Da especificação dos dias trabalhados em domingos e feriados nos pedidos de quitação em dobro

Identificação: Rafael Alcântara Ribamar. Bacharel em Direito Centro Universitário UDF, Brasília/DF. Pós-graduação em direito do trabalho e processo do trabalho pelo IDP, Brasília/DF. Advogado OAB/DF nº 32.460.

Resumo: Pedido de quitação em dobro dos dias trabalhados em domingos e feriados e não compensados. Sentença de indeferimento por inépcia da inicial, fundamento de não especificação dos dias especiais trabalhados e não compensados.

Palavras-chave: Domingos e feriados. Pagamento em dobro. Súmula 146 do TST.

 

Abstract: Request for double payment of days worked on Sundays and holidays and not compensated. Sentence of rejection due to ineptitude in the initial statement, based on non-specification of special days worked and not compensated.

Keywords: Sundays and holidays. Double payment. Summary 146 of the TST.

 

Sumário: Introdução. 1 – Breve relato do objeto. 2 – A compensa ou a dobra. 3 – Da especificação dos dias especiais trabalhados e dos ônus da prova. Conclusão. Referências.

 

Introdução

Este artigo irá refletir sobre o seguinte tema: sentença de indeferimento do pedido de pagamento em dobro pelo trabalho prestado em domingos e feriados e não compensados, sob o fundamento de que não houve a especificação na petição inicial de quais dias de domingos e feriados foram trabalhados e não compensados.

Nesse caso, é possível verificar que o fundamento central contido na decisão é a inépcia da inicial.

E o pedido seria inepto por não proporcionar à parte contrária o exercício ao contraditório e a ampla defesa, uma vez que a Inicial não especifica quais dias foram trabalhados em domingos e feriados.

Passa-se a analisar esse entendimento jurisdicional.

 

1 – Breve relato do objeto

O descanso semanal remunerado tem previsão constitucional, o legislador constituinte determinou que todo trabalhador tem direito ao descanso semanal remunerado e que esse descanso deve ser preferencialmente aos domingos (artigo 7º, XV, CF/88):

 

XV – repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;

 

Também há previsão infraconstitucional, como previsto no artigo 67 da CLT, no artigo 1º da Lei nº 605/49 e no artigo 152 do Decreto nº 10.854/2021. Essas normas asseguram a todo empregado o direito ao repouso semanal remunerado de vinte e quatro horas consecutivas, preferencialmente aos domingos e, nos limites das exigências técnicas das empresas, nos feriados civis e religiosos, de acordo com a tradição local.

Entende-se que o repouso de vinte e quatro horas consecutivas será concedido dentro de uma semana, ou seja, a cada 6 (seis) dias de trabalho, ao trabalhador é garantido 1 (um) dia de descanso:

 

REPOUSO SEMANAL REMUNERADO. FOLGA NO OITAVO DIA. O art. 7º, XV, da Constituição da República assegura ao trabalhador o direito de 24 horas consecutivas de descanso integral dentro da semana. In casu, conforme consignado no acórdão do Regional, o reclamante trabalhava sete dias consecutivos, sem registro de folgas, que ocorriam somente no oitavo dia. Essa prática, como se vê, contraria o disposto no art. 7º, XV, da CF/88. Por conseguinte, o entendimento do TRT de origem encontra respaldo na Constituição da República e na legislação aplicável à espécie. Recurso de revista de que não se conhece. (TST – RR: 44400-33.2004.5.15.0094, Relatora: Kátia Magalhaes Arruda, Data de Julgamento: 03/03/2010, 5ª Turma).

 

O doutrinador Maurício Godinho Delgado, ministro do C. TST, em sua excelente obra: Curso de Direito do Trabalho, 5º ed., São Paulo: LTr, 2006, pág. 940, traz clareza ao tema:

 

“Não prevê a ordem jurídica, em princípio, possibilidade de ampliação da periodicidade semanal máxima de ocorrência do d.s.r.. Uma leitura rigorosa do texto da Lei n. 605/49 evidencia que o diploma se refere à viabilidade ou de folga compensatória ou de pagamento dobrado da respectiva remuneração, em face dos casos de desrespeito ao descanso em dias de feriado (art. 9º), silenciando-se, porém, no tocante ao repouso semanal remunerado. Porém, em vista dos objetivos enfocados pela figura do d.s.r. (objetivos vinculados não somente a preocupações de saúde e segurança laborais, como também a metas assecuratórias da inserção familiar, social e política do trabalhador – metas de cidadania, portanto), e em vista também do silêncio (eloquente, sem dúvida) das regras jurídicas aplicáveis à matéria, deve-se interpretar que a ordem jurídica fica afrontada caso o d.s.r. não seja assegurado em um lapso temporal máximo de uma semana.” (in Curso de Direito do Trabalho, 5 ed., São Paulo: LTr, 2006, pág. 940).

 

A jurisprudência sedimentou o tema na Orientação Jurisprudencial SBDI-1 nº 410 do C. TST. O Enunciado destaca sobre a desobediência constitucional de quem concede o repouso semanal remunerado após o 7º dia consecutivo de trabalho, penalizando-o com o pagamento em dobro:

 

REPOUSO SEMANAL REMUNERADO. CONCESSÃO APÓS O SÉTIMO DIA CONSECUTIVO DE TRABALHO. ART. 7º, XV, DA CF. VIOLAÇÃO.

Viola o art. 7º, XV, da CF a concessão de repouso semanal remunerado após o sétimo dia consecutivo de trabalho, importando no seu pagamento em dobro.

Observação: DEJT divulgado em 22, 25 e 26/10/2010.

 

 

Logo, ficou estabelecido por norma constitucional direito fundamental de que todo trabalhador terá direito a uma folga semanal, preferencialmente aos domingos.

Sucede que a legislação celetista autoriza alguns setores da economia funcionarem aos domingos e feriados, conforme se observa do Anexo IV da Portaria nº 671/2021 do Ministério do Trabalho e Previdência.

Portanto, setores da indústria, comércio, transportes, comunicação e publicidade, educação e cultura, serviços funerários, agricultura, pecuária, mineração, saúde e serviços sociais, atividades financeiras e serviços relacionados, serviços, têm autorização permanente para funcionarem aos domingos e feriados, conforme preconizado pelos artigos seguintes da CLT:

 

Art. 68 – O trabalho em domingo, seja total ou parcial, na forma do art. 67, será sempre subordinado à permissão prévia da autoridade competente em matéria de trabalho.

 

Art. 69 – Na regulamentação do funcionamento de atividades sujeitas ao regime deste Capítulo, os municípios atenderão aos preceitos nele estabelecidos, e as regras que venham a fixar não poderão contrariar tais preceitos nem as instruções que, para seu cumprimento, forem expedidas pelas autoridades competentes em matéria de trabalho.

 

Art. 70 – Salvo o disposto nos artigos 68 e 69, é vedado o trabalho em dias feriados nacionais e feriados religiosos, nos termos da legislação própria

 

A CLT é expressa em determinar a elaboração de escala de revezamento para as empresas que exijam trabalho aos domingos (§ único, artigo 67), também determina expressamente que o trabalho ao domingo está subordinado à permissão prévia da autoridade competente em matéria de trabalho.

A CLT é contundente quanto aos municípios, quando informa que estes deverão atender aos preceitos estabelecidos em regulamentação de que trate o repouso semanal.

E por fim, a CLT veda o trabalho em dias de feriados, salvo para aqueles tipos de serviços que estão previamente autorizados pela autoridade competente.

Fica fácil identificar e deduzir que a CLT traça diretrizes rigorosas quando o tema diz respeito a períodos de descanso. No que toca ao trabalhado aos domingos e feriados, seguramente os motivos dessa resistente normatividade podem ser encontrados nos ensinamentos, acima citado, do mestre Mauricio Godinho Delgado:

 

“objetivos vinculados não somente a preocupações de saúde e segurança laborais, como também a metas assecuratórias da inserção familiar, social e política do trabalhador – metas de cidadania.”

 

Portanto, o tema demonstra a obviedade de se respeitar o período de descanso do empregado, por motivos que vão além do necessário descanso.

 

2 – A compensa ou a dobra

A Medida Provisória 905 de 11 de novembro de 2019, que já teve sua vigência encerrada, havia inserido na CLT a seguinte redação no artigo 70:

 

Art. 70.  O trabalho aos domingos e aos feriados será remunerado em dobro, exceto se o empregador determinar outro dia de folga compensatória.            (Redação dada pela Medida Provisória nº 905, de 2019)         (Vigência encerrada)

 

Parágrafo único.  A folga compensatória para o trabalho aos domingos corresponderá ao repouso semanal remunerado.  (Redação dada pela Medida Provisória nº 905, de 2019)         (Vigência encerrada)

 

Como pode-se analisar, a redação do parágrafo único do artigo 70 celetista, parece estar em rota de colisão com o enunciado da Súmula 146 do C. TST, que assegura a folga compensatória sem prejuízo da remuneração do repouso semanal:

 

Súmula nº 146 do TST

TRABALHO EM DOMINGOS E FERIADOS, NÃO COMPENSADO (incorporada a Orientação Jurisprudencial nº 93 da SBDI-1) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003

O trabalho prestado em domingos e feriados, não compensado, deve ser pago em dobro, sem prejuízo da remuneração relativa ao repouso semanal.

 

Contudo, sobreveio o Marco Regulatório Trabalhista Infralegal, Decreto nº 10.854, de 10 de novembro de 2021, e estabeleceu em seu § 3º do artigo 154 o seguinte:

 

Art. 154.  Comprovado o cumprimento das exigências técnicas, nos termos do disposto no art. 1º da Lei nº 605, de 1949, será admitido o trabalho nos dias de repouso, garantida a remuneração correspondente.

 

  • 3º  Nos serviços em que for permitido o trabalho nos dias de repouso, a remuneração dos empregados que trabalharem nesses dias será paga em dobro, exceto se a empresa determinar outro dia de folga.

 

Percebe-se que a norma descrita no Decreto foi categórica no § 3º ao determinar que o trabalho nos dias de repouso, sem compensação, deverá ser pago em dobro.

 

Vale destacar o artigo 9º da Lei nº 605/49, que já instituía que o feriado trabalhado e não compensado, a remuneração passaria a ser paga em dobro:

 

Art. 9º Nas atividades em que não for possível, em virtude das exigências técnicas das empresas, a suspensão do trabalho, nos dias feriados civis e religiosos, a remuneração será paga em dobro, salvo se o empregador determinar outro dia de folga.

 

O professor Maurício Godinho Delgado, ministro do C. TST, em sua obra: Curso de Direito do Trabalho. 11. ed. São Paulo, LTr, 2012, páginas 973/974, discorreu sobre o assunto em questão da seguinte forma:

 

“Não obstante, já houve significativa polêmica em torno desse cálculo remuneratório. A redação original algo imprecisa do antigo Enunciado 146, TST (o trabalho realizado em dia feriado, não compensado, é pago em dobro e não em triplo), não favorecia à pacificação jurisprudencial a que deveria servir. Afinal, estava-se afirmando que o pagamento seria dobrado, incluída a própria remuneração do dia de repouso? Ou, ao invés, afirmava-se que a dobra pertiniria apenas à remuneração do trabalho, sem prejuízo da remuneração do descanso já anteriormente cabível?”

 

“A dúvida não tinha razão de ser: afinal, trata-se de cumulação de parcelas distintas, embora correlatas: há, de um lado, o direito ao dia de descanso, o qual deve ser pago (se já embutido no salário mensal); de outro lado, há o dia extra laborado, que deve receber a compatível remuneração; finalmente, existe a apenação criada pela Lei n. 605, de 1949, concernente à dobra pelo desrespeito ao dia de repouso, cujo pagamento é também específico e inconfundível com os anteriores.”

 

“Felizmente, a antiga controvérsia foi suplantada: hoje prepondera o entendimento de que o trabalho efetuado em dia de repouso é pago, sim, especificamente em dobro (ou seja, dois dias de salário), sem dedução, é claro, da própria remuneração pertinente a esse dia de repouso. Nesta linha, a Orientação Jurisprudencial 93 da SDI-I/TST: Domingos e feriados trabalhados e não compensados. Aplicação do Enunciado n. 146. O trabalho prestado em domingos e feriados não compensados deve ser pago em dobro sem prejuízo da remuneração relativa ao repouso semanal. Também a nova redação da própria Súmula 146 (desde novembro de 2003), incorporando a OJ 93.”

 

Com essa delimitação ensinada pelo professor e eminente ministro da Corte Superior Trabalhista, qual seja: o trabalho prestado em domingos e feriados não compensados deve ser pago em dobro sem prejuízo da remuneração relativa ao repouso semanal, passa-se adiante sobre o tema.

 

3 – Da especificação dos dias especiais trabalhados e dos ônus da prova

Sentença que indefere o pedido de pagamento em dobro pelo trabalho prestado em domingos e feriados e não compensados, sob o fundamento de que não houve a especificação na petição inicial de quais dias de domingos e feriados foram trabalhados e não compensados.

Ao autor da ação, para evitar que a sentença chegue à conclusão de indeferimento por inépcia, poderá manter em arquivo próprio os comprovantes dos registros de ponto eletrônico de entrada e saída, possibilitando então a especificação dos dias de domingos e feriados trabalhados e não compensados, assim como requerer ao seu empregador que lhe forneça os espelhos das folhas de ponto, ou também poderá propor uma ação de exibição de documentos, requerendo a apresentação dos relatórios espelhos de ponto eletrônico, e então realizar a especificação dos dias domingos e feriados na ação principal.

Quando se possui o documento, no caso, os comprovantes ou os relatórios de registros da jornada de trabalho, fica automaticamente concreta a especificação de quais dias foram trabalhados, quais dias foram folgas regulares, quais dias foram folgas compensatórias.

Com o documento hábil, deve ser demonstrado na petição inicial, por amostragem, os dias de domingos e feriados trabalhados e que não foram compensados para que se configure a prática adotada pelo TST prevista na Súmula 146:

 

Súmula nº 146 do TST

TRABALHO EM DOMINGOS E FERIADOS, NÃO COMPENSADO (incorporada a Orientação Jurisprudencial nº 93 da SBDI-1) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003

O trabalho prestado em domingos e feriados, não compensado, deve ser pago em dobro, sem prejuízo da remuneração relativa ao repouso semanal.

 

Todavia, talvez por questão cultural, para o autor da ação ocorre ser difícil o acesso ao relatório de espelho de ponto eletrônico, principalmente o dos moldes descrito no parágrafo único do artigo 84 da Portaria n. º 671/2021 do Ministério do Trabalho e Previdência:

 

Art. 84. O relatório Espelho de Ponto Eletrônico gerado pelo programa de tratamento de registro de ponto deve conter, no mínimo, as seguintes informações:

(…)

Parágrafo único. O trabalhador deverá ter acesso às informações constantes do relatório Espelho de Ponto Eletrônico por meio de sistema informatizado, mensalmente de forma eletrônica ou impressa ou em prazo inferior, a critério da empresa.

 

Na maioria dos casos o empregado tem acesso apenas ao comprovante de registro de ponto, previsto nos termos seguintes da mesma Portaria:

 

Art. 79. O REP-C e o REP-P, definidos no art. 76 e no art. 78, devem emitir ou disponibilizar acesso ao comprovante de registro de ponto do trabalhador, que tem como objetivo comprovar o registro de marcação realizada pelo empregado, contendo no mínimo as seguintes informações:

I – cabeçalho contendo o título “Comprovante de Registro de Ponto do Trabalhador”;

II – Número Sequencial de Registro – NSR;

III – identificação do empregador contendo nome, CNPJ/CPF e CEI/CAEPF/CNO, caso exista;

IV – local da prestação do serviço ou endereço do estabelecimento ao qual o empregado esteja vinculado, quando exercer atividade externa ou em instalações de terceiros;

V – identificação do trabalhador contendo nome e CPF;

VI – data e horário do respectivo registro;

VII – modelo e número de fabricação, no caso de REP-C, ou número de registro no Instituto Nacional da Propriedade Industrial, no caso de REP-P;

VIII – código hash (SHA-256) da marcação, exclusivamente para o REP-P; e

IX – assinatura eletrônica contemplando todos os dados descritos nos incisos I a VIII, no caso de comprovante impresso.

 

Empiricamente, parece ser uma arte conseguir manter sob guarda todos os comprovantes do período empregatício. Com certeza existem empregados que possuem esses comprovantes de forma bem organizada e admirável, mas o ordinário ainda é o empregado não conseguir manter sob guarda os comprovantes de registro de ponto.

O Anexo VIII da Portaria n. º 671/2021 do Ministério do Trabalho e Previdência, estabeleceu as características físicas do comprovante de registro de ponto nos seguintes termos:

 

  1. densidade horizontal máxima deve ser de 2 (dois) caracteres por centímetro; e
  2. o caractere não pode ter altura inferior a 8 (oito) mm.
  3. Dispor de mecanismo impressor em bobina de papel, integrado e de uso exclusivo do equipamento, que permita impressões com durabilidade mínima de 5 (cinco) anos.

 

 

Uma reclamação trabalhista pode comportar um número de 60 meses (5 anos) de comprovantes e/ou relatórios de registros de ponto eletrônico, período definido pelo constituinte para o corte da prescrição da ação trabalhista, artigo 7º, inciso XXIX:

 

ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;

 

Cinco anos é um período que podemos considerar longo e, portanto, improvável que o empregado tenha na memória os dias exatos em que laborou aos domingos e feriados durante esses 60 meses de vínculo, certo de que esse é apenas o corte prescricional, pois o tempo de trabalho sub judice pode ser superior aos cinco anos:

 

  1. A) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. HORAS EXTRAS. PARCELAS VINCENDAS. Em face da configuração de possível ofensa ao artigo 323 do Código de Processo Civil, dá-se provimento ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e provido.
  2. B) RECURSO DE REVISTA. HORAS EXTRAS. PARCELAS VINCENDAS. A jurisprudência desta Corte entende que a continuidade da relação de emprego autoriza a extensão da condenação ao pagamento de horas extras em parcelas vincendas, enquanto perdurar a situação fática que amparou o acolhimento do pedido, por se tratar de prestações sucessivas. Recurso de revista conhecido e provido. (TST – RR: 12476220155070004, Relator: Dora Maria Da Costa, Data de Julgamento: 19/05/2021, 8ª Turma, Data de Publicação: 21/05/2021)

 

Sem a certeza objetiva dessas informações, o empregado possui uma média de dias de domingos e feriados trabalhados que é extraída de uma frequência que ele se recorda de ter realizado, o mesmo valendo para as folgas regulares e as folgas compensatórias, tudo advindo da percepção do empregado.

E com base nessas informações subjetivas do empregado é posto em Juízo o pedido de que houve labor em dias de domingos e feriados sem a devida compensação e por isso se pretende a aplicação concomitante do artigo 9º da Lei n.º 605/49, do artigo 152 do Decreto Lei n.º 10.854/2021, da Súmula 146 do C. TST e da norma da Convenção Coletiva de Trabalho se ela tratar do tema.

Por exemplo, a Convenção Coletiva de Trabalho dos aeroviários, que atualmente é firmada entre o sindicato nacional dos aeroviários (SNA) laboral e o sindicato nacional das empresas aeroviárias (SNEA) patronal, estabeleceram que o trabalho em domingos e feriados será regido da seguinte forma:

 

12 – COMPENSAÇÃO DE DOMINGOS E FERIADOS

O aeroviário que trabalhe em regime de escala e que tenha sua folga coincidente com dias feriados terá direito a mais uma folga na semana seguinte;

 

12.1. É devido o pagamento em dobro de trabalho em domingos e feriados não compensados, desde que a Empresa não ofereça outro dia para o repouso remunerado, sem prejuízo da folga regulamentar.

 

 

Vale ressaltar que a Constituição garante o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho em seu artigo 7º, inciso XXVI, como autênticas fontes de direitos trabalhistas, permitindo que promovam a condição socioeconômica dos trabalhadores, bem como dispõe ser obrigatória a participação das entidades sindicais na negociação coletiva, conforme artigo 8º, inciso VI.

Diante desse pseudo anacronismo, as reclamações trabalhistas para atender a condicionante da especificação dos dias especiais, fazem o postulamento de maneira que se leve em consideração uma média de dias laborados em domingos e feriados, mas que possua verossimilhança para aquela situação em concreto.

Frisa-se que o operador do direito está “especificando por verossimilhança” os dias de domingos e feriados trabalhados na petição inicial para suprir uma praxe judicial.

É o que o empregado faz quando não tem acesso aos dados competentes para conformar seu pedido a essa praxe judicial, todavia, ele precisa delimitar os dias domingos e feriados trabalhados, sob pena de ter seu pedido indeferido por inépcia.

Nestes termos, fica difícil não tratar a pretensão autoral como um pedido genérico na exata acepção trazida pelo artigo 324, §1º, III, do CPC:

 

Art. 324. O pedido deve ser determinado.

  • 1º É lícito, porém, formular pedido genérico:

I – nas ações universais, se o autor não puder individuar os bens demandados;

II – quando não for possível determinar, desde logo, as consequências do ato ou do fato;

III – quando a determinação do objeto ou do valor da condenação depender de ato que deva ser praticado pelo réu.

 

É certo que a determinação da quantidade exata dos domingos e feriados trabalhados, dependerá da apresentação das folhas de ponto pelo empregador, posto ser impossível mensurar com exatidão quais os domingos e quais os feriados foram trabalhados pelo empregado durante todo o vínculo empregatício:

 

EMENTA: VALIDADE DA PROVA DOCUMENTAL – CARTÕES DE PONTO – SÚMULA 338 DO C. TST – A prova do horário de trabalho, conforme determinação expressa do art. 74, § 2º, da CLT, se faz mediante a anotação de entrada e saída em registro manual, mecânico ou eletrônico nos estabelecimentos com mais de 10 empregados. Constituindo-se o registro, obrigatoriamente, em documento, fica automaticamente excluída a prova testemunhal (art. 400, II do CPC e Súmula 338 do C. TST). A afirmativa de que cabe ao reclamante o ônus da prova do horário extraordinário é fruto de praxe forense infundada e acientífica, que contraria expressamente o art. 74, § 2º, da CLT e o art. 400, II do CPC. Ao horário narrado na inicial, deve o empregador contrapor o registro a que por lei está obrigado, sob pena de ser admitido como verdade processual a jornada afirmada pelo reclamante. Não sendo infirmada a prova documental por outras provas produzidas e estando devidamente compensadas as horas extras laboradas, nega-se provimento ao pedido de horas extras. Processo 01043-2008-077-03-00-7 RO. Desembargador Relator ANTÔNIO ÁLVARES DA SILVA. Belo Horizonte, 03 de junho de 2009.

 

Com essa prática forense, de “especificar por verossimilhança” e de maneira precária na petição inicial os dias especiais trabalhados, quando, posteriormente, a defesa junta aos autos os espelhos de registro de ponto eletrônico, emerge desse confronto ou uma convergência dos fatos ou uma desagregação dos fatos.

Se há convergência entre os fatos descritos na petição inicial, de que o empegado laborou naqueles dias domingos e feriados sem a folga compensatória, e os registros de ponto juntados pela defesa corroboram que o empregado trabalhou em domingos e feriados sem a folga compensatória, então a matéria está abalizada por conta, principalmente, da jurisprudência solidificada na Súmula 146 do TST.

Mas não é incomum acontecer desagregação entre a narrativa da reclamatória trabalhista e os relatórios de espelho de ponto trazidos pela defesa.

Uma desagregação dos fatos gerada pela especificação por verossimilhança e o confronto com a prova documental. Como já dito, essa especificação é trazida perante o Juízo através do relato da percepção e da memória do empregado, uma vez que ele não arranjou os documentos hábeis para demonstrar sua tese de imediato de forma que preenchesse a condicionante judicial da especificação.

Diante do surgimento de conflito no contexto fático-probatório da ação, emerge a dinâmica do ônus da prova, consubstanciada no artigo 818 da CLT:

 

Art. 818.  O ônus da prova incumbe:                 

I – ao reclamante, quanto ao fato constitutivo de seu direito;                  

II – ao reclamado, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do reclamante.     

 

É salutar repassar que a empresa que contar com mais de 20 empregados em seus quadros é obrigada a manter registro de frequência (folha/cartões de ponto), conforme assentado pelo artigo 74, § 2º da CLT.

 

Igualmente importante é a diretriz constante no inciso I da Súmula 338 do C. TST:

 

É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º, da CLT. A não-apresentação injustificada dos controles de freqüência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário.

 

Com essa situação de provável desagregação do contexto fático probatório, ao empregado caberia iniciar sua ação trabalhista requerendo ao Juízo que o seu empregador junte todas as folhas de ponto do vínculo empregatício, para que se apure, por amostragem, em sede de réplica, os dias de domingos e feriados laborados pelo empregado e não compensados do período não prescrito, sob pena das cominações estabelecidas no artigo 400, inciso I do CPC:

 

Art. 400. Ao decidir o pedido, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar se:

 

I – o requerido não efetuar a exibição nem fizer nenhuma declaração no prazo do art. 398 ;

 

O despacho inicial judicial vai notificar o empregador determinando que traga para os autos as folhas de ponto do período em lide, para que se demonstre qual era a jornada de trabalho do empregado, nos termos da Súmula 338 do C. TST.

 

O ônus de demonstrar o fato constitutivo do direito é, então, transposto para o ato processual posterior à contestação, que seria a réplica, aplicando-se o artigo 357, inciso III do CPC.

 

O CPC diz que o pedido é inepto quando:

 

Art. 330. A petição inicial será indeferida quando:

I – for inepta;

  • 1º Considera-se inepta a petição inicial quando:

I – lhe faltar pedido ou causa de pedir;

II – o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico;

III – da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão;

IV – contiver pedidos incompatíveis entre si.

 

Recordando que a causa de pedir e o pedido apresentados na petição inicial são médias dos dias domingos e feriados trabalhados e não compensados, com anseio de que esteja correta sua verossimilhança, uma vez que não determina com exatidão a quantidade e os períodos desses dias especiais, por falta dos documentos hábeis que, de alguma forma, o empregado não possuía acesso.

Dessa maneira, não deveria restar outra opção ao empregador senão demonstrar na contestação, por amostragem, que os domingos e feriados trabalhados foram devidamente compensados ou que foram quitados em dobro na forma legal, baseando-se na prova documental, que seriam os relatórios de registros de ponto ou as fichas financeiras para o caso de quitação em dobro.

Diga-se isso, embasado no artigo 818, inciso II da CLT, pois quando o empregador alega que foram fornecidas folgas compensatórias, ele está apresentando um fato extintivo ao direito do autor.

Por isso, cabe ao empregador especificar, por amostragem, quais os dias de domingos e feriados foram trabalhados e quais as folgas que serviram para compensar esses dias especiais, na peça de defesa, ou que os dias especiais foram quitados em dobro.

Ao autor da ação, já com vistas dos documentos hábeis, cabe em sede de réplica, analisar os relatórios de registros de ponto, verificar se está harmônico com o que ele postulou como verossimilhante na petição inicial, passando a reforçar a tese da exordial, demonstrando, por amostragem, os dias especiais trabalhados e não compensados e que também não forma quitados em dobro.

Mas e se o pedido genérico feito na petição inicial demonstrasse desarmonia com os documentos anexados pela defesa (os relatórios de espelhos de folha de ponto). Se ficasse nítido que a quantidade estabelecida na exordial é na verdade muito maior, ou ao contrário, muito menor.

Nesse caso, entende-se que se a petição inicial, que a despeito de redigida de maneira simples, mencionar os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido, depreendendo-se da petição inicial qual a questão jurídica colocada, não tendo havido dificuldade para a defesa do empregador, bem como contendo a petição inicial relato sobre os fatos e indicação da causa de pedir e o pedido, havendo correlação lógica entre eles, não é inepta a petição inicial, pois foi feita a descrição suficiente dos fatos que servem de fundamento ao pedido, ensejando à parte contrária o pleno exercício de sua defesa.

Dito isso, acredita-se que o princípio que merece ser propagado para enfrentar essa questão, perpassa a partir da interpretação lógico-sistemática de toda a petição inicial, sendo até desnecessária a formulação do pedido de forma expressa na parte final da exordial, podendo o Magistrado realizar análise ampla e detida da relação jurídica posta em exame.

O XII Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), ocorrido nos dias 24 e 25 de março de 2023, em Brasília, aprovou os seguintes enunciados de boas práticas:

 

  1. (art. 322, §2º) A interpretação do pedido e dos atos postulatórios em geral deve levar em consideração a vontade da parte, aplicando-se o art. 112 do Código Civil. (Grupo: Petição inicial, resposta do réu e saneamento).

 

  1. (art. 322, §2º; art. 5º). Aplica-se o §2º do art. 322 à interpretação de todos os atos postulatórios, inclusive da contestação e do recurso. (Grupo: Petição inicial, resposta do réu e saneamento).

 

Com isso, o pedido que foi feito de forma genérica deve adotar contornos de objetividade em sede de réplica, no mínimo por amostragem, visto que a apuração final deveria ser feita em liquidação de sentença:

 

DOMINGOS E FERIADOS TRABALHADOS. PAGAMENTO EM DOBRO. Conhecido o recurso de revista por contrariedade à Súmula 146 do TST, dou-lhe provimento para, reformando o acórdão regional, deferir o pagamento em dobro dos domingos e feriados laborados e não compensados, conforme apurado em liquidação de sentença. (PROCESSO Nº TST-RR-1919-56.2015.5.10.0014. 8º Turma. Relator Ministro Márcio Eurico Vitral Amaro. Publicado em 23/02/2018.

 

Assim, acredita-se que haveria segurança jurídica quanto ao postulado de pagamento em dobro dos dias trabalhados em domingos e feriados e não compensados e pagos de forma simples.

A prova documental, no caso os comprovantes de registro de jornada ou os espelhos das folhas de ponto do empregado, seria suficiente para dirimir toda a controvérsia instaurada ou parte dela (OJ 233, SBDI-I/TST).

Apesar disso, caso a prova documental não demostre a realidade dos fatos, seja por qualquer tipo de manipulação feita para prejudicar o empregado, devemos invocar o princípio da primazia da realidade e da busca da verdade real. Caberá a impugnação em réplica e deverá ser construído o cenário fático-probatório através de testemunhas.

Em caso de revelia do empregador, os fatos narrados na inicial ganham contornos de verdade relativa, podendo serem elididas por provas em contrário.

Nesse caso a narrativa posta na Inicial, ou seja, aquela “especificação por verossimilhança”, aquela média de dias trabalhados em domingos e feriados e não compensados, extraídas da subjetividade do empregado ganhará enorme peso para fixação da quantidade quando da prolação da sentença.

Por esse motivo, parece ser imprescindível que se traga na Exordial uma quantidade, ainda que genérica, posto que será essa quantidade que será analisada pelo Juízo quando for fixar na sentença uma eventual condenação.

Como visto o cenário se monstra desafiador quanto a fixação da quantidade dos dias especiais trabalhados e não compensados, quando não constar nos autos os documentos necessários para essa medição, uma vez que perpassa pelo convencimento do Juízo.

 

Conclusão

Desse modo, até os dias atuais, a pretensão do empregado em ver a quitação em dobro dos dias trabalhados em domingos e feriados e não compensados atravessa esse caminho aparentemente sinuoso.

Diga-se aparentemente sinuoso, pois o presente objeto é essencialmente demonstrável por prova documental, como dito repetidamente, os registros de ponto ou os espelhos das folhas de ponto, esses são os documentos hábeis para se provar jornada de trabalho, portanto, o labor em dias especiais.

Contudo, o acesso ao documento apto ainda hoje é um tanto difícil para o empregado, por diversos motivos, por exemplo, a jurisprudência é abarrotada de alegações de extravio dos cartões de ponto:

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA – CERCEAMENTO DE DEFESA – NÃO APRESENTAÇÃO DOS CARTÕES DE PONTO – SIMPLES ALEGAÇÃO DE EXTRAVIO – INDEFERIMENTO DA OITIVA DE TESTEMUNHA PARA PRODUÇÃO DE PROVA DA JORNADA DE TRABALHO. Consta na decisão regional que a reclamada deixou de trazer aos autos os cartões de ponto relativos à jornada de trabalho do autor, sob a simples alegação de que tais registros foram extraviados quando da mudança de sede da empresa. Competia à reclamada comprovar o efetivo extravio dos referidos documentos por qualquer meio de prova admitido. No entanto, conforme arguido pela própria reclamada, a finalidade da pretendida oitiva testemunhal não era comprovar o extravio, mas contradizer a jornada de trabalho alegada pelo autor. Logo, revela-se injustificada a não apresentação dos cartões de ponto. Ausente o alegado cerceamento de defesa. Agravo de instrumento desprovido.

(TST – AIRR: 2047404419995020075, Relator: Luiz Philippe Vieira De Mello Filho, Data de Julgamento: 03/04/2013, 4ª Turma, Data de Publicação: 03/05/2013)

 

 

Mas com o evoluir do acesso à tecnologia, mas também a permanente fiscalização dos órgãos do trabalho, e a observância da legislação pelas empresas, a prova documental será facilmente obtida pelo empregado e assim, ficará cada vez mais circunscrita a pretensão de quitação em dobro dos dias trabalhados em domingos e feriados e não compensados, à prova documental.

O aperfeiçoamento contínuo da tecnologia na área de gestão dos Recursos Humanos, com a coleta fidedigna dos dados da jornada de trabalho, o cruzamento desses dados com o setor financeiro da empresa para correta quitação nos moldes da lei, vão deixar essas aparentes complexidades para trás. A conferir.

 

Referências

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF;

 

BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Aprova a consolidação das leis do trabalho;

 

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 139, n. 8, p. 1-74, 11 jan. 2002;

 

BRASIL. Código de Processo Civil (2015). Código de Processo Civil Brasileiro. Brasília, DF: Senado, 2015;

 

BRASIL. Lei nº 605, de 5 de janeiro de 1949. Dispõe sobre o Repouso Semanal Remunerado e o pagamento de salário nos dias civis e religioso;

 

BRASIL. Decreto nº 10.854 de 10 de novembro de 2021. Regulamenta disposições relativas à legislação trabalhista e institui o Programa Permanente de Consolidação, Simplificação e Desburocratização de Normas Trabalhistas Infralegais e o Prêmio Nacional Trabalhista, e altera o Decreto nº 9.580, de 22 de novembro de 2018;

 

BRASIL. Medida Provisória 905 de 11 de novembro de 2019. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF;

 

BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Gabinete do Ministro. Portaria nº 671 de 08 de novembro de 2021;

 

Convenção Coletiva de Trabalho dos Aeroviários, entre Sindicato Nacional dos Aeroviários (SNA) e Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (SNEA);

XII Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), ocorrido nos dias 24 e 25 de março de 2023, Brasília/DF;

 

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 5º ed., São Paulo: LTr, 2006, pág. 940.

 

 

Âmbito Jurídico

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