Tamires Regina Zimermann Fopa
Resumo: São vários os fatores que alteram as condições ambientais, muitos deles são causadores de Danos que podem resultar em prejuízos diversos ao meio ambiente e aos indivíduos que o habitam. Este trabalho tem o intuito de analisar as espécies de Danos Ambientais e as formas de reparação, que são de extrema importância para que seja preservado o meio ambiente ecologicamente equilibrado e consequentemente a sadia qualidade de vida para a presente e futuras gerações. Para tanto busca-se fazer um apanhado geral acerca do Dano Ambiental e o dever de repará-lo. Verifica-se que primeiramente deve-se buscar a restauração do bem lesado, mesmo que mais onerosa, e somente quando essa não for possível, é admissível a conversão em indenização pecuniária, que deverá ser destinada á recomposição dos Danos.
Palavras-chave: Dano Ambiental. Responsabilidade ambiental. Reparação. Restauração.
Abstract: There are several factors that alter environmental conditions, many of them causing Damage that can result in diverse damages to the environment and the individuals who inhabit it. This work aims to analyze the species of Environmental Damages and the forms of repair, which are of extreme importance in order to preserve the environment ecologically balanced and consequently the healthy quality of life for present and future generations. In order to do so, it is necessary to make a general statement about the Environmental Damage and the duty to repair it. It is verified that the restoration of the damaged property must first be sought, even if it is more costly, and only when it is not possible, conversion to pecuniary indemnity, which should be destined to the recomposition of Damages, is admissible.
Keywords: Environmental Damage. Environmental responsibility. Repair. Restoration.
Sumário: Introdução. 1. Dano Ambiental. 2. Do dever de reparar. 3. Formas de reparação. 3.1 A destinação da indenização pecuniária.
Introdução
O objetivo do presente trabalho é analisar as espécies de reparação dos Danos Ambientais previstas no ordenamento jurídico brasileiro. A preocupação central é que os Danos Ambientais são cada vez mais frequentes então é necessário que ocorra restauração do Dano para resguardar a integridade do meio ambiente de forma a propiciar uma sadia qualidade de vida. Por mais que um Dano considerado isoladamente possa parecer inofensivo, deve-se ter consciência da relevância do meio ambiente para a vida de forma geral, destarte, ao lesionar algum bem ambiental atinge-se diretamente a coletividade. Assim, é de suma importância que a condenação em caso de Danos Ambientais seja a mais eficaz possível no que tange a restauração do meio ambiente.
O texto é dividido em três momentos, na primeira parte faz-se um apanhado geral sobre as espécies de Dano Ambiental. Em seguida analisam-se as disposições legais que estabelecem o dever de reparar os Danos. Nesse ponto apresentam-se breves considerações sobre a tripla responsabilidade em matéria ambiental.
Posteriormente a abordagem é dirigida para as formas de reparação previstas, quais sejam, a restauração, a compensação por equivalente ecológico e a indenização pecuniária. Por fim averígua-se a destinação das verbas adquiridas através da indenização, que são dirigidas ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos – FDDD.
Inicialmente cumpre mencionar o conceito de Dano, o qual CAVALIERI (2010, p. 73) apresenta como: “A subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima (…)”.
O Dano Ambiental pode ser determinado pelo significado que se outorgue a meio ambiente. Segundo FIORILLO (2013, p. 60) “meio ambiente relaciona-se a tudo aquilo que nos circunda.” A lei 6.938/81, em seu art. 3º, I, conceitua o termo meio ambiente como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.
Pode-se concluir que o conceito de meio ambiente é aberto, sujeito a variações de acordo com a realidade concreta. Assim também ocorre com o conceito de Dano Ambiental. (MILARÉ, 2013, p. 316)
LEITE (2011, p. 94) explica que o Dano Ambiental “constitui uma expressão ambivalente, que designa, certas vezes, alterações nocivas ao meio ambiente outras, ainda, os efeitos que tal alteração provoca na saúde das pessoas e em seus interesses.” Destarte, primeiramente ocorreria uma alteração indesejável ao conjunto de elementos chamado meio ambiente. Posteriormente, o conceito englobaria os efeitos que esta modificação gera na saúde das pessoas e em seus interesses.
Assim, o Dano Ambiental além de recair diretamente sobre o ambiente de modo geral em prejuízo da coletividade, pode em casos determinados refletir sobre o patrimônio, os interesses ou a saúde dos indivíduos, individualmente ou em grupos. (MILARÉ, 2013, p. 319)
A dificuldade em encontrar um conceito para Dano Ambiental fez com que a doutrina criasse uma classificação que leva em conta “a amplitude do bem protegido”, a “reparabilidade e os interesses jurídicos envolvidos”, e a “extensão e o interesse objetivado”. (LEITE, 2011, p. 95)
No atinente a “amplitude do bem protegido”, LEITE (2011, p. 95) classifica como:
“1. Dano ecológico puro. (…) O meio ambiente pode ter uma conceituação restrita, ou seja, relacionada aos componentes naturais do ecossistema e não ao património cultural ou artificial. Nesta amplitude o dano ambiental significaria dano ecológico puro e sua proteção estaria sendo feita em relação a alguns componentes essenciais do ecossistema. Trata-se, segundo a doutrina, de danos que atingem, de forma intensa, bens próprios da natureza, em sentido restrito. 2. Em maior amplitude, o dano ambiental latu sensu, ou seja, concernente aos interesses difusos da coletividade, abrangeria todos os componentes do meio ambiente, inclusive o patrimônio cultural. Assim, estariam sendo protegidos o meio ambiente e todos os seus componentes, em uma concepção unitária. 3. Dano Individual ambiental ou reflexo, conectado ao meio ambiente, que é, de fato, um dano individual, pois o objetivo primordial não é a tutela dos valores ambientais, mas sim dos interesses próprios do lesado, relativos ao microbem ambiental. O bem ambiental de interesse coletivo estaria, desta forma, indiretamente ou, de modo reflexo, tutelado, e não haveria uma proteção imediata dos componentes do meio ambiente protegido”.
No que tange à “reparabilidade e ao interesse envolvido”, LEITE (2011, p. 96-95) apresenta a seguinte classificação:
“1. Dano ambiental de reparabilidade direta, quando diz respeito a interesses próprios individuais ou individuais homogêneos e apenas reflexos com o meio ambiente e atinentes ao microbem ambiental. O interessado que sofreu lesão será diretamente indenizado. 2. Dano ambiental de reparabilidade indireta, quando diz respeito a interesses difusos, coletivos e eventualmente individuais de dimensão coletiva, concernentes à proteção do macrobem ambiental e relativos a proteção do meio ambiente como bem difuso, sendo que a reparabilidade é feita indireta e preferencialmente, ao bem ambiental de interesse coletivo e não objetivando ressarcir interesses próprios e pessoais. Observe-se que, nesta concepção, o meio ambiente é reparado indiretamente no que concerne à sua capacidade funcional ecológica e à capacidade de aproveitamento humano e não, por exemplo, considerando a deterioração de interesse dos proprietários do bem ambiental”.
Quanto a natureza do interesse lesado, a doutrina aponta os chamados dano patrimonial ou material e dano extrapatrimonial ou moral, que identificam-se conforme os efeitos oriundos da lesão. Assim, “o dano ambiental patrimonial é aquele que repercute sobre o próprio bem ambiental, isto é, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, relacionando-se à sua possível restituição ao status quo ante, compensação ou indenização”. Já o dano ambiental extrapatrimonial “caracteriza-se pela ofensa, devidamente evidenciada, ao sentimento difuso ou coletivo resultante da lesão ambiental patrimonial”. (MILARÉ, 2013, p. 322-323)
Dentre os dispositivos legais que estabelecem o dever de reparar os Danos Ambientais, pode-se destacar o art. 225[1], da Constituição Federal que institui no artigo § 1º o dever de restaurar os processos ecológicos essenciais, no § 2º a obrigação de recuperar o meio ambiente degradado e, no § 3º a obrigação de reparar os Danos causados ao meio ambiente. E também o art. 170[2] da Constituição Federal que elenca como princípio geral da Ordem Econômica a defesa do meio ambiente.
A lei 6938/81 prevê como objetivo da Política Nacional do Meio Ambiente “à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos” (art. 4º, VII).
O art. 225, §3º da Constituição Federal estabelece que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. Ao final, quando menciona a obrigação de reparar os Danos causados, adota a responsabilidade civil, independentemente da responsabilidade penal e da responsabilidade administrativa.
Assim, a Constituição Federal (art. 225, §3º) consagra a tripla responsabilidade em matéria ambiental, de forma que aquele que causar Dano ao meio ambiente estará sujeito a responsabilidade administrativa, civil e penal.
No que concerne a Responsabilidade administrativa BELLO FILHO (2004, p. 132) assevera:
“Quanto à responsabilidade administrativa, a lei nada mais fez do que repetir o que está inserido no art. 14, incs. I, II, II e IV da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, que determina a responsabilização na seara cível e administrativa, independentemente uma da outra. A sanção administrativa que exsurge da responsabilidade da mesma natureza é fixada pelo Estado, mas em virtude de lei, e pode ser imposta todas as vezes que, na relação jurídica, o particular faltar com seu dever para com e Estado, ou para com a coletividade pelo Estado representada. (…) A nota diferenciadora reside, assim, no fato de a sanção administrativa, fruto da responsabilidade da mesma natureza, ser aplicada pela Administração Pública, em função de um dano ambiental que lese a coletividade. Considerando-se que todo dano ambiental em regra lesa a coletividade, não há limites para a atuação da Administração Pública na definição de infrações administrativas ambientais”.
No que tange a responsabilidade penal ambiental, a lei 9.605/98 “dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente”.
Segundo a lei 9605/98, os crimes ambientais podem ter como sujeito ativo qualquer pessoa física imputável, ou seja, que tenha capacidade de entender a ilicitude de seu ato, ou a pessoa jurídica. Quando o sujeito ativo for pessoa física as sanções penais passíveis de aplicação são as penas privativas de liberdade, as restritivas de direito e a multa. Já, no caso de figurar no polo ativo a pessoa jurídica as penas aplicáveis são a multa, as restritivas de direito, a prestação de serviços à comunidade, a desconsideração da personalidade jurídica e a execução forçada. (SIRVINSKAS, 2010, p. 793-794)
SIRVINSKAS (2010, p. 797) ensina que:
“A responsabilidade penal está estruturada, essencialmente, sobre o princípio da culpabilidade. A Lei 9.605/98 contém tipos penais punidos a título de dolo e de culpa. Diante disso, há necessidade de distinguir entre dolo e culpa. Alguns dos tipos penais só se consumam se o crime foi praticado dolosamente, ou seja, se o indivíduo tinha vontade e consciência de querer praticar o delito. A intenção subjetiva deve estar em harmonia com a conduta exterior. Já a culpa, mais frequente, caracteriza-se pela imprudência, imperícia ou negligência. Todos os tipos penais dessa lei são praticados a título de dolo, exceto quando a lei admite expressamente a modalidade culposa”.
Quanto à reparação dos Danos Ambientais, o art. 14, §1º da lei 6.938/81 dispõe que “(…) é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”. Com isso, o ordenamento jurídico brasileiro adota a responsabilidade civil na modalidade objetiva em matéria ambiental, ou seja, independente da comprovação da culpa.
Referida responsabilidade objetiva implica o dever jurídico de reparar o Dano causado ao meio ambiente. Não há preocupação com a razão da degradação ou com o tipo de atividade que o degradador exerce. Provada a ocorrência do Dano, primeiramente busca-se averiguar quem foi atingido, seja somente o meio ambiente, ou esse e o homem, para iniciar o processo de imputação civil. Posteriormente iniciará a fase em que se estabelecerá o nexo de causalidade entre a ação ou omissão do degradador e o dano. (MACHADO, 2013, p. 404)
Nesse sentido, BELLO FILHO (2004, p. 130) explica que:
“Apenas dois critérios são utilizados para responsabilizar-se civilmente a pessoa jurídica pelo dano ambiental causado. O primeiro é a comprovação da existência do dano, de um efetivo prejuízo ao bem jurídico constitucionalmente tutelado. O prejuízo deve ser grave e periódico, afastando-se da responsabilização pequenos danos que, em razão do princípio da insignificância, não constituam verdadeiramente uma ofensa ao bem jurídico maior. O segundo dos critérios é a comprovação do nexo de causalidade existente entre o ato da empresa e o prejuízo ambiental causado. É preciso a plena comprovação de que a atitude da empresa causou o dano ou simplesmente contribuiu para que a ofensa ao meio ambiente se perpetrasse”.
ANTUNES (2012, p. 250) esclarece que as “sanções penais e administrativas, (…), têm a característica de um castigo que é imposto ao poluidor. Já a reparação do dano reveste-se de um caráter diverso, pois através dela busca-se a recomposição daquilo que foi destruído”.
Cumpre mencionar a lição de Sampaio apud MACHADO (2013, p. 418) quanto à reparação:
“Não é apenas a agressão à natureza que deve ser objeto de reparação, mas a provação, imposta à coletividade, do equilíbrio ecológico, do bem-estar e da qualidade de vida que aquele recurso ambiental proporciona, em conjunto com os demais. Desse modo, a reparação do dano ambiental deve compreender, também, o período em que a coletividade ficará privada daquele bem e dos efeitos benéficos que ele produzia, por si mesmo ou em decorrência (art. 3º, I, da Lei 6.938/1981). Se a recomposição integral do equilíbrio ecológico, com a reposição da situação anterior ao dano, depender, pelas leis da natureza, de lapso de tempo prolongado, a coletividade tem direito subjetivo a ser indenizada pelo período que mediar entre a ocorrência do dano e a integral reposição da situação anterior”.
Resta claro que todo aquele, seja pessoa física ou jurídica, que ocasionar Dano Ambiental significativo terá o dever de repará-lo e deverá fazê-lo independentemente outras sanções já impostas.
A doutrina brasileira aponta três formas possíveis de reparação ao Dano Ambiental, quais sejam, a restauração natural, a atividade compensatória equivalente e a indenização pecuniária.
VIANNA (2009, p. 143) explica que “para fins de reparação dos danos ao meio ambiente, o primeiro objetivo a ser colimado consiste na recomposição, na restauração, na reintegração do patrimônio ambiental lesado”.
É o caso da “restauração natural ou in specie”, considerada a modalidade ideal, vez que trata-se da restauração natural do bem agredido de forma a cessar a atividade lesiva e repor a situação o mais próximo possível do status anterior ao dano.(MILARÉ, 2013, p. 328)
Destarte, quando ocorre o Dano Ambiental há imposição da reparação. Porém, nem sempre a reparação é de fácil alcance ou de solução imediata. Há dificuldades que surgem da própria complexidade e amplitude que envolvem os bens ambientais, assim, VIANNA (2009, p. 142-143) ensina que:
“Em algumas hipóteses a degradação ambiental importa em resultados irreversíveis, tais como extinção de espécies animais, destruição de monumento tombado, perda da capacidade auto-regenerativa de recursos naturais, o que somente agrava a situação em termos de ressarcimento. Essas circunstâncias, porém, não se justificam como óbices à reparação dos danos ambientais. Ao contrário, enaltecem a importância de se elaborar e implementar mecanismos e instrumentos jurídicos alternativos e eficazes na restauração do equilíbrio ecológico comprometido”.
Assim, quando ocorrer uma situação irreversível e a reconstituição do bem lesado não for possível, deve-se buscar a compensação equivalente aos bens ambientais lesados. “Trata-se de compensar o patrimônio ambiental com patrimônio ambiental correspondente e equivalente”. (VIANNA, 2009, p. 145)
Nesse sentido, leciona MILARÉ (2003, p. 329):
“Quando impossível a restauração natural no próprio local do dano (restauração “in situ”), abre-se ensejo a compensação por equivalente ecológico, isto é, pela substituição do bem afetado por outro que lhe corresponda funcionalmente, em área de influência, de preferência direta, da degradada (restauração ‘ex situ’), em ordem a impedir o sucedâneo da indenização pecuniária. Admite-se, numa palavra, a “fungibilidade” entre os componentes ambientais, desde que a qualidade ambiental global resulte recuperada”.
Cumpre mencionar que a doutrina entende haver diferença hierárquica quanto às modalidades de reparação, deve-se primeiramente buscar a reparação in natura, após tentar a compensação equivalente, e somente em casos que essas não sejam possíveis, deve-se optar pela indenização pecuniária. É o que ensina MILARÉ (2003, p. 330):
“Subsidiariamente, na hipótese de a restauração in natura se revelar inviável – fática ou tecnicamente – é que se admite a indenização em dinheiro. Essa – a reparação econômica é forma indireta de sanar a lesão. De qualquer modo, em ambas as hipóteses de reparação do dano ambiental, busca o legislador a imposição de um custo ao poluidor, com o que se cumprem, a um só tempo, dois objetivos principais: dar uma resposta econômica aos danos sofridos pela vítima (o indivíduo e a sociedade) e dissuadir comportamentos semelhantes do poluidor ou de terceiros. A efetividade de um e de outro depende diretamente, da certeza (inevitabilidade) e da tempestividade (rapidez) da ação reparatória”.
É necessário procurar através de todos os meios possíveis, ir além da indenização em sequência ao Dano, buscando garantir a fruição plena do bem ambiental. Através da indenização não é possível recompor o dano infligido a um bem natural da vida. “O valor econômico não tem o condão – sequer pro aproximação ou ficção – de substituir a existência do meio ambiente ecologicamente equilibrado e o exercício desse direito fundamental”. (MILARÉ, 2013, p. 329)
Quanto à eficácia da indenização pecuniária, Salles apud MACHADO (2013, p. 417) ensina que:
“Uma medida compensatória, consistente em substituição por equivalente em valor pecuniário, não cumpre a função de reconstituir a característica coletiva do bem. Constata-se não interessar remédios judiciais de simples compensação. Medidas desse teor transformam em dinheiro valores sociais de natureza diversa, que não encontram correspondência nos parâmetros de mercado. Para cumprir sua função nessa esfera, os mecanismos processuais devem ser compreendidos e aplicados de maneira a conduzir à adoção de soluções capazes de impor condutas, de maneira a evitar o dano ou a reconstituir o bem lesado”.
A indenização pecuniária pode ser eficiente para punir o causador do dano, porém, a preocupação maior deve ser se ela realmente é efetiva quanto a recuperação do bem lesado, isso porque, ao falar de bens ambientais, fala-se em bens essenciais a sobrevivência humana. É correto afirmar que a vida depende inteiramente do meio ambiente, assim, o ato de lesionar um bem ambiental, vai além do ato ilícito, mas atinge um numero indeterminado de pessoas que sem ter qualquer relação com tal ato restam prejudicadas.
3.1 Destinação da Indenização Pecuniária
O Art. 13, caput, da lei 7.347/85 é claro ao estabelecer que “havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais”. Esclarece ainda, que no referido Fundo, deve participar o Ministério Público além de representantes da comunidade. Trata-se do Fundo Federal de Defesa dos Direitos Difusos (FDDD), ou Fundos Estaduais.
O Fundo previsto pela lei de ação civil pública foi regulamentado pelo decreto n. 1.306 de 1994 que, posteriormente sofreu algumas alterações pela lei 9.008 de 1995 que criou o Conselho Federal Gestor do Fundo de Direitos Difusos.
Em seu art. 2º a lei 9.008/95 despõe sobre os integrantes do Conselho Federal gestor do Fundo:
“Art. 2º O CFDD, com sede em Brasília, será integrado pelos seguintes membros:
I – um representante da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, que o presidirá;
II – um representante do Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal;
III – um representante do Ministério da Cultura;
IV – um representante do Ministério da Saúde, vinculado à área de vigilância sanitária;
V – um representante do Ministério da Fazenda;
VI – um representante do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE;
VII – um representante do Ministério Público Federal;
VIII – três representantes de entidades civis que atendam aos pressupostos dos incisos I e II do art. 5º da Lei nº 7.347, de 1985”.
Dentre as atribuições do Conselho, cujo funcionamento o Poder Executivo é autorizado a regular, deve-se zelar pela aplicação dos recursos na consecução dos objetivos previstos por lei (art. 3º, I); aprovar e firmar convênios e contratos objetivando aplicar os recursos nas finalidades previstas (art. 3º, II); examinar e aprovar projetos de reconstituição de bens lesados, inclusive os de caráter científico e de pesquisa (art. 3º, III); promover eventos educativos ou científicos (art. 3º, IV); editar material informativo sobre as matérias mencionadas na Lei (art. 3º, V); promover atividades e eventos que contribuam para a difusão da cultura, da proteção ao meio ambiente, do consumidor, da livre concorrência, do patrimônio histórico, artístico, estético, turístico, paisagístico e de outros interesses difusos e coletivos (art. 3º, VI); examinar e aprovar os projetos de modernização administrativa (art. 3º, VII);
O art. 1º, §2º da lei 9.008/95 dispõe sobre os recursos do Fundo:
“§ 2º Constituem recursos do FDD o produto da arrecadação:
I – das condenações judiciais de que tratam os arts. 11 e 13 da Lei nº 7.347, de 1985;
II – das multas e indenizações decorrentes da aplicação da Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, desde que não destinadas à reparação de danos a interesses individuais; (Revogado pela Lei nº 13.146, de 2015)
III – dos valores destinados à União em virtude da aplicação da multa prevista no art. 57 e seu parágrafo único e do produto da indenização prevista no art. 100, parágrafo único, da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990;
IV – das condenações judiciais de que trata o § 2º do art. 2º da Lei nº 7.913, de 7 de dezembro de 1989;
V – das multas referidas no art. 84 da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994;
VI – dos rendimentos auferidos com a aplicação dos recursos do Fundo;
VII – de outras receitas que vierem a ser destinadas ao Fundo;
VIII – de doações de pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras”.
Conforme pode-se perceber, o Fundo não é exclusivo para questões de direito ambiental, ele engloba os direitos difusos.
Porém, maior importância deve ser dada à previsão quanto a destinação dos valores arrecadados.
O art. 1º, § 1º da lei 9008/95 estabelece que o Fundo “tem por finalidade a reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico, por infração à ordem econômica e a outros interesses difusos e coletivos”.
O § 3º do mesmo dispositivo deixa claro que os recursos arrecadados devem ser “aplicados na recuperação de bens, na promoção de eventos educativos, científicos e na edição de material informativo especificamente relacionados com a natureza da infração ou do dano causado”. Por fim prevê ainda como finalidade dos recursos, a “modernização administrativa dos órgãos públicos responsáveis pela execução das políticas relativas às áreas mencionadas no § 1º deste artigo”.
FIORILO (2013, p. 749) ensina que “os recursos arrecadados nos fundos deverão ser aplicados, tanto quanto possível, na recomposição dos danos ou, havendo impossibilidade, empregados de forma a cumprir a sua finalidade”.
Cumpre mencionar que embora os Estados estejam autorizados a criar Fundos, a Lei em hipótese alguma autoriza a dar a eles finalidade diversa, assim, qualquer que seja, deverá ser utilizado para reconstituição dos bens lesados. (FIORILO, 2013, p. 745)
Porém, o Superior Tribunal de Justiça[3] já decidiu que os recursos do Fundo do Estado de São Paulo poderiam ser utilizados para custear perícia em ação civil pública para apuração de possíveis Danos Ambientais:
“PROCESSUAL CIVIL – ADMINISTRATIVO – RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DESEGURANÇA – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – PARCELAMENTO IRREGULAR DE SOLO EMÁREA DE MATA ATLÂNTICA – DECISÃO JUDICIAL RELATIVA A HONORÁRIOSPERICIAIS – RECORRIBILIDADE – SÚMULA 267/STF. 1. Mandado de segurança impetrado contra decisão judicial proferida em autos de ação civil pública — ajuizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo visando evitar a ocorrência de possíveis danos ambientais decorrentes da realização de parcelamento do solo em área de vegetação de mata atlântica —, mediante a qual se determinou que as despesas com a realização da perícia judicial fossem custeadas com recursos do Fundo Estadual de Reparação de Interesses Difusos Lesados. 2. “Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição” (Súmula 267/STF). Hipótese em que o próprio Ministério Público Estadual interpôs agravo de instrumento, ao qual fora atribuído efeito suspensivo, contra a decisão impugnada. 3. Inexistência de circunstância capaz de qualificar a decisão impugnada como manifestamente ilegal ou teratológica, pois a Primeira Seção desta Corte, no julgamento dos EREsps 733.456/SP e981.949/RS, ocorrido na assentada do dia 24 de fevereiro de 2010, decidiu que, conquanto não se possa obrigar o Ministério Público a adiantar os honorários do perito nas ações civis públicas em que figura como parte autora, diante da norma contida no art. 18 da Lei 7.347/85, também não se pode impor tal obrigação ao particular, tampouco exigir que o trabalho do perito seja prestado gratuitamente. 4. Diante desse impasse, afigura-se plausível a solução adotada no caso, de se determinar a utilização de recursos do Fundo Estadual de Reparação de Interesses Difusos Lesados, criado pela Lei Estadual 6.536/89, considerando que a ação civil pública objetiva interromper o parcelamento irregular de solo em área de mata atlântica, ou seja, sua finalidade última é a proteção ao meio ambiente e a busca pela reparação de eventuais danos que tenham sido causados, coincidentemente com a destinação para a qual o Fundo foi criado. 5. Recurso ordinário não provido. (STJ – RMS 30812/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/03/2010, DJe 18/03/2010)”.
Ao analisar as finalidades do Fundo previstas por lei, pode-se concluir que são um tanto quanto vagas e carecem de regulamentação.
Importante destacar que através do princípio da publicidade há possibilidade de acesso aos balanços financeiros do Fundo de Reparação Federal através de consulta ao site do Ministério da Justiça e Cidadania[4].
Ao verificar as arrecadações de receitas pela origem do recurso, sendo a finalidade do recolhimento o meio ambiente (art. 11 e 13 da Lei 7.347/85) constata-se que no ano de 2014 a arrecadação foi no montante de R$ 152.226,27 (cento e cinquenta e dois mil duzentos e vinte e seis reais e vinte e sete centavos), já no ano de 2015 somou R$ 192.407,34 (cento e noventa e dois mil quatrocentos e sete reais e trinta e quatro centavos), e no ano de 2016, mas especificamente entre os meses de janeiro e setembro o Fundo arrecadou o total de 2.716.068,21 (dois milhões setecentos e dezesseis mil sessenta e oito reais e vinte e um centavos).
Indiscutível que entre o ano de 2015 e 2016 os arrecadados aumentaram. Parte dessa aumento pode ser justificado pela maior ocorrência de condenações. Mas a preocupação deve residir no fato de que há grande probabilidade de que condenações por danos ambientais que deveriam resultar na recuperação do bem lesado, estão com mais frequência sendo convertidas em indenização pecuniária.
Isso pode ser visto como um problema, pois o fato de a finalidade dos recursos do Fundo carecer de regulamentação resulta na inexistência de um meio eficaz de controle, através do qual se possa averiguar se a destinação da indenização está efetivamente sendo revertida em restauração do meio ambiente.
Considerações Finais
Os Danos Ambientais são cada vez mais frequentes, vários são os fatores que modificam o meio ambiente, dentre eles pode-se citar o crescimento populacional e as grandes industrias por exemplo. Em suma, quando essas modificações resultarem em lesão ao meio ambiente, verifica-se a ocorrência de Dano Ambiental.
O ordenamento jurídico brasileiro prevê expressamente a obrigação de reparar ao causador do Dano. Em matéria ambiental adota-se a tríplice responsabilização, destarte aquele que causar Dano, seja pessoa física ou jurídica, responderá administrativa, penal e civilmente. Ainda, tratando-se de responsabilidade civil, adota-se a modalidade objetiva, ou seja, para caracterização dispensa-se a necessidade de comprovação do elemento culpa, bastando que restem demonstrados a ocorrência do Dano e o nexo causal.
No que tange as formas de reparação, resta claro que primeiramente deve-se buscar a restauração do bem lesado à situação anterior. Essa é a maneira mais eficaz, além de garantir a punição do causador do Dano e coagi-lo a não repetir a atividade lesiva. Em se tratando de Dano irreparável, deve-se optar pela compensação por equivalente ecológico, que consiste na substituição do bem afetado por outro que lhe seja correspondente.
Somente nos casos em que as duas opções mencionadas forem impossíveis de alcançar é que a reparação pode ser revertida em indenização pecuniária. Mas repete-se somente quando não houver outro meio de restauração do meio ambiente.
Nos casos de indenização pecuniária a lei da ação civil pública prevê que o fruto da arrecadação deve ser destinado ao Fundo Federal de Defesa dos Direito Difusos. Referido Fundo, que envolve não só direito ambiental, mas sim direitos difusos, foi regulamentado pelo decreto n. 1.306 de 1994 que, posteriormente sofreu algumas alterações pela lei 9.008 de 1995. A lei autoriza também, a criação de Fundos estaduais, porém, devem obedecer a finalidade prevista, qual seja, a reparação dos Danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagísticos, por infrações à ordem econômica e a outras interesses coletivos.
No que tange à destinação dos recursos arrecadados, o legislador indicou que devem ser aplicados na recuperação de bens, na promoção de eventos educativos, científicos e na edição de material informativo relacionados com a natureza da infração ou do dano causado. Conforme pode-se verificar, a regulamentação da destinação é aberta deixando margem para interpretação e possíveis desvios. Cumpre destacar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça que decidiu ser possível arcar as despesas com perícia em ação civil pública com os recursos do Fundo.
Levando em conta o aumento significativo das receitas oriundas de condenações ligadas ao meio ambiente e os Danos Ambientais que são cada vez mais frequentes e devastadoras, é necessário que ocorra a regulamentação da destinação de maneira a possibilitar o controle e garantir que realmente estará cumprindo a finalidade, qual seja, a restauração ambiental.
Referências das Fontes Citadas
ANTUNES, Paulo de Bessa. Manual de Direito Ambiental. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2012. 364 p.
CAVALIERI FILHO. Sérgio. Programa de Responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010. (Conferir e ver quantidade de páginas)
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[1] Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; (…)
[2] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…)
VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.
[3] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Mandado De Segurança: RMS 30812 SP 2009/0213446-1. Relatora Ministra Eliana Calmon. Julgamento em 4 de março de 2010. Publicado em 18 de março de 2010. Disponível em: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19154371/recurso-ordinario-em-mandado-deseguranca
-rms-30812-sp-2009-0213446-1. Acesso em: 22 jan. de 2017.
[4] Disponível em: http://www.justica.gov.br/seus-direitos/consumidor/direitos-difusos.
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