Súmário: 1. Introdução; 2. Da comissão de conciliação prévia; 3. Da inconstitucionalidade das comissões de conciliação prévia (arts. 625-a a 625-h); 4. Conclusão; Referências.
Resumo: Como o presente trabalho está voltado para a matéria trabalhista, falaremos acerca da Lei 9.958/2000 que instituiu a Comissão de Conciliação Prévia, introduzida em nosso ordenamento jurídico á nove anos e ainda com sólidas discussões e questionamento na nossa mais alta Corte, a qual tem como finalidade a criação de um instrumento legal para “desafogar” o judiciário trabalhista sem, porém, até a presente data atingido seu objetivo como se verá no decorrer do presente trabalho.
Abstract: Like the present works is turn on to the works matery, will talk about the Law 9.958/2000 that created the Comission of previous conciliation, introduced in our juridic order to nine years and until with solids discussions and questions about in our higher Courte, what have the purpose a criation of legal instrument to “disencumber” the works judiciary without, but, until the present days reached the objective like will see in to elapse of the present works.
1.INTRODUÇÃO
Ao longo dos anos tem aumentado a população, a oferta de emprego, a rotatividade dos trabalhadores, uma vez que não há uma política de manutenção do emprego e vedação das dispensas imotivadas; por outro lado o número de Juízes e servidores da Justiça do Trabalho não aumentou na mesma proporção, apesar desse quadro essa Justiça Especializada, na maioria dos casos, vem prestando a tutela jurisdicional com uma rapidez que não se observa na Justiça Federal comum e na Justiça comum dos Estados, o que, de per si, bastaria para calar as vozes que, talvez por negarem a história ou por quererem importar a realidade de outros países, em algum momento proclamaram a extinção da Justiça do Trabalho como se isso fosse solucionar o problema da morosidade da Justiça.
A criação de Comissões de Conciliação Prévia é uma reivindicação antiga da doutrina, que visava desafogar a Justiça do Trabalho do excessivo número de processos que lá tramitam. Como os atuais sistemas para resolver os conflitos trabalhistas que não atendem às necessidades de rápida prestação jurisdicional e a maioria das reclamações não são complexas, o procedimento indicado serviria como filtro, diminuindo o número de ações que seriam ajuizadas, mas na pratica não é assim que acontece.
O governo federal, acatando proposição do Tribunal Superior do Trabalho, encaminhou à Câmara dos Deputados a mensagem nº 500, de 28 de julho de 1998, atualmente Projeto de Lei nº 4.694/98, que acrescentou dispositivo a CLT, dispondo sobre as Comissões de Conciliação Prévia em empresas privadas, públicas e entes públicos (com trabalhadores sob a égide da CLT), que contém mais de cinqüenta empregados.
Essa iniciativa estava relacionada com os estudos empreendidos pelo Ministério do Trabalho e Tribunal Superior do Trabalho sobre a reforma da Justiça do Trabalho. Em síntese, o projeto de Lei atribuía à empresa ou ente públicos a responsabilidade de organizar e manter em funcionamento a Comissão de Conciliação Prévia, composta de no mínimo quatro empregados, facultado o aumento do número de integrantes por negociação coletiva.
Metade desses integrantes seria indicada pela empresa e a outra metade eleita pelos empregados, em escrutínio secreto, com mandato de dois anos, sem estabilidade. Os conflitos individuais de trabalho entre empregado e empregador serão submetidos previamente à comissão, como condição para o ajuizamento da ação na Justiça do Trabalho, mediante comprovante da impossibilidade da conciliação. Caso haja descumprimento da obrigação de submeter o pedido previamente à comissão, o processo será extinto sem apreciação do mérito e à parte sancionada por litigância de má-fé. Em casos de motivo relevante, será possível ingressar com o pedido diretamente na Justiça do Trabalho.
Toda lei pode ter efeitos colaterais, como quase todos os remédios. Esses efeitos, pelo menos em parte, poderiam ser pensados pelo legislador, já que a dinâmica dos fatos a que a lei pretende regrar sempre está a sua frente, e é impossível prever todos os efeitos colaterais.
Destes efeitos colaterais a Lei em comento não se eximiu, haja vista que não se vislumbrou os aspectos sociais e políticos que norteiam as relações de trabalho para se elaborar Leis que devam ter como objeto precípuo, a tutela dos direitos do hipossuficiente ora trabalhador nas relações trabalhistas firmadas, para que a Lei esteja em consonância com as tendências e realidades da ocasião de sua elaboração.
Diante desta constatação verifica-se que os dispositivos consolidados instituídos com o advento da Lei 9.958/2000 são objeto de uma discussão ferrenha na Doutrina e na Jurisprudência, inclusive sendo objeto de uma ADIN que tramita perante o Supremo Tribunal Federal para se definir acerca de sua inconstitucionalidade.
A inconstitucionalidade da suso mencionada Lei já é o entendimento majoritário da Doutrina. Os juristas que consideram o dito artigo consolidado e seus parágrafos inconstitucionais, argumentam que os parágrafos infringem o princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional ou do direito de ação, e por conseguinte, o princípio da separação dos poderes, tendo em vista que o legislador não pode afastar do Poder Judiciário qualquer apreciação de lesão ou ameaça de direito, bem como significaria um obstáculo ao acesso ao judiciário para os indivíduos.
Assim, nota-se a necessidade de analisar o principio constitucional do direito de ação e os limites estabelecidos na legislação infraconstitucional como condição para seu exercício, pois, caso a tentativa de conciliação prévia nas comissões forem consideradas como condição da ação, e caso não sejam observadas, ter-se-á, por conseguinte, a extinção de ações individuais de trabalho sem julgamento do mérito. Caminhando-se desta forma no sentido contrário aos desígnios da Justiça do Trabalho que preconiza a tutela dos direitos trabalhistas, ferindo inclusive uma disposição constitucional do livre acesso ao judiciário.
2. DA COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA
A Lei 9.958/2000, publicada no DOU de 13.01.2000, a qual entrou em vigor 90 (noventa) dias a partir de sua publicação, inseriu o título VI-A: “Das Comissões de Conciliação Prévia“, acrescendo ao texto consolidado os artigos 625-A a 625-H, 877-A e alterando a redação do artigo 876 consolidado.
Inovações do texto legal dizem respeito à solução extrajudicial de lides trabalhistas, através da instituição das comissões de conciliação prévia no âmbito da empresa e do sindicato (art. 625-A até art. 625-H da CLT), à atribuição de eficácia executiva aos termos de conciliação realizados por ditas comissões (art. 876 da CLT) e à fixação da competência da Justiça do Trabalho para a execução de referidos títulos executivos extrajudiciais (art. 877-A).
As comissões de conciliação prévia foram criadas com a finalidade de solucionar extrajudicialmente os conflitos individuais de trabalho, as quais poderão ser instituídas tanto nas empresas como nos sindicatos, neste último caso as normas de constituição e funcionamento serão estabelecidas em negociação coletiva. Já quanto àquelas instituídas nas empresas, a lei 9.958/00 dispõe sobre o seu procedimento. Assim o empregado poderá apresentar a demanda à comissão, a qual marcará sessão de tentativa de conciliação em dez dias.
A conciliação é uma forma de autocomposição dos conflitos porque as partes interessadas encontram meios para terminar o conflito através de uma negociação, sem a presença de um terceiro que proponha a solução (mediação) ou a imponha (arbitragem e jurisdição).
No caso da tentativa de conciliação restar frustrada, tanto pela ausência de uma das partes da demanda quanto em razão de não ter sido realizada a conciliação, será lavrada Termo de Conciliação negativa com a descrição de seu objeto a fim de que possa ser juntada à eventual reclamação trabalhista (§ 2º, art. 625-D). Havendo impossibilidade da tentativa de conciliação em tais comissões por motivos relevantes, estes poderão ser apresentados na petição inicial da ação intentada perante a Justiça do Trabalho. (§ 3º, art. 625-D).
Apesar de a Lei nº 9.958/00 estabelecer a existência de terceiros, os conciliadores, a conciliação continua sendo forma de autocomposição, porque, como escreve José Augusto Rodrigues Pinto[1] (PINTO, 1998, p. 258) a conciliação é “a atividade de alguém que tenta aproximar os protagonistas de um conflito de interesses, estimulando-os a encontrar solução negociada que lhe ponha fim” – grifos nossos.
A Lei nº 9.958/00 acrescentou à CLT os arts. 625-A a 625-H, facultando às empresas e aos sindicatos a criação das Comissões de Conciliação Prévia, com representantes dos empregados e dos empregadores, sendo ainda permitida a sua constituição por grupo de empresas ou intersindical (art. 625-A e parágrafo único, da CLT).
Dentro de uma interpretação literal, observa-se que a lei tem como obrigatória a tentativa prévia de conciliação. E em razão daqueles dispositivos, os juristas vem divergindo quanto à constitucionalidade dos mesmos, cuja discussão será matéria de debate no próximo tópico.
É criticável a tendência do legislador brasileiro de elaborar leis facultativas como esta, que não obriga a instituição das Comissões, mas as faculta, fugindo da imperatividade da norma jurídica que é sempre um preceito obrigatório, sendo a imperatividade característica fundamental da norma jurídica e justificativa de sua existência.
Se a vontade do legislador não era obrigar, mas facultar a instituição das Comissões, o mesmo espírito deveria existir quando da redação do art. 625-D, não tornando obrigatória, mas facultativa a tentativa de conciliação antes da propositura da reclamação trabalhista.
3. DA INCONSTITUCIONALIDADE DAS COMISSÕES DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA (ARTS. 625-A A 625-H)
A Lei 9.958/2000 criou na norma consolidada o Título VI-A que trata das Comissões de Conciliação Prévia, as quais preconizam a utilização de um procedimento administrativo extrajudicial contrário aos dispositivos constitucionais e que violam flagrantemente princípios norteadores do Direito do Trabalho e por esta razão possui este capítulo artigos que são considerados inconstitucionais pela Doutrina e Jurisprudência dominantes, os quais serão tratados sua incostitucionalidade de acordo com a importância temática atribuída ao presente trabalho.
O art. 625-D consolidado instituído pela Lei 9.958/2000 é inconstitucional face ao quanto disposto no art. 5º, incisos XXXIV, “a” e XXXV da Constituição de 1988 não condiciona o direito de ação a pedido prévio na esfera administrativa, sendo que o direito de petição aos órgãos públicos (art. 5º, XXXIV, “a”, da CR) inclui o direito de ação, uma vez que o Poder Judiciário é espécie do gênero órgão público, e o direito de recorrer a este Poder contra lesão ao ameaça a direito (art. 5º, XXXV, da CR) estaria sendo restringido por lei ordinária obrigando a tentativa de conciliação.
O Provimento CR nº 55/2000[2] do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região estabelece que:
“Art. 1º. Submetida a reclamação trabalhista ao Judiciário, deverá o magistrado instruí-la e julgá-la independentemente de manifestação de Comissão de Conciliação Prévia.” (sic)
O entendimento deste Tribunal é de que a exigência de conciliação prévia é inconstitucional.
Deste entendimento não destoa a nossa mais Alta Corte em matéria Trabalhista, não obstante ainda aguarde posicionamento do Supremo Tribunal Federal acerca da inconstitucionalidade das CCPs em virtude de uma ADIN nº 2139-7 que tramita no Pleno, na qual o dispositivo normativo impugnado é exatamente o art. 625-D consolidado e que foi instituído nesta norma com o advento da Lei 9.958/2000, cuja disposição normativa atenta contra o disposto nos arts. 5º, XXXV e 114 da nossa Carta Magna, desta feita não pode o legislador ordinário prejudicar o acesso e a apreciação do judiciário de qualquer lesão ou ameaça a direito pelo cidadão, mormente as de natureza trabalhista.
O artigo 625-D em seu parágrafo 3º deixa cabalmente evidente sua inconstitucionalidade, posto que determina que somente não ocorrera a via extrajudicial por motivo relevante, inclusive sem determinar o que seria relevante, devendo ainda constar o motivo na inicial, um completo absurdo, subentende-se que se não existir esse motivo relevante somente poderá ser ajuizada uma reclamação trabalhista após o cumprimento dos procedimentos extrajudiciais das CCPs, demonstrando que possui o cunho de afastar o trabalhador do Poder Judiciário, o qual tão somente possui competência para processar e julgar controvérsias relacionadas as questões de trabalho.
A maioria das Turmas do TST o entendimento é de que a ausência de submissão das lides ás CCPs não se trata de uma condição da ação ou de um pressuposto processual intransponível para o ajuizamento das reclamações trabalhistas, por não passar de mera faculdade atribuída ao empregado, porém se não optar pelo meio extrajudicial de solução de conflitos não pode ser impedido de pleitear seus direitos na Justiça Trabalhista, a qual incumbe a tutela dos direitos trabalhistas do hipossuficiente.
O que se denota com as restrições impostas pelo art. 625-D e seus parágrafos é uma subtração de uma garantia fundamental das liberdades constitucionais, denominado JURISDIÇÃO, o qual assegura a eficácia do exercício dos demais direitos previstos constitucionalmente ou em outros diplomas legais, cuja prática é contumaz em regimes de governo ditatoriais e antidemocráticos, diferentemente do nosso que é o estado democrático de direito.
Ademais resta cabalmente entendido que o aludido artigo consolidado não foi recepcionado pela nossa Carta Magna, visto que em completa violação às normas constitucionais esculpidas no art. 5º, as quais são atinentes ás garantias fundamentais, estas consistentes do rol das cláusulas Pétreas consoante art. 60, § 4º do mesmo diploma legal, portanto, imutáveis e irrenunciáveis, assim não pode norma infraconstitucional sobrepor-se a disposição constitucional.
Por conseguinte pode se definir que o comparecimento perante a comissão de conciliação prévia é uma faculdade assegurada ao obreiro e objetiva a obtenção de um titulo executivo extrajudicial, conforme previsto pelo art. 625-E, parágrafo único da CLT, mas não constitui condição da ação, nem tampouco pressuposto processual na reclamatória trabalhista diante do comando emergente do art. 5º, XXXV da CF.
O termo de conciliação vale como título executivo, de caráter extrajudicial, permitindo, por conseqüência, imediato ajuizamento de ação de execução, caso os valores acordados não sejam pagos nas datas estipuladas.
A própria natureza jurídica do termo de conciliação lavrado nas demandas das CCPs, como acima dito é um titulo executivo extrajudicial, que necessita de ser levado ao Judiciário Trabalhista para que sua eficácia executiva possa ser concretizada na satisfação dos créditos trabalhistas, preconizado pelo art. 876 da CLT, portanto, não há como se retirar da apreciação do Judiciário os conflitos existentes nas relações de trabalho, posto que as soluções extrajudiciais podem tomar o caráter prejudicial na percepção dos direitos trabalhistas dos empregados com a renúncia coercitiva de alguns direitos, ferindo assim um princípio norteador do Direito do Trabalho, a irrenunciabilidade aos direitos trabalhistas pelos trabalhadores.
A renúncia de direitos trabalhistas podem ocorrer nas demandas submetidas ás CCPs, uma por ser o trabalhador a parte hipossuficiente das relações de trabalho, necessitando dos valores rescisórios para sua mantença financeira até que consiga outro emprego e muita das vezes tendo de aceitar “acordos” feitos em beneficio do empregador, dois porque o sindicato profissional está excluído da organização e funcionamento da comissão, que fica a critério e sob inteira responsabilidade da empresa, ocasionando grave distorção nas relações laborais, em detrimento dos trabalhadores, assim como a este não é obrigatória sua presença na mesa de conciliação, três não determina a presença obrigatória de um advogado, podendo o empregado comparecer sem assistência jurídica, dentre outros erros destaca-se os narrados anteriormente para ilustrar as arbitrariedades que podem ser praticadas contra os direitos dos trabalhadores, tutelados na Constituição da República.
A não observação desta via conciliatória administrativa não é óbice ao exercício do direito de ação, constitucionalmente garantido, a teor do que estabelece a CF/88, art. 5º, XXXV. Por este fundamento, o art. 625-D da CLT deve ser entendido como mera faculdade colocada á disposição do empregado.
Urge ressaltar que as garantias individuais constantes do rol do art. 5º da Constituição Cidadã, comportam interpretação extensiva, de sorte que os princípios da inafastabilidade e indeclinabilidade da jurisdição constantes do inciso XXXV, não autorizam o legislador infraconstitucional a obrigar o cidadão que tem sua pretensão resistida a esgotar a via administrativa/extrajudicial em busca de solução de seu conflito, para somente depois poder submetê-lo ao judiciário.
Exigência deste teor, entendemos, só seria compatível com nosso ordenamento se autorizada constitucionalmente, tal qual ocorria na Constituição Imperial, que, como noticia Antonio Carlos de Araújo Cintra[3] (CINTRA, 1997, p. 27), exigia a tentativa de conciliação extrajudicial antes de todo processo, como requisito para realização deste, bem como para julgamento da causa.
Não é o que ocorre com a Constituição vigente, onde consoante prescreve o art. 5º, XXXV, “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, assegurando-se, pois, o mais amplo acesso ao judiciário, o que restringe a imposição de requisitos infraconstitucionais para o exercício de tal direito às exigências naturais, legítimas e indispensáveis ao exercício do direito de ação e à ordenação da própria prestação jurisdicional, exigências estas, necessariamente, obedientes à supremacia constitucional.
Ora, temos um ordenamento jurídico hierarquizado onde a Constituição Federal ocupa o ápice do sistema, condicionando toda legislação infraconstitucional aos seus preceitos, sob pena de inconstitucionalidade.
A rigidez constitucional constitui fundamento do Estado Democrático de Direito, impondo ao próprio Poder Legislativo a observância da vontade da nação expressa pelo Poder Constituinte Originário.
Observe-se que o intuito da Lei 9.958/2000 é semelhante ao de outras propostas de soluções alternativas de pacificação social, como a arbitragem e a mediação, todas tendentes a desafogar o Judiciário. Sucede que o legislador andou mal ao prescrever a obrigatoriedade de submissão prévia às Comissões de Conciliação Prévia, obrigatoriedade esta incompatível com o sistema constitucional vigente.
A lei é paradoxal. Se houvesse intenção em conciliar, a empresa faria a conciliação logo na primeira audiência em juízo, e não praticaria todos os atos procrastinatórios que retardam a definitiva entrega da prestação jurisdicional, utilizando-se indiscriminadamente de todos os recursos disponíveis para retardar o andamento da ação. É justamente por isso que a Justiça do Trabalho se encontra com volume tão grande de ações em andamento, que deliberadamente não saem do sistema, por iniciativa dos empregadores e seus defensores. A morosidade é provocada justamente por aqueles que, agora, defendem a conciliação prévia.
Não se pode creditar a uma “conciliação prévia”, que só obriga uma das partes a comparecer, uma mudança de mentalidade, como se essa imposição, a comissão de conciliação, fosse mudar o destino do conflito e estimular a sua composição. Na verdade constitui um engodo.
A Justiça do Trabalho não estaria tão sobrecarregada de ações se houvesse prévia intenção do empregador em realizar composição. De fato não há intenção. E, se houvesse intenção e vontade de prevenir o conflito, a empresa cumpriria a legislação, as ações trabalhistas seriam julgadas improcedentes, desestimulando o conflito pela prevenção. E por que não cumprem a legislação? Por diversas razões, dentre elas, porque nas mais das vezes, sai mais barato (econômico) deixar de pagar o devido e aguardar uma ação trabalhista, já que nem todos os empregados reclamam o que entende devido.
Prevenir consiste em cumprir o regramento jurídico, pagando o que é devido e não criar leis que perpetuem o ciclo vicioso de fraude as leis, hipocrisia generalizada: fraudem e deixem fraudar. A Lei 9958/2000 é farisaica no sentido de normatizar uma hipocrisia, além disso, o artigo 625-D é INCONSTITUCIONAL.
Mais um empecilho para o empregado que deve se deslocar ao órgão “conciliatório” por pelo menos duas vezes, uma para registrar seu requerimento e outra para esperar a empresa que pode não comparecer, e receber um termo. Aí sim, lhe é permitido procurar o Judiciário. O empregado perde dois dias em que poderia estar trabalhando e dispende às suas expensas o transporte inutilmente.
Por outro lado, há empresas que têm interesse em comparecer à comissão de conciliação, que se transforma em órgão homologatório, substituindo o sindicato e as DRT´s e incentivando conflito, de iniciativa do empregador, porque é mais “econômico”, “lucrativo”, e a “mão de obra sai mais barata”. Basta dispensar o empregado e resolver a “pendência” em uma conciliação prévia, encerrando o contrato definitivamente e impedindo-o de reclamar o que REALMENTE é devido na JUSTIÇA DO TRABALHO, não havendo ressalvas no termo de conciliação.
Conclusão semelhante é ofertada pelo magistrado JORGE LUIZ SOUTO MAIOR[4] em seu estudo sobre “Os modos extrajudiciais de solução dos conflitos individuais do trabalho”, “a via extrajudicial deve ser instituída como via alternativa, e não como oposição a processo, no sentido de constituir um obstáculo à via processual“.
Neste mesmo sentido, Jorge Pinheiro Castelo[5] (CASTELO, 2000, p. 446-455), posiciona-se pela inconstitucionalidade dos dispositivos, pois “as condições da ação jamais podem ser tidas como condições de acesso ao Poder Judiciário.(…). O interesse de agir necessário para o exercício do direito de ação e para se obter o julgamento do mérito está presente a partir do inadimplemento (já há, nesta situação, a necessidade concreta da jurisdição). (…) visto que com o afirmado inadimplemento, no plano material, está configurado e satisfeito o interesse de agir processual próprio do direito constitucional de ação, não se podendo exigir a presença de um segundo interesse de agir administrativo, para só então se poder demandar em juízo.”
É mais acertado tal entendimento do que o enquadramento da exigência como sendo uma condição da ação sui generes do processo trabalhista, como propõe Arnaldo Süssekind[6] (SUSSEKIND, 2000, P. 1320), ou mesmo como caracterizador do interesse de agir como pretende o emérito Valentin Carrion[7] (CARRION, 2002, P. 461). A discussão, contudo, não interessa aos propósitos deste trabalho, pois, entender a exigência de esgotamento da via extrajudicial como pressuposto processual ou como condição da ação (clássica ou sui generes), não altera a inconstitucionalidade da exigência da forma já demonstrada.
Os argumentos até aqui despendidos já são suficientes para infirmar de inconstitucional a obrigatoriedade de submissão das demandas trabalhistas às Comissões de Conciliação Prévia diante do disposto no art. 5º XXXV da CF. A inconstitucionalidade da exigência, contudo, não se restringe ao inciso anunciado.
Com efeito, a exigência de submissão obrigatória da demanda trabalhista às Comissões de Conciliação Prévia também não guarda compatibilidade com o inciso LIII do art. 5º combinado com o art. 114 ambos da Constituição Federal.
O artigo 5º, LIII, da CF, consagra o princípio do juízo natural dispondo que:
“Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente.” (sic)
Já o art. 114, caput, da Constituição Federal dispõe que:
“Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas.” (sic)
Extrai-se a ilação, portanto, de que as conciliações devem ser dirigidas e presididas por um Juiz componente do Judiciário Trabalhista, consoante entendimento constitucional do Juiz Natural (art. 5º LIII da CRFB), ademais todos os esforços são depositados numa lide trabalhista para a solução do conflito mediante uma conciliação, desde a primeira audiência, a qual é denominada, inclusive, de audiência conciliatória.
Dado marcante do processo do trabalho é a importância dada à conciliação, prestigiada em diversos artigos, com previsão obrigatória de proposição em pelo menos duas ocasiões (artigos 846 e 850), sendo certo que o texto consolidado prefere a solução conciliatória, realizável em qualquer momento, à de mérito, incumbindo expressamente aos juízes do trabalho o emprego de seus esforços persuasórios na solução conciliatória das demandas (art. 764 da CLT).
Vale ressaltar que nas próprias lides trabalhistas não se torna possível uma conciliação, apesar de todos os esforços do Magistrado, em virtude de incompatibilidade de valores oferecidos pelas partes, portanto, irrelevante se torna a procura da referida Comissão, ante a frustração da tentativa conciliatória em Juízo, não havendo qualquer chance de acordo. Ora, o procedimento administrativo não pode ser encarado como mero requisito formal, apenas para retardar ainda mais a distribuição da ação e da própria prestação jurisdicional. Tem que ser dotado de potencial eficácia para resolver a lide trabalhista, o que inexistia nas inúmeras lides que tramitam nas especializadas trabalhistas em todo o nosso País.
Desse modo, a obrigatoriedade da submissão prévia da demanda às Comissões de Conciliação Prévia, além de incompatível com a incondicionalidade do direito de ação, fere o princípio do juízo natural de conciliação trabalhista: a justiça do trabalho, como expressamente consagra o Texto Magno, pois pretere o órgão constitucionalmente competente para conciliação dos conflitos em favor das comissões de conciliação prévia.
Destarte, não obstante louvável a intenção da Lei 9.958/2000 (desafogar o Poder Judiciário), a obrigatoriedade de submissão prévia das demandas trabalhistas às comissões de conciliação prévia como requisito para ingresso em juízo é inconstitucional, ofendendo tanto ao art. 5º, XXXV, quanto à combinação do art. 5º, LIII, com o art. 114 caput da CF.
Diante da supremacia constitucional, as normas constitucionais é que são fundamentos de validade das normas infraconstitucionais, de sorte que o pretendido pressuposto processual (esgotamento da via extrajudicial) é que deve se compatibilizar com a garantia constitucional da inafastabilidade do Poder Judiciário, e não o contrário, ou seja, condicionar-se o exercício do direito de ação ao atendimento do pressuposto infraconstitucional.
Também não há como se conferir a aplicação da subversão da hierarquia das normas, diante do qual a norma Constitucional permite que normas Infraconstitucionais sobreponham-se a dispositivos constitucionais, contudo, somente ocorre tal fenômeno jurídico quando as normas Infraconstitucionais são mais benéficas às Constitucionais, em outras palavras, trata-se de um permissivo Constitucional de uma norma inferior sobrepor-se a uma superior sem haver a violação à hierarquia das normas.
Resta cabalmente comprovado que a Lei 9.958/2000 não é mais benéfica no que concerne à instituição das CCPs, por conseguinte, os artigos intuídos por esta Lei às normas consolidadas não foram recepcionados pela Constituição da República, rogando pela sua inconstitucionalidade.
A lei que instituiu a comissão prévia é de “gabinete”, um instrumento técnico com o cego desejo de dificultar o acesso ao Poder Judiciário, deixando inalteradas as possibilidades de fraude à legislação. O Direito é uma ciência humana e como tal, sujeita às injunções ideológicas criadas para satisfazer os interesses dos grupos dominantes que detêm o poder político e econômico, embora possa se fazer valer de princípios técnicos e lógicos que lhe dá aparência de legitimidade.
Por isso, essa lei é festejada pelos empresários e seus teóricos defensores. Grandes grupos econômicos aplaudem a criação dessa lei e procuram contribuir para o seu sucesso, já que constitui um preâmbulo para “flexibilização” que pretende afastar qualquer intervenção do Estado nas relações entre empregador e empregado. A intervenção já é mínima porque não há fiscalização adequada. A única instituição investida de poder e independência para interferir na proteção dos direitos trabalhistas ainda é a Justiça do Trabalho.
A flexibilização nada mais é do que a pretensão de diminuir os custos da mão de obra e favorecer a concentração do capital com lucros maiores. Enquanto todos os índices sociais apontam exarcebada concentração de riqueza, o Governo Federal acena a pretensão de flexibilizar, perpetuando a ordem social injusta, o que não pode ocorrer sob pena de se tornarem inservíveis todos os princípios protetivos aos direitos dos trabalhadores.
Não encontrando o aludido pressuposto compatibilidade com os preceitos constitucionais, como demonstrado, ele é que não possui validade, por inconstitucional, já que incompatível com a incondicionalidade do direito de ação consagrada pelo artigo 5º XXXV da CF.
Essa Lei é iníqua, tem por escopo resolver o problema de interesse exclusivo do Judiciário: o excesso de reclamações trabalhistas (o passivo trabalhista) e não o problema do trabalhador: vítima do descumprimento contumaz das leis trabalhistas, da cultura da impunidade que paulatinamente vem sendo demolida com o afastamento de um Presidente da República, a cassação de deputados e um senador.
A lei da conciliação prévia joga a “sujeira” debaixo do tapete, transferindo o papel da Justiça do Trabalho, artigo 114 da Constituição à uma conciliação que tem por atribuição “tentar conciliar os conflitos individuais do trabalho”. A lei é conivente com as mazelas culturais que vão perpetuar a condição de subdesenvolvimento do Brasil.
Evidentemente, a Constituição Federal é uma carta política e a sua interpretação não é tão somente lógico-formal, mas política e ideológica na medida em que manipulada para atender os interesses de grupos dominantes. Por isso, é fundamental que o Supremo Tribunal Federal julgue pela inconstitucionalidade do artigo 625-D incorporado à CLT.
Evidenciada, pois, a inconstitucionalidade da Lei 9.958/2000, quanto à obrigatoriedade de esgotamento da via extrajudicial trabalhista para posterior ingresso em juízo.
4. CONCLUSÃO
O Poder Judiciário não estaria abarrotado de ações se a legislação trabalhista fosse cumprida por um número maior de empresas, se existissem medidas profiláticas que desencorajassem o descumprimento da lei. Se a impunidade fosse combatida com sanção exemplar e não ficasse mais “barato” transgredir a cumprir a legislação. O Ministério do Trabalho e o Governo em geral jamais propuseram a “tolerância zero” contra a fraude trabalhista! A presença de fiscalização é insignificante, fomentando a fraude às Leis.
O Poder Judiciário não tem um fim em si mesmo, existe para atender uma necessidade humana. A lei deve atender a uma necessidade universal, coletiva e é inadmissível que seja criada exclusivamente para satisfazer interesses corporativos ou de uma instituição assoberbada de ações.
A declaração definitiva da inconstitucionalidade do referido artigo consolidado instituído pela Lei em comento seria um avanço rumo ao progresso jurídico com a concreta aplicação das normas sempre visando o bem-estar social, finalidade precípua da criação de todo o ordenamento jurídico, procurando regrar as relações jurídicas, mormente as de trabalho, contudo, a Lei das CCPs visa prejudicar o princípio da tutela dos direitos trabalhistas, turbando a fiscalização e sua efetividade.
O que deve ser contemplado é o princípio da tutela do Direito do Trabalho em relação aos trabalhadores, o respeito à democracia nas relações de trabalho e a garantia da intervenção dos advogados e dirigentes sindicais de empregados e empregadores em todo o procedimento, os quais não são atinentes ás determinações normativas presentes na Lei 9.958/2000, mormente com a instituição do art. 625-D consolidado, prevalecendo sua inconstitucionalidade.
Desta forma restará efetivada a obtenção da prestação jurisdicional pelo jurisdicionado sem qualquer possibilidade, ousamos dizer “legal”, de haver prejudicado seu direito por simplesmente não ter suprido uma via administrativa, sendo esta considerada completamente desnecessária.
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