INTRODUÇÃO
O artigo 557 do Código de Processo Civil – antes um artigo esquecido do Código de Processo Civil que versava sobre a possibilidade de os relatores dos agravos (e somente deste recurso) indeferi-los de plano quando manifestamente improcedente – em apenas três anos, sofreu duas alterações – Leis nº 9139/95 e nº 9.756/98 – que revogaram o texto original e implicaram em silenciosa revolução no sistema recursal brasileiro.
Veja-se que com a nova redação desse dispositivo, o Relator do recurso cível – figura jurídica criada originalmente para preparar o processo para o julgamento do órgão colegiado – passou ter o amplo poder de não apenas negar seguimento ao recurso inadmissível, mas prover o recurso interposto contra decisão que estiver em confronto com jurisprudência dos tribunais superiores, dispensando o julgamento colegiado, regra geral do ordenamento jurídico pátrio.
O curioso é que essa “mini-reforma recursal” não foi muito questionada antes de sua aprovação, tendo inclusive uma rápida tramitação no Congresso Nacional. Na verdade, a norma só foi considerada como relevante pelos juristas quando estes sentiram os seus efeitos na prática. Quando, por exemplo, recursos, como o de apelação, passaram a ser decididos por decisões singulares de relatores, surpreendendo, por vezes, os advogados mais desavisados que não sabiam como proceder. Foi então que surgiram diversos questionamentos acerca, da interpretação do dispositivo, da sua repercussão no sistema recursal e da própria constitucionalidade do mesmo.
Esclarecer o assunto, propor uma interpretação sistemática do artigo 557 do Código de Processo Civil e analisar os seus aspectos mais controvertidos é o objetivo principal do presente trabalho de conclusão. Para tanto, com o propósito de tornar o texto o mais agradável e didático possível, este foi dividido em vários tópicos, distribuídos em três capítulos autônomos, sempre primando pela clareza e objetividade na exposição.
Em um primeiro momento, são tecidas necessárias considerações introdutórias que versam sobre: as alterações sofridas pela norma desde o advento do Código de Processo Civil; a mudança na linha de pensamento do legislador que passou, nos últimos anos, a se dedicar a encontrar uma solução para o problema da lentidão dos processos; e as novas tendências do ordenamento jurídico brasileiro, principalmente no que concerne à primazia do princípio da celeridade processual e à adoção do sistema de súmula com efeito vinculante.
Em seguida, é feita a análise propriamente dita do texto do artigo 557 do Código de Processo Civil, isto é, da decisão monocrática do relator e do agravo interno, enfrentando, dentre outras coisas, hipóteses de cabimento, terminologias, divergências doutrinárias e comparações com outros institutos, tudo em em consonância com o método de interpretação sistemático preconizado no presente estudo, obtendo-se, assim, uma idéia do real alcance da norma em comento.
Por fim, são apreciados os aspectos do tema mais controvertidos na doutrina e jurisprudência, quais sejam: se o artigo em foco é realmente constitucional; se o agravo interno do parágrafo 1º é aplicável, ou não, às decisões liminares proferidas em sede recursal; e se a implementação do dispositivo analisado atingiu o objetivo de sua criação, de tornar mais ágil a prestação jurisdicional, diminuindo o tempo de tramitação dos recursos.
Impende consignar, todavia, que não se abordará neste estudo a interminável discussão sobre o benefício ou malefício ao sistema recursal que esse novo dispositivo possa ter trazido, pois se busca, no momento, uma análise da situação da forma como está, identificando o real alcance da norma, com o sustento teórico dos juristas mais respeitados no país.
1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
1.1. A intenção do legislador e a mudança na linha de pensamento
A contextualização do tema e a melhor compreensão da repercussão jurídica proporcionada pela nova redação do artigo 557 do Código de Processo Civil passa necessariamente pela análise das mudanças sofridas pelo dispositivo, desde o seu advento, no Código de Processo Civil de 1973 (Lei nº 5.869/73). Para tanto, expõe-se brevemente abaixo a evolução legislativa da norma em comento.
Previa, então, o texto original do Código de Processo Civil:
Art. 557. Se o agravo for manifestamente improcedente, o relator poderá indeferi-lo por despacho. Também por despacho poderá convertê-lo em diligência se estiver suficientemente instruído.
Parágrafo único. Do despacho de indeferimento caberá recurso para o órgão a quem competiria julgar o agravo.
Segundo o mestre Barbosa Moreira, no regramento primitivo, a decisão monocrática do relator, antes denominada erroneamente apenas como “despacho”, tinha seu cabimento restrito aos agravos de instrumento, sendo que este podia ser indeferido quando fosse “manifestamente improcedente”, ou ainda, “manifestamente inadmissível”[1]. Explica, ainda, esse grande autor que, contra tal decisão de indeferimento do agravo, cabia “recurso inominado para o colegiado”, sendo que, “de qualquer sorte”, na prática jurídica era rara a utilização do dispositivo mencionado[2].
Perdurou essa redação até o dia 1º de dezembro de 1995, quando passou a vigorar a Lei 9.139, que alterou significativamente a referida norma, estabelecendo o seguinte:
Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou contrário à súmula do respectivo tribunal ou tribunal superior.
Parágrafo único. Da decisão denegatória caberá agravo, no prazo de 5 (cinco) dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso. Interposto o agravo a que se refere este parágrafo, o relator pedirá dia.
As mudanças trouxeram mais vida e clareza ao dispositivo outrora pouco utilizado, estendendo seu cabimento a todo e qualquer recurso[3] e em qualquer tribunal[4], bem como ampliando os poderes de apreciação monocrática do relator, que poderia, inclusive, negar seguimento ao recurso, no mérito, que sustentasse tese que confrontasse com a jurisprudência do respectivo tribunal ou dos tribunais superiores[5].
Seguindo o processo de transformação do pensamento do legislador, sobreveio a Lei nº 9.756, de 17 de dezembro de 1998[6], que além de outras relevantes mudanças, alterou novamente o artigo 557 do Código de Processo Civil, oferecendo à norma novos contornos, principalmente no que diz respeito aos poderes do relator.
Idealizada no Colendo Superior Tribunal de Justiça[7] e proposta através do Projeto de Lei nº 4070/98, a Lei nº 9.756 teve uma rápida tramitação no Congresso Nacional, merecendo, inclusive, crítica de destacados juristas, tendo em vista a pequena divulgação do projeto e do anteprojeto, bem como da escassez de debates na “comunidade jurídica do país”, o que pode, até certo ponto, justificar os claros erros encontrados na lei, de terminologia e de numeração de parágrafos[8]. Equívocos esses que tentaram ser reparados rapidamente com a republicação de alguns dos artigos no Diário Oficial da União em 05 de janeiro de 1999, mas que, como se verá mais adiante, não resolveram o problema, merecendo duras críticas do mestre Barbosa Moreira, que avaliou a situação como uma “desastrada seqüência de operações”[9].
Em suma, o artigo 557 do Código de Processo Civil passou, desde então, a vigorar da seguinte forma:
Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.
§ 1º.-A. Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso.
§ 1º. Da decisão caberá agravo, no prazo de 5 (cinco) dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso, e, se não houver retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo voto; provido o agravo, o recurso terá seguimento.
§ 2º. Quando manifestamente inadmissível ou infundado o agravo, o tribunal condenará o agravante a pagar ao agravado multa entre 1% (um por cento) e 10% (dez por cento) do valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor.
Ressalta-se, desde já, que as questões sobre a melhor interpretação da norma supracitada, principal objetivo desse trabalho, serão enfrentadas mais adiante, principalmente no que diz respeito às principais inovações trazidas ao sistema, tais como: a possibilidade de o relator prover de plano o recurso; a valorização da jurisprudência dos tribunais; a tramitação do agravo interno; e a possibilidade de aplicação de multa ao agravante. Contudo, preliminarmente, cabem ser tecidos alguns comentários acerca da flagrante mudança na linha de pensamento do legislador processual brasileiro.
Como se pôde perceber, o artigo 557 do Código de Processo Civil sofreu profundas alterações nos últimos anos (Leis nº 9139/95 e nº 9.756/98), implicando silenciosa revolução no sistema recursal, através da valorização de princípios processuais tidos como mais modernos, a despeito de outros princípios ora reconhecidos como basilares do sistema.
Nesse compasso, para que seja compreendida a atual linha de pensamento do legislador processual pátrio, deve-se identificar um referencial de comparação, ou seja, é imprescindível que se demonstre como era o pensamento jurídico, em termos de legislação processual, antes das referidas alterações.
Conforme a lição de Barbosa Moreira, “na tradição da justiça brasileira, sempre coube ao relator processar o feito e prepará-lo para o julgamento; não, porém, julgá-lo. Essa era tarefa que de ordinário se confiava por inteiro ao colegiado”[10]. No mesmo sentido, o professor Cândido Dinamarco lembra que “aos relatores competia basicamente lançar o relatório nos autos, proferir primeiro o voto e redigir o acórdão quando vencedor”[11].
Na verdade, essa função restrita do relator se justificava pela garantia processual até então tida como cerne do princípio do duplo grau de jurisdição: de que “as decisões de segunda instância sempre se proferem em juízos colegiados, de que participam, pelo menos, três magistrados”[12]. Tal garantia é conceituada pelo iluminado jurista Pontes de Miranda[13], da seguinte forma:
A regra, para os recursos, é a colegialidade das decisões. Quer dizer: a pluralidade de julgadores, com o fim político de assegurar diversos exames no mesmo tempo, além do duplo ou múltiplo exame, no tempo, pelo juiz do primeiro grau e os demais juízes superiores. A ciência ensina-nos, hoje, que a assembléia não nos veio da reflexão: foi a reflexão que veio da assembléia. Portanto, o homem é que é produto da assembléia. Essa prioridade do exame múltiplo ao mesmo tempo, em relação ao exame de um só, se transforma em superioridade sempre que desejamos maior certeza. A colegialidade para decisão dos recursos obedece a esse pendor íntimo do homem quando se deseja guiar pela “razão”.
Entretanto, é ressabido que para tornar célere um sistema onde há apreciação necessariamente colegiada em todos os casos submetidos ao duplo grau de jurisdição, frente ao fenômeno, diga-se se passagem, “de âmbito mundial”, do “desmedido aumento do número de processos”[14], seria necessária a mobilização de um número demasiado de pessoas, onerando insuportavelmente os cofres públicos. Trata-se de um mecanismo “pesado”[15], que contribui para a sobrecarga e o inevitável retardamento nos julgamento dos recursos.
Apercebeu-se o legislador de que muitos desses recursos que congestionavam o judiciário eram submetidos ao julgamento colegiado sem necessidade, apenas para a apuração de pressupostos de admissibilidade recursal facilmente identificáveis, tais como tempestividade, preparo, cabimento, interesse processual etc. Para tanto, conforme já mencionado, o Código de Processo Civil de 1973, idealizado fundamentalmente no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal[16], trazia, através de dispositivo carente de clareza e especificação, a prerrogativa ao relator de afastar tais inconformidades, tidas como manifestamente improcedentes. Contudo, a inserção de tal prerrogativa ao relator não surtiu efeito, sendo muito pouco utilizada, talvez pela falta de clareza do dispositivo.
Como se sabe, o número de processos e, conseqüentemente, de recursos continuou a crescer exponencialmente, a ponto de se tornar uma prioridade no mundo jurídico a criação de uma solução para o problema.
Assim, “com o evidente propósito de minorar a carga de trabalho dos órgãos colegiados, abreviando-lhes as pautas”[17], sobreveio a Lei 9.139/95 que, consoante já exposto anteriormente, ampliou a abrangência do dispositivo a todo e qualquer recurso, que poderia ter o seguimento negado, inclusive, no mérito, por força da jurisprudência. Mais adiante, a Lei 9.756/98, como visto, fortaleceu, ainda mais, a figura do relator, possibilitando, não apenas a negativa de seguimento, mas o próprio provimento monocrático do recurso.
Entendeu-se, portanto, que a ampliação dos poderes do relator e o fortalecimento da jurisprudência pátria consistiam na solução mais rápida – e econômica[18] – para a crise da sobrecarga nos tribunais.
Resta claro que, mesmo antes do advento da Lei 9.756/98, o princípio do duplo grau de jurisdição colegiado já vinha sofrendo um processo de relativização, através da nova conceituação da figura do relator e da valorização da jurisprudência dos tribunais superiores. Tais mudanças ocorreram sempre em nome da celeridade processual, um princípio jurídico antes relegado a um segundo plano e, hoje em dia, tido como fundamental. Aliás, recentemente tal princípio foi erigido à qualidade de constitucional, eis que a Emenda Constitucional nº 45[19] – conhecida como reforma do judiciário – o inseriu no artigo 5º da Constituição Federal como garantia fundamental de todo cidadão:
Art. 5º ……………………………………………………………………………….
LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Não é difícil concluir que a atual intenção do legislador não é de tornar o processo mais justo, mas sim, mais célere, com o escopo de solucionar um problema, qual seja, o descongestionamento da máquina judiciária, pois sabe-se infelizmente que tais valores – justiça e celeridade – parecem ser inconciliáveis.
Nesse sentido, melhor é a lição de Marinoni e Arenhart[20]:
indubitavelmente, o sistema recursal atual padece de mal grave e de difícil solução. A Busca de decisões mais perfeitas bate-se contra a necessidade de respostas rápidas do processo. Se o primeiro objetivo exige tempo, o segundo escopo impõe a restrição desse elemento. A compatibilização destas metas não é fácil e o sistema processual, por vários meios, tenta acomodar estes interesses conflitantes.
Entretanto, apesar da clara mudança na linha de pensamento do legislador, o ordenamento jurídico processual continua organizado praticamente da mesma forma de quando da edição do código, sendo que algumas alterações esparsas, tais como a do art. 557 do CPC, acabam destoando do sistema, de forma a tornar compreensível o posicionamento de alguns autores pela inconstitucionalidade do referido artigo, como se verá ainda no presente trabalho.
Certamente, as discussões permanecerão enquanto o legislador não assumir definitivamente a sua nova política judiciária – entenda-se, tornando constitucional –, de modo a retomar a lógica do ordenamento jurídico processual pátrio. Tal questão é melhor apreciada no tópico seguinte.
1.2. Súmula vinculante: a tendência que se concretizou
Após praticamente 12 anos de tramitação, foi aprovada recentemente, em 08 de dezembro de 2004, a Emenda Constitucional nº 45, conhecida como “Reforma do Judiciário”, que efetuou diversas alterações de cunho constitucional na organização do Poder Judiciário Nacional. Dentre elas, algumas são de relevante implicação no presente estudo, quais sejam: a adoção do princípio da celeridade processual como garantia fundamental do cidadão (art. 5º, LXXVIII da CF – exposto anteriormente); e o estabelecimento de efeito vinculante para as súmulas do Supremo Tribunal Federal (art. 103-A da CF)[21].
Antes de se expor o fato e a sua provável repercussão para o presente estudo, vale analisar brevemente o novo artigo 103-A da Constituição Federal, o qual aborda a questão da súmula vinculante:
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso (grifo nosso).
Cumpre referir, inicialmente, a inegável força desse instituto, que vem sendo muito comentado, não apenas nos corredores dos tribunais e nos campos acadêmicos, mas inclusive na mídia e nas ruas, pelos cidadãos que, mesmo leigos no assunto, preocupam-se com os seus direitos.
Nesse ponto, o professor Rodolfo Mancuso[22] demonstra com maestria como o advento da súmula vinculante pode refletir na sociedade:
(…) o advento da súmula vinculante vem alterar, em profundidade, o contexto jurídico-político preexistente, não se reduzindo, pois, a uma inovação de natureza tão-somente processual, na medida em que o paradigma jurídico nacional, regulador de condutas presentes e futuras, passa a ser buscado não apenas na norma legal, mas também nos extratos da jurisprudência predominante. De observar que essa eficácia extra-autos da jurisprudência sumulada não opera apenas no plano dos conflitos levados ao Judiciário, mas impende reconhecer que as súmulas projetam um efeito preventivo geral ao interior da própria sociedade, já que, por intermédio dos operadores do Direito, os entendimentos assentados acabam chegando ao conhecimento dos jurisdicionados, assim influenciando ou, até mesmo, condicionando os comportamentos.
Sinteticamente, pode-se dizer que a súmula vinculante corresponde à orientação jurisprudencial “adotada pelo STF, com relação a determinado caso concreto, que deverá a partir daí ser adotada como parâmetro para julgamento de todas as causas semelhantes, pelos magistrados das instâncias inferiores”[23]. “Estão vinculados à orientação da súmula, não apenas os magistrados submetidos à jurisdição do tribunal prolator, mas também a Administração Pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios[24].
Destaca-se que, para a aprovação da súmula, será necessário o voto de, no mínimo, dois terços dos integrantes do Supremo Tribunal Federal, ou seja, oito dos onze ministros deverão concordar com a elaboração da súmula e com a atribuição de efeito vinculante à mesma.
Por certo, não se trata de uma medida com aplicação instantânea no ordenamento, uma vez que a edição de novas súmulas, a regulamentação do tema na legislação infraconstitucional e, principalmente, a revisão das mais de 750 súmulas sem efeito vinculante, existentes no Supremo Tribunal Federal, demandará muito trabalho e tempo. Assim, a questão da súmula vinculante mostra-se ainda repleta de dúvidas, tornando-se difícil fazer afirmações seguras, principalmente no que diz respeito ao seu alcance e repercussão no ordenamento jurídico.
Na verdade, a aprovação deste instituto processual não desperta surpresa. Muitos processualistas vinham destacando a tendência inevitável do legislador em adotar o referido sistema no ordenamento jurídico brasileiro.
Nesse compasso, já antecipava Cândido Dinamarco[25]:
É perceptível, diante dessa sucinta memória dos fatos da história relativamente recente do direito processual positivo do país, que o crescimento dos poderes do relator caminha pari passu com o incremento e valorização dos precedentes jurisprudenciais. As súmulas figuram como patamar intermediário entre o abstrato da lei e o concreto das decisões judiciárias em casos específicos. Não se chega a afirmar a jurisprudência como fonte formal do direito, mas a recente força dos precedentes aproxima-a disso e mais a aproximará se e quando se inserir no direito constitucional brasileiro o seu efeito vinculante.
Por conseguinte, frente às últimas alterações implementadas no ordenamento processual pátrio, principalmente no que concerne ao aumento dos poderes do relator e à valorização da jurisprudência, não seria difícil prever que a adoção da súmula vinculante apresentar-se-ia como o próximo passo do legislador, dentro de um processo de desafogamento dos tribunais.
Cumpre referir que a necessidade de aprovação de emenda constitucional para a efetiva implementação do sistema de súmula vinculante no Brasil afasta definitivamente a idéia de que a nova redação do artigo 557 do CPC já havia introduzido tal modificação no ordenamento brasileiro. Ao comentar o tema, já advertia o jurista Eduardo Alvim: “não há que se falar que o art. 557 tenha introduzido a súmula ou jurisprudência vinculante, pois a vigente ordem constitucional não a contempla”[26]. Na mesma linha, José Anchieta Da Silva classificava tal entendimento como um “engano monumental”[27].
No que tange à repercussão do tema no presente estudo, em relação à influência da súmula vinculante na interpretação e aplicação do artigo 557 do CPC, ainda há muitas dúvidas. Tudo dependerá, na verdade, de como o referido instituto será regulamentado infraconstitucionalmente e interpretado nos tribunais. Entretanto, será difícil que não seja adotado um dos seguintes sistemas, sinteticamente demonstrados a seguir:
· Criação de um modelo processual de reclamação dirigida ao Supremo Tribunal Federal contra o ato administrativo ou decisão judicial que vier a contrariar o conteúdo da súmula vinculante[28].
· Interpretação do dispositivo constitucional conjugado com as regras do sistema recursal vigente, obrigando os relatores que receberem recursos que versarem sobre matéria sumulada, a negá-lo ou a provê-lo de plano, aplicando a orientação da súmula vinculante.
Apesar do que dispõe o parágrafo 3º do art. 103-A da Constituição Federal (que, diga-se de passagem, carece de maior aprofundamento doutrinário), que se coaduna com o primeiro sistema acima proposto, parece mais lógica a adoção do segundo sistema, não apenas porque se apresenta como uma idéia menos onerosa, mas também porque a adoção da primeira hipótese confronta-se com o principal motivo de criação da súmula vinculante, qual seja, a diminuição do número de processos no Supremo Tribunal Federal. Ora, se for criado um novo recurso que consista em uma reclamação direta ao Supremo Tribunal Federal, fundada na desobediência de algum magistrado à orientação de súmula vinculante, estará se criando mais uma oportunidade de encaminhar um processo à apreciação dessa Colenda Corte.
Mais razoável mostra-se o sistema que inclua, dentre as faculdades concedidas aos relatores dos recursos, um dever, qual seja, o de aplicar os ditames das súmulas vinculantes da forma mais célere possível, sem levar à apreciação de órgão colegiado. A vantagem desse sistema é que ele já estaria pronto, através da utilização do artigo 557 do CPC, cabendo apenas aos relatores entender como um dever, e não uma prerrogativa, a aplicação da súmula vinculante.
Com isso, será demonstrado no capítulo seguinte, que se presta à análise propriamente dita das decisões monocráticas e do agravo interno, como seria possível aplicar as súmulas de efeito vinculante através do artigo 557 do CPC, sempre com a ressalva de que se trata de uma sugestão, eis que o tema, por ser muito recente, ainda carece de maiores reflexões no campo jurídico e atitudes no campo legislativo.
Por fim, compreendidas as considerações preliminares, passa-se ao objetivo principal desta monografia, qual seja, expor o real alcance do dispositivo ora analisado, examinando seus elementos sob a ótica do ordenamento jurídico vigente.
2. ANÁLISE DO ARTIGO 557 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
2.1 Da Decisão Monocrática do Relator
2.1.1 Técnica de interpretação adotada
Como visto, não foi pequena a repercussão gerada pela nova redação do artigo 557 do Código de Processo Civil, pois incitou grande produção doutrinária acerca da matéria. Era de se esperar que fossem oferecidas interpretações das mais diversas – muitas vezes antagônicas -, decorrentes, principalmente, da técnica de interpretação assumida pelos autores frente ao artigo em comento.
Portanto, para que o proposto exame da norma jurídica em foco seja apresentado de forma coerente, mostra-se imprescindível a adoção, desde logo, de uma técnica de interpretação.
Busca-se, no presente trabalho, interpretar o artigo em foco de maneira sistemática, respeitando-se a ordem hierárquica do sistema processual civil brasileiro. Para tanto, não há como se adotar tão somente um método hermenêutico e aplicá-lo por inteiro ao dispositivo a ser interpretado. Como já dizia o mestre Juarez Freitas[29]: a exegese sistemática necessita abarcar todos os métodos, realizando o mister de harmonizá-los na prática, de sorte a resguardar e a manter a unidade em meio à multiplicidade axiológica, na construção e na reconstrução do Direito.
A análise do artigo será aqui realizada a partir de uma premissa basilar do nosso sistema recursal, qual seja, de que “o juiz natural do recurso é o órgão colegiado”[30], isto é, que a “regra geral é a de que os julgamentos nos tribunais são realizados por órgão colegiados e não isoladamente”[31]. Desse modo, a decisão monocrática do relator apresenta-se como uma exceção à regra geral. Então, como toda exceção, deve ser interpretada em coerência com o sistema no qual está inserida, isto é, de forma limitada, devendo o relator “abster-se de julgar quando sentir que a matéria não é tão segura que legitime esses verdadeiros ‘atalhos procedimentais’ instituídos pela lei”[32].
Nesse compasso, a lição do mestre Barbosa Moreira, que aconselha aos relatores “boa dose de comedimento”, principalmente, “na aplicação das disposições que os autorizam a julgar com base no ‘confronto’ com a ‘jurisprudência dominante’”[33]. Na mesma linha, Nery Júnior preceitua que, “havendo dúvida, o relator não poderá indeferir o recurso nem julgá-lo improcedente, devendo remetê-lo ao julgamento do órgão colegiado”[34].
Por certo, ao se aplicar os preceitos do artigo 557 do CPC ampla e irrestritamente, estará se extrapolando os limites do sistema no qual a norma está inserida, o que comprometeria a sua validade. Com isso, ao se interpretar de forma restrita os poderes do relator de decidir monocraticamente os recursos, estar-se-á garantindo a coexistência harmônica da norma com os demais dispositivos legais do sistema recursal.
Nesse aspecto, brilhante o magistério de Juarez Freitas[35] ao escrever sobre os preceitos de uma adequada interpretação sistemática:
Deve o intérprete sistemático saber garantir a coexistência, ao máximo, dos valores, dos princípios e das normas estritas em conflito, hierarquizando de sorte a obter a maior concordância sistemática possível, pautando sua visão pelos vetores mais altos e nobres do ordenamento, isto é, pelos princípios fundamentais. Tudo na certeza de que interpretar é bem hierarquizar, estabelecendo o menor sacrifício possível em face das exigências de proporcionalidade, que não estatui só adequação meio-fim, mas proíbe que um valor ou princípio se imponha às expensas da supressão de outro.
Portanto, para análise do dispositivo em foco, adotar-se-á a interpretação sistemática, que preconiza, como visto, a utilização de vários métodos hermenêuticos – seja extensivo, literal ou teleológico – com o escopo de harmonizar a norma com o ordenamento jurídico vigente.
2.1.2 Recursos Aplicáveis
A redação original do artigo 557 do Código de Processo Civil, como visto, versava sobre a possibilidade de o relator indeferir “por despacho” o agravo “manifestamente improcedente”. Nota-se que o dispositivo se referia apenas ao recurso de agravo, entretanto, a partir da redação oferecida pela Lei 9.139/95, a regra passou a incidir sobre “todo e qualquer recurso” e “em qualquer tribunal”[36].
No entanto, algumas ressalvas podem ser feitas no rol dos recursos alcançados pela referida norma. O professor Barbosa Moreira ressalta que, por razões lógicas, “fica intuitivamente excluído” desse rol o denominado agravo interno de que cuida o §1º. Tampouco, caberia aplicar o “artigo sob exame aos embargos de declaração”, pois, “conforme ressalta do disposto no art. 537, ‘fine’, ‘verbis’ ‘o relator apresentará os embargos em mesa na sessão subseqüente’”[37] [38].
No que se refere à aplicação do artigo ora analisado ao recurso de embargos infringentes (artigo 530 do Código de Processo Civil), cumpre salientar que a recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça inclina-se a admitir que o relator do recurso possa descaminhá-lo do crivo colegiado, sempre que presentes os pressupostos autorizadores para tal[39]. Já a ilustre Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, MARIA BENERICE DIAS, entende que a aplicação do artigo é restrita ao exame de admissibilidade e prejudicialidade, “e não ao mérito do recurso”[40].
No que tange à aplicabilidade, ou não, da norma em comento ao instituto do Reexame Necessário, inserto no artigo 475 do Código de Processo Civil[41], que, em que pese evidentemente não possuir “caráter recursal”[42], o Colendo Superior Tribunal de Justiça, pacificou a questão através da súmula 253, que reza o seguinte: “o art. 557 do CPC, que autoriza o relator a decidir o recurso, alcança o reexame necessário”[43].
2.1.3 Negativa de seguimento (artigo 557, caput)
Cuida-se, em um primeiro momento, do exame das hipóteses em que o juiz pode negar seguimento, monocraticamente, a recurso de sua relatoria. Assim, preceitua o “caput” do artigo 557 do Código de Processo Civil o seguinte:
Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.
A doutrina diverge sobre o caráter obrigacional ou permissivo da norma, isto é, “negar seguimento ao recurso” seria um dever ou uma prerrogativa do relator. Respeitáveis autores entendem que se trata, na verdade, de um dever do relator, sendo que a remessa ao órgão julgador colegiado, em caso de incidência das hipóteses do dispositivo, consistiria em verdadeiro “descumprimento de um dever decorrente de lei”[44].
Todavia, em que pese ser difícil a visualização prática dessa polêmica, tal dispositivo deve ser entendido como uma faculdade legal conferida ao relator, pois não foi a intenção do legislador criar “obrigatoriedades” ao julgador, mas trazer-lhe mais uma opção, a ser utilizada de acordo com o seu “prudente arbítrio”[45].
No que concerne ao próprio conteúdo da expressão “negativa de seguimento”, bem esclarece o ilustre jurista gaúcho Athos Gusmão Carneiro:
(…) não se cuida, a rigor, de negativa de ‘seguimento’ ao recurso, mas de negativa de ‘provimento’, eis que o relator não apenas deixa de encaminhar o recurso ao órgão colegiado ao qual em princípio é dirigido, mas declara que não procede a própria pretensão recursal, decidindo ele, monocraticamente, com a mesma eficácia e amplitude de que se revestiria a decisão colegiada[46].
Nesse mesmo ponto, interessante observar que o legislador parece ter equiparado os juízos de admissibilidade e mérito do recurso, ao utilizar a mesma expressão (“negar seguimento”) para as duas hipóteses. Assim, no certame monocrático do relator, tratam-se os recursos que não seriam “conhecidos” pelo órgão colegiado (inadmissíveis e prejudicados) da mesma forma como são tratados aqueles que seriam “conhecidos, mas improvidos” (infundados)[47].
Salienta-se que o vocábulo “manifestamente”, aplicado a todas as hipóteses em que o relator pode se pronunciar sobre o recurso[48], conforme brilhante lição de Barbosa Moreira, assume um caráter restritivo, sendo defeso ao relator enquadrar o recurso em uma das classes arroladas pelo dispositivo e decidir monocraticamente, se sobre a questão ainda pairam dúvidas ou controvérsias, de fato ou de direito[49].
Dando início aos comentários sobre as hipóteses de negativa de seguimento ao recurso, tem-se como “inadmissível” aquele recurso que não preencheu algum dos pressupostos de admissibilidade recursal que, segundo a melhor doutrina, são: cabimento, legitimidade recursal, interesse recursal, tempestividade, preparo, regularidade formal e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer [50].
O recurso “prejudicado” é aquele que “perdeu o objeto”, isto é, em decorrência de algum fato superveniente à propositura da inconformidade, esta não possui mais um propósito para prosseguir, devendo o relator, quando ciente da situação, prontamente negar seguimento ao recurso[51]. Pode-se exemplificar com a situação em que a parte interpõe simultaneamente os recursos extraordinário e especial, sendo que, em sendo provido este último, com a conseqüente reforma do acórdão recorrido, restará prejudicado o primeiro, por superveniente ausência de interesse processual.
Já “improcedente”, como se sabe, é o recurso que “carece de razão no mérito”, isto é, quando os motivos pelos quais a decisão recorrida é impugnada são infundados[52]. Neste ponto evidencia-se o amplo poder concedido ao relator do recurso que, após ter conhecido os pressupostos de admissibilidade recursal, verifica desde logo que, no seu ponto principal “o recurso não terá sucesso”[53]. Na maioria das vezes, a decisão monocrática pela improcedência do recurso é fundamentada justamente no manifesto confronto do recurso com “súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal, ou de Tribunal Superior”, o que se passa a analisar a seguir.
2.1.4 Confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior
Possivelmente o aspecto mais discutido pela doutrina nesse tema seja o fortalecimento da jurisprudência no direito brasileiro. Atualmente, a jurisprudência assume uma função de grande relevância jurídica, uma vez que representa a lei já interpretada, o que, de certa forma, se bem utilizada, pode facilitar e dinamizar o exercício da jurisdição.
De início, mostra-se aconselhável compreender os conceitos de “súmula” e “jurisprudência dominante”, que poderão fundamentar a decisão monocrática do relator. Nesse sentido, os juristas Marinoni e Arenhart[54] manifestam-se sobre a necessidade da adoção de critérios sólidos na interpretação desses conceitos:
Conforme já dito anteriormente, tratando-se de definição de atribuições no exame recursal, é necessário encontrar critérios sólidos para resolver as controvérsias surgidas, sob pena de encarar o assunto ‘informalidade’ e, ao fim e ao cabo, gerar-se lesão ao princípio do juiz natural, criando-se, ademais, instabilidade séria na interpretação da lei processual.
No que tange à “súmula”, esta apresenta conceito que não enseja maiores dúvidas, pois o próprio Código de Processo Civil, em seu artigo 479, versa que:
Art. 479. O julgamento, tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o tribunal, será objeto de súmula e consistirá precedente na uniformização da jurisprudência.
Originada do “incidente de uniformização de jurisprudência” – regrado normalmente pelo regimento interno do tribunal – a súmula formaliza o posicionamento jurisprudencial de determinado tribunal acerca de determinada questão de direito. Vale mencionar a simples, porém reflexiva, expressão comumente utilizada para definir este instituto: “súmula é menos do que uma ordem e mais do que uma recomendação”[55].
O renomado processualista Humberto Theodoro Júnior[56] expõe de forma cristalina o tema:
A “súmula” não tem força de lei para os casos futuros, mas funciona, de acordo com o Regimento Interno do Tribunal, como instrumento de dinamização dos julgamentos e valioso veículo de uniformização jurisprudencial, como tem evidenciado a prática do Supremo Tribunal Federal.
A utilidade da súmula é evidenciada pelos arts. 544, §3º e 557, que para simplificar o julgamento dos recursos, permite ao próprio relator negar-lhes seguimento, sem necessidade de ouvir o órgão colegiado, quando a pretensão do recorrente estiver apoiada em tese contrária à súmula do respectivo tribunal ou de Tribunal Superior (…).
Se não há dificuldade na conceituação de “súmula”, o mesmo, infelizmente, não se pode dizer da designação “jurisprudência dominante”, eis que ainda não foi adotado um critério majoritário, tanto na doutrina como na jurisprudência, sobre como conceituá-la.
Por certo, em consonância com o sistema no qual está inserido, não há como se falar em ampla abrangência do conceito “jurisprudência dominante”, o que implicaria tanto a perda de controle sobre o alcance da norma (poder do relator), quanto, conseqüentemente, a sempre indesejada insegurança jurídica do sistema.
Ora, não parece ter sido a intenção do legislador proporcionar um alcance tão amplo ao termo “jurisprudência dominante”. Caso contrário, seria desnecessária a inclusão da “súmula” no artigo em comento, eis que para embasar a decisão monocrática de um relator, bastaria a coleção de alguns julgados em número relevante frente ao respectivo tribunal.
Nesse passo, os professores Marinoni e Arenhart entendem que “jurisprudência dominante” é somente aquela que reflete questão submetida e decidida em incidente de uniformização de jurisprudência, onde, porém, “não se logrou atingir o ‘quorum’ especial, exigido para a elaboração de uma súmula”[57]. Sabe-se, entretanto, que tal situação não é muito freqüente em nossos tribunais, o que torna esse critério, de certa forma, excessivamente rígido.
Mais razoável mostra-se o entendimento de que “jurisprudência dominante é aquela que já poderia estar sumulada”[58]. Assim, além da referida hipótese dos professores Marinoni e Arenhart, tal critério abrangeria: a coleção de sucessivas decisões que reflitam o posicionamento da maioria absoluta dos órgãos do tribunal competentes para o julgamento da matéria; uma decisão da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (composta por 21 Ministros); e uma decisão do órgão pleno do Supremo Tribunal Federal[59].
Cumpre referir que, apesar de alguns entendimentos nesse sentido, não é razoável admitir que se decida recurso monocraticamente com base em manifesto confronto à jurisprudência da própria turma ou câmara julgadora do recurso. Conforme exposto, além da literalidade do texto legal, não há como ser caracterizada como dominante a jurisprudência apenas de uma turma ou câmara do tribunal. Na prática, essa decisão seria facilmente desconstituída via o recurso de agravo interno do parágrafo primeiro do artigo em comento que será analisado mais adiante.
Pode, ainda, o magistrado se deparar com uma situação onde exista divergência entre súmula ou jurisprudência dominante do tribunal local e súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça. Nesse caso, por questões lógicas, é aconselhável que prevaleça a orientação do Tribunal Superior, sendo defeso ao julgador negar seguimento monocraticamente ao recurso, com base na jurisprudência do tribunal de segundo grau. Entretanto, convicto o magistrado do entendimento de seu tribunal, é perfeitamente possível a defesa dessa tese em julgamento colegiado[60].
Neste ponto, cumpre ressaltar algumas considerações tecidas no primeiro capítulo acerca da repercussão da súmula vinculante no presente tema. Não obstante as diversas incertezas que permeiam o assunto, o presente trabalho se propõea trazer, humildemente, uma hipótese viável de aplicação da súmula de efeito vinculante no sistema processual nacional, que se daria justamente através de uma interpretação extensiva do artigo 557 do CPC.
De acordo com a referida hipótese, recebido pelo relator um recurso no qual é tratada matéria sumulada com efeito vinculante pelo Supremo Tribunal Federal, este deveria proceder da seguinte forma. Primeiramente, aprecia a admissibilidade do recurso, verificando os pressupostos extrínsecos e intrínsecos do mesmo. Em seguida, estando o recurso em condições de ser conhecido, passa a apreciar o mérito, onde verificará se há, no caso, manifesta afronta aos preceitos estabelecidos por súmula de efeito vinculante, tanto por parte da decisão recorrida, como por parte das razões recursais. Não existindo dúvidas acerca da incidência da súmula vinculante, o relator deverá – e aqui reside a diferença, eis que não se trata mais de uma faculdade – prolatar decisão monocrática, aplicando a súmula vinculante, isto é, provendo (caso em que a decisão recorrida não aplicou a súmula) ou negando seguimento (caso em que a decisão recorrida aplicou a súmula) ao recurso interposto.
Nota-se que a única diferença entre o atual sistema e o sistema sugerido encontra-se no fato de que, em se tratando de matéria encoberta por súmula vinculante, a prerrogativa do relator de decidir monocraticamente o recurso torna-se um dever por imposição constitucional. Trata-se apenas de aplicação de um método de interpretação extensivo neste ponto, em conformidade com a interpretação sistemática preconizada no presente trabalho, sem necessidade de edição de mais uma lei.
Contudo, é conhecida a tradição brasileira de se prever em lei todas as relações, como forma de se trazer segurança jurídica às coisas. O que é, diga-se de passagem, compreensível frente ao nosso passado recente de golpes de estado, planos econômicos, reformas constitucionais contra direito adquirido, etc. Neste caso, entendendo por positivar tal interpretação, bastariaorrida aplicou a sento (caso em que a decisor spressupostos extrdeveria proceder da seguinte forma. Ao legislador a inclusão de mais um parágrafo ao artigo 557 do CPC, dispondo que, em se tratando de matéria manifestamente objeto de súmula vinculante, o relator deverá aplicá-la, provendo ou desprovendo o recurso monocraticamente.
Ressalta-se novamente que a questão levantada acima consiste em uma sugestão, com o escopo de incitar o debate no campo jurídico, uma vez que o tema ainda carece de maiores reflexões.
Em suma, é facultado ao relator do recurso, por força do artigo 557, “caput”, negar seguimento a todo recurso (com exceção aos embargos de declaração e agravo interno) que defenda tese claramente contrária à maciça orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do tribunal de segundo grau, respeitadas as hierarquias do ordenamento jurídico constitucional pátrio.
2.1.5 Provimento do recurso (artigo 557, §1-A)
Não é difícil afirmar que a maior novidade da nova redação do artigo 557 do Código de Processo Civil seja a prerrogativa do relator de prover o recurso contra a decisão que confrontar com a orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça. Assim dispõe o artigo 557, §1º-A:
Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso.
Muitas críticas foram feitas à estranhíssima numeração do parágrafo ora analisado, sendo que Barbosa Moreira a definiu muito propriamente como “esquisitice”[61]. Slaibi Filho, salienta, ainda, que, pela regra geral da Técnica de Redação das Leis (Namografia), o mais indicado seria se a hipótese de provimento do recurso, inserta no parágrafo §1º-A, estivesse prevista no “caput”, antes do juízo negativo[62].
Realmente, são difíceis de compreender certas opções do nosso legislador, porém, como já referido, o propósito do presente trabalho é interpretar o dispositivo, da forma como está inserido no ordenamento jurídico atual, sem se ater a pequenas discussões e críticas que não trazem resultados relevantes.
Nesse compasso, é sempre aconselhável recordar que o relator somente poderá decidir monocraticamente pelo provimento do recurso se este atender, em um primeiro momento, a todos os pressupostos de admissibilidade recursal[63], já expostos no presente trabalho.
Em comparação ao “caput” do artigo sob exame, anteriormente analisado, que dispõe sobre a negativa de seguimento ao recurso, cabe salientar apenas duas, porém, importantíssimas distinções, no que se refere à tramitação do recurso e à aplicação da jurisprudência.
Com relação à tramitação do recurso, cumpre referir que para o relator prover singularmente o recurso, deve antes oportunizar a outra parte de exercer o contraditório, isto é, expor as razões pelas quais entende que a decisão, que lhe é favorável, deve ser mantida. Tal medida será imprescindível, por exemplo, nos recursos de agravo de instrumento (artigo 522 do CPC), onde o contraditório é exercido diretamente no órgão julgador.
Já no que tange à aplicação da jurisprudência, cumpre salientar que o parágrafo 1º-A é claro ao referir que somente poderá ser rechaçada singularmente a decisão que estiver em manifesto com a orientação jurisprudencial dos pretórios superiores, não sendo permitido ao relator julgar exclusivamente com base na jurisprudência do tribunal de segundo grau[64].
Tal fato se justifica pela existência de diversas divergências jurisprudenciais entre os tribunais inferiores e as Cortes Superiores, uma vez que o pronunciamento monocrático do relator, embasado no entendimento de tribunal local, seria provavelmente alvo de reforma pelo Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça. Ocorre que a parte, “para obter tal reforma, arcaria com o ônus de percorrer penoso caminho processual”, passando pelas interposições de agravo interno e recursos para as últimas instâncias[65].
Salienta-se que o mesmo dissertado no tópico acima, a respeito da sugestão de aplicação da súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal, através do artigo 557 do CPC, logicamente, se enquadra, também, ao caso de provimento do recurso. Assim, estando a decisão recorrida em manifesto confronto com súmula de efeito vinculante, o relator deveria prover monocraticamente o recurso, aplicando o disposto na súmula.
Por fim, busca-se resumir, de modo didático, a análise supra através da figuração abaixo.
Figura 1: Representação do trabalho do relator ao receber um recurso cível.
Veja-se, conforme a figura 1, que o relator, ao receber um recurso da distribuição, precisa verificar se o mesmo encontra-se em condições de ser levado ao julgamento do órgão colegiado. Para tanto, necessita cumprir a ordem de apreciação estabelecida pelo artigo 557 do Código de Processo Civil. Assim, o primeiro e o segundo degraus representam o juízo de admissibilidade dos pressupostos extrínsecos e intrínsecos do recurso. Em seguida, de acordo com a sugestão interpretativa trazida no presente trabalho (razão pela qual o vocábulo está entre parênteses), verifica se a matéria recorrida não está encoberta por súmula vinculante. Após, constata se a matéria de mérito não é questão rotineira dos tribunais, já relativamente pacífica na jurisprudência, ou, ainda, se o mérito do recurso não se mostra totalmente descabido, ou seja, manifestamente improcedente.
Se o recurso conseguir superar todas as etapas acima, ora representadas em degraus, sem ensejar o julgamento monocrático do artigo 557, o mesmo será levado pelo relator ao conhecimento de seus colegas para que se realize o julgamento colegiado.
Compreendidas as hipóteses de julgamento singular pelo relator do recurso, passa-se a analisar o recurso cabível contra tal decisão, previsto no parágrafo 1º do artigo em comento.
2.2 Do Agravo Interno do artigo 557, §1º
2.2.1 Natureza jurídica
Prevê o artigo 557, §1º do Código de Processo Civil, para impugnar a decisão monocrática do relator, o seguinte:
§ 1º. Da decisão caberá agravo, no prazo de 5 (cinco) dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso, e, se não houver retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo voto; provido o agravo, o recurso terá seguimento.
A primeira questão a ser enfrentada diz respeito à divergência doutrinária acerca da natureza jurídica desse instituto, isto é, se o agravo previsto no artigo 557, §1º, pode, ou não, ser considerado um recurso propriamente dito.
Respeitável o entendimento dos juristas Marinoni e Arenhart, que afirmam que o referido agravo “não se apresenta como medida recursal nova, mas como singelo meio de devolver ao colegiado competência que já era sua”, tratando-se, então, “de mera forma de reiteração do recurso inicialmente oferecido”, sem o cunho de “alterar a natureza do primitivo recurso interposto”[66].
Todavia, é majoritária a orientação doutrinária no sentido do agravo interno possuir natureza de recurso propriamente dito. Nesse sentido, Athos Gusmão Carneiro[67], Barbosa Moreira[68], Ferreira Filho[69], Nery Júnior[70], dentre outros, entendem que o referido agravo trata-se de nova modalidade recursal.
Nesse compasso, o professor José Antônio Almeida, justifica com clareza a natureza jurídica do recurso: “A necessidade de, sob pena de preclusão, o interessado interpor o agravo interno, e a possibilidade de, através dele, obter a invalidação ou a reforma da decisão do relator, insere o agravo interno, sem dúvida, no conceito de recurso”[71].
2.2.2 Procedimento
O agravo interno deve ser interposto no prazo de cinco dias, ressalvadas as hipóteses legais que dispõem sobre o benefício da ampliação do prazo recursal para órgãos tais como a Defensoria Pública, o Ministério Público e entidades de direito público, ou para partes em situação de litisconsórcio[72]. A petição deve ser escrita e endereçada ao próprio relator prolator da decisão, viabilizando, assim, o imprescindível juízo de retratação previsto em lei[73]. Juízo este que poderá ser inclusive de reforma no mérito do recurso, abrindo-se a oportunidade da parte, antes vitoriosa, interpor novo agravo[74], eis que não se pode conceber que “o agravado fique impedido de impugnar o pronunciamento pelo qual o relator se retratou”[75].
Este recurso pode visar tanto à anulação da decisão monocrática, por exemplo, por ausência de fundamentação, como à reforma da mesma – hipótese mais freqüente –, onde o agravante confrontará, em suas razões, a fundamentação apresentada pelo relator, apontando os motivos pelos quais não cabia a este decidir a questão antecipadamente[76]. Ressalta-se que, em julgamento, será apreciada justamente a correção do procedimento adotado pelo relator que entendeu cabível a aplicação do artigo 557 do Código de Processo Civil.
Ao agravo interno, interposto contra decisão do relator fundada no artigo 557, deve ser atribuído efeito suspensivo até que a questão seja devidamente apreciada pelo órgão colegiado[77]. Mais adiante, verificar-se-á que este instituto, quando aplicado de forma analógica em outras situações, pode versar justamente sobre a atribuição de efeito suspensivo a um recurso. Em sendo utilizado para tais fins, o agravo interno, por motivos lógicos, não comportaria o efeito suspensivo.
Importante ponto do tema refere-se à exigência, ou não, de intimação da parte agravada para o exercício do contraditório. Em que pese o silêncio da lei e a lição do eminente jurista Athos Gusmão Carneiro, que entende que esta garantia constitucional já foi assegurada à parte antes da manifestação do relator[78], parece mais razoável a orientação no sentido de permitir, através de uma interpretação do texto legal em harmonia com a Lei Maior, que a parte adversa apresente resposta ao recurso interposto[79].
Vale lembrar que o agravado deverá, em sua resposta (que, por motivos lógicos, deve ser apresentada antes do juízo de retratação do relator), demonstrar que o relator agiu em perfeita harmonia com os preceitos do artigo 557 do Código de Processo Civil, ao decidir o recurso de forma monocrática. Se, por exemplo, a decisão se fundou na jurisprudência do tribunal de segundo grau, poderá o agravado trazer aos autos mais precedentes que atestam a dominância da orientação jurisprudencial exposta na decisão.
A expressão “o relator apresentará o processo em mesa”, inserta no dispositivo, pode levar ao entendimento de que não seria necessária a prévia intimação das partes e a inclusão do processo na pauta de julgamento. Entretanto, a doutrina é veemente quanto à obrigatoriedade de cientificar as partes do julgamento do agravo interno[80]. O mestre Nery Júnior sustenta que:
em atendimento ao princípio constitucional da publicidade dos atos processuais (CF 93 IX), nada obstante deva o relator levar o agravo interno diretamente a julgamento, deverá ser incluído em pauta, disso sendo intimada a parte para que, querendo, possa assistir e/ou participar do julgamento[81].
Além da intimação das partes e da inclusão do processo na pauta de julgamento, a doutrina majoritária defende a prerrogativa das partes participarem do julgamento, através de sustentação oral[82]. Quanto à sustentação oral, aliás, José Antônio Almeida, bem salienta a sua importância, já que no agravo interno, muitas vezes, decide-se pelo prosseguimento de um recurso de apelação, instituto que prevê tal possibilidade[83].
Apesar da posição da doutrina, o Superior Tribunal de Justiça infelizmente já se manifestou no sentido de que, por “não ter natureza de recurso ordinário”, o agravo interno não comporta sustentação oral, “prescindindo também da inclusão em pauta para julgamento”[84]. Ao agravante, é aconselhável, de qualquer sorte, requerer a prévia intimação das partes e a inclusão do processo em pauta, em nome do “princípio da publicidade dos atos processuais”, previsto no artigo 93, IX da Constituição Federal.
Cumpre salientar que, como visto, a lei não previu atentamente o procedimento de tramitação do recurso ora analisado, sendo matéria ainda instável, tanto na doutrina como na jurisprudência, cabendo aos aplicadores do direito a tarefa de solidificação do instituto, tendo em vista oferecer mais segurança jurídica ao sistema.
Por fim, a lei não previu para esta modalidade recursal o recolhimento de preparo como pressuposto de admissibilidade recursal. No entanto, sabe-se que, de acordo com a Constituição Federal (artigo 24, IV e §3º), compete ao Estado, enquanto não vier a legislação nacional, legislar sobre as custas do serviço forense[85]. Salienta-se que no Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, a Lei nº 3.350/99, instituiu o preparo para o recurso de agravo interno.
Na realidade, a cobrança de preparo para este recurso não se justifica, eis que a finalidade do mesmo é justamente corrigir uma eventual atitude ilegal do relator que pode ter julgado indevidamente um recurso no qual o ora agravante já havia arcado com as custas[86].
2.2.3 Multa (artigo 557, §2º)
Uma das inovações introduzidas pela Lei 9.756/98 foi a possibilidade de imposição de multa – entre 1% e 10% do valor corrigido da causa – ao agravante que interpor agravo interno manifestamente inadmissível ou infundado. Na opinião do professor RODOLFO MANCUSO, “eis aí uma engenhosa técnica tendente a fazer com que a duração do processo não labore contra a parte à qual assiste o bom direito”[87].
Preceitua, assim, o artigo 557, §2º:
§ 2º. Quando manifestamente inadmissível ou infundado o agravo, o tribunal condenará o agravante a pagar ao agravado multa entre 1% (um por cento) e 10% (dez por cento) do valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor.
Desde já, ressalta-se que, por razões lógicas, a referida penalidade, que constituirá condição para a interposição de qualquer outro recurso, somente poderá ser imposta ao litigante pelo órgão colegiado, nunca pelo relator[88]. É importante também que não se interprete o dispositivo como uma obrigatoriedade, de modo que se venha a condenar pecuniariamente o agravante sempre que este apresentar agravo interno inadmissível ou infundado, eis que “qualquer pena deve guardar relação adequada e proporcional com o fato”[89].
Salienta-se que este parágrafo não agradou a todos, sendo alvo de duras críticas por parte da doutrina, principalmente no que diz respeito à possibilidade de condicionar o pagamento da multa aplicada à eventual interposição de outros recursos. O renomado jurista Greco Filho entende que esta condição é injurídica e inconstitucional. Seria injurídico porque limitaria a ampla defesa, o contraditório e o acesso aos meios processuais legais. Seria inconstitucional pela afronta a tais princípios e pelo fato de que os recursos especial e extraordinário têm seus requisitos previstos na Constituição e não podem ter mais pressupostos de origem regimental ou de lei ordinária[90].
Nessa mesma linha, afirma o jurista Manoel Caetano Filho ser “no mínimo de duvidosa constitucionalidade o dispositivo”, sendo que, além disso, “não se pode assegurar que produza o resultado esperado: diminuição do número de recursos”[91].
Já os professores Marinoni e Arenhart sustentam a constitucionalidade da norma, com a ressalva de que não se poderá impedir de recorrer aquela parte que comprove não possuir condições de arcar com o pagamento da sanção imposta, sem prejuízo de seu sustento[92].
Cumpre referir que, muitas vezes, a parte apresenta o agravo interno, mesmo que infundado, com receio de perder seu direito de utilização da via excepcional dos recursos especial e extraordinário, por não esgotamento das vias ordinárias de jurisdição, ou seja, por inobservância da súmula 281 do Supremo Tribunal Federal, que reza: “é inadmissível o recurso extraordinário, quando couber, na Justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada”[93].
De qualquer sorte, é recomendável cautela na interpretação deste dispositivo, que deve cumprir o seu objetivo, rechaçando os recursos manifestamente protelatórios ou absolutamente infundados, sem inibir o legítimo direito de levar a questão à apreciação do órgão colegiado[94].
3. ASPECTOS CONTROVERTIDOS DO ESTUDO
3.1 Da Constitucionalidade do artigo 557 do Código de Processo Civil
É conhecido o posicionamento liderado pelo ilustre jurista Francisco Peçanha Martins, destacado Ministro do Superior Tribunal de Justiça, acerca da suposta inconstitucionalidade da norma ora analisada no presente trabalho. O debate desta questão foi de grande repercussão, não apenas na doutrina, mas no judiciário brasileiro, alcançando, inclusive, a seara do Supremo Tribunal Federal, como se verá a seguir.
Apoiado nos ideais de grandes juristas brasileiros – José Frederico Marques, Pontes de Miranda e Rui Barbosa – Peçanha Martins sustenta a bandeira da inconstitucionalidade do artigo 557 do Código de Processo Civil. Em apertada síntese, tal inconstitucionalidade se justificaria pela afronta aos princípios do juízo coletivo no duplo grau de jurisdição e da ampla defesa[95].
Em seu estudo, o nobre Ministro demonstra que o ordenamento jurídico brasileiro, da forma como se apresenta atualmente, não comporta um dispositivo que conceda ao relator tamanhos poderes, a ponto de permitir que este julgue de plano, no mérito, recursos como os de apelação e os de caráter excepcional (especial e extraordinário). Para fundamentar sua tese, o jurista elenca uma série de normas legais, de caráter constitucional e infraconstitucional que, se analisadas em conjunto, atestam a falta de sintonia da nova redação do artigo 557 para com o sistema recursal brasileiro.
No que tange à incompatibilidade do dispositivo ora apreciado para com as normas infraconstitucionais que disciplinam o recurso de apelação, o autor ressalta que tal recurso “há que se processar coletivamente”, eis que, “se assim não fosse, não se justificariam as regras dos artigos 549 e parágrafo único, 551, 552, 554, 555 e 556 do CPC e os embargos infringentes”. Para ele, não há como ser afastada a sistemática descrita abaixo:
(…) após a exposição, pelo relator, dos pontos controvertidos versados no recurso (art. 549 e parágrafo único), os autos serão conclusos ao revisor (art. 551) e a apresentados ao presidente para designação de dia para julgamento, mediante publicação da pauta no diário oficial (art. 552), observando-se, no julgamento o direito das partes de sustentarem, por 15 minutos para cada uma, as razões e contra-razões do recurso (art. 554)[96].
Mais adiante, o mesmo conclui:
A revisão das sentenças mediante apelação não se pode processar por julgamento exclusivo do relator. Se assim se fizer estar-se-á procedendo contra o devido processo legal, eliminando o recurso de embargos infringentes, a publicidade dos julgamentos e a defesa oral pelos advogados, tudo em detrimento da ampla defesa e da CF (arts. 5º, LV e 133)[97].
Já no âmbito constitucional, afirma o eminente Ministro: “sem possibilidade de erro, temos que o art. 102, II, §2º, da CF/88, não admite decisões monocráticas de mérito nas matérias elencadas”. Esse artigo se refere ao recurso extraordinário que somente admitiria decisões de mérito proferidas de forma colegiada pelo Supremo Tribunal Federal. Da mesma forma, seriam as decisões do Superior Tribunal de Justiça para o julgamento dos recursos especiais[98].
Outro aspecto levantado pelo jurista é a inconstitucionalidade do procedimento do agravo interno, previsto no parágrafo 1º do artigo 557. A ausência de intimação das partes para o julgamento e a impossibilidade de as partes oferecerem sustentação oral, seria de grande afronta aos princípios constitucionais da publicidade dos julgamentos, da ampla defesa e do contraditório. É salientado que “a presença dos advogados na tribuna conduz, não raro, ao reexame de votos pré-elaborados pelos relatores e, sobretudo, a um melhor exame pelos componentes da Turma ou Seção”[99].
Portanto, não são poucos os argumentos trazidos pelo Ministro Peçanha Martins para sustentar a inconstitucionalidade do artigo 557 do Código de Processo Civil. Contudo, é importante destacar que o Supremo Tribunal Federal consolidou posicionamento, em plenário, pela constitucionalidade dos poderes conferidos ao relator de decidir monocraticamente os recursos em determinadas situações:
CONSTITUCIONAL – MANDADO DE INJUNÇÃO – SEGUIMENTO NEGADO PELO RELATOR – COMPETÊNCIA DO RELATOR: CONSTITUCIONALIDADE. PRESSUPOSTOS DO MANDADO DE SEGURANÇA. LEGITIMAÇÃO ATIVA.
I – É Legítima sob o ponto de vista constitucional, a atribuição conferida ao Relator para arquivar ou negar seguimento a pedido ou recurso intempestivo, incabível ou improcedente e, ainda, quando contrariar a jurisprudência predominante do Tribunal ou for evidente sua incompetência (RI/STF, art. 21, §1º; Lei 8.038/90, art. 38), desde que, mediante recurso – agravo regimental – possam as decisões ser submetidas ao controle do colegiado[100].
Tal aresto foi aplicado analogicamente aos recursos seguintes, que questionavam a constitucionalidade do artigo 557 do Código de Processo Civil[101].
O referido precedente, no entendimento do professor Slaibi Filho, “consoante o disposto no art. 481, parágrafo único do Código de Processo Civil, tem evidentes efeitos vinculantes para os demais tribunais, em nome do princípio da reserva de plenário”[102] (artigo 97 da Constituição Federal). Ironicamente, os professores Marinoni e Arenhart referem que “o Supremo Tribunal Federal veio a aniquilar qualquer polêmica que pudesse vir a ser travada nesta seara”, em julgamento anterior à nova redação do artigo em comento, mas de matéria semelhante acerca dos poderes do relator conferidos pelo Regimento Interno daquela mesma Corte.
O entendimento do Supremo Tribunal Federal é de que não há ofensa à Constituição, desde que haja previsão de um controle exercido pelo colegiado à atribuição do relator de decidir singularmente o recurso, mesmo que no mérito. No caso, tal controle é exercido na ocasião do julgamento do agravo interno, examinado no presente estudo.
Esse posicionamento, que parece ser o mais adequado, é acompanhado pela doutrina majoritária nacional, podendo ser resumido nos brilhantes termos do mestre Nery Júnior, que afirma não caber objeções à constitucionalidade da norma, uma vez que “as atribuições conferidas ao relator pela norma comentada encontram-se em harmonia com os sistemas constitucional e processual brasileiros”[103].
3.2 Da (in)aplicabilidade do agravo interno do artigo 557, §1º, contra decisões liminares dos Relatores
Como já referido neste trabalho, a decisão monocrática, prevista no artigo 557, não é a única possibilidade de decisão singular do Relator abordada no Código de Processo Civil. Ao longo do código, encontram-se dispositivos com os mesmos contornos do artigo 557, inclusive com previsão expressa de meio próprio de impugnação que leve a questão à apreciação do colegiado, assim como o agravo interno do parágrafo 1º . Tal situação pode ser ilustrada com os artigos 532 (indeferimento de plano dos embargos infringentes) e 545 (decisão de plano no agravo de instrumento previsto no artigo 544).
Em contrapartida, existem outras normas que conferem ao relator poderes para decidir singularmente questões suscitadas por uma das partes em caráter liminar, onde não há previsão expressa de um meio próprio de impugnação ao órgão colegiado. São exemplos os artigos 527, III e 558 do Código de Processo Civil, que serão a partir de agora apreciados.
Sinteticamente, pode-se dizer que o agravo de instrumento dirigido ao tribunal pode vir acompanhado de um pleito liminar, onde o agravante busca: ou a suspensão da eficácia da decisão recorrida; ou a concessão da tutela antecipada, provavelmente indeferida na decisão recorrida. A possibilidade de apreciação singular do relator destes pedidos está expressa nos artigos 558 e 527, III do Código de Processo Civil, com a denominação de “efeito suspensivo” e “antecipação de tutela recursal” (também conhecido como efeito ativo), respectivamente.
Salienta-se que este tópico do trabalho não visa analisar propriamente os poderes do relator e os requisitos autorizadores de tais institutos, mas apenas expor a controvérsia doutrinária acerca do cabimento, ou não, por analogia, do agravo interno do parágrafo 1º do artigo 557 contra tais decisões.
Não são poucos os autores que defendem a irrecorribilidade das decisões liminares dos relatores dos recursos pela ausência de previsão expressa. A Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Maria Berenice Dias, entende que “nada autoriza o uso do dito agravo (interno), que se limita às hipóteses de estancamento da tramitação do recurso”[104]. Aliás, nesse mesmo sentido, é conhecida expressão do ilustre professor Araken de Assis que sustenta a irrecorribilidade dessas decisões pelo silêncio “eloqüente” do legislador[105].
Teresa Arruda Alvim Wambier recentemente reformulou seu entendimento acerca do tema. A autora, que antes acompanhava o posicionamento dos doutrinadores mencionados acima, defende agora a utilização do agravo interno previsto no artigo 557, §1º, como meio recursal “interponível contra decisão do relator, que concede ou não concede efeito suspensivo ao agravo”. Salienta, ainda, esta autora, que se determinado Tribunal obstacularizar a recorribilidade deste ato do relator, “se estará diante de situação que enseja legitimamente a impetração do mandado de segurança”[106].
O mesmo ocorreu com Gusmão Carneiro, que reconsiderou seu entendimento no sentido de que o agravo interno é aplicável também contra às referidas decisões por três motivos: a inexistência de recurso, pode motivar os litigantes a utilizar outros institutos de forma anômola, tais como o mandado de segurança; decisões injustas podem não ser corrigidas em tempo hábil pelo trâmite normal do agravo de instrumento; e que em demandas coletivas, por exemplo, a decisão liminar revela-se de imensa importância, podendo acarretar grave prejuízo à sociedade[107].
Esse posicionamento, pela aplicabilidade do agravo interno, parece ser o majoritário no âmbito doutrinário. Merece registro a importante lição do mestre Nery Júnior[108] que, aliás, embasa o discurso de muitos autores:
Negativa de efeito suspensivo ao recurso. (…) Pelo sistema recursal do CPC, a decisão interlocutória é impugnável pelo recurso de agravo. Daí ser aplicável o dispositivo ora examinado, por extensão, a essa hipótese. É cabível o agravo do CPC 557 §1º contra o ato do relator que, nada obstante defira o processamento do recurso, não conceda efeito suspensivo a ele.
Barbosa Moreira, por sua vez, defende que “onde quer que se propicie por dar ao relator a oportunidade e manifestar-se sozinho, tem-se que permitir que à sua voz venham juntar-se (…) as dos outros integrantes do órgão”[109]. Da mesma forma manifesta-se José Antônio Almeida, que preconiza caber agravo interno contra todas as “decisões interlocutórias que podem ser tomadas pelo relator”[110].
Assim como na doutrina, a recente questão ainda não foi sedimentada na jurisprudência, o que resta demonstrado pela divergência entre os julgados expostos abaixo, oriundos de uma mesma Turma do Colendo Superior Tribunal de Justiça:
Nesse tema, é uníssono o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul pela irrecorribilidade das decisões interlocutórias do relator em que não haja expressa previsão legal de recurso. Tal entendimento foi, aliás, alvo de conclusão por parte do Centro de Estudos desse pretório:
6º. – Não cabe agravo regimental ou agravo interno da decisão do Relator que nega ou concede efeito suspensivo ao agravo de instrumento, bem como daquela em que o Relator decide a respeito de antecipação de tutela ou tutela cautelar. – REDAÇÃO ALTERADA EM 07.04.1999[113].
Cumpre ressaltar que de nada adiantará a aplicação do referido recurso nas hipóteses aqui trabalhadas se o mesmo não for apresentado para julgamento com a devida urgência, já que, como muito bem ressalta o professor Medina, “é justamente o perigo de ‘lesão grave ou de difícil reparação’ que está em jogo”[114].
Por fim, vale mencionar ser compreensível a relutância dos tribunais em aceitar a aplicação do agravo interno às decisões liminares dos relatores, já que tal entendimento parece andar contra o movimento pelo desafogo do Judiciário. Entretanto, não há como se chegar ao ponto de interpretar as normas em prejuízo ao direito das partes, com o objetivo de acelerar o andamento do processo e diminuir a pilha de processos que aguardam julgamento.
3.3 O artigo 557 e a agilidade do judiciário
Neste último tópico do trabalho tentar-se-á averiguar se a nova redação do artigo 557 do Código de Processo Civil está alcançando o seu objetivo principal, qual seja, tornar mais célere a tramitação dos processos nos tribunais. Para não fugir dos termos utilizados na exposição de motivos do projeto de lei nº 4.070/98, que originou a lei 9.756/98, pode-se dizer que, com as reformas introduzidas, buscou-se dinamizar a “intrincada sistemática recursal existente, que permite, na prática, que qualquer demanda judicial alcance o Supremo Tribunal Federal e os tribunais superiores”[115].
Como se pôde examinar, a solução encontrada, em um primeiro momento, pelo legislador para tornar mais célere a tramitação dos recursos nas instâncias superiores foi a opção, em certos casos, pela singularidade em detrimento da colegialidade nos julgamentos dos processos[116]. Com isso, “hoje, já é possível que o relator julgue de forma singular recurso que somente o órgão colegiado podia fazer”[117].
A “priori”, a reforma parece ter imprimido um “notável dinamismo ao processo”[118]. Todavia, antes de se chegar a tal conclusão, é aconselhável que sejam trazidos dados concretos, ou seja, estatísticas que demonstrem que a reforma legislativa surtiu efeitos práticos nos órgãos jurisdicionais, no que concerne à tão aclamada celeridade processual.
Como bem salientado por Barbosa Moreira, ainda “não dispomos de dados estatísticos abrangentes e confiáveis que nos informem quanto dura, em média, hoje, um processo, civil ou penal. Sabemos que costumam durar muito – mas é só o que sabemos”[119]. Em que pese a inexistência de levantamentos mais aprofundados, já possuímos alguns dados estatísticos, principalmente dos tribunais superiores, que nos permitem obter uma visão geral a cerca do problema.
Conforme informação da Divisão de Estatística Processual do Superior Tribunal de Justiça, desde 1999 – entrada em vigor da Lei 9.756/98 – o número de processos julgados vem aumentando consideravelmente. Para melhor ilustrar a situação, veja-se que no ano de 1998 a referida Corte julgou 101.467 (cento e um mil quatrocentos e sessenta e sete) processos, sendo que, em 2004, foram julgados 241.309 (duzentos e quarenta e um mil trezentos e nove) processos, ou seja, houve um acréscimo de aproximadamente 138% (cento e trinta e oito por cento) no número dos julgamentos desde a entrada em vigor da Lei 9.756/98[120].
Provavelmente, este aumento no número de julgamentos só tenha sido possível graças à ampla utilização da norma que concede ao relator o poder de decidir monocraticamente os recursos. Em 2003, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, julgou 53.200 (cinqüenta e três mil e duzentos) processos, sendo 40.070 (quarenta mil e setenta) decisões monocráticas e 13.130 (treze mil cento e trinta) decisões colegiadas, ou seja, as decisões monocráticas representaram cerca de 75% (setenta e cinco por cento) dos julgamentos da referida Turma[121]. Em 2004, não foi diferente. A mesma Turma julgou mais de 46 mil processos, sendo dois terços deles constituídos de decisões monocráticas[122].
As estatísticas supramencionadas, por certo, seriam alentadoras, se analisadas isoladamente. Ocorre que, quando as mesmas são contrastadas com os números do setor de distribuição dessa Corte, percebe-se que não houve grandes mudanças. Utilizando-se os mesmos referenciais anteriores – 1998 e 2004 – onde foram, respectivamente, distribuídos 92.107 (noventa dois mil cento e sete) e 215.411 (duzentos e quinze mil e quatrocentos e onze), observa-se que houve um acréscimo de aproximadamente 134% (cento e trinta e quatro por cento) no numero de processos distribuídos. Tal acréscimo seria ainda maior se utilizássemos o ano de 2003 como referência – ano recorde de distribuição nessa Corte -, quando foram distribuídos 226.440 (duzentos e vinte e seis quatrocentos e quarenta) processos, isto é, 145% (cento e quarenta e cinco por cento) a mais do que no ano de 1998[123].
Com efeito, as estatísticas demonstram que, apesar de o número de recursos julgados ter aumentado, o número de recursos distribuídos aumentou na mesma proporção, o que não soluciona o problema da sobrecarga nos tribunais. Veja-se, por exemplo, que, dos recursos que aguardavam julgamento no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no ano de 2003, mais de 37% (trinta e sete por cento) não foram julgados, ou seja, há um déficit anual de mais de 1/3 (um terço) entre recursos distribuídos e julgados nesse Egrégio Tribunal[124].
Não é difícil concluir que a utilização da prerrogativa do artigo 557 do Código de Processo Civil vem sendo imprescindível para a administração do problema da avalanche de recursos. Contudo, enquanto o número de recursos distribuídos não reduzir, o conhecido déficit histórico entre processos distribuídos e julgados nunca será superado.
Com isso, mostra-se claro que, se, por um lado, os tribunais estão conseguindo julgar muito mais recursos do que antigamente, por outro, a quantidade de recursos cresce na mesma proporção, o que prejudica a idéia inicial do legislador, qual seja, de tornar a tramitação dos processos mais célere.
Assim, problemas como falta de credibilidade de decisões de primeiro grau, facilidade de se chegar às últimas instâncias e abuso do direito de recorrer, surgem como novos alvos do legislador para a solução do problema.
No que tange ao abuso do direito de recorrer, a apreciação do problema por certo remete à apreciação da figura (sujeito) do recorrente. Analisando-se levantamentos estatísticos atuais verifica-se, por exemplo, que “quase 61% dos recursos em tramitação no Supremo partem da União, a seguir vem o INSS com 21,94%, em terceiro o Estado de São Paulo com 11,59%. Uma vez somados, implica dizer que quase 95% de todos os feitos ingressos no STF, em média, são originários do Poder Público”[125].
Frente a tais dados, torna-se despisciendo tecer maiores comentários. Como pode o governo preconizar com tanta veemência uma tramitação mais célere dos processos, se os órgãos que são vinculados ao Poder Público, através de uma utilização abusiva do direito que lhe é conferido de recorrer, são os maiores responsáveis pelo congestionamento do Judiciário? A dificuldade em se responder tal pergunta carrega um revoltante sentimento de que não há aparente solução para o problema.
Nesse sentido, Marinoni[126] manifesta-se com o usual brilhantismo acerca do abuso do direito de recorrer, sustentando que o próprio judiciário deve ser o principal combatedor dessa prática:
Uma justiça congestionada, como é a justiça civil brasileira, não pode continuar sendo complacente com os recursos abusivos e meramente protelatórios, pois estes colaboram para tornar ainda mais lenta e cara a prestação jurisdicional.
No que concerne à facilidade das causas chegarem à apreciação das últimas instâncias, cumpre referir que a solução de tal problema não passa por uma simples mudança no sistema recursal. A tentativa de uniformização da jurisprudência nacional através da valorização dos precedentes das altas Cortes e da adoção da súmula vinculante, por certo, coopera para a amenização do problema. Todavia, a solução definitiva passaria por mudanças muito mais profundas, de cunho, inclusive, constitucional.
Para exemplificar tal afirmação, toma-se como exemplo o recurso extraordinário de competência do Supremo Tribunal Federal. Enquanto tal recurso for cabível contra qualquer decisão que supostamente viole norma constitucional, qualquer causa, desde que administrada por um bom advogado, poderá chegar à apreciação desse tribunal, pois, em possuindo a nossa Constituição Federal quase 300 artigos, haveria, no mínimo, 300 possibilidades de se enquadrar o cabimento de um recurso extraordinário.
Portanto, verifica-se que são muitos os fatores originários do problema da sobrecarga dos processos nos tribunais que passam, não apenas por questões processuais, mas principalmente políticas e culturais. No Brasil, predomina a cultura da falta de credibilidade das decisões judiciais, que justifica a grande quantidade de recursos e, conseqüentemente, a demora na prestação jurisdicional. Nessa linha, parece correto o raciocínio do jurista Donaldo Armelin[127], ao comentar a nova redação do artigo 557 do CPC:
A celeridade na solução de tais conflitos, objetivo maior da inovação em comento, resultará de um maior grau de conformismo das partes com as decisões singulares que se julgarem nos Tribunais..
Por fim, não resta dúvidas de que a boa utilização do artigo 557 do CPC foi, e está sendo, importante na luta contra a demora na prestação jurisdicional. Contudo, como visto, o problema é, talvez, muito maior do que nosso legislador imaginava, sendo que não bastarão mudanças apenas na legislação, mas na própria cultura da nossa sociedade, que precisa começar a confiar mais no Poder Judiciário.
CONCLUSÃO
No presente estudo, buscou-se apresentar uma interpretação do artigo 557 do Código de Processo Civil que fornecesse um significado à norma mais harmônico ao atual sistema em que esta se insere. Para tanto, foi empregado o moderno método de interpretação sistemática do direito, conceituado pelo mestre Juarez Freitas[128] da seguinte forma:
a interpretação sistemática deve ser entendida como uma operação que consiste em atribuir, topicamente, a melhor significação, dentre várias possíveis, aos princípios, às normais estritas (ou regras) e aos valores jurídicos, hierarquizando-os num sentido todo aberto, fixando-lhes o alcance e superando antinomias em sentido amplo, tendo em vista bem solucionar os casos sob sua aplicação.
Com efeito, tendo em vista que a fiel interpretação das normas processuais deve ser encontrada à luz dos princípios informativos que estruturam o processo em sua missão específica dentro da ciência jurídica[129], não há como se aplicar uma lei ao arrepio dos princípios orientadores do sistema vigente.
Nessa linha, para se poder realizar a interpretação do artigo em comento, partiu-se da premissa de que, da forma como se apresenta o atual ordenamento jurídico brasileiro, “a regra geral é a de que os julgamentos nos tribunais são realizados por órgãos colegiados e não isoladamente”[130]. Com isso, considera-se, por dedução lógica, o julgamento realizado de modo monocrático pelo relator de um recurso como uma exceção a essa regra geral.
Estabelecido este ideal, buscou-se interpretar tanto o “caput”, como o parágrafo 1º-A, do artigo 557, que dispõem sobre as hipóteses de cabimento do julgamento monocrático, de forma bastante restritiva, como convém ser a exegese de qualquer exceção. Assim, pôde-se concluir que a utilização da decisão monocrática, em detrimento do julgamento colegiado, não pode ser encarada como um dever, mas uma faculdade do relator, que deve atentar especialmente para o vocábulo “manifestamente”, contido na norma, que indica que a improcedência, ou a procedência, do recurso deve estar cristalina aos olhos do magistrado, que, além disso, necessita fundamentar sua decisão em estrita consonância com a hipótese de cabimento do artigo 557 que julgou aplicável ao caso.
Como visto, o controle ao exercício dessa faculdade do relator é, em regra, realizado pelo próprio órgão colegiado que, através do julgamento do agravo interno – meio próprio de impugnação das decisões monocráticas, disposto no parágrafo 1º do artigo 557 – deverá cassar, ou até reformar, as decisões monocráticas que não demonstraram o seu justo cabimento em conformidade com as hipóteses restritas da lei. Vale ressaltar que tal controle pode, inclusive, ser exercido pelo próprio relator, já que a norma prevê a possibilidade de juízo de retratação.
No que concerne à repercussão no presente estudo da Emenda Constitucional n. 45 da Constituição Federal – que instituiu, dentre outras coisas, a súmula de efeito vinculante na ordem jurídica brasileira -, restou demonstrado no segundo capítulo que, apesar das inúmeras dúvidas que ainda cercam o tema, a interpretação da norma constitucional conjugada com o artigo 557 do Código de Processo Civil se apresenta como uma das hipóteses viáveis de aplicação das súmula de efeito vinculante do Supremo Tribunal Federal. Para tanto, bastaria ao relator que receber um recurso que verse sobre matéria objeto de súmula vinculante, lançar mão do julgamento monocrático, não como uma prerrogativa, mas como uma obrigação de cunho constitucional. Trata-se, na verdade, mais uma vez, da interpretação da norma em harmonia com o sistema vigente.
Mais adiante, já no terceiro capítulo, buscou-se apreciar os aspectos mais controvertidos que envolvem tema, onde foi apreciada, em um primeiro momento, a idéia sustentada por alguns autores de que o artigo 557, da forma como está, seria inconstitucional. Não obstante a decisão do Supremo Tribunal Federal que, de certo modo, pôs panos quentes à discussão, ao declarar a norma como constitucional, cumpre referir que não parece haver procedência na alegação de inconstitucionalidade do dispositivo, uma vez que há previsão expressa de controle na atividade do relator realizado pelo órgão colegiado, que se opera no julgamento do agravo interno.
Em seguida, foi apreciada a questão da aplicabilidade, ou não, do agravo interno em estudo como meio de impugnação das decisões liminares proferidas pelo relator, em sede recursal, tais como a concessão de antecipação de tutela em grau recursal e de efeito suspensivo. Em que pese doutrina e jurisprudência estar divididas, em duas correntes com fortes argumentos, cumpre referir que pareceu a este autor o entendimento pela aplicação do agravo interno mais adequado, pois se coaduna mais com a linha interpretativa aqui preconizada. Ora, mostra-se ilógico, do ponto de vista sistemático, pensar que apenas alguns tipos de decisões singulares proferidas pelos relatores possam ser reexaminadas pelo órgão colegiado, enquanto outras – de relevância, por vezes, similar à decisão monocrática do artigo 557 – sejam irrecorríveis, pelo simples fato de não haver menção expressa em lei.
Por fim, foi analisada a questão da eficácia da norma em comento, no que pertine à agilização da prestação jurisdicional, desde a sua criação. Apesar de o país ser carente de estudos estatísticos mais profundos que possibilitem uma análise do tempo médio de duração dos processos, pôde-se concluir no presente trabalho, a partir da apreciação de certos levantamentos trazidos, que a utilização da decisão monocrática vem sendo imprescindível na luta contra a sobrecarga de recursos, especialmente nos tribunais superiores.
Ocorre que, se, por um lado, o advento da nova redação do dispositivo em foco proporcionou um significativo aumento no número de recursos julgados, por outro, o número de recursos distribuídos continuou a crescer na mesma escala, implicando na manutenção do conhecido déficit histórico existente entre recursos distribuídos e julgados. Dessa forma, é possível afirmar que o uso de decisões monocráticas, apesar de contribuir positivamente, não se apresenta como uma solução ao problema da lentidão da prestação jurisdicional, uma vez que não ataca as principais causas deste que se encontram, no humilde entendimento deste autor, justamente na falta de credibilidade das decisões judiciais, na facilidade dos processos alcançarem às últimas instâncias recursais e do abuso do direito de recorrer, em especial dos órgãos vinculados ao Poder Público.
Em suma, pode-se afirmar que o artigo 557 do Código de Processo Civil vem sendo de grande valia na prestação jurisdicional nacional. Poderá vir a ser ainda mais útil quando todos os profissionais da área conhecerem melhor o dispositivo e passarem a interpretá-lo em harmonia com o sistema vigente, de modo que sejam realizadas todas suas potencialidades. Aliás, como mencionado na introdução, um dos propósitos deste trabalho de conclusão é estimular a reflexão e a produção científica na área para que possamos entender e aplicar melhor o direito.
Bacharel em Direito pela PUC/RS
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