Decadência e prescrição no direito tributário

Resumo: Com o presente texto pretende-se analisar detalhadamente os institutos da decadência e da prescrição no âmbito do Direito Tributário, sobretudo em função da importância que adquirem tais institutos diante das dificuldades de arrecadar com eficiência e, consequentemente, diminuir a sonegação.

Palavras-chave: Direito Tributário – Decadência – Prescrição.

Abstract: This text intends to analyze in detail the institutes of decadence and prescription in the scope of Tax Law, especially in light of the importance that these institutes acquire in the face of the difficulties of efficiently collecting and, consequently, reducing tax evasion.

Keywords: Tax Law – Decadence – Prescription.

Sumário: 1. Decadência e prescrição – origem. 2. Conceito civilista e tributarista. 3. Disciplina legal da decadência e da prescrição. 4. Efeitos das liminares no instituto da decadência. 5. Prazo para a decadência na ocorrência de dolo, fraude ou simulação do art. 150, §4º, do CTN. 6. A tese dos cinco mais cinco e a LC 118. Bibliografia.

1. DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO – ORIGEM

A palavra prescrição procede do termo latino “praescriptio, de praescritibere (prescrever, escrever antes, donde determinar ou prefixar), em sentido geral, na harmonia com a sua etimologia, quer o vocábulo exprimir a regra, o princípio, a norma ou o preceito, que se escrevem antes, para que, por eles, se conduzam ou se façam as coisas” (SILVA, 1997, p. 633).

No histórico Direito Romano, as ações eram perpétuas, isto é, sem prazo fixado, e o interessado nelas podia recorrer a qualquer tempo. Com a evolução, a ideia de prescrição surge no direito pretoriano, pois os magistrados começaram a proporcionar às partes determinadas ações capazes de contornar a rigidez dos princípios existentes. Inicialmente, fixou-se um prazo para a duração de tais ações, sendo estas as denominadas temporárias.

Segundo SÍLVIO RODRIGUES, já na época Império do Lácio prevalecia a ideia de que as ações reais sobre bens imóveis prescreviam, quando não propostas dentro de dez anos entre presentes, ou de vinte anos, entre ausentes. Era a chamada praescriptio longum tempus. Posteriormente, a Constituição Romana do Imperador Teodósio determinou que todas as ações, fossem quais fossem, prescreveriam dento do prazo de trinta anos. Era a prescrição longissimum tempus. [1]

Eis a historicidade prescricional. Enfrentemos a decadência.

Decadência é vocábulo que deriva “do latim cadens, de cadere (cair, perecer, cessar), exprime, dentro de seu sentido originário, o estado de tudo aquilo que decai ou que perece” [2]. Nas palavras de RENAN LOTUFO “a decadência não é instituto antigo, como é a prescrição”[3]. Na legislação estrangeira que influenciou o direito positivo brasileiro não há disposições legais referindo-se à decadência, com tratamento doutrinário autônomo.

Coisa de nosso legislador pátrio de 1916 que, contrariando o projeto do Código Civil de Clóvis, adotou a defeituosa técnica de incluir alguns prazos extintivos dos direitos, isto é, prazos de caducidade, sinônimos de decadência. Confusão armada, coube a doutrina e a jurisprudência a árdua tarefa de distinguir decadência de prescrição. Com o declarado abismo, atravessamos o século XX na esperança de que o futuro Código Civil colocasse fim a contenda. Ledo engano como se verá a seguir.

2. CONCEITO CIVILISTA E TRIBUTARISTA

Não se vê do novo Código Civil brasileiro qualquer preocupação em definir, ou conceituar, a decadência. A orientação foi, ao distinguir a prescrição como geneticamente ligada à lesão de um direito, fazer nascer uma pretensão (art. 189), deixando caracterizada a decadência pelo regime jurídico diverso (arts. 207 a 211)

A dificuldade conceitual vem bem descrita por Eurico Marcos Diniz De Santi que cita e transcreve conceitos de Roberto de Ruggiero, Pontes de Miranda, Câmara Leal, Clóvis Beviláqua, Trabucchi, Washington de Barros Monteiro, Silvio Rodrigues, Maria Helena Diniz, Caio Mário da Silva Pereira, Orlando Gomes, Santiago Dantas e Serpa Lopes, sem aderir a nenhum deles [4]. Alerta Renan Lotufo a impossibilidade de fazê-lo, até porque os autores citados se referiam a um direito positivo diverso do que temos neste momento.[5]

Agora, a decadência é expressamente prevista e seus prazos estarão diretamente ligados aos direitos a que se refira, nos Livros da Parte Especial do CCb, só figurando na Parte Geral do referido as regras genéricas sobre o instituto.

A regra do art. 207 do CCb evidencia que o prazo decadencial é uno, ou seja, não sofre impedimento de início de cômputo, não se suspende, para prosseguir depois, nem se interrompe para começar de novo, salvo se ocorrer edição de lei especial e com disposição específica. É, pois, uma nota característica diversa da prescrição.

Mas este traço distintivo não se amolda com parcimônia no Direito Tributário. Leciona Paulo de Barros Carvalho que:

“… contrariando as insistentes construções do direito privado, pelas quais uma das particularidades do instituto da decadência está na circunstância de que o prazo que lhe antecede não se interrompe, nem se suspende, a postura do item II do art. 173 do Código Tributário Nacional desfaz qualquer convicção nesse sentido. Um lançamento anulado por vício formal é ato que existiu, tanto assim que foi anulado por vício de forma. Ora, a decisão final que declare a anulação do ato nada mais faz que interromper o prazo que já houvera decorrido até aquele momento.

… A hipótese interruptiva apresenta-se clara e insofismável, brigando com a natureza do instituto cujas raízes foram colhidas nas maturadas elaborações do Direito Privado”[6]. (grifo original)

No entanto, no intuito de se evitar delongas, devemos eleger uma premissa conceitual no sentido de prosseguir no estudo tributário. Ficamos com os conceitos práticos de decadência e prescrição propostos por Paulo de Barros Carvalho. Afirma o mestre:

“A decadência ou caducidade é tida como o fato jurídico que faz perecer um direito pelo não-exercício durante certo lapso de tempo.

… perante a inércia manifestada pelo interessado.

… Só se observa o efeito extintivo da obrigação tributária, porém, quando o fato da decadência for reconhecido posteriormente à instalação da obrigação tributária.

… A decadência, entendida assim, teria o condão de inibir a autoridade administrativa de lavrar o ato constituidor (perda do direito de lançar) e, simultaneamente, de fulminar o direito subjetivo de que esteve investido o sujeito pretensor”.[7]

Para definir prescrição, PAULO DE BARROS tem uma praticidade invejável. Relata:

“Com o lançamento eficaz, quer dizer, adequadamente notificado ao sujeito passivo, abre-se à Fazenda Pública o prazo de cinco anos para que ingresse em juízo com a ação de cobrança (ação de execução). Fluindo esse período de tempo sem que o titular do direito subjetivo deduza sua pretensão pelo instrumento processual próprio, dar-se-á o fato jurídico da prescrição. A contagem do prazo tem como ponto de partida a data da constituição definitiva do crédito, expressão que o legislador utiliza para se referir ao ato de lançamento regularmente comunicado (pela notificação) ao devedor”.[8]

Em conclusão:

1 – A decadência consiste na perda do direito à formalização do crédito tributário, por decurso de prazo, através do lançamento tributário. Ocorrida a decadência não terá mais o fisco o direito de lançar tributo. Já a prescrição, consiste na perda do direito por decurso de prazo à ação judicial para a cobrança do crédito tributário – a ação de execução.

2 – A decadência só ocorrerá no período anterior ao lançamento, momento em que se formaliza o crédito tributário; depois, entre a ocorrência deste e até que decorra o prazo para a interposição do recurso administrativo (impugnação), que normalmente é de trinta dias, ou enquanto não forem decididos os recursos, não mais corre prazo para decadência, e ainda não se iniciou a fluência de prazo para a decisão definitiva do órgão julgador, pela procedência, total ou parcial, do lançamento do crédito tributário, quando há a constituição definitiva do crédito tributário, começando a fluir, daí, o prazo prescricional.

3 – O Código Tributário Nacional distingue a prescrição da decadência. Atribui-lhes, entretanto, idênticos efeitos. Uma e outra extinguem o crédito tributário e também a obrigação tributária.

4 – Em definitivo, como norma jurídica em sentido estrito, instalado o vínculo jurídico tributário e sobrevindo o fato decadencial ou prescricional, desaparece o direito subjetivo de exigir a prestação tributária e, em contrapartida, também se extingue o débito do sujeito passivo, desintegrando-se o laço obrigacional.

3. DISCIPLINA LEGAL DA DECADÊNCIA E DA PRESCRIÇÃO

A matéria, no ordenamento jurídico-tributário brasileiro, exige tratamento específico via espécie legislativa qualificada pelo quorum privilegiado da maioria absoluta (art. 146, III, “b”, da Constituição Federal de 1988) e aclarado pelo Código Tributário Nacional – Lei nº 5.172/66 (recepcionado com o status de Lei Complementar) em seus artigos 173, 174, 150, 168, e 169.

Tendo em vista os enunciados dos arts. 150, 173 e 174 do CTN, acaso a administração tributária não realize a contento o ato de lançamento no prazo estipulado, forçosamente estará extinto o crédito tributário (art. 156, V, do Código Tributário Nacional). Observe-se, por complemento, que a decadência tributária não diverge da prescrição no que concerne aos efeitos da sua configuração, haja vista que o dispositivo acima mencionado estabelece a distinção do crédito tributário em ambas. Assim, se o Fisco não promove a cobrança do crédito tributário formalizado pelo lançamento dentro do prazo determinado, o direito à cobrança desse crédito estará prescrito.

O Código Tributário Nacional arrola regras para a contagem dos prazos de decadência: a) nos lançamentos por homologação, o prazo de 5 (cinco) anos é contado da data da ocorrência do fato gerador – art. 150, §4º; b) nos lançamentos de ofício e por declaração, o prazo de 5 (cinco) anos é contado do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado – art. 173, I.

O art. 150 do Código Tributário Nacional trata especificamente dos casos sujeitos ao lançamento por homologação. No seu §4º determina que o prazo decadencial será de 5 (cinco) anos contados da data de ocorrência do fato gerador. Desta forma, o legislador permitiu que a Administração Pública recebesse, antes do necessário lançamento, o tributo devido. Em contrapartida, exigiu do administrador maior celeridade na apuração e lançamento do imposto, na medida em que o termo inicial para contagem do prazo decadencial se inicia mais cedo. Todavia, ressalvando que estas disposições não se aplicam aos casos de comprovada ocorrência de dolo, fraude ou simulação.

O art. 173 do Código Tributário Nacional trata da regra geral, abraçando os demais tipos de lançamento (por declaração e de ofício), bem como os casos onde se tenha existência de dolo, fraude ou simulação.

Exemplificando:

a) o contribuinte do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) efetuou vendas de mercadorias no dia 01 de janeiro de 2000, antecipando o pagamento no dia 09 de janeiro de 2000, ainda que insuficiente. O prazo de decadência começará a fluir em 1º de janeiro de 2000, porque nesta data houve a ocorrência do fato gerador, sendo que o prazo de 5 (cinco) anos se consumirá fatalmente em 31 de dezembro de 2004.

b) um contribuinte do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), no dia 15 de janeiro de 2000, cometeu irregularidades efetuando vendas de mercadorias desacobertadas de documento fiscal. O mesmo foi autuado pelo Fisco através do auto de infração, no dia 15 de dezembro de 2005. O prazo de decadência, neste exemplo, começará a fluir em 1º de janeiro de 2001, porque sendo o exercício de 2000 aquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, e não o tendo sido, o prazo de 5 (cinco) anos se consumirá fatalmente em 31 de dezembro de 2005. Constata-se, então, que o lançamento foi efetuado antes do prazo decadencial.

A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em 5 (cinco) anos, contados da data de sua constituição definitiva (art. 174, caput, do CTN).

O início da contagem do prazo prescricional, para os tributos objeto de lançamento de ofício ou por declaração, se dará conforme especificado a seguir:

a) decorridos 30 (trinta) dias da notificação do lançamento, sem que haja pagamento ou impugnação do lançamento; ou

b) decorridos 30 (trinta) dias da notificação do contribuinte, da decisão administrativa definitiva favorável à Fazenda Pública ou, ainda, quando cientificada do trânsito em julgado da decisão judicial mantendo o feito fiscal.

Em se tratando de tributos submetidos ao lançamento por homologação, o início para contagem do prazo prescricional ocorrerá a partir dos cinco anos da formalização do crédito tributário, isto é, do dia em que a obrigação se tornar exigível.

Cumpre salientar que diversamente do que ocorre com a decadência, a prescrição pode ter interrompido (art. 174, parágrafo único do CTN) ou suspenso (art. 151 do CTN) o curso de seus prazos. A suspensão da prescrição é a cessação temporária ao escoamento do prazo, sem prejuízo do lapso de tempo já ocorrido. A interrupção é a paralisação do escoamento do prazo prescricional, com prejuízo do lapso já escoado. Se dentro do período quinquenal da prescrição ocorrer qualquer das hipóteses de interrupção, despreza-se o tempo já transcorrido, e a contagem dos 5 (cinco) anos volta a ser iniciada.

A Lei de Execuções Fiscais (nº 6.830/80), em seu art. 8º, §2º, estabelece que a interrupção do prazo prescricional ocorre com o despacho que determina a citação. Esta norma está em conflito com o art. 174, parágrafo único, I, do CTN, o qual determina que o prazo prescricional somente se interrompe a partir da citação pessoal feita ao devedor.

O Superior Tribunal de Justiça, por intermédio de sua 1ª Seção, decidiu pela prevalência do Código Tributário Nacional, por se tratar de norma geral de natureza complementar. Registra-se a ementa, in verbis:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DO DEVEDOR. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. CITAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR.

1. – O art. 8º, §2º, da Lei n. 6.830/80, nos termos em que foi admitido em nosso ordenamento jurídico, não tem prevalência. A sua aplicação há de sofrer os limites impostos pelo art. 174 do Código Tributário Nacional.

2. – Repugnam os princípios informadores do nosso sistema tributário a prescrição indefinida. Há de, após o decurso de determinado tempo sem promoção da parte interessada, se estabilizar o conflito pela via da prescrição, impondo segurança jurídica aos litigantes.

3. – Os casos de interrupção do prazo prescricional estão previstos o art. 174 do CTN, o qual tem natureza de lei complementar e, por isso, se sobrepõe à Lei de Execuções Fiscais (6.830/80), que é lei ordinária.

4. – Não efetivada a regular citação do contribuinte antes de transcorridos cinco anos da data da constituição definitiva do crédito tributário, a prescrição há de ser decretada.

5. – Embargos de divergência acolhidos”. (EREsp nº 85.144/RJ, Rel. Min. José Delgado, 1ª Seção, unânime, data da decisão 14.02.2001, DJ 02.04.2001).

O Fisco notificará o contribuinte da decisão administrativa definitiva favorável à Fazenda Pública. Após, transcorridos 30 (trinta) dias desta notificação, iniciará o prazo prescricional. Se, porventura, a Administração Fazendária vier a inserir este crédito tributário na dívida ativa executiva apenas 2 (dois) anos após iniciado o prazo de prescrição, e citar pessoalmente o devedor (art. 174, parágrafo único, inciso I, do CTN), este prazo prescricional será interrompido, tendo como consequência o início da contagem de 5 (cinco) anos para que prescreva o direito de ação da Fazenda Pública.

Formalizado o crédito tributário, com a lavratura do auto de infração, o contribuinte será notificado a recolher o tributo ou impugná-lo em 30 (trinta) dias. Se, porventura, o sujeito passivo impugnar o feito fiscal, nos termos do procedimento administrativo específico, ter-se-á suspensa a exigibilidade do crédito para o exercício do direito de defesa do autuado (art. 151, III,do CTN). No entanto, o prazo prescricional não terá sequer iniciado.

O Supremo Tribunal Federal decidiu, em ambas as turmas que o compõem, quais seriam os prazos de decadência e prescrição no direito tributário. Veja a ementa abaixo, in verbis:

“PRAZOS DE PRESCRIÇÃO E DE DECADÊNCIA EM DIREITO TRIBUTÁRIO. – Com a lavratura do auto de infração, consuma-se o lançamento do crédito tributário (art. 142 do C.T.N.). Por outro lado, a decadência só é admissível no período anterior a essa lavratura; depois, entre a ocorrência dela e até que flua o prazo para a interposição do recurso administrativo, ou enquanto não for decidido o recurso dessa natureza de que se tenha válido o contribuinte, não mais corre prazo para decadência, e ainda não se iniciou a fluência de prazo para prescrição; decorrido o prazo para interposição do recurso administrativo interposto pelo contribuinte, há a constituição definitiva do crédito tributário, a que alude o art. 174, começando a fluir, daí, o prazo de prescrição da pretensão do fisco. É esse o entendimento atual de ambas as turmas do S.T.F. Embargos de divergência conhecidos e recebidos”. (STF. TRIBUNAL PLENO. Unânime. ERE nº94.462/SP. Rel Min. MOREIRA ALVES. DJ de 17.12.82).

O contribuinte terá o direito à restituição total ou parcial de tributos pagos, conforme determina o art. 165, do CTN, quer seja pela cobrança ou pagamento de tributo indevido ou maior que o devido (inciso I); quer seja com erro na identificação do sujeito passivo, ou na determinação da alíquota, ou no cálculo do montante, ou na elaboração ou conferência de documento relativo ao pagamento (inciso II); ou quer, ainda, seja pela reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória (inciso III).

O art. 168, inciso I, do CTN, prescreve que o contribuinte terá, nas hipóteses dos incisos I e II do art. 165, o prazo de 5 (cinco) anos, depois da data da extinção do crédito tributário que se dará na data efetiva do pagamento, o direito de pleitear a restituição do tributo na esfera administrativa. Este é um prazo de decadência que se manifesta pela inércia do sujeito passivo.

O inciso II, do art. 168, do CTN, diz respeito aos casos em que o contribuinte questiona a legitimidade do crédito tributário e é condenado a pagar o tributo em face de uma decisão condenatória judicial ou administrativa. Porém, ao continuar questionando, o contribuinte consegue o desfazimento daquela decisão condenatória a seu favor por reforma, anulação, revogação ou rescisão.

O professor Hugo de Brito Machado esclarece o sentido de cada uma dessas expressões:

“Há reforma quando o desfazimento se dá por decisão de órgão superior, com exame de mérito; anulação, quando apenas por vício formal; revogação, quando o próprio órgão prolator da decisão modifica, em face de recurso que admita retratação; e, finalmente, há rescisão quando a decisão já havia transitado em julgado e é desfeita mediante ação rescisória”. [9]

O CTN previu a prescrição para as ações dos contribuintes contra a Fazenda Pública apenas em uma circunstância: a que se verificará para a proposição de ações anulatórias ajuizadas contra decisões administrativas que deneguem a restituição. A ação para esse fim prescreve em 2 (dois) anos, conforme dispõe o art. 169. Este prazo poderá ser interrompido no caso de se propor uma ação judicial, recomeçando o seu curso por metade, a contar da citação validamente feita ao representante judicial da Fazenda Pública interessada[10].

4. EFEITOS DAS LIMINARES NO INSTITUTO DA DECADÊNCIA

Questão surge quando se indaga: poderá um juiz deferir medida liminar proibindo a Fazenda Pública de lavrar auto de infração contra o contribuinte?

Primeiramente, dever-se-á analisar conjuntamente a tese segundo a qual não pode o juiz impedir que a Administração Fazendária realize a atividade que lhe compete, e o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, que determina que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Não se pode interpretar e aplicar, de forma isolada, os princípios que compõem o sistema jurídico, uma vez que a preservação da harmonia deste sistema exige que se entenda aquela tese jurídica de forma a que não anule essa garantia constitucional.

Pode-se afirmar, então, que o juiz não pode vedar a atividade da Fazenda Pública de forma indiscriminada e genérica, mas pode vedar determinada atividade, especificamente identificada como ameaça ou lesão a direito do contribuinte.

Eurico Marcos Diniz de Santi[11] afirma que:

“a regra-matriz de suspensão da exigibilidade do crédito atinge a regra-matriz de exigibilidade e não o suporte fáctico do fato jurídico suficiente para produção do ato-norma administrativo de lançamento tributário. Portanto, a autoridade administrativa pode efetuar o ‘ato-fato de lançamento’ mesmo que tenha sido realizada qualquer daquelas hipótese da ‘regra-matriz de suspensão’.A suspensão ataca a exigibilidade do crédito,não a norma de competência administrativa que juridiciza o ‘ato-fato de formalização do crédito’”

A suspensão da exigibilidade do crédito, tratada nos incisos do art. 151 do CTN, não tem o condão de obstruir a prática do lançamento tributário, mas sim de impedir que determinado tributo possa ser exigido pela Fazenda Pública através da execução fiscal. O Superior Tribunal de Justiça tem procedente que bem esclarece a posição da Corte, retratada no voto e na ementa seguintes, in verbis:

“O direito pretoriano tem admitido a discussão a respeito da obrigação tributária, antes da constituição do crédito tributário.

O receio manifestado pelo Estado do Rio de Janeiro é o de que, à vista da medida liminar deferida na ação cautelar, não possa fazer o lançamento fiscal no prazo previsto em lei.

Salvo melhor juízo, a antecipação da controvérsia pelo contribuinte, exclui a possibilidade de que, no decurso do processo judicial, a Fazenda Pública decaia do direito de constituir o crédito tributário; isso não teria sentido.

No caso, todavia, a medida liminar nem proibiu o lançamento fiscal; apenas impediu a exigibilidade do crédito tributário.

Portanto, a Fazenda pode constituir o crédito tributário, só não lhe sendo lícito exigi-lo; a exigibilidade do crédito tributário é efeito que só produz depois de lançamento fiscal definitivo, isto é, não mais sujeito à impugnação na via administrativa.

Voto, por isso, no sentido de não conhecer do recurso especial”. (STJ. 2ª Turma. Unânime. REsp nº46.273/RJ. Voto do Rel. Min. ARI PARGENDLER. DJ de 17.02.97).

“TRIBUTÁRIO – CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO – LANÇAMENTO – DECADÊNCIA.

1. O fato gerador faz nascer a obrigação tributária, que se aperfeiçoa com o lançamento, ato pelo qual se constitui o crédito correspondente à obrigação (art. 113 e 142, ambos do CTN).

2. Dispõe a FAZENDA do prazo de cinco anos para exercer o direito de lançar, ou seja, constituir o seu crédito.

3. O prazo para lançar não se sujeita à suspensão ou interrupção sequer por ordem judicial.

4. A liminar em mandado de segurança pode paralisar a cobrança, mas não o lançamento.

5. Recurso especial não conhecido”. (STJ. 2ª Turma. Unânime. REsp nº119.986/SP. Relatora Min. ELIANA CALMON. DJ de 09/04/2001).

Portanto, a suspensão da exigibilidade do crédito não interfere no direito de o Fisco efetuar lançamento tributário, a menos que o Poder Judiciário defira medida liminar impedindo expressamente a efetivação deste lançamento, por considerar que, este, configura lesão ou ameaça a direito do contribuinte.

Ainda segundo o professor Eurico Marcos Diniz de Santi:

“nesse caso, o que ocorre é a suspensão da possibilidade de lançar. Sendo cassada a medida, aplica-se a regra do direito de lançar sem pagamento antecipado, deslocando-se o início do prazo decadencial do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que a medida foi cassada, conforme prescreve o art. 173, I, do CTN”. [12]

5. PRAZO PARA A DECADÊNCIA NA OCORRÊNCIA DE DOLO, FRAUDE OU SIMULAÇÃO DO ART. 150, §4º, DO CTN.

O art. 150, §4º, 2ª parte do Código Tributário Nacional não dispôs sobre o prazo que, em substituição, deve ser computado nos casos de dolo, fraude ou simulação. Surge, daí, o problema de fixar-se outro prazo para a decadência, com base em diversos critérios legais.

Depara-se, então, com diversas alternativas de interpretação e aplicação do CTN, das quais o interprete e aplicador do direito poderá se utilizar na resolução deste impasse.

A primeira alternativa seria considerar que na imprevisão específica do prazo o lançamento possa ser efetuado a qualquer tempo, não fluindo, assim, nenhum prazo decadencial. Esta tese colidiria de frente com o princípio fundamental deste instituto – segurança nas relações jurídicas – o qual está consagrado no próprio CTN.

A segunda alternativa seria aplicar subsidiariamente o art. 177 do CC – prazo decadencial de 20 (vinte) anos. Esta postura, entraria em conflito com  o CTN, uma vez que este, por cuidar de normas gerais, regula toda a matéria relativa à decadência tributária e, portanto, os prazos extintivos que o sujeito ativo tem para lançar seu tributo.

A terceira alternativa seria aplicar o art. 173 do CTN, com o tempo inicial a partir do exercício seguinte àquele em que o Fisco descobrisse a existência do dolo, fraude ou simulação, cometidos pelo contribuinte. Esta posição também estaria ferindo o princípio da segurança das relações jurídicas, em virtude de que, a qualquer momento e sem qualquer controle, o Fisco poderia alegar a superveniência do conhecimento do vício e, conseqüentemente, não haveria limitação alguma para se lançar qualquer tributo sujeito ao lançamento por homologação.

A quarta alternativa seria aplicar o prazo determinado no art. 173, I, do CTN, com o termo inicial no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado.

Para o mestre pernambucano José Souto Maior Borges esta não seria a solução, uma vez que:

“… dever-se-á considerar que o âmbito material de validade da norma sobre decadência, contemplada no art. 150, §4º, em análise, não constitui um conteúdo específico, nessa qualidade um componente do art. 173 do CTN.

Nada que contenha uma indicação segura ao intérprete, para a aplicação desse dispositivo à ressalva contemplada no art. 150, §4º, in fine…” [13]

Segundo, ainda, o professor José Souto Maior Borges, já que este prazo não está contemplado no CTN, deverá o legislador descrever este prazo em legislação integrativa do CTN. Se, todavia, a lei ordinária não dispuser a respeito desse prazo, então caberá solução, partindo-se do problema em concreto, ao órgão do Poder Judiciário, que é o único constitucionalmente competente neste caso específico. [14]

Já o insigne professor Eurico Marcos Diniz de Santi, apresenta uma outra alternativa – o art. 173, parágrafo único do CTN – como solução, quando se constatar que o contribuinte incorreu em dolo, fraude ou simulação, dispondo que:

“Esta regra apresenta na sua hipótese a seguinte combinação dos quatro primeiros critérios :previsão de pagamento antecipado; ocorrência do pagamento antecipado; ocorrência de dolo, fraude ou simulação; e ocorrência da notificação por parte do Fisco. (…)

Assim, a notificação ao contribuinte, ao mesmo tempo que constitui administrativamente o fato do dolo, fraude ou simulação, serve como medida indispensável para justificar a realização do ulterior lançamento. (…)

O conseqüente normativo dessa regra, como as demais, após o decurso do prazo de cinco anos, contados da data da notificação preparatória do lançamento ulterior e constitutiva do fato ilícito, extingue o direito de a Fazenda Pública constituir crédito”. [15]

Este parágrafo único trata dos casos em que a primeira “medida preparatória indispensável”[16] ao lançamento tenha se dado no decurso de prazo entre a data de ocorrência do fato gerador e o primeiro dia do exercício seguinte ao acontecimento deste. Tendo, pois, a Fazenda Pública tomado conhecimento do fato gerador e iniciado a verificação do mesmo antes do primeiro dia do exercício seguinte à sua ocorrência, o prazo decadencial para que conclua o lançamento terá por início a data da notificação preparatória do lançamento ao contribuinte do imposto.

Conclui-se que a melhor alternativa para solucionar este impasse seria:

1) – Ocorrendo dolo, fraude ou simulação, ou não tendo sido efetuada a antecipação de que trata o caput do art. 150 do CTN, aplicar-se o disposto no art. 173, I, do CTN. O prazo decadencial será então de cinco anos contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia  ter sido efetuado;

2) – Ocorrendo dolo, fraude, ou simulação, e o Fisco tenha, entre a data de ocorrência do fato gerador e o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, notificado o contribuinte de qualquer medida preparatória necessária ao lançamento do imposto, o início da contagem do prazo decadencial deverá se dar na data de tal notificação (art. 173, parágrafo único do CTN).

Estas alternativas têm por base a seguinte justificativa: na falta de uma regra específica para o lançamento por homologação, caso ocorra dolo, fraude ou simulação, aplicar-se-á a regra geral (art. 173 do CTN), além do que se o CTN estabelece que o crédito tributário se extingue pela decadência (art. 156, V) e, logo em seguida, regula este instituto (art. 173 e incisos), inferir-se-á então que nas suas disposições deva ser buscada a solução para este questionamento.

6. A TESE DOS CINCO MAIS CINCO E A LC 118

Durante muito tempo o Superior Tribunal de Justiça desenvolveu, consolidou e manteve o entendimento de que, quando não há pagamento não se trata de lançamento por homologação, bem como que, considerando o início da contagem do prazo de decadência no final dos cinco anos contados a partir do fato gerador eleva-se para 10 (dez) anos o prazo de decadência, tanto para o Fisco, no seu direito de lançar o crédito tributário, como para o contribuinte, no seu direito em pleitear a restituição do indébito fiscal. Veja-se as ementas abaixo, in verbis:

“PRAZO DECADENCIAL – TRIBUTÁRIO – TRIBUTOS SUJEITOS AO LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO – DECADÊNCIA – PRAZO. Estabelece o art. 73[17], inciso I do CTN que o direito da Fazenda de constituir o crédito tributário extingue-se após 05 (cinco) anos, contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento por homologação poderia ter sido efetuado. Se não houve pagamento, inexiste homologação tácita. Com o encerramento do prazo para homologação (05 anos), inicia-se o prazo para a constituição do crédito tributário. Conclui-se que, quando se tratar de tributos a serem constituídos por lançamento por homologação, inexistindo pagamento, tem o fisco o prazo de 10 anos, após a ocorrência do fato gerador, para constituir o crédito tributário. Embargos recebidos”. (STJ. 1ª Turma. Unânime. REsp nº132.329/SP. Rel. Min. GARCIA VIEIRA. DJ de 07.06.99).

“TRIBUTÁRIO. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SOBRE VEÍCULOS. DECRETO-LEI N. 2.288, DE 23-7-86, ART. 10. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DIREITO A RESTITUIÇÃO. DECADÊNCIA. PRESCRIÇÃO. CONTAGEM DO PRAZO. NÃO CARACTERIZAÇÃO.

I – O tributo, a que se denominou empréstimo compulsório, está sujeito a lançamento por homologação, não se podendo falar antes desta em crédito tributário e pagamento que o extingue. Não tendo ocorrido a homologação expressa, a extinção do direito de pleitear a restituição só ocorrerá após o transcurso do prazo de cinco anos, contados da ocorrência do fato gerador, acrescido de mais cinco anos, contados daquela data em que se deu a homologação tácita.

II – Recurso especial conhecido e provido”. (STJ. 2ª Turma. Unânime. REsp nº 73.348/PR. Rel. Min. ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO. DJ de 26.02.96).

“TRIBUTÁRIO – CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA – CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO – DECADÊNCIA – PRAZO (CTN ART. 173).

I – O art. 173, I do CTN deve ser interpretado em conjunto com o seu art. 150, §4º.

II – O termo inicial da decadência prevista no art. 173, I do CTN não é a data em que ocorreu o fato gerador.

III – A decadência relativa ao direito de constituir crédito tributário somente ocorre depois de cinco anos, contados do exercício seguinte àquele em que se extinguiu o direito potestativo de o Estado rever e homologar o lançamento (CTN, art. 150, §4º).

IV – Se o fato gerador ocorreu em outubro de 1974,a decadência opera-se em 1º de janeiro de 1985”. (STJ. 1ª Turma. Unânime. REsp nº 58.918/RJ. Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS. DJ de 19.06.95).

Ao proferir o seu voto, o Ministro Relator Humberto Gomes de Barros, expôs a tese que fundamentou o seu entendimento, sedimentado nos seguintes argumentos:

“(…) Examinado isoladamente, o texto legal deixa margem a duas interpretações.

Com efeito,a utilização do verbo poder, em seu modo condicional, autoriza o entendimento de que o prazo começa a partir do momento em que seria lícito à administração fazer o lançamento. Por igual, o termo ‘poderia’, permite dizer que o prazo somente começa depois que já não é mais lícita a prática do lançamento.

A dificuldade desaparece, quando se examina o art. 173 em conjunto com o preceito contido no art. 150, §4º do CTN.

O art. 150 trata do lançamento por homologação.

Seu parágrafo 4º estabelece o prazo para a prática deste ato.

Tal prazo é de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador.

O parágrafo 4º adverte para a circunstância de que, expirado este prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se definitivo o lançamento.

Vale dizer que o lançamento apenas se pode considerar definitivo, em duas situações:

a – depois de expressamente homologado;

b – cinco anos depois de ocorrido o fato gerador, sem homologação expressa.

Na hipótese de que agora cuidamos, o lançamento poderia ter sido efetuado durante cinco anos, a contar do vencimento de cada uma das contribuições.

Se não houve homologação expressa, a faculdade de rever o lançamento correspondente a mais antiga das contribuições (outubro/74) estaria extinta em outubro de 1979. Já a decadência ocorreria cinco anos depois ‘do primeiro dia do exercício seguinte’ à extinção do direito potestativo de homologar (1º de janeiro de 1980). Ou seja: em primeiro de janeiro de 1985.

Ora, a inscrição da dívida verificou-se em maio de 1983 (cf. fl. 47).

Não houve decadência.

Provejo o recurso, para que a execução retome seu curso”.

A tese dos dez anos de direito de o contribuinte pleitear a repetição do indébito, teve início em meados dos anos noventa, ante a um fluxo enorme de ações pleiteando a restituição do empréstimo compulsório pago sobre o consumo de combustível e sobre a aquisição de veículos, o qual fora considerado inconstitucional pelo STF. As ações de restituição foram propostas após os cinco anos da data da extinção do crédito tributário (art. 168, I do CTN) e, com isso, o Poder Judiciário se viu na contingência de fazer justiça, ampliando o prazo para o exercício do direito à restituição do indébito.

A interpretação do STJ considerava que a extinção do crédito tributário, prenunciada no art. 168, I do CTN, está condicionada à homologação expressa ou tácita do pagamento, conforme o art. 156, VII do CTN, e não ao próprio pagamento, que é considerado como mera antecipação (art. 150, §1º do CTN). Para o STJ, então, a extinção do direito de pleitear a restituição só ocorreria após o decurso do prazo de cinco anos contados da homologação do lançamento.

Divergindo o do entendimento então consagrado pelo STJ, o professor EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI definia assim a sua posição:

“… a tese dos dez anos do direito de o contribuinte pleitear o débito do fisco, (…) não procede em razão dos motivos seguintes:

O pagamento antecipado do contribuinte não significa pagamento provisório à espera de seus efeitos, mas pagamento efetivo, realizado antes e independentemente de ato de lançamento. Portanto, a data em que o contribuinte efetivamente recolhe o valor a título de tributo aos cofres públicos haverá de funcionar, ‘a priori’, como ‘dies a quo’ do prazo de cinco, e não dez, de decadência e prescrição do direito do contribuinte.

Interpretou-se o ‘sob condição resolutória da ulterior homologação do lançamento’ de forma equivocada. Não se pode aceitar condição resolutiva como se fosse necessariamente uma condição suspensiva que retarda o efeito do pagamento para a data da homologação. A condição resolutiva não impede a plena eficácia do pagamento e, portanto, não descaracteriza a extinção do crédito no átimo do pagamento”. [18]

Portanto, o prazo de cinco anos para pedir a restituição, na esfera administrativa, é contado da data em que foi efetuado o pagamento espontâneo do tributo indevido ou a maior pelo sujeito passivo, conforme determina o art. 168, I do CTN.

A tese do STJ dos 10 (dez) anos do direito de o Fisco lançar o tributo, considerava que o lançamento só resta definitivo 5 (cinco) anos após o fato gerador, podendo o Fisco revisá-lo nos 5 (cinco) anos seguintes. Nos casos de não pagamento antecipado ou não homologação expressa, o Tribunal examinava em conjunto os arts. 173, I e 150, §4º, ambos do Código Tributário Nacional, e deslocava o dies a quo da decadência para o final dos 5 (cinco) anos referidos no art. 150, §4º, contando a partir de então outros 5 (cinco) anos, agora com base no art. 173, I, pelo que o dies ad quem passava para 10 (dez) anos após o fato gerador.

O §4º do art. 150 do CTN informa que “Se a lei não fixar prazo à homologação, será ele de cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador”. Ao invés do primeiro dia do ano seguinte, como corre nos lançamentos por declaração e de ofício (art. 173 do CTN), o prazo de decadência tem início antes, no momento do fato gerador. Caso o sujeito passivo não cumpra com o seu dever, deixando de recolher o tributo em termos totais ou parciais, o Fisco deverá agir mais cedo para cobrar o valor não recolhido aos cofres públicos. Ou seja, no lançamento por homologação pede-se que atuação do Fisco comece antes do que nas outras modalidades de lançamento. Daí a contagem do prazo de decadência também ser iniciada antes.

Nos tributos sujeitos à antecipação do valor devido, se no prazo de 5 (cinco) anos a contar do fato gerador as Administrações Fazendárias não homologarem expressamente o procedimento do contribuinte, dá-se a homologação ficta, isto é, as informações fornecidas pelo contribuinte, bem como o pagamento, se realizado conforme tais informações, devem ser considerados corretos.

A decadência relacionada com o lançamento por homologação deve ser sempre contada a partir do fato gerador. Somente na hipótese de fraude, dolo ou simulação é que o dies a quo se desloca para a hipótese geral do art. 173, I do CTN (quando não ocorrer a antecipação do tributo) ou para o art. 173, parágrafo único, também do CTN (quando notificado o contribuinte de qualquer medida preparatória necessária ao lançamento do imposto).

O termo “poderia”, inserido no art. 173, I do Código Tributário Nacional, para delimitar o marco inicial da decadência, precisa ser interpretado como se referido ao início do tempo em que o lançamento de ofício (em substituição ao de homologação, no caso de imposto devido maior que o apurado pelo contribuinte) pode ser feito, não ao contrário, como sustentava o STJ ao interpretar que o prazo para o lançamento de ofício só começa após sua definitividade.

No artigo Decadência e Prescrição no Direito Tributário – Aspectos Teóricos, Práticos e Análise das Decisões do STJ, EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI analisa este aspecto da seguinte forma:

“O termo poderia, seja no ‘condicional’, ou futuro do pretérito, seja em qualquer outro tempo ou modo verbal, é modalizador da conduta de lançar, não é a própria conduta. Portanto, o poderia como o poder-que-não-pode-mais é imprestável na função demarcadora de prazo decadencial, dislate que submeteria o direito ao indesejável fenômeno da recursividade.

Deixou-se de tomar como hipótese a conduta omissiva de lançar modalizador pelo poder para eleger a perda jurídica do poder, qual fosse conduta, como referencial inicial da contagem para instaurar um novo prazo para o lançamento.

A possibilidade de a Administração tomar o reconhecimento da perda de seu poder como hipótese para o surgimento de novo poder, em prazo subseqüente, conforma aquilo que chamamos de recursividade: ao cabo dessa ‘nova’ competência um outro poderia faria iniciar um outro novo prazo para lançar, e assim sucessivamente, em insana circularidade.

O art. 150, §4º do CTN, usado juntamente com o art. 173, I do CTN para a construção desse argumento, não é aplicável. Supôs-se os dois dispositivos mencionados estivessem em relação de causalidade, ou seja, que o termo final previsto pelo primeiro dispositivo seria a hipótese do segundo, como se decadência pudesse implicar decadência. Além disso, parte-se da premissa de que não se efetuou nenhum pagamento antecipado: se não houve pagamento antecipado não há o que homologar”. [19]

Aliás, não há lançamento provisório e lançamento definitivo, ao contrário do que uma interpretação precipitada do final do art. 174 do CTN pode levar a crer. O lançamento torna-se definitivo com o ato da autoridade administrativa competente para tanto. A circunstância de poder ser impugnado não o descaracteriza como definitivo, assim como qualquer outro ato administrativo, apenas porque também pode ser atacado e invalidado, não se torna provisório[20]. O art. 174 do Código Tributário Nacional quer simplesmente dizer que a ação de cobrança só começa ao término do processo administrativo tributário.

Observe-se, inicialmente, que na hipótese de lançamento por homologação (art. 150 do CTN), na qual cumpre ao contribuinte recolher o tributo antes do exame do Fisco, tem este o prazo de 5 (cinco) anos para homologar, nos termos do art. 150, §4º, do Código Tributário Nacional. O prazo em destaque se refere apenas ao ato de homologação. Não é esse o prazo para formalizar o crédito tributário, por meio de lançamento de ofício, que dará origem a um processo administrativo.

Evidentemente, se inexistente o pagamento, não haverá extinção do crédito, pois o art. 150, §1º do Código Tributário Nacional, é expresso ao afirmar que é o pagamento antecipado que extingue o crédito antecipado e não a abstenção de pagamento seguida de curso temporal. Vale dizer que, se não há pagamento, não pode haver homologação tácita, pois não há homologação de algo que não existiu.

É da doutrina a afirmação de que[21]:

“De fato, o lançamento por homologação confirma a formalização do crédito realizada pelo contribuinte extinguindo-o ao contrário, se não houver tal confirmação, não haverá homologação, mas lançamento de ofício: ocorre a formalização do crédito (ou parcela do crédito) não formalizado pelo particular – cuja constituição deu-se quando da ocorrência do fato gerador e cuja definição dos seus diversos aspetos (subjetivo – sujeição passiva e ativa; objetivo – o objeto da prestação – relacionado à base de cálculo e alíquota) deu-se na ocasião em que se configurou a hipótese prevista na lei e que se rege pela legislação então em vigor.

E se o Fisco não realiza um dos procedimentos – lançamento pó homologação (confirmando o ato do particular de formalização do crédito) ou o lançamento de ofício (pela impossibilidade de homologar tal ato) – perde essa oportunidade em vista da decadência de seu direito de lançar.

Da mesma forma, não haverá ‘lançamento definitivo tácito’, pois:

– se o sujeito passivo apurou e pagou o valor integral (extinguindo-se o débito pelo pagamento) e, ainda que o Fisco reconheça a identidade entre o valor pago e o devido, via de regra não notificará o contribuinte do ato de homologação – e a extinção não se dá pelo ato da fiscalização de conferir o cumprimento da obrigação, mas pelo cumprimento integral propriamente dito – realizado pelo próprio contribuinte.

– se o pagamento não existiu ou foi feito a menor: a) haverá lançamento de ofício para cobrar o valor devido; ou b) a extinção se dará com o decurso de cinco anos contados da data da ocorrência do fato gerador, em razão da decadência do direito de lançar – pois como também já foi observado, o decurso do tempo e fato jurídico que não pode produzir o ato de lançamento tácito ou ficto”.

A doutrina identificou incoerências na base argumentativa da tese jurisprudencial o que, inevitavelmente, conduziria à sua superação. Nesse sentido, tendo em vista as suas alegações, bem como a coerência e profundidade expositiva, destaca-se alguns trechos doutrinários:

“A ilogicidade da tese jurisprudencial no sentido da aplicação concorrente dos artigos 150, §4º e 173, resulta ainda evidente da circunstancia de o §4º do art. 150 determinar que se considera ‘definitivamente extinto o crédito’ no término do prazo de cinco anos contados da ocorrência do fato gerador. Qual seria pois o sentido de acrescer a este prazo um novo prazo de decadência do direito de lançar quando o lançamento já não poderá ser efetuado em razão de já se encontrar ‘definitivamente extinto o crédito’? Verificada a morte do crédito no final do primeiro quinquênio, só por milagre poderia ocorrer a sua ‘ressurreição’ no segundo.

Bem melhor interpreta a lei o Tribunal Federal de Recursos, na sua Súmula 219 ao subordinar ao pressuposto de ‘não haver antecipações do pagamento’ a aplicação do prazo de cinco anos em função do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que ocorreu o fato gerador previsto no art. 173 do Código Tributário Nacional”. [22]

“Nem se diga que tal conclusão resultaria da interpretação sistemática das normas do §4º do art. 150 e do art. 173 do CTN. A harmonização entre essas duas disposições, de longa data feita pela doutrina e pela jurisprudência, está em que o primeiro cuida da decadência nas hipóteses em que o contribuinte declara e recolhe o imposto antecipadamente, pois tal conduta permite à autoridade fiscal ter ciência de que o fato gerador ocorreu, o que é imprescindível para caracterizar a inércia que leva à caducidade do direito; já o art. 173 disciplina o instituto em outras hipóteses, sempre levando em conta o momento da ciência da administração quanto à ocorrência do fato tributário, a saber, nos casos de tributos sujeitos ao lançamento por declaração e naqueles em que, embora a modalidade seja a de lançamento por homologação, o contribuinte não procede ao ‘autolançamento’ como a lei determina, impedido que o fato gerador chegue ao conhecimento da autoridade fiscal.

Mas o dissenso entre o entendimento que prevaleceu no acórdão comentado e a norma do art. 150, §4º do CTN verifica-se não só por ter o Aresto deixado de reconhecer, na extinção do crédito tributário pelo decurso do qüinqüênio neste estabelecido, a própria decadência do direito, mas também por ter desconsiderado o fato gerador como termo inicial do prazo de caducidade, dissenso esse que leva indiretamente ao ferimento da norma contida no art. 146, III da CF”. [23]

“Pois enfim se a decadência, vemos pela boa doutrina, fala de um prazo, cometido em lei para que um direito potestativo se exerça, prazo que nasce junto com o próprio direito, fica inconcebível que a decadência do direito potestativo da Fazenda realizar o lançamento só vá se iniciar 5 (cinco) anos depois dele ter nascido.

Não se pode conceber que a caducidade qüinqüenal que o CTN decidiu por conferir aos lançamentos tributários só vá começar a ser contada justamente quando o direito potestativo de realizar o lançamento esteja a ponto de falecer”. [24]

“O raciocínio seria idêntico àquele que desenvolvemos em relação ao prazo para repetição do indébito.

Ocorre que em relação à repetição do indébito, o CTN diz que o prazo começa da extinção do crédito, e esta realmente só se opera com a homologação, ainda que tácita. Já em relação à decadência do direito de lançar, tem-se dois prazos da mesma natureza, vale dizer, dois prazos de decadência, de sorte que o raciocínio que leva à soma dos mesmos leva também à reprodução infinita deles, compondo um verdadeiro ‘looping’.

Realmente, se o prazo de decadência fosse contado a partir do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o tributo poderia ser lançado, e se tiver como exercício em que o tributo pode ser lançado aquele último do prazo de decadência, tem-se uma sequencia infinita de reabertura de prazos decadenciais”.[25]

Após numerosas críticas dirigidas à jurisprudência sedimentada, surgiram correntes internas no próprio STJ que propugnavam a superação daquele entendimento, conforme se pode deduzir da decisão propugnada pela Primeira Seção do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (que reúne as suas Primeira e Segunda Turmas):

“TRIBUTÁRIO – DECADÊNCIA. TRIBUTOS SUJEITOS AO REGIME DO LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO.

Nos tributos sujeitos ao regime do lançamento por homologação, a decadência do direito de constituir o crédito tributário se rege pelo art. 150, §4º do Código Tributário Nacional, isto é, o prazo para esse efeito será de cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador, a incidência da regra supõe, evidentemente, hipótese típica de lançamento por homologação, aquele em que ocorre o pagamento antecipado do tributo. Se o pagamento do tributo não for antecipado, já não será o caso de lançamento por homologação, hipótese em que a constituição do crédito tributário deverá observar o disposto no artigo 173, I, do Código Tributário Nacional. Embargos de divergência acolhidos”. (STJ. Primeira Seção. Unânime. EREsp nº 101.407/SP, Decisão de 07/04/2000. Relator Ministro ARI PARGENDLER. Publicado DJ 08/05/2000, p.53).

O teor do comando destacado no §4º do art. 150 do CTN, identifica a corporificação de um lapso temporal de decadência, ao enunciar que após a sua expiração sem que a Fazenda Pública se pronuncie homologando ou não a atividade exercida pelo particular, considerar-se-á definitivamente extinto o crédito. Fica clara, então, a unificação dos elementos essenciais para a ocorrência do fenômeno decadencial, quais sejam, o transcurso do prazo estipulado, a negligência da administração tributária no cumprimento da homologação das atividades exercidas pelo particular que podem culminar no pagamento do tributo e, finalmente, a consequente extinção do crédito fiscal.

Ademais, a interpretação jurisprudencial enseja aplicação de dispositivo voltado à regulação do caso geral, qual seja, o lançamento direto ou de ofício, em hipótese não alcançada pela sua abrangência, na qual o ato declaratório da obrigação tributária vincula-se unicamente à homologação da atividade exercida pelo sujeito passivo, numa evidente inversão da lógica hermenêutica que orienta o intérprete no sentido de prevalecer o comando excepcional, dada a sua especificidade, sobre o geral.

Tal entendimento, que realmente mostra-se como o mais correto, acabou por ser implantado no Brasil, não pela evolução jurisprudencial, mas sim por força da introdução de uma alteração legislativa, qual seja, a Lei Complementar nº 118 de 9 de fevereiro de 2005, que, a pretexto de ser uma lei interpretativa, culminou por sepultar a tese dos “5+5”. O dito sepultamento jurisprudencial se deu pelo que consta do art. 3º da referida lei, que tem a seguinte redação:

“Art. 3o Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1o do art. 150 da referida Lei.”

Com a chegada deste dispositivo legal houve intenso debate acadêmico e jurisprudencial, sobretudo acerca da constitucionalidade da referida lei. O assunto chegou ao Supremo Tribunal Federal a quem coube definir a contenda no âmbito do Recurso Extraordinário nº 566.621, cuja relatoria ficou a cargo da Ministra Ellen Gracie. Após intensos debates a Corte decidiu que após a entrada em vigor da Lei Complementar 118, cuja vacatio legis era de 120 (cento e vinte) dias, o que redundou no início de vigência no dia 9 de junho de 2005, o prazo para pleitear a restituição de tributo sujeito a lançamento por homologação seria então definido em 5 (cinco) anos, o que superava a sedimentada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. O debate travado no RE 566.621 girava em torno da constitucionalidade do disposto na parte final do art. 4º, cuja redação é a seguinte:

“Art. 4o Esta Lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação, observado, quanto ao art. 3o, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.”

Este dispositivo determina a aplicação retroativa do disposto no art. 3º da LC 118, fixando assim em cinco anos o prazo para o contribuinte buscar a repetição de indébitos tributários (restituição) relativamente a tributos sujeitos a lançamento por homologação, na hipótese de pagamento indevido.

O julgamento foi inaugurado em maio de 2010. De início, os ministros votantes, Ellen Gracie, Ricardo Lewandowski, Ayres Britto, Celso de Mello e Cezar Peluso, manifestaram entendimento no sentido de que o referido dispositivo teria atentado contra a segurança jurídica, na medida em que se sobrepunha à sedimentada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. O julgamento encerrou-se apenas em agosto de 2011 quando o Ministro Luiz Fux prolatou seu voto alinhando-se à maioria. Divergiram, conhecendo e negando provimento ao recurso, os Ministros Marco Aurélio, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. O RE restou assim ementado:

“DIREITO TRIBUTÁRIO – LEI INTERPRETATIVA – APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI COMPLEMENTAR Nº 118/2005 – DESCABIMENTO – VIOLAÇÃO À SEGURANÇA JURÍDICA – NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA VACACIO LEGIS – APLICAÇÃO DO PRAZO REDUZIDO PARA REPETIÇÃO OU COMPENSAÇÃO DE INDÉBITOS AOS PROCESSOS AJUIZADOS A PARTIR DE 9 DE JUNHO DE 2005. Quando do advento da LC 118/05, estava consolidada a orientação da Primeira Seção do STJ no sentido de que, para os tributos sujeitos a lançamento por homologação, o prazo para repetição ou compensação de indébito era de 10 anos contados do seu fato gerador, tendo em conta a aplicação combinada dos arts. 150, § 4º, 156, VII, e 168, I, do CTN.

A LC 118/05, embora tenha se autoproclamado interpretativa, implicou inovação normativa, tendo reduzido o prazo de 10 anos contados do fato gerador para 5 anos contados do pagamento indevido.

Lei supostamente interpretativa que, em verdade, inova no mundo jurídico deve ser considerada como lei nova.

Inocorrência de violação à autonomia e independência dos Poderes, porquanto a lei expressamente interpretativa também se submete, como qualquer outra, ao controle judicial quanto à sua natureza, validade e aplicação.

A aplicação retroativa de novo e reduzido prazo para a repetição ou compensação de indébito tributário estipulado por lei nova, fulminando, de imediato, pretensões deduzidas tempestivamente à luz do prazo então aplicável, bem como a aplicação imediata às pretensões pendentes de ajuizamento quando da publicação da lei, sem resguardo de nenhuma regra de transição, implicam ofensa ao princípio da segurança jurídica em seus conteúdos de proteção da confiança e de garantia do acesso à Justiça.

Afastando-se as aplicações inconstitucionais e resguardando-se, no mais, a eficácia da norma, permite-se a aplicação do prazo reduzido relativamente às ações ajuizadas após a vacatio legis, conforme entendimento consolidado por esta Corte no enunciado 445 da Súmula do Tribunal.

O prazo de vacatio legis de 120 dias permitiu aos contribuintes não apenas que tomassem ciência do novo prazo, mas também que ajuizassem as ações necessárias à tutela dos seus direitos.

Inaplicabilidade do art. 2.028 do Código Civil, pois, não havendo lacuna na LC 118/08, que pretendeu a aplicação do novo prazo na maior extensão possível, descabida sua aplicação por analogia. Além disso, não se trata de lei geral, tampouco impede iniciativa legislativa em contrário.

Reconhecida a inconstitucionalidade art. 4º, segunda parte, da LC 118/05, considerando-se válida a aplicação do novo prazo de 5 anos tão somente às ações ajuizadas após o decurso da vacatio legis de 120 dias, ou seja, a partir de 9 de junho de 2005.

Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC aos recursos sobrestados.

Recurso extraordinário desprovido.”

Tal entendimento sufragado pelo Supremo simplesmente ratifica o entendimento doutrinário acima referido, recolocando as coisas nos seus devidos lugares.

CONCLUSÃO

Diante da síntese exposta, pode-se concluir, em resumo, que:

1ª) a decadência tem por efeito extinguir o direito de praticar o ato administrativo de formalizar o crédito tributário, pelo sujeito ativo (Administrações Fazendárias), e o direito de pleitear a restituição do pagamento indevido, pelo sujeito passivo (Contribuinte), em decorrência da inércia dos sujeitos no prazo legal. Já a prescrição é a perda da ação atribuída a um direito, em razão da inércia de seus titulares (sujeito ativo ou passivo), durante um determinado espaço de tempo que a lei estabeleceu para esse fim;

2ª) a decadência e a certeza fundamentam-se na necessidade de assegurar a harmonia e a certeza das relações jurídicas, tornando-as estáveis, precluindo-se, assim, os direitos delimitados no tempo, tanto formais – de formalizar o crédito tributário – como processuais – de ajuizar ação executória;

3ª) o lançamento é o ato que individualiza a obrigação tributária, caracterizando o fato e identificando a matéria tributável, determinando no sujeito passivo vinculado a relação jurídica e, finalmente, quantificando a prestação pecuniária. Tudo isso sob o patrocínio de um devido procedimento administrativo;

4ª) a natureza do lançamento tributário apresenta efeitos declaratórios, pois, conforme se verificou, a obrigação nasce com a ocorrência do fato gerador, limitando-se o lançamento a individualizar os seus componentes, tornando-se, assim, exigível o crédito tributário;

5ª) o lançamento tributário é subdividido em três modalidades, quais sejam:

– o lançamento por declaração ou misto, no qual o sujeito passivo ou terceiros legalmente obrigados prestam declaração necessária à identificação da matéria de fato que a lei do tributo considere relevante, a fim de que a Fazenda Pública possa efetivamente quantificar o crédito, pressupondo-se, assim, o auxílio do particular à administração tributária;

– o lançamento de ofício ou direto, no qual a autoridade administrativa, sem qualquer participação do sujeito passivo, efetiva o ato administrativo, haja vista deter o Fisco as informações capazes de identificar a ocorrência do fato gerador, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo e identificar o sujeito passivo;

– o lançamento por homologação, o qual identifica-se pelo ato homologatório da autoridade administrativa acerca da atividade anteriormente exercida pelo sujeito passivo, cuja efetividade pode culminar no pagamento do tributo no seu vencimento, prevendo-se, portanto, que o grau de participação do particular nesta espécie de lançamento atinge nível de suficiência capaz de compor a pretensão tributária, limitando-se a autoridade administrativa competente tão-somente a uma atividade de controle a posteriori do procedimento de apuração exercido.

6ª) a homologação pode ser expressa, quando praticada por um ato da autoridade, no qual esta firme estar de acordo com a apuração, ou tácita, que se opera pelo decurso do prazo que dispõe a autoridade administrativa para homologar os procedimentos do contribuinte, sem a sua devida manifestação;

7ª) o objeto da homologação é a atividade de apuração e não o pagamento do tributo. Nos tributos sujeitos a lançamento por homologação, a verificação administrativa posterior aos atos e operações realizadas pelo contribuinte é que constitui propriamente o lançamento;

8ª) no lançamento por homologação, o sujeito passivo está obrigado a apurar o montante do imposto devido e efetuar o pagamento. Tais procedimentos não podem ser confundidos com o lançamento em si, ato que por ser privativo da autoridade administrativa não acontece sem sua interveniência; o contribuinte, ao identificar o fato gerador e apurar o valor devido, está simplesmente cumprindo obrigações instrumentais que lhe são impostas por lei e são necessárias ao cumprimento da obrigação tributária principal. Na verdade, não se homologa o lançamento, pois o lançamento, nesta hipótese, consiste precisamente na homologação;

9ª) o Código Tributário Nacional arrola regras para a contagem dos prazos de decadência para o sujeito ativo: a) o art. 150 do Código Tributário Nacional trata especificamente dos casos sujeitos ao lançamento por homologação (o prazo de cinco anos é contado da data da ocorrência do fato gerador); b) o art. 173 do Código Tributário Nacional trata da regra geral, abarcando os lançamentos por declaração e de ofício (o prazo de cinco anos é contado do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado);

10ª) para os tributos objetos de lançamento de ofício ou por declaração, o prazo prescricional se inicia após decorridos 30 trinta dias: da notificação do lançamento, sem que haja pagamento ou impugnação do lançamento; ou da notificação do contribuinte da decisão administrativa definitiva favorável à Fazenda Pública, ou, ainda, quando cientificado do trânsito em julgado da decisão judicial mantendo o feito fiscal;

11ª) para os tributos submetidos ao lançamento por homologação, o início para a contagem do prazo prescricional ocorrerá a partir dos cinco anos da formalização do crédito tributário, isto é, do dia em que a obrigação se tornar exigível;

12ª) o Superior Tribunal de Justiça pois fim à controvérsia existente entre o art. 8º, §2º da Lei nº 6.830/80 e o art. 174, parágrafo único, inciso I do CTN, considerando que este tem natureza de lei complementar e, por isso, se sobrepõe àquele, que é lei ordinária;

13ª) no entendimento atual de ambas as turmas do Supremo Tribunal Federal, a decadência só é admissível no período anterior à lavratura do auto de infração; depois, entre a ocorrência dela e até que flua o prazo para a interposição do recurso administrativo, ou enquanto não for decidido o recurso dessa natureza de que se tenha válido o contribuinte, não mais corre prazo para decadência e ainda não se iniciou a fluência de prazo para prescrição; decorrido o prazo para interposição do recurso administrativo interposto pelo contribuinte, há a constituição definitiva do crédito tributário, começando a fluir, daí, o prazo de prescrição da pretensão do Fisco;

14ª) a decadência do direito do contribuinte de pleitear a restituição do pagamento indevido extinguirá em cinco anos (art. 168 do CTN), a contar: da data da extinção do crédito tributário, que se dará na data efetiva do pagamento, nas hipóteses dos incisos I e II do art. 165, e da data em que se tornar definitivo o desfazimento de decisão condenatória em favor do contribuinte, por reforma, anulação, revogação ou rescisão;

15ª) a prescrição para ações dos contribuintes contra a Fazenda Pública é de dois anos, contados a partir da ação anulatória de decisão administrativa que denegar restituições (art. 169 do CTN);

16ª) o Juiz não pode vedar a atividade da Fazenda Pública de forma indiscriminada e genérica, mas pode vedar determinada atividade especificamente identificada como ameaça ou lesão a direito do contribuinte;

17ª) a suspensão da exigibilidade do crédito não interfere no direito de o Fisco efetuar o lançamento tributário, a menos que o Poder Judiciário defira medida liminar impedindo expressamente a efetivação deste lançamento, por considerar que este configure lesão ou ameaça a direito do contribuinte;

18ª) na ocorrência de dolo, fraude ou simulação de que trata o art. 150, §4º do CTN, o prazo decadencial será de cinco anos contados: a) do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado (art. 173, I do CTN); b) da notificação do contribuinte de qualquer medida preparatória necessária ao lançamento do tributo (art. 173, parágrafo único do CTN), se o Fisco tenha, entre a data de ocorrência do fato gerador e o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, notificado o sujeito passivo;

19ª) em relação aos lançamentos de ofício e com base em declaração, não pairam dúvidas acerca do prazo de decadência: 5 (cinco) anos contados a partir do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, na forma do art. 173, I do CTN;

20ª) a posição defendida anteriormente pelo Superior Tribunal de Justiça felizmente foi superada, inicialmente pela jurisprudência do STF, depois por imposição legal, vigorando atualmente o entendimento de que nos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, ou seja, aquele em que ocorre o pagamento antecipado do tributo, o prazo decadencial será de cinco anos, contados da ocorrência do fato gerador. Se o pagamento do tributo não for antecipado, já não será o caso de lançamento por homologação, hipótese em que a formalização do crédito tributário deverá observar o disposto no artigo 173, I, do Código Tributário Nacional.

 

Referências
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Notas
[1] Direito Civil, v. 1, p.320.
[2] De Plácido e SILVA, Vocabulário Jurídico, p.241.
[3] Código Civil comentado, Parte Geral, p. 556.
[4] Decadência e prescrição no direito tributário, passim.
[5] Código Civil comentado, Parte Geral, p. 556.
[6] Curso de direito tributário, p. 462.
[7] Idem, p. 460-62.
[8] Idem, p. 463-4.
[9] Curso de direito tributário, p.154.
[10] O termo citação é utilizado em substituição ao termo intimação, por Paulo de Barros Carvalho, in Curso de direito tributário, 2002, p.454, e Hugo de Brito Machado, in Curso de direito tributário, 2000, p.158.
[11] Lançamento tributário.
[12] Decadência e prescrição no direito tributário, p. 181.
[13] Tratado de direito tributário brasileiro: Lançamento tributário, 1981, v. IV, p. 478-479.
[14] Idem, p. 479-480.
[15] Decadência e prescrição no direito tributário, p. 169-170.
[16] Entende-se como medidas preparatórias indispensáveis, no caso de tributos estaduais mineiros, as ações do fisco no sentido de apurar o tributo, os quais, são considerados ocorridos, com a lavratura do TIAF (Termo de Início de Ação Fiscal), TA (Termo de Apreensão) e Termo lavrado em livro próprio da escrita fiscal.
[17] Ementa REsp nº 132.329/SP: “sic”, deve ser “173”.
[18] Decadência e prescrição no direito tributário, p. 291-292.
[19] Decadência e prescrição no direito tributário – Aspectos teóricos, práticos e análise das decisões do STJ. Revista Dialética de Direito de Direito Tributário, nº62, p.41.
[20] Ver, no mesmo sentido, Paulo de Barros Carvalho, in Curso de direito tributário, p. 406-407.
[21] BESSA, Fabiane. Prescrição, decadência e lançamento por homologação, in Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, n. 54, 2000.
[22] Alberto Xavier. A Contagem dos prazos no lançamento por homologação. Revista Dialética de Direito Tributário, nº27, p.08, e também em seu livro Do lançamento. Teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário. 1998, p. 94-95.
[23] Fátima Fernandes Rodrigues de Souza. A Decadência e lançamento por homologação. Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, nº17, p.48.
[24] João Luiz Coelho da Rocha. In A decadência do direito de constituir o crédito tributário – Perigoso  precedente jurisprudencial. Revista Dialética de Direito Tributário, nº11, p. 84-85.
[25] Hugo de Brito Machado, in A decadência e os tributos sujeitos a lançamento por homologação. Revista Dialética de Direito Tributário, nº59, p. 48-49.

Informações Sobre os Autores

Ricardo Rocha Viola

Mestre em Direito Público pela Faculdade de Direito “Prof. Jacy de Assis” da UFU – Universidade Federal de Uberlândia, Minas Gerais. Especialista em Direito Tributário pelo IBET – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários. Professor universitário em cursos de graduação e pós-graduação. Advogado.

Marco Aurélio Nogueira

Professor da Universidade Federal de Uberlândia Mestre e doutor em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais e Docente da Escola Institucional do Ministério Público do Estado de Minas Gerais


Equipe Âmbito Jurídico

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