Dano Existencial Nas Relações De Teletrabalho: Consequências Da Escravidão Digital No Desenvolvimento Social Do Individuo

Gabriel dos Santos Silva[1]

Márcia da Cruz Girardi[2]

Resumo: A pesquisa tem por objetivo, identificar o posicionamento da justiça laboral em relação ao dano existencial nas relações de teletrabalho, e as consequências causadas pelo negligenciamento do indivíduo enquanto empregado, o que culmina na lesão de seus direitos fundamentais. Diante dessa afirmação, questiona-se: como a justiça laboral enxerga o dano existencial nas relações de teletrabalho? Como isso afeta o desenvolvimento social do indivíduo? Para tanto, utilizou-se de pesquisa bibliográfica e teve como método de abordagem o dedutivo.  Diante da obrigação de manter-se conectado nesse modelo de trabalho em específico, se faz necessário assegurar os direitos fundamentais do trabalhador, precisamente, lazer e convivência familiar, o que acaba sendo afrontado em face da conexão em períodos de descanso. Embora não tivesse previsão normativa para condenações indenizatórias quando constatado o dano existencial nas relações de teletrabalho, por meio da pesquisa se constatou que tal dano vem sendo reconhecido pela justiça especializada trabalhista, principalmente, quando é comprovada uma jornada de trabalho excessiva, haja vista que tal situação frustra o projeto de vida e/ou a relação familiar do empregado.

Palavras-chave: Teletrabalho; Justiça Laboral; Previsão Normativa; Dano Existencial.

 

Abstract: The research aims to identify the position of labor justice in relation to the existential damage in telework relationships, and the consequences caused by the negligence of the individual as an employee, which culminates in the injury of their fundamental rights. Faced with this statement, the question is: how does labor justice see the existential damage in telework relationships? How does this affect the social development of the individual? For that, we used bibliographic research and had the deductive method of approach. Faced with the obligation to stay connected in this specific work model, it is necessary to ensure the fundamental rights of the worker, precisely, leisure and family life, which ends up being affronted in the face of connection during rest periods. Although there was no normative provision for indemnity sentences when the existential damage in telework relationships was verified, through the research it was found that such damage has been recognized by the specialized labor justice, especially when an excessive working day is proven, given that such situation frustrates the employee’s life project and/or family relationship.

Keywords: Telework; Labor Justice; Normative Forecast; Existential Damage.

 

Sumário: Introdução. 1. Escorço histórico. 2. Relação de teletrabalho e os limites dos poderes do empregador. 3. Dano existencial nas relações de emprego. 3.1. Dano moral e dano existencial. 4. Análise do posicionamento da justiça laboral. Considerações finais. Referencial bibliográfico.

 

Introdução

Hodiernamente, o cenário mundial tem passado pelo mais acelerado processo de globalização já visto pela humanidade. Com o advento da “internet”, os computadores, celulares e demais aparelhos comercializados substituíram as caravelas dos europeus, conectando o mundo à distância.

O uso da tecnologia digital e da internet passou a incluir a realidade social a nível mundial, a cada dia conectando mais e mais pessoas, que passam a fazer parte da era digital, que se mostra cada vez mais promissora, e se consolida como peça fundamental em todas as áreas da humanidade, já incrustada no presente e futuro das sociedades.

Entretanto, as inovações e progressos tecnológicos diários, que permitem uma conexão interpessoal rápida, em tempo real, vantagens estas que não podem ser desprezadas, não podem se dar desordenadamente, cabendo ao Direito, como ciência autônoma e auto-atualizável, promover a tutela do interesse público e garantia dos direitos individuais, impedindo que o âmbito das redes permaneça em estado de anarquia.

Tal acompanhamento tem se dado em todas as áreas do direito, e com o Direito do Trabalho não é diferente, principalmente em decorrência da criação de novas modalidades de emprego e prestação de serviços, como o trabalho remoto e o teletrabalho, este último objeto do presente trabalho.

Com essa nova realidade no cenário brasileiro, o impacto tecnológico passou a ter reflexos nas relações de emprego, principalmente com a possibilidade de se utilizar da internet como ferramenta de trabalho. Com isso o Direito do Trabalho tem a obrigação de uma interferência direta no contrato de emprego.

Ocorre que em detrimento das vantagens inerentes à evolução tecnológica, certas situações negativas têm surgido, como a utilização das redes sociais, meios de comunicação tão úteis, como mecanismo de acesso direto e integral aos trabalhadores por parte dos empregadores, desrespeitadas a carga horária, horários de descanso, ambientes, etc.

Infelizmente, não é incomum que os trabalhadores sejam excluídos de seus direitos ou explorados de forma abusiva, oque em situações mais trágicas, pode ser caracterizado até mesmo como trabalho análogo à escravidão, situações estas que ocorrem justamente em decorrência da subordinação, considerada a principal característica da relação de trabalho, que acaba por ser utilizada como base para tal conduta.

Nesse contexto, a doutrina italiana desenvolveu teoria que reconhece uma nova forma de dano ao patrimônio imaterial, a partir dos anos 1970, denominado dano existencial, que se caracteriza, de acordo com Suarez (2009, p. 44), “pelo abandono inconsciente de qualquer tipo de atividade cotidiana, prejudicando seu próprio campo de desenvolvimento pessoal”, ou seja, ocorre quando os trabalhadores vivem para o trabalho e negligenciam a vida social.

Diante disso, a presente pesquisa visou estudar o dano existencial nas relações de teletrabalho, seu conceito, história e características, assim como, a visão da justiça laboral nas relações desse modelo de trabalho, a fim de verificar como a justiça laboral enxerga o dano existencial nas relações de teletrabalho, e como a lesão dos direitos sociais do indivíduo enquanto empregado afetam seu desenvolvimento social.

Para alcance do objetivo geral, delimitaram-se os seguintes objetivos específicos: identificar o posicionamento da justiça laboral em relação ao dano existencial nas relações de tele trabalho, e as consequências causadas pela negligência do indivíduo enquanto empregado, e pela lesão de direitos fundamentais a ele garantidos, como o lazer e ao convívio familiar.

Para o desenvolvimento do trabalho utilizou-se a metodologia da pesquisa bibliográfica, e teve como fontes livros, revistas eletrônicas, legislação, artigos, jurisprudência, sentenças e acórdãos que versam sobre o tema.

Teve como método de abordagem o dedutivo, “processo pelo qual, com base em enunciados ou premissas, chega-se a uma condição necessária, em virtude da correta aplicação de regras lógicas”, conforme diz Ruiz (2002, p. 1), ou seja, parte-se de regras gerais para se chegar a regras específicas.

Diante disso, foi realizada uma análise geral, em relação ao teletrabalho, com alguns requisitos e princípios, com o viés de chegar a uma análise específica, com a fixação do dano existencial.

A referida pesquisa está dividida em três partes, no primeiro capítulo, aborda-se a relação de teletrabalho, com seus requisitos, conceitos, características e consequência quando lesionam os direitos sociais do indivíduo.

O segundo capítulo trata dos princípios que moldam a relação de emprego desde o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana com um viés mais amplo até alguns dos princípios específicos do Direito do Trabalho, com enfoque nos princípios da proteção, da irrenunciabilidade e da continuidade da relação empregatícia.

O capítulo terceiro trata da origem do dano existencial, da sua historicidade, da fundamentação legal e do conceito do próprio tema, outro sim fez-se a análise da aplicação do tema pela Justiça Laboral.

 

  1. Escorço histórico

A proteção a pessoa humana e a garantia dos seus direitos fundamentais são temáticas hodiernas, advinda após a Revolução industrial e das Guerras Mundiais. Uma vez que passou a ser mais relevante com os meios de proteção dos interesses da pessoa humana.

O nascedouro do dano existencial remete ao direito italiano, onde a Corte de Cassação da Itália, no ano de 2000, reconheceu o direito de reparação por dano existencial, através da sentença n° 7.713, em uma ação proposta por um filho contra o pai que o abandonou com sua mãe sem prover seu sustento, buscando ressarcimento pelos danos pessoais sofridos.

Foi na decisão nº 7.713, proferida no ano de 2000, pela Suprema Corte Italiana onde pela primeira vez se reconheceu o dano existencial como uma espécie de dano extrapatrimonial, diversa do dano moral e independente de conduta criminosa. (SOARES, 2009, p. 43)

Flavia Soares discorre a Suprema Corte italiana reconheceu que o pai ofendeu a condição jurídica de filho e de criança ou adolescente, cujo respeito dos pais é pressuposto fundamental ao seu desenvolvimento sadio, condição para a sua inserção não problemática no contexto social, pois o poder familiar é um poder-dever.

Na dicção da decisão judicial foi examinado:

[…] o pedido de reparação de uma mãe (em seguida substituída no processo pelo filho que atingiu a maioridade) numa ação de família, concluiu que o comportamento omissivo e negligente do pai (divorciado da mãe) implicou lesão dos direitos do filho (à época menor), inerentes à qualidade de filho e de menor e que referida lesão resultante da conduta negligente e desinteressada do genitor resultava em verdadeiro dano existencial. (GUEDES, 2008. p. 129)

No ordenamento jurídico italiano o instituto que versa da indenização está insculpido no artigo 2.059 do Código Civil, que in verbis: “(Dano não patrimonial) O dano não patrimonial deve ser indenizado apena nos casos determinados pela lei. (Tradução livre).

Nos ensinamentos da professora Flaviana Rampazzo Soares a partir da década de 60 os juristas italianos passaram a ponderar a existência de um denominado “dano à vida de relação” 10 (2009, p.42).

O ser humano necessita das mais diversas atividades sociais a fim de lhe proporcionar seu desenvolvimento psicológico, social, lazer e esporte o qual vaticina a sua condição como ser social.

Houve, portanto, a sentença n° 184, de 14 de julho de 1986, a qual foi proferida pela Corte Constitucional italiana e que é reconhecidamente como a evolução do ordenamento daquele país e que manifestou a existência do dano à saúde, ou dano biológico.

Flaviana Rampazzo Soares define o dano existencial, em seu aspecto objetivo, como a lesão ao complexo de relações que auxiliam no desenvolvimento normal da personalidade do sujeito, abrangendo tanto a ordem pessoal, como a ordem social.

Dano existencial, aquele que afeta a existência do trabalhador, fruto da conduta do patrão que cerceia o empregado de conviver em sociedade em suas atividades básicas sejam espirituais, sociais, culturais e descanso.

Representa uma alteração imponente nas relações sociais da vítima decorrente de acontecimentos que incide, de forma negativa, sobre as atividades corriqueiras da pessoa, capaz de repercutir, de forma consistente (seja temporária ou permanente) sobre sua existência (SOARES, 2009, p. 44)

Júlio César Bebber declina que o dano existencial como as lesões que comprometem a liberdade de escolha e frustram o projeto de vida que a pessoa elaborou para a sua realização como ser humano, uma vez que provoca um vazio existencial na pessoa que perde a fonte de gratificação vital.

Flaviane Rampazzo Soares, por sua vez acrescenta, considera que ele “abrange todo acontecimento que incide, negativamente, sobre o complexo de afazeres da pessoa, sendo suscetível de repercutir-se, de maneira consistente – temporária ou permanentemente – sobre a sua existência”.

Almeida Neto discorre ainda que o obreiro se vê despojado de seu direito à liberdade e à sua dignidade humana. Nesse dano o obreiro é privado da liberdade de dispor de seu tempo atingindo diretamente a sua autonomia da vontade.

Qualquer modalidade de dano possui nexo de causalidade, existência de prejuízo e o ato ilícito, o dano existencial divide-se em dois no dano ao projeto de vida e no dano à vida de relações.

Quanto à vida de relação, o dano resta caracterizado, na sua essência, por ofensas físicas ou psíquicas que impeçam alguém de desfrutar total ou parcialmente, dos prazeres propiciados pelas diversas formas de atividades recreativas e extra laborativas tais quais a prática de esportes, o turismo, a pesca, o mergulho, o cinema, o teatro, as agremiações recreativas, entre tantas outras (ALMEIDA NETO, 2005, p. 52)

Flaviana Rampazzo Soares assevera que a tutela à existência da pessoa resulta na valorização de todas as atividades que a pessoa realiza, ou pode realizar, tendo em vista que tais atividades são capazes de fazer com que o indivíduo atinja a felicidade, exercendo, plenamente, todas as faculdades físicas e psíquicas.

“O reconhecimento da figura do dano existencial na tipologia da responsabilidade civil exsurge como a consagração jurídica da defesa plena da dignidade da pessoa humana” (ALMEIDA NETO, 2005, p. 62)

Salienta Guedes: “O dano existencial pode decorrer de atos ilícitos que não prejudicam a saúde nem o patrimônio da vítima, mas a impedem de continuar a desenvolver uma atividade que lhe dava prazer e realização pessoal. ” No âmbito das relações laborais, o dano à existência surge quando o empregador onera de forma excessiva trabalho ao empregado o que impede o obreiro da prática das suas atividades.

No âmbito das relações laborais, o dano à existência surge quando o empregador onera de forma excessiva trabalho ao empregado o que impede o obreiro da prática das suas atividades. “as condições de vida aviltantes que, normalmente, são impostas a tais trabalhadores também integram o dano existencial, pois não há como alguém manter uma rotina digna sob tais circunstâncias”. (SOARES, 2009, p.12).

Amaro Alves de Almeida Neto (2005) assevera “indica a ofensa física ou psíquica a uma pessoa que determina uma dificuldade ou mesmo a impossibilidade do seu relacionamento com terceiros, o que causa uma alteração indireta na sua capacidade de obter rendimentos”.

Hidemberg Alves da Frota (2013) discorre que as atividades recreativas representam “uma fonte de equilíbrio físico e psíquico, tal a compensar o intenso desgaste peculiar à vida agitada do mundo moderno”.

Nesta Seara, emerge-se que no direito italiano, que já a décadas, houve uma majoração a proteção aos direitos imateriais das pessoas, acobertando qualquer espécie de dano para o desenvolvimento e mantença da dignidade da pessoa.

 

  1. Relação de teletrabalho e os limites dos poderes do empregador

Diferentemente do trabalho à distância que tem como uma de suas características o trabalho em domicílio, o teletrabalho apresenta como requisito a ausência de fiscalização física direta do empregador, ou seja, a forma como o trabalho é realizado é mais importante do que onde esse trabalho é realizado.

Assim como na doutrina, na jurisprudência também se tem o entendimento de que a localização e a exclusividade não se tratam de elementos necessários para caracterização do vínculo empregatício. Para se configurar o vínculo empregatício, na relação de emprego, é necessário o preenchimento dos requisitos presentes no artigo 3º da própria CLT que são eles: pessoalidade, não-eventualidade, subordinação e onerosidade.

Art. 3º: Considera-se empregado, toda pessoa física que prestar serviço de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

O art. 3º da CLT assim preceitua:  DELGADO (2019, p. 338):

A CLT aponta esses elementos em dois preceitos combinados. No caput de seu art. Esses elementos ocorrem no mundo dos fatos, existindo independentemente do Direito (devendo, por isso, ser tidos como elementos fáticos). Em face de sua relevância sociojurídica, são eles, porém captados pelo Direito, que lhe confere efeitos compatíveis (por isso devendo, em consequência, ser chamados de elementos fáticos-jurídicos.

Entretanto, para formalizar o contrato de emprego se faz necessário o sujeito empregador, que nos termos do artigo 2º da CLT corresponde a pessoa jurídica individual ou coletiva ou, ainda, pessoas equiparadas, como os profissionais liberais e entidades associativas que assumem o risco do negócio.

Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

Partindo da premissa que se trata de relação de emprego e à distância, na modalidade de teletrabalho, portanto, contrato é bilateral, o sujeito empregador é detentor do poder econômico, até porque assume o risco do negócio e inerente ao conceito empregador, há poder de direção que está ligado diretamente ao poder que possui de organizar a estrutura empresarial e fiscalizar a prestação de serviço.

Ainda conforme DELGADO (2019, p. 792):

Poder diretivo (ou poder organizativo ou, ainda, poder de comando) seria o conjunto de prerrogativas tendencialmente concentradas no empregador dirigidas à organização da estrutura e espaço empresariais internos, inclusive o processo de trabalho adotado no estabelecimento e na empresa, com a especificação e orientação cotidiana no que tange à prestação de serviços.

Dessa forma, verifica-se que mesmo no regime de teletrabalho, o profissional se sujeita à autoridade do empregador, que por sua vez, exerce essa autoridade de forma plena e sem prejuízos.

 

  1. Dano existencial nas relações de emprego

Muito se fala na seara jurídica acerca dos danos materiais, morais e estéticos, entretanto, especialmente no âmbito do Direito do Trabalho, exsurge uma nova modalidade de prejuízo na esfera extrapatrimonial cujos conceitos são recentes, sendo uma modalidade de dano imaterial, o qual não se confunde com o dano moral, como será apresentado neste trabalho.

O que a doutrina conceitua como dano existencial, pela própria terminologia, é possível verificar que se trata uma espécie de dano que atinge a dignidade do indivíduo, afetando o direito do indivíduo de ter uma vida respeitada em todas as esferas inclusive na laboral, e quando este dano se manifesta ele abala o trabalhador nas mais diversas vertentes sociais inclusive nas psíquicas.

A dignidade da pessoa humana é um atributo pessoal e intransferível que por conta da sua importância foi elevado a status constitucional.

Neste capítulo o objetivo é analisar a ocorrência do dano existencial na relação de emprego. Para tanto, fez-se um breve estudo histórico, conceito e diferenciação entre modalidades de dano, e a fixação do dano existencial.

É de bom tom esclarecer que o dano existencial é um dano com nascimento na era moderna, logo os materiais bibliográficos do tema são escassos, o que limita sobremaneira a pesquisa, todavia se buscou apresentar o máximo de conteúdo possível e abordar a temática da forma mais rica e clara possível.

 

3.1 Dano moral e dano existencial

Em termos singelos dano é prejuízo. Todo ou qualquer ato que afete diretamente ou indiretamente bens materiais ou imateriais é considerado dano.

Em vista disso, é trazido o sentido da palavra dano, que deriva do latim “damnum” e refere-se a qualquer dano ou ofensa causado por uma pessoa a outra, que possa causar a deterioração ou destruição de algo dela ou causar danos à ao seu património.

Nestes termos, também leciona Nehemias Domingos de Melo onde diz que, “dano moral é toda agressão injusta aqueles bens imateriais, tanto de pessoa física quanto de pessoa jurídica, insuscetível de quantificação pecuniária”. (2011, p. 9)

Fazendo uma primeira análise, vê-se que, o dano moral pode ser associado a dor, sofrimento e angustia. No entanto, tendo em vista as novas correntes doutrinárias, não é mais adequado limitar o dano moral a esses elementos no momento, uma vez que ele se estende a todos os bens personalíssimos.

Outra corrente conceitua dano moral como o efeito da lesão, e não a lesão em si, como é o caso do doutrinador Sérgio Pinto Martins que assim o conceitua: “É um prejuízo, ofensa, deterioração, estrago, perda. É o mal que se faz a uma pessoa. É a lesão ao bem jurídico de uma pessoa. O patrimônio jurídico da pessoa compreende bens materiais e imateriais (intimidade, honra, etc.) ”. (2008, p. 18)

O dano moral, portanto, decorre do sentimento, da individualidade da pessoa lesada, incluídos a dores físicas e extrafísicas ocasionadas pela destruição de sonhos, metas, ou ainda pelo tratamento desrespeitoso e a sensação de impotência, o que acarreta sentimento de perda e revolta.

O dano existencial, assim como o moral, é uma espécie do dano imaterial que se inclui na espécie de prejuízos extrapatrimoniais, ou seja, que não advém expressamente de abalo financeiro ou perda de bens quantificável (materiais) (LORA, 2013). Ou seja, o dano existencial é corolário do tipo extrapatrimonial de prejuízos indenizáveis.

A inclusão do dano existencial na proteção do direito do trabalho decorre da tendência mundial de aumentar a proteção de interesses imateriais pessoais, incluindo não apenas o dano mental propriamente dito, mas também qualquer dano jurídico imaterial relacionado ao livre desenvolvimento. Os direitos da personalidade, bem como os direitos da integridade corporal, os direitos da estética e os direitos do enriquecimento humano, que enriquecem a existência.

O dano existencial, por sua vez, independe de repercussão financeira ou econômica, e não diz respeito à esfera íntima do ofendido (dor e sofrimento, características do dano moral). Trata se de um dano que decorre de uma frustração ou de uma projeção que impedem a realização pessoal do trabalhador (com perda da qualidade de vida e, por conseguinte, modificação in pejus da personalidade). (Bebber, 2009, p.30)

Entretanto, como já indicado anteriormente, o dano existencial não se confunde com dano moral, sendo estes institutos diferentes. Segundo Soares (2009, p. 46) “A distinção entre dano existencial e o dano moral reside no fato de este ser essencialmente um sentir, e aquele um não mais poder fazer”.

Para Savatier (1989) qualquer sofrimento humano que atinge a reputação, o eu, do trabalhador, seu pudor, à sua segurança e tranquilidade, ao seu amor próprio, à integridade de sua inteligência, a suas afeições, exemplifica a condição do dano existencial.

Ou seja, enquanto o dano moral decorre principalmente da sensação de incapacidade da vítima em com relação ao lesionador, o existencial repousa especificamente na esfera trabalhista, quando em decorrência da subordinação ao empregador, o trabalhador deixa de “existir/viver” de maneira digna e passa a dispor de momentos que seriam de descanso em função do emprego e do empregador.

Foi a partir da compreensão da ocorrência dos danos existenciais que diversas ações passaram a ser ajuizadas perante o Poder Judiciário, o que ensejou, posteriormente, a edição da súmula 387 do STJ que entabula que “os danos existenciais podem ser entendidos como uma espécie do gênero mais amplo dos danos imateriais ou extrapatrimoniais, que entre nós costumam ser chamados de danos morais”

A reparação nestes casos tem o condão de assegurar vantagens ao ofendido, e a finalidade de punição ao ofensor com caráter punitivo e educativo.

Nos termos do art. 114, VI, da CF/88 é competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as ações de indenização por dano moral ou patrimonial.

Neste sentido, preconiza a súmula n° 392 do TST:

Nos termos do art. 114, inc. VI, da Constituição da República, a justiça do Trabalho é competente para processar e julgar ações de indenização por dano moral e material decorrentes da relação de trabalho, inclusive as oriundas de acidente de trabalho e doenças a ele equiparadas, ainda que propostas pelos dependentes ou sucessores do trabalhador falecido.

Com base nisso, pode-se observar que a indenização arbitrada pelo juiz do trabalho deve ser razoável e justa, ou seja, não pode promover o enriquecimento ilícito do trabalhador. Ao mesmo tempo, não pode ser fixada em valor insignificante que incentive o empregador a persistir nas condutas ilícitas.

O dano existencial entra na relação de trabalho na análise da conduta patronal do cotidiano do indivíduo, o que impõe a sua jornada de trabalho, além dos limites legais, causando assim uma limitação, na qual o indivíduo deixará de ter um lazer, perdendo assim parte de seu convívio familiar, frustrando-o a se desempenhar em seu projeto de vida. (FILHO, 2013)

Conforme explica LORA (2013, p.21):

No âmbito do Direito do Trabalho, o dano existencial pode estar presente na hipótese de assédio moral. Este, sabidamente, compromete a saúde do trabalhador, que apresenta, segundo as pesquisas, desde sintomas físicos, que incluem dores generalizadas, dentre outros males, até sintomas psíquicos importantes, com destaque para distúrbios do sono, depressão e ideias suicidas. O evento, além de causar prejuízos patrimoniais, pelo comprometimento de capacidade laboral, pode ensejar sofrimento, angústia, abatimento (dano moral) e também prejuízos ao projeto de vida, às incumbências do cotidiano, à paz de espírito (dano existencial).

Portanto, a configuração do dano existencial não está limitada a uma amargura, ou a uma aflição, mas sim diz respeito à renúncia de particularidades que afete a vida e o projeto de vida conforme já explicitado no presente trabalho e conforme Boucinhas Filho E Alvarenga, (2013, p. 30) “Decorre da conduta patronal que impossibilita o empregado de se relacionar e de conviver em sociedade […] ou que o impede de executar, de prosseguir ou mesmo de recomeçar os seus projetos de vida […]”.

4. Análise do posicionamento da justiça laboral

A noção de responsabilidade civil da tutela dos danos extrapatrimoniais, conta hoje, no direito brasileiro, com a cláusula geral do artigo 186 do CC que assim preconiza: “todo aquele que causa dano a outrem é obrigado a repará-lo”.

Maria Helena Diniz (2003, p. 34) assim define a responsabilidade civil: “A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva). ”

O novo paradigma da indenização passou a ser a ampla indenização dos danos extrapatrimoniais, considerados gênero, e dos quais o dano moral é espécie. (SOARES, 2009, p. 40).

Venosa (2003, p. 12), por sua vez, aponta que “o que se avalia geralmente em matéria de responsabilidade é uma conduta do agente, qual seja, um encadeamento ou série de atos ou fatos, o que não impede que um único ato gere por si o dever de indenizar. ”

Ante o exposto, o dever de indenizar no dano existencial, também subssume-se deverá haver a ocorrência dos elementos básicos, deve haver a conduta do agente, o nexo causal entre o dano pelo qual sofreu a vítima e a conduta do agente.

Bebber (2009, p. 29) destaca alguns elementos que cumpre ao julgador observar quando da aferição do dano existencial:

  1. a) a injustiça do dano. Somente dano injusto poderá ser considerado ilícito; b) a situação presente, os atos realizados (passado) rumo à consecução do projeto de vida e a situação futura com a qual deverá resignar-se a pessoa; c) a razoabilidade do projeto de vida. Somente a frustração injusta de projetos razoáveis (dentro de uma lógica do presente e perspectiva de futuro) caracteriza dano existencial. Em outras palavras: é necessário haver possibilidade ou probabilidade de realização do projeto de vida; d) o alcance do dano. É indispensável que o dano injusto tenha frustrado (comprometido) a realização do projeto de vida (importando em renúncias diárias) que, agora, tem de ser reprogramado com as limitações que o dano impôs.

A condenação na reparação do dano existencial deve ser fixada levando-se em consideração a dimensão do dano e a capacidade patrimonial do lesante.

Em sede de recurso, o tribunal asseverou que os requisitos do dano moral, in re ipsa, conferiu dor e o dano à dignidade do reclamante. Havendo lesão na conduta patronal ilícita, que cerceou o obreiro de fruir das relações sociais básicas fora do ambiente laboral (família, recreação), violando o direito da personalidade do trabalhador o que configurou o dano existencial.

Desta feita, o dano existencial frustra o projeto de vida da pessoa prejudicando a sua felicidade e plenitude além de seu bem-estar, pois conforme Soares (2009, p. 99):

Destarte, o dano existencial difere do dano moral, propriamente dito, porque o primeiro está caracterizado em todas as alterações nocivas na vida cotidiana da vítima em todos os seus componentes relacionais (impossibilidade de agir, interagir, executar tarefas relacionadas às suas necessidades básicas, tais como cuidar da própria higiene, da casa, dos familiares, falar, caminhar, etc.), enquanto o segundo pertence à esfera interior da pessoa.

De outro lado, é importante esclarecer que o Tribunal Superior do Trabalho – TST, possui arestos em que apreciando pedidos de indenização por dano existencial sob a ótica da jornada demasiada exercida pelo trabalhador, não é por si só in re ipsa, ou seja, presumido, mas sim precisa restar comprovada a afetação à sua vivencia social:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL. EXCESSO DE JORNADA. INDENIZAÇÃO […]. Embora a jornada extraordinária possa causar cansaço ao empregado e privação das horas de convívio social e familiar, uma vez que a limitação da jornada de trabalho visa proteger a integridade dos trabalhadores, evitando a fadiga física e psíquica, não se pode presumir a ocorrência de danos à moral do obreiro. No caso, não há no acórdão regional elementos que indiquem ter havido sofrimento ou abalo à incolumidade moral do reclamante, a ensejar indenização, sendo a condenação fruto de mera presunção. Observe-se que o dano existencial em questão não é in re ipsa (presumível, independentemente de comprovação). Recurso de revista provido, quanto ao ponto, eis que evidenciado o dissenso pretoriano e constatada, na decisão regional, violação aos artigos 818 da CLT e 333, I, do CPC. (…) (RR- 191-55.2013.5.15.0096, Relator Desembargador Convocado: André Genn de Assunção Barros, Data de Julgamento: 02/09/2015, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 11/09/2015)

Ou seja, para que haja a configuração do dano existencial, a jornada de trabalho deve ser humanamente degradante, não havendo necessidade de ser humanamente impossível, ou seja, basta restar comprovada a afetação à vivência social do indivíduo, que é corolário da dignidade da pessoa humana, supra princípio tutelado constitucionalmente.

Flávia Soares Rampazzo (2009, p. 76) comunga de tal entendimento:

[…] as condições de vida aviltantes que, normalmente, são impostas a tais trabalhadores também integram o dano existencial, pois não há como alguém manter uma rotina digna sob tais circunstâncias […]as restrições severas e as privações que ele impõe, modificam, de forma prejudicial, a rotina dos trabalhadores a ele submetido, principalmente, no horário em que estão diretamente envolvidos na atividade laboral para a qual foram incumbidos.

Resta evidenciado, portanto, que nas relações laborais, o dano moral/existencial somente ocorre quando o obreiro sofre evidente dissabor na sua vida pessoal ou no seio familiar, em virtude das condutas ilícitas perpetradas pelo empregador.

Desta forma é incontroversa a previsão constitucional que insculpida no artigo 5°, X, assegura a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem, com o asseguramento do direito a indenização por dano material ou moral por conta de sua violação.

Uma vez que seja violada qualquer dos direitos fundamentais da pessoa, que possui guarida constitucional e altere o modo de ser do indivíduo resta evidenciado o dano à sua existência o que não é o caso do julgado acima.

Sem citar, que os elementos do dano existencial são os mesmos de qualquer modalidade de dano: o ato deve ser ilícito, deve haver o nexo de causalidade, o efetivo prejuízo e o dano ao projeto de vido e o prejuízo à vida de realizações.

Dante o exposto, na análise dos casos apresentados, é perceptível que os magistrados brasileiros, estão aplicando de forma primorosa a existência e a ocorrência do dano existencial, com fundamentos pertinentes em suas decisões, a fim de assegurar a proteção trabalhista e a preservação da dignidade dos obreiros.

O instituto apesar de novo é relevante o que causa um alinhamento na jurisprudência e fixando os requisitos para a fixação do tema.

Desse modo, o dano existencial tem seu caráter e reconhecimento indenizatório, deve ser rechaçado das relações laborais, pois afeta a personalidade do obreiro e esse deve ter a sua natureza intima preservada.

 

Considerações finais

Ante a tudo que foi explanado, pode-se inferir que a relação de emprego não se confunde com a relação de trabalho, vez que a relação de trabalho é gênero e a de emprego é espécie, surgindo a máxima de que toda relação de emprego consequentemente é uma relação de trabalho, mas nem toda relação de trabalho é uma relação de emprego.

Neste sentido, a observância às normas laborais, é muito importante, todavia o respeito aos princípios que são ulteriores à norma, o são mais ainda, sobretudo no que tange a dignidade da pessoa humana, pois possui status constitucional e do qual irradia os mais diversos direitos e garantias, e sem o qual não poderia fruir dos demais.

Dentro desta temática, e avocando o sobredito, sendo o empregado parte vulnerável na relação laboral, o Direito do Trabalho traz o suprassumo dos princípios que é o princípio da proteção, o qual no seu bojo, e para que haja um equilíbrio entre as partes deve-se aplicar a norma mais favorável, mantendo a condição mais benéfica e a interpretação mais vantajosa ao empregado.

Nesta seara surge o dano existencial, o qual não se confunde com o dano moral, tampouco com qualquer outra modalidade, e tem seu nascedouro no direito italiano e que vem sendo reconhecido pelos tribunais brasileiros, com o escopo de resguardar a integridade física, moral e intelectual do obreiro.

Consoante ao dano existencial, o teletrabalho não pode  ser  excluído do direito do trabalho, pois é notório sua presença cada vez maior na relação de emprego. Apesar da escassez de previsão normativa a respeito de condenações indenizatórias, o reconhecimento dessa espécie de dano vem crescendo cada vez mais no campo da justiça especializada trabalhista, principalmente quando é comprovada uma jornada de trabalho excessiva.

Diante o crescimento dessa modalidade de trabalho, nota-se uma preocupação dos juristas em inibir o processo de abuso de jornada, onde a reparação perante o poder judiciário não se limite ao dano patrimonial, mas também ao dano extrapatrimonial se assim houver prejuizo ao direito social.

Com isso em mente, o poder judiciário passou a reconhecer pedido de dano existencial como forma de reparação de dano extrapatrimonial consequente ao ato ilícito contratual sempre que a infração confrontar o projeto de vida ou a vida em si. Consequentemente trouxe ao empregado maior segurança, uma vez que a possibilidade de efetivação de seus direitos sociais tornou-se bem mais realística.

Todavia é válido destacar que a mera alegação de suposta existência de tais situação não são suficientes para reputar ao empregador tal prática, deve-se demonstrar que tais condutas prejudicaram o projeto de vida do empregado afetando nas suas relações elementares.

 

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[1] Graduando em Direito pela Universidade Estadual do Tocantins – UNITINS. E-mail: gabrielsilva@unitins.br

[2]    Doutora em Direito na Faculdade Autônoma de Direito (Fadisp/SP). Mestre em Administração pela Faculdade de Estudos Administrativos (FEAD/MG). Especialista em Docência em Ensino Superior (UEMA/MA), Direito do Trabalho e Processo do Trabalho (Estácio de Sá/RJ). Graduada em Direito pela (Universidade Cândido Mendes-RJ). E-mail: marciacgirardi@hotmail.com

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