Introdução


Faremos aqui um breve estudo do instituto da lesão, que só recebeu completa sistematização a partir do Código Civil de 2002, onde foram estabelecidos os elementos objetivos e subjetivos necessários à sua caracterização, assim como os efeitos oriundos do seu reconhecimento.


A lesão constitui vício da vontade para a celebração do negócio jurídico, portanto presente desde a gênese do contrato.  Na busca pela preservação das relações jurídicas, assim como da segurança jurídica que se espera nas relações negociais, possibilitou a lei a conservação do contrato por meio da oferta da diferença, alcançando, deste modo, o equilíbrio das suas prestações.


Lesão


O instituto da lesão não tinha previsão expressa no Código Civil de 1916, apenas em leis especiais, como na Lei da Economia Popular (Lei n. 1.521/51), sendo aplicado, por analogia, aos contratos em geral, exigindo desproporção de pelo menos um quinto do valor recebido em troca.


Mais adiante, o Código de Defesa do Consumidor considerou nulas as cláusulas abusivas, reprimindo a prática da lesão nos contratos de consumo (art. 51, IV).


Atualmente a lesão se justifica como forma de proteção ao contratante que se encontra em estado de inferioridade, que, por premências várias, mesmo nos contratos paritários, perde a noção do real e acaba realizando negócios absurdos do ponto de vista econômico, evidenciando que sua vontade está viciada por pressões variadas.


Trata-se de um vício do consentimento previsto no artigo 157 do Código Civil que se configura quando alguém obtém lucro manifestamente desproporcional ao valor real do objeto do negócio, aproveitando-se da inexperiência ou da premente necessidade do outro contratante, o que pode ser colocado em dois elementos: um objetivo e um subjetivo.


a) Objetivo:


Diz respeito ao valor do negócio celebrado, que deve ser manifestamente desproporcional à contraprestação, ou seja, valores muito discrepantes. A avaliação das desproporções deve ser feita de acordo com o tempo em que foi celebrado o negócio jurídico (§ 1º do art. 157).


b) Subjetivo:


Caracteriza-se pela premente necessidade ou pela inexperiência do lesado.


A premente necessidade a que se refere este elemento não está ligada a um estado de perigo, decorrente da necessidade de salvar-se, mas sim de uma necessidade de obter recursos, não sendo necessário que o contratante tenha induzido a vítima a celebrar o negócio, nem mesmo que saiba sobre a inexperiência ou o estado de necessidade do outro contratante, pois neste caso ele apenas tira proveito da situação, chamado pela doutrina de dolo de aproveitamento, demonstrando que a lesão está ligada à boa-fé objetiva dos contratantes, exigida como cláusula geral em todos os negócios jurídicos.


Importante frisar que não só o vendedor poderá alegar a lesão em juízo, o comprador também o pode fazer.


Da diferenciação entre onerosidade excessiva e obrigação excessivamente onerosa


Embora ambas causem a quebra da equivalência, a obrigação excessivamente onerosa respeita a uma prestação única na Gênese do contrato, ao passo que a onerosidade excessiva decorre de um fato imprevisível nos contratos de execução diferida o que é explicado pelo Dr. Renan Lotufo:


“Cumpre destacar que nesse caso estamos falando de obrigação onerosa (imediata, única, visível de pronto que imediatamente destrói a relação de equivalência entre a prestação e a contraprestação), e não de onerosidade excessiva (que destrói o sinalagma em conseqüência de alteração de circunstâncias no curso da existência de negócios de prestação continuada. Na obrigação excessivamente onerosa, desde o nascimento do negócio jurídico não existe reequilíbrio algum, pois a obrigação nasce extremamente excessiva, sendo concomitante à declaração.”


Efeitos do reconhecimento da Lesão


A sanção prevista no Código Civil é a anulação do negócio com fulcro no artigo 178, II. Mas, neste caso, diferentemente do estado de perigo, é permitida a complementação da contraprestação ou a redução do proveito para que seja equilibrado o negócio (§2º do art. 157 do Código Civil), não sendo aplicada a sanção de anulação se este requisito for preenchido.


Tal fato demonstra que a lesão só pode ocorrer em contratos comutativos, em que a prestação é de dar e não de fazer, sendo que nos aleatórios o risco é parte integrante do negócio, não podendo ser este instituto aplicado.


Em suma, o lesado poderá optar pela anulação ou revisão do contrato, mas a outra parte tem a opção de realizar o referido suplemento suficiente para afastar a manifesta desproporção entre as prestações, evitando a anulação.


Conclusão


Em suma, a lesão constitui vício da vontade, que tem como objetivo assegurar que as declarações volitivas para a realização do negócio jurídico sejam livres de pressões que dariam ensejo a celebração de negócios economicamente desproporcionais.


É tema sem grandes discussões doutrinárias, e uma vez caracterizada a lesão a revisão do contrato será a medida adequada para equilibrar a relação jurídica firmada, evitando o enriquecimento sem causa de qualquer das partes.


 


Bibliografia

AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Da lesão no direito brasileiro atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

LOTUFO, Renan. Código civil comentado: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2003.

NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1996.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

RÁO, Vicente. Ato jurídico: noção, pressupostos, elementos essenciais e acidentais: o problema do conflito entre os elementos volitivos e a declaração. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

REALE, Miguel. Um artigo-chave do Código Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

RIPERT, Georges. A regra moral nas obrigações civis. Campinas:Bookseller, 2000.

RODRIGUES, Sílvio. Dos vícios do consentimento. São Paulo: Saraiva, 1979.

Informações Sobre o Autor

Omar Aref Abdul Latif


Equipe Âmbito Jurídico

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