica o entendimento segundo o qual a legitimidade passiva para o mandado de segurança é da pessoa jurídica, cabendo à autoridade coatora apenas prestar informações e, em caso de concessão de segurança, cumprir a ordem impingida pelo órgão judicial.
Como diz Leonardo Carneiro da Cunha (CUNHA, 2014, p. 562) “A autoridade presenta a pessoa jurídica, prestando informações. Além disso, cumpre dar ciência à pessoa jurídica dos termos da demanda mandamental, a fim de que possa oferecer alguma manifestação tida como relevante”.
Na verdade, a autoridade, no mandado de segurança, é a pessoa física presente em juízo, ou seja, ela, na linguagem de Pontes de Miranda, presenta a pessoa jurídica. Significa que a pessoa jurídica está no processo, desde o início, na pessoa da autoridade, cuja função é, apenas, prestar informações (DIDIER JR, 2002, p. 369-370).
O art. 139, IV, do Código de Processo Civil de 2015, estabelece que o juiz poderá lançar mão de medidas indutivas e coercitivas, as quais são utilizadas basicamente para o cumprimento de ordens judiciais em decisões interlocutórias ou finais com natureza condenatória, mandamental ou executiva.
A princípio, tem-se que os provimentos declaratórios e constitutivos finais não necessitam de imposição de medidas indutivas ou coercitivas para seu cumprimento, sendo que a declaração positiva ou negativa bem como a constituição positiva ou negativa de uma relação jurídica esgotam, por si sós, o objeto da tutela jurisdicional, conforme escólio de Fabio Caldas de Araújo (ARAÚJO, 2016, p. 640).
As medidas indutivas podem estar previamente contidas no comando legal que preenche o suporte fático da decisão judicial. Tais medidas agregam à decisão judicial um incentivo ao cumprimento espontâneo do comando, inclusive com o fim de evitar medidas coercitivas pessoais e patrimoniais próprias da execução indireta ou, mesmo, a aplicação da técnica sub-rogatória, que revela a execução direta, citando-se, como exemplo, o disposto nos artigos 701, § 1º[7], e 827, § 1º[8], ambos do CPC (ARAÚJO, 2016, p. 642).
Por seu turno, as medidas coercitivas de ordem pessoal (prisão civil) ou patrimonial (multa diária = astreintes) podem ser concedidas na tutela provisória ou definitiva, no âmbito cognitivo, executivo ou cautelar.
Por oportuno, vale destacar que no Código de Processo Civil de 1973 não havia previsão expressa da aplicação de medidas coercitivas de ordem patrimonial para ações condenatórias cujo objeto fosse prestação pecuniária. Essa previsão foi consagrada pelo novo CPC, na parte final do art. 139, IV.
Já as ordens judiciais oriundas de ações condenatórias e mandamentais permitem a aplicação de medidas coercitivas de pressão (moyen de pression), representadas pelas astreintes e pela prisão civil.
Segundo Renato Montans de Sá (SÁ, 2019, p. 1128):
[…] as peculiaridades do direito material, especialmente no tocante às tutelas específicas, em que se necessita muito mais de um “agir” do obrigado do que propriamente uma intervenção estatal na sua esfera patrimonial (execução direta por sub-rogação), levaram o legislador a permitir, em obrigações não representadas por dinheiro, medidas atípicas, ora estabelecidas de maneira genérica pela lei, ora desenvolvidas pelo próprio magistrado à luz das circunstâncias do caso concreto.
Tal atipicidade, outorgada pela lei, encontra-se prevista num microssistema compreendido pelos arts. 139, IV, 297, parágrafo único, 536, §§ 1º a 3º, e 537 do CPC, a saber:
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
[…]
IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;
Art. 297. O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória.
Parágrafo único. A efetivação da tutela provisória observará as normas referentes ao cumprimento provisório da sentença, no que couber.
Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente.
Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.
I – se tornou insuficiente ou excessiva;
II – o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.
Como se extrai do comando legal, tem-se que as medidas coercitivas não visam à substituição do executado, mas à pressão para que cumpra com a determinação judicial. Além do mais, tais medidas assumem papel de relevo na execução indireta, sendo aplicadas como medidas de apoio ao cumprimento da tutela específica (obrigações de fazer, não fazer e dar coisa), as quais não prescindem da participação do réu para a satisfação da ordem judicial.
Com efeito, como medidas coercitivas para o auxílio ao cumprimento de decisões judiciais na execução indireta, nosso sistema prevê medidas de coerção patrimonial ou pessoal. Como medida de coerção patrimonial é possível a fixação de multa diária (astreintes) em caso de descumprimento de ordem judicial, nos termos do disposto nos precitados artigos 139, IV, 536, § 1º e 537, todos do Código de Processo Civil de 2015.
2.1 DA MULTA DIÁRIA COMO MECANISMO DE EFETIVAÇÃO DA TUTELA ESPECÍFICA
As astreintes (multa diária) não dependem de pedido da parte e poderão ser aplicadas de ofício pelo juiz, o qual, também, poderá disciplinar seu período de incidência, aumento ou diminuição. A multa pode ser aplicada na tutela provisória, na sentença e na fase de execução.
Nesse compasso, pode-se afirmar que, dentre as medidas coercitivas de apoio, certamente, a mais importante é a multa diária (astreintes). E, na linha do que defende Renato Montans de Sá (SÁ, 2019, p. 1139), conclui-se que:
[…] a multa prevista no art. 537 do CPC/2015 não seja sancionatória, pois não visa apenar o devedor que não cumpriu a obrigação. Muito pelo contrário, para que se obtenha a tutela in natura, é fundamental que a multa não tenha função retrospectiva, mas prospectiva, pois o interesse é no cumprimento da obrigação e a multa tem a função de exercer essa coerção indireta sobre o obrigado, estimulando-o ao cumprimento.
N’outro passo, para a melhor compreensão sobre da estrutura da multa coercitiva, e a fim de evitar distorções na sua aplicação, é de vital importância cotejar a sua diferença com a multa indenizatória prevista no art. 77, incisos V e VI, e §§ 1º a 5º[9], do CPC/2015, a denominada Contempt of Court, consoante demonstrado por Renato Montans de Sá (SÁ, 2019, p. 1140):
Multa coercitiva (CPC, art. 537) | Multa sancionatória (CPC, art. 77) |
Natureza meramente processual: objetiva efetivar uma decisão judicial | Natureza processual-administrativa: punição pelo descumprimento de uma ordem |
Função constritiva (é prospectiva, pois visa impor uma conduta para o futuro) | Função punitiva (é retrospectiva, pois visa sancionar uma conduta ou omissão pretérita) |
O valor é variável e periódico de acordo com o magistrado | O valor é fixo. As bases estão estabelecidas em lei |
Não se limita ao valor da obrigação, podendo excedê-la | Não pode ultrapassar o valor da obrigação |
Beneficiário da multa é a parte contrária | Beneficiário da multa é o Estado |
“A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitindo o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte” (art. 537, § 3º, CPC/2015) | “Não sendo paga no prazo a ser fixado pelo juiz, a multa prevista no § 2º será inscrita como dívida ativa da União ou do Estado após o trânsito em julgado da decisão que a fixou, e sua execução observará o procedimento da execução fiscal, revertendo-se aos fundos previstos no art. 97” (art. 77, § 3º, CPC/2015) |
As astreintes representam um meio coercitivo de caráter patrimonial, destinado a pressionar a vontade do réu para que ele cumpra o mandamento jurisdicional, sujeitando-se então à multa diária, sendo também um mecanismo de preservação da autoridade do juiz, de modo a constranger o devedor a satisfazer a obrigação, ou seja, a cumprir a prestação devida pelo não cumprimento.
O valor da multa coercitiva deverá ser fixado pelo magistrado, buscando servir como mecanismo de pressão sobre a vontade do devedor, sempre em montante razoável, adequado e apto a abalar o devedor na sua determinação de permanecer desatendendo a ordem judicial. A multa coercitiva tem o seu fato gerador no descumprimento do comando judicial pelo réu.
A multa coercitiva é desvinculada da obrigação principal, ou seja, é vinculada à ordem judicial com prazo, que não se cumpriu, incidindo a multa independentemente do resultado da ação, pois a multa não se fia necessariamente no direito do autor e sim no descumprimento da ordem judicial.
Por derradeiro, importa anotar que o sujeito passivo da multa é aquele que deve arcar com a prestação, isto é, o devedor inadimplente, seja a pessoa física ou jurídica executada no processo judicial, ao passo que o sujeito ativo – o beneficiário para o qual o valor da multa é revertido – é a parte contrária da demanda.
Nesse particular, chega-se à questão versada no presente artigo, qual seja, se existe a possibilidade de, no âmbito do mandado de segurança, a multa coercitiva poder recair diretamente na pessoa física da própria autoridade coatora.
Ab initio, impende destacar a inexistência de controvérsia no Superior Tribunal de Justiça quanto à possibilidade de a imposição de multa diária (astreinte) incidir sobre o ente público a que vinculada a autoridade impetrada.
Exemplificativamente, no RMS 43.654/GO, 2ª Turma, Rel.ª Min.ª Assusete Magalhães, assinalou-se que:
É possível o bloqueio de verba e a imposição de multa, com fundamento no art. 461, §§ 4º e 5º do Código de Processo Civil[10], para compelir o réu a cumprir obrigação de fazer ou não fazer, norma que o STJ tem aplicado subsidiariamente ao mandado de segurança (DJe 14/5/2014).
Semelhante entendimento também se encontra na decisão proferida no AgRg nos EDcl no RMS 41.734/GO, 1ª Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 24/2/2014[11].
Por outro lado, no âmbito das ações civis públicas, cumpre registrar que a Corte Superior de Justiça hospeda julgados contrários à imposição de astreintes ao agente público que, por não ser réu na relação processual, não teve assegurada a ampla defesa (p.ex.: REsp 1.433.805/CE, 1ª Turma, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 24/6/2014, REsp 1.315.719/SE, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 18/9/2013 e AgRg no AREsp 196.946/SE, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 16/5/2013).
Todavia, quando se cuida da ação constitucional do mandado de segurança – regulada pela Lei nº 12.016/09 -, por se tratar de procedimento especialíssimo, as coisas tomam um rumo diferente. Ou seja, apercebe-se que a autoridade coatora, embora não figure como parte material ou formal, participa ativamente da relação jurídico-processual, incumbindo-lhe, para além de prestar as informações, dar efetivo cumprimento às decisões proferidas pelo juízo.
E, na linha do que consignado no art. 14, § 2º, da Lei nº 12.016/09[12], pode-se afirmar que a autoridade impetrada, por sua relevante atuação processual, ganha contornos de parte sui generis[13], pois a ela foi estendido o direito de recorrer.
Ademais, diante do caráter constitucional do qual se reveste o writ of mandamus (CF, art. 5º, LXIX[14] e LXX[15]), resta justificada a possibilidade de o magistrado impor medidas coercitivas – dentre elas, a astreinte – ao agente coator que, de forma injustificada, omissa e/ou recalcitrante, cause embaraço ou se recuse a dar cumprimento às decisões judiciais proferidas no curso do mandamus.
Igualmente, vê-se que o artigo 26, da Lei nº 12.016/09, diz constituir crime de desobediência (Código Penal, art. 330) o não cumprimento das decisões proferidas em mandado de segurança, sem prejuízo das sanções administrativas e da aplicação da Lei nº 1.079/50 (crimes de responsabilidade), quando cabíveis.
Nesse sentido, José Henrique Mouta Araújo (MOUTA ARAÚJO, 2019, p. 326) assim se manifesta:
Logo, a autoridade coatora, mesmo não sendo parte no mandado de segurança, pode estar sujeita a uma ordem judicial e, em decorrência do descumprimento, será atingida pela multa, responsabilidade criminal por crime de desobediência (art. 26, da Lei 12.016/09), e as demais medidas atípicas previstas no CPC/15. A rigor, não há qualquer impedimento para aplicação do art. 139, IV, do CPC, no âmbito do mandado de segurança. (destaque no original)
Com efeito, denota-se que a autoridade coatora recalcitrante, ao sujeitar-se a esse plexo de reprimendas, também revela aptidão para atrair, até mesmo cumulativamente, a responsabilidade pessoal pelo pagamento de multa diária que lhe seja aplicada com esteio nos artigos 139, IV, 536, § 1º e 537, todos do Código de Processo Civil de 2015.
A corroborar tal assertiva, há autores que defendem que o não atendimento da ordem judicial, nas causas em que o Estado seja parte, decorre da vontade desviante do agente público que o representa, justificando-se, por isso, o apenamento do próprio gestor.
Nessa toada, anota Jorge de Oliveira Vargas (VARGAS, 2001, p. 125) que:
[…] a desobediência injustificada de uma ordem judicial é um ato pessoal e desrespeitoso do administrador público; não está ele, em assim se comportando, agindo em nome do órgão estatal, mas sim, em nome próprio, porque o órgão, como parte que é da administração pública em geral, não pode deixar de cumprir determinação judicial, pois se assim agir, estará agindo contra a própria ordem constitucional, que o criou, ensejando inclusive a intervenção federal ou estadual, conforme o caso; seria a rebeldia da parte contra o todo. Quando a parte se rebela contra o todo, ela, a parte, deixa de pertencer àquele.
Igualmente, elucida Luiz Guilherme Marinoni (MARINONI, 2004, p. 662) que:
[…] não há cabimento na multa recair sobre o patrimônio da pessoa jurídica, se a vontade responsável pelo não-cumprimento da decisão é exteriorizada por determinado agente público. Se a pessoa jurídica exterioriza sua vontade por meio da autoridade pública, é lógico que a multa somente pode lograr o seu objetivo se for imposta diretamente ao agente capaz de dar atendimento à decisão jurisdicional.
Uma vez mais, leia-se o que diz a respeito do tema José Henrique Mouta Araújo (MOUTA ARAÚJO, 2019, p. 330):
Como conclusão, é fácil perceber que o correto direcionamento, por parte do magistrado, da penalidade de desobediência de ordem judicial no mandado de segurança, faz com que a decisão judicial tenha maior estímulo para ser cumprida. Logo, se a multa (e as demais medidas atípicas do art. 139, IV, do CPC) for dirigida à autoridade e não ao ente público, alcançará mais facilmente seu caráter educativo-sancionador, fazendo com que as ordens judiciais sejam efetivadas dentre de um limite temporal razoável e necessário à garantia do direito líquido e certo discutido no writ of mandamus.
Ainda, os autores Aylton Bonomo Júnior e Hermes Zaneti Júnior (BONOMO JR; ZANETI JR, 2019, p. 285) asseveram que:
O meio mais usual na prática forense para pressionar o devedor a cumprir a ordem judicial é a fixação de multa diária (astreinte) em caso de descumprimento da ordem no prazo assinalado judicialmente, com fundamento no art. 537 do CPC, a recair, por se tratar de mandado de segurança, sobre a autoridade pública (e não o ente público), sendo que o valor da multa será revertido em favor do exequente (art. 537, § 2º, do CPC).
No mesmo tom, o Superior Tribunal de Justiça tem se manifestado no sentido de que, na ação de mandado de segurança, como a pessoa jurídica exterioriza a sua vontade no processo por meio da autoridade pública, que é notificada pessoalmente para prestar informações e para cumprimento da ordem concessiva, a multa coercitiva (astreinte) seja imposta em face da autoridade pública.
Nesse sentido, colaciona-se os seguintes julgados:
PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSIÇÃO DE MULTA DIÁRIA À PRÓPRIA AUTORIDADE COATORA. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO ART. 461, §§ 4º e 5º DO CPC. RECURSO ESPECIAL DO ESTADO DESPROVIDO.
461, §§ 4º e 5º do CPC. Precedentes.
As conseqüências da desobediência da ordem do juiz cível. Curitiba: Juruá, 2001, p. 125), por isso que, se “a pessoa jurídica exterioriza a sua vontade por meio da autoridade pública, é lógico que a multa somente pode lograr o seu objetivo se for imposta diretamente ao agente capaz de dar atendimento à decisão jurisdicional” (MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 662).
(REsp 1399842/ES, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/11/2014, DJe 03/02/2015)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. PRESTAÇÃO DE MEDICAMENTO. ASTREINTES. POSSIBILIDADE.
(AgInt no REsp 1703807/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/08/2018, DJe 20/08/2018)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. ASTREINTES. AGENTE POLÍTICO QUE FOI PARTE NO POLO PASSIVO DA AÇÃO, BEM COMO TEVE SUA RESPONSABILIDADE PESSOAL ATESTADA NA ORIGEM. CABIMENTO DA MULTA DIÁRIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DE DISPOSITIVO TIDO COMO VIOLADO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF, APLICÁVEIS POR ANALOGIA. COISA JULGADA. PRETENSÃO DE REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7/STJ.
DIVERGÊNCIA NÃO DEMONSTRADA.
Precedentes: AgRg no AREsp 472.750/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe 9/6/2014; e REsp 1.111.562/RN, Rel.
Min.
CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJe 18/9/2009.
Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp 1388716/RN, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/10/2014, DJe 30/10/2014)
EMENTA PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. REVISÃO DE PENSÃO. DEFERIMENTO DE LIMINAR. MULTA DIÁRIA DIRECIONADA À AUTORIDADE IMPETRADA. POSSIBILIDADE.
(AgRg no ARESP 472.750/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em 03/06/2014, DJe 9.6.2014).
Alessandro Dantas, Leonardo Garcia e Roberval Rocha, em obra alusiva ao mandado de segurança (DANTAS; GARCIA; ROCHA, 2019, p. 524-5), ao tratarem do tema em exame, manifestam-se no mesmo sentido, verbis:
“Basicamente, a situação é a seguinte: definir que é a pessoa jurídica que deve arcar com os custos da incidência da multa é tomá-la inútil como meio efetivo de coerção, visto que a mesma somente poderá se reverter negativamente contra o Estado muito tempo depois, talvez valendo até a pena para o Poder Público descumprir o que o Judiciário determinar (caso faça um juízo de valor estritamente relacionado ao benefício econômico em não respeitar o comando decisório do Estado-juiz).
No mesmo sentido: A efetividade da sanção pecuniária, como forma de garantir a efetividade da decisão mandamental, será muito maior caso seja o patrimônio da pessoa física aquele acionado se a mesma incidir (ou seja, em caso de descumprimento). Qualquer um pensará duas vezes antes de assumir um risco ao seu próprio patrimônio, desrespeitando provimento jurisdicional”. (KLIPPEL, Rodrigo e NEFFA JUNIOR, José Antônio. Comentários à lei de mandado de segurança. (Lei nº 12.016/09): Artigo por artigo, doutrina e jurisprudência, Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2010, p. 390).
Multa devida pela pessoa física. Mais eficaz.
“Quem pratica o ato omissivo ou comissivo de desrespeitar a decisão judicial assume um risco pessoal e não institucional, devendo, pois, ter sua esfera particular sancionada. Embora seja realmente difícil separar quais atitudes de um administrador são tomadas em caráter pessoal ou institucional, a própria teoria geral do estado impõe-nos um raciocínio de que, no caso em tela, a motivação seria particular e, portanto, os efeitos deletérios dela advindos devem ser arcados pelo patrimônio da pessoa.” (KLIPPEL, Rodrigo e NEFFA JUNIOR, José Antônio. Comentários à lei de mandado de segurança. (Lei nº 12.016/09): Artigo por artigo, doutrina e jurisprudência, Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2010, p. 390).
[grifos no original]
Com efeito, diante do rito especialíssimo de que se reveste a ação constitucional de mandado de segurança, tendo em conta que a pessoa jurídica é presentada em juízo pela autoridade impetrada/coatora, bem assim diante do disposto nos artigos 139, IV, 536, § 1º e 537, todos do Código de Processo Civil de 2015, e do que reza o art. 26, da Lei nº 12.016/09, pode-se concluir ser plenamente possível a aplicação de multa coercitiva (astreintes) diretamente em face do agente público, e não em desfavor da pessoa jurídica, em casos nos quais reste manifesta a desídia, omissão ou recalcitrância daquela autoridade pública em cumprir a ordem judicial contra si dirigida, sob pena de a própria sociedade ser apenada por um ato comissivo ou omissivo perpetrado do qual não deu causa diretamente, posto que advindo do agente público que a representa.
Ademais, tem-se que a aplicação de tal medida ocasionará um efeito altamente pedagógico, ou seja, a autoridade coatora que presenta a pessoa jurídica em juízo, em sede de mandamus, pensará duas vezes antes de descumprir uma ordem judicial emanada em seu desfavor, de modo a que o erário reste protegido e indene de responsabilização, sobretudo em casos patentes de evidente recalcitrância infundada e injustificada do agente público.
CONCLUSÃO
Diante de tudo o que foi exposto, assevera-se que as astreintes (multa diária como medida coercitiva) podem, sim, ser aplicadas diretamente em desfavor do agente público em sede de mandado de segurança, na condição de autoridade coatora, se esta, de maneira recalcitrante, imotivada, injustificada ou embaraçosa, deixar de cumprir a decisão judicial contra si dirigida.
Resta demonstrado que, no caso do mandado de segurança, regulado pela Lei n.º 12.016/2009, tem-se que a autoridade coatora, embora não figure como parte material ou formal, participa ativamente da relação jurídico-processual, incumbindo-lhe, para além de prestar as informações, dar efetivo cumprimento às decisões proferidas pelo juízo da causa.
Torna-se lícito, então, afirmar que a autoridade impetrada, por sua relevante atuação processual, ganha contornos, quando menos, de parte sui generis, a ponto de a vigente Lei nº 12.016/09, de modo expresso, prever que a ela se estende “o direito de recorrer” (art. 14, § 2º).
Por outro viés, a dignidade constitucional de que se reveste o mandamus (art. 5º, LXIX e LXX, da CF) justifica e legitima o conjunto de medidas sancionatórias imponíveis ao indigitado agente coator que, de forma injustificada, cause embaraço ou se recuse a dar cumprimento às decisões judiciais proferidas no curso do writ.
Para tanto, cabe destacar as consequências contempladas no art. 26 da Lei nº 12.016/09, que diz constituir crime de desobediência o não cumprimento das decisões proferidas em mandado de segurança, sem prejuízo das sanções administrativas e da aplicação da Lei nº 1.079/50 (crimes de responsabilidade).
Certamente, então, que a autoridade coatora recalcitrante, sujeitando-se a esse plexo de reprimendas, também revela aptidão para atrair, até mesmo cumulativamente, a responsabilidade pessoal pelo pagamento de multa diária que lhe seja aplicada com apoio nos artigos 139, IV, 536, § 1º, 537 e 538, todos do Código de Processo Civil de 2015.
Por derradeiro, com fulcro na doutrina suso mencionada, igualmente estribado na atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e na precitada legislação aplicável à matéria em exame, arremata-se que o não atendimento da ordem judicial, nas causas em que o Estado seja parte, decorre da vontade desviante do agente público que o representa, justificando-se, por corolário lógico, o apenamento da própria autoridade coatora ou impetrada, a qual integra e presenta a pessoa jurídica na ação constitucional de mandado de segurança, mormente pelo efeito pedagógico de tal medida e como forma de salvaguardar o interesse e os cofres públicos de um ato omisso ou comissivo do qual a sociedade não deu causa diretamente, sendo que o valor da multa será revertido em favor do exequente (CPC, art. 537, § 2º).
Concomitantemente, em caso de descumprimento de ordem judicial no prazo fixado pelo Juízo, afigura-se também possível, de forma cumulativa, a cominação de multa de até o percentual de 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, por ato atentatório à dignidade da Justiça (sistema jurídico positivo brasileiro de instituto similar ao contempt of court norte-americano), com fincas no art. 77, inciso IV, e § 2º, do diploma processual civil, a recair pessoalmente sobre o agente responsável pela prática do ato (e não a pessoa jurídica parte)[16], sendo que o valor da multa será revertido em favor do fundo da justiça (CPC, art. 77, § 3º).
Referências bibliográficas
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VARGAS, JORGE DE OLIVEIRA. As conseqüências da desobediência da ordem do juiz cível. Curitiba: Juruá, 2001.
[1] Art. 1o Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.
[…]
[2] De um lado, Hely Lopes Meirelles já afirmava que: Por autoridade entende-se a pessoa física investida de poder de decisão dentro da esfera de competência que lhe é atribuída. (MEIRELES, Hely Lopes. Mandado de Segurança 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 33); de outro, José Antonio Remédio traz a seguinte ponderação: sujeito passivo, por outro lado, é o ente que irá suportar os efeitos da decisão judicial procedente. (REMÉDIO, José Antonio. Mandado de Segurança individual e coletivo. São Paulo: Saraiva, 2002, p.260)
[3] Toda esta celeuma pode ser resumida no seguinte excerto da lavra do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. LEGITIMIDADE PASSIVA. PESSOA JURÍDICA.
1. A doutrina e a jurisprudência não são pacíficas quanto à possibilidade de a pessoa jurídica ser parte legítima para figurar no pólo passivo da ação mandamental. 2. Parte da doutrina considera que o mandado de segurança deve ser impetrado não contra o ente público, mas sim contra a autoridade administrativa que tenha poderes e meios para a correção da ilegalidade apontada. Outra parte, enveredando por caminho totalmente oposto, afirma que a legitimidade passiva é da pessoa jurídica e não da autoridade administrativa. 3. Não é possível reclamar da parte o conhecimento da complexa estrutura da Administração Pública, de forma a precisar quem será a pessoa investida de competência para corrigir o ato coator. 4. A pessoa jurídica de direito público a suportar os ônus da sentença proferida em mandado de segurança é parte legítima para figurar no pólo passivo do feito, por ter interesse direto na causa. 5. Recurso especial conhecido e desprovido. (REsp 547235 / RJ RECURSO ESPECIAL2003/0048934-0)
[4] REsp nº 1051886 / RS RECURSO ESPECIAL 2008/0089537-4.
[5] REsp. nº 647.409-MA, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux. Por unanimidade. J. em 7.12.2004: “Em sede de mandamus a parte é a entidade pública a que pertence a autoridade coatora, de regra, carente de legitimatio ad processum, tese que reforça a necessidade de intimação da pessoa de direito público para recorrer e apresentar contra-razões, máxime à luz da novel Carta Federal, que privilegia sob a fórmula pétrea a ampla defesa, o contraditório e o due processo of law. ‘1. A parte passiva no mandado de segurança é a pessoa jurídica de direito público a que se vincula a autoridade apontada como coatora. Os efeitos da sentença se operam em relação à pessoa jurídica de direito público, e não à autoridade. 2. A opção legislativa, com a finalidade de manter a celeridade da ação mandamental, limita-se a determinar a notificação para informações e à comunicação da sentença (Lei nº 1.533/51, arts. 7º e 11). Todavia, apresentado recurso pela impetrante, a intimação, para contra-razões, deve ser feita ao representante judicial da própria pessoa jurídica’ (REsp. nº 619.461/RS, Relator Ministro Teori Zavascki). 3. Precedentes jurisprudenciais desta Corte: REsp. nº 619.461/RS, Relator Ministro Teori Zavascki, DJ de 06.09.2004 e ROMS nº 14.176, Ministro Félix Fischer, DJ 12.08.2002. 4. Recurso especial provido para anular o acórdão recorrido, determinando a intimação do Estado do Maranhão para oferecer contra-razões ao recurso de apelação interposto pela empresa impetrante”.
[6] No mandado de segurança contra a nomeação de magistrado da competência do Presidente da República, este é considerado autoridade coatora, ainda que o fundamento da impetração seja nulidade ocorrida em fase anterior do procedimento.
[7] Art. 701. Sendo evidente o direito do autor, o juiz deferirá a expedição de mandado de pagamento, de entrega de coisa ou para execução de obrigação de fazer ou de não fazer, concedendo ao réu prazo de 15 (quinze) dias para o cumprimento e o pagamento de honorários advocatícios de cinco por cento do valor atribuído à causa.
[8] Art. 827. Ao despachar a inicial, o juiz fixará, de plano, os honorários advocatícios de dez por cento, a serem pagos pelo executado.
[9] Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo:
[…]
V – declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva;
VI – não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso.
[10] O artigo 461, do CPC/1973 corresponde aos atuais artigos 497, 536, 537 e 538, do Código de Processo Civil de 2015.
[11] Demais julgados da Corte Superior de Justiça nos quais é defendido o cabimento da multa coercitiva diretamente para a Fazenda Pública, não obstante o ato de desobediência advir de falta de conduta de um de seus agentes:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. TRATAMENTO DE SAÚDE E FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS A NECESSITADO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. FAZENDA PÚBLICA. INADIMPLEMENTO. COMINAÇÃO DE MULTA DIÁRIA.
ASTREINTES. INCIDÊNCIA DO MEIO DE COERÇÃO.
(REsp 715.974/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/11/2005, DJ 28/11/2005, p. 217)
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE FAZER. DESCUMPRIMENTO. ASTREINTES.
APLICAÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. CABIMENTO. EXTENSÃO DA MULTA DIÁRIA AOS REPRESENTANTES DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO.
IMPOSSIBILIDADE.
(REsp 747.371/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 06/04/2010, DJe 26/04/2010)
[12] Art. 14. Da sentença, denegando ou concedendo o mandado, cabe apelação.
[…].
[13] Essa afirmação foi dada pelo Ministro Sérgio Kukina, do STJ, ao proferir seu voto, como relator, no julgamento do REsp nº 1.399.842/ES, Primeira Turma, Julgamento: 25/11/2014, DJe: 03/02/2015.
[14] Art. 5º.
[…]
LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;
[15] LXX – o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:
[16] A multa por ato atentatório à dignidade da justiça, diferentemente da multa cominatória prevista no art. 537 do CPC, recai sobre o” responsável” da prática do ato, segundo redação legal do art. 77, § 2º, CPC, de modo a possibilitar, independentemente da espécie de ação, que seja imposta pessoalmente ao agente público responsável pelo ato. Sobre essa diferenciação: STJ, REsp 679.048/RJ, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 03/11/2005; STFJ, REsp 666.008/RJ, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, julgado em 17/02/2005.
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