Defesa da Concorrência e o Sistema Financeiro Nacional: O Conflito CADE/BACEN

Resumo:Diante das recentes notícias de operações de concentração entre instituições financeiras, abriu-se a discussão sobre a fiscalização desses atos. Uns defendem a atuação privativa da agência reguladora dos bancos – BACEN -, outros a atuação conjunta entre BACEN e CADE, órgão que regula a atividade concorrencial no Estado. Nesse sentido, analisamos a atuação desses dois órgãos e o que tem sido aplicado na prática.

Palavras-chave: DIREITO CONCORRENCIAL. ATOS DE CONCENTRAÇÃO DE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. ATUAÇÃO CONJUNTA DO BANCO CENTRAL E CADE.

Abstract:Faced with the recent news of mergers among financial institutions, opened the discussion about the supervision of such acts. Some argue the private action of the regulator of banks – Central Bank – other joint operations between the Central Bank and CADE, the organ that regulates the competitive activity in the state. In this sense, we analyze the performance of these two organs and which has been applied in practice.

Keywords:COMPETITION LAW. ACTS OF FINANCIAL INSTITUTIONS CONCENTRATION. NATIONAL FINANCIAL SYSTEM. JOINT ACTION BETWEEN THE CENTRAL BANK AND CADE.

Desde o ano passado, acompanhamos as notícias sobre a aquisição de 100% das ações do banco HSBC pelo Bradesco, mas só recentemente houve uma decisão sobre o assunto.

O CADE, através da Superintendência Geral, requisitou novas diligências antes de dar um veredito sobre a operação.Decisão inédita, que põe em prática o estabelecido no artigo 56 da Lei 12.529/2011[1], o qual prevê que a SG do CADE pode declarar como complexa uma operação e assim determinar novas diligências, com o objetivo de completar a instrução processual e melhor fundamentar sua palavra final.

Declarada complexa a operação, o CADE ainda poderá requerer a prorrogação do prazo descrito no artigo 88, parágrafo 2º[2], que traz o prazo de 240 dias para avaliação de atos de concentração de grande porte.

Mas uma dúvida permanece: em se tratando de ato que envolve instituições financeiras, não deveria ser competência do Banco Central avaliar a complexidade da operação e dar um ponto final na questão? Este é o cerne da questão, pois ainda não há uma resposta definitiva.

De acordo com a Lei do Sistema Financeiro Nacional (L. 4.595/64), o BACEN, autarquia criada pela lei e vinculada ao Ministério da Fazenda, é órgão competente para exercer a fiscalização das instituições financeiras.

Nesse sentido, o BACEN tem como principais missões, zelar pela adequada liquidez e estabilidadeda economiae promover o permanente aperfeiçoamento do sistema financeiro.

O conflito entre CADE e BACEN não é novo e data dos anos 90, quando a autoridade de defesa da concorrência passou a analisar atos de concentração envolvendo instituições do sistema financeiro.

A questão ganhou novos contornos após o pronunciamento da AGU no parecer GM-020 de 2001[3]e da decisão monocrática proferida pelo Ministro Dias Toffoli[4],ambas conferindo competência privativaao BACEN para analisar tais operações (RE 664.189).

No recurso extraordinário em questão, o CADE foi ao STF para discutir a sua atribuição no caso relativo à compra do Banco BCN pelo Bradesco, ocorrida nos anos 1990. No caso em tela, foi questionada decisão do STJ, segundo a qual a fiscalização de atos de concentração, aquisição ou fusão de instituições financeiras é de atribuição do BACEN. A decisão do STJ cita o parecer GM-020 da AGU no sentido de que a competência no caso é exclusiva do Banco Central.

À época, o CADE argumentou que o parecer exarado pela AGUnão teria caráter vinculante e a sua competência não ofenderia as atribuições do BACEN, na medida em que desempenham funções distintas.

Ainda alegou o seguinte:

a) diferenciou as competências do CADE e do BACEN, sendo que o primeiro atua como autoridade antitruste regulando a atividade concorrencial e o segundo, como ente regulatório setorial, ou seja, que regula as atividades do sistema financeiro. Pontuou que, embora tenham finalidades distintas, estas se complementam, pois ambos trabalham em “prol da coletividade e dos princípios que regem a ordem econômica”;

b) apontou que as leis que disciplinam o SFN (L. 4.595/64) e antitruste (à época L. 8.884/94) se complementariam.

Entretanto, a decisão foi favorável ao BACEN, entendendo pela exclusividade de sua atuação.

No entanto, a decisão não é definitiva e tramitam no Congresso Nacional projetos de lei que visam a alterar esse quadro.

O projeto de lei do Senado nº 350 de 2015[5], propõe definir a competência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) para defender a concorrência no setor financeiro, ao mesmo tempo em que permite que o BACEN intervenha para decidir acerca de casos que acarretem algum risco sistêmico[6] ao Sistema Financeiro Nacional.

O projeto, de autoria do Senador AntonioAnastasia, utiliza-se do princípio da livre concorrência para fundamentar a proposta de alteração da Lei nº 4.595/64, a fim de aperfeiçoar o Sistema Financeiro Nacional.

Atualmente o PLS nº 350/2015 encontra-se na pauta da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado para votação.

Já no ano de 2011, este assunto se encontrava na pauta de discussões de juristas brasileiros, como aconteceu no I Congresso Internacional de Direito Comercial.

Na ocasião, o professor Celso Campilongo ponderou que “existe uma relação horizontal entre órgãos de regulação e de defesa da concorrência, eles têm atuações distintas e complementares. Agência reguladora tem um papel quase legislador, já os órgãos de defesa da concorrência de julgador. O CADE julga com legitimidade porque não é ele que regulamenta a matéria”[7].

O professor ainda pontua que “existe uma diferença entre o Direito Concorrencial e Regulação. O primeiro é intensivamente fático, já o segundo tende a ser mais normativo. Tanto que o Direito Concorrencial se acomoda melhor no Econômico, e o Regulatório no Direito Administrativo”[8].

Diante dessas considerações, o quadro atual é o seguinte: os conselheiros do CADE defendem uma atuação coordenada entre CADE e BACEN;de outra banda, outros entendem que essa atuação conjunta poderá aumentar a burocracia nas concentrações entre entidades do sistema financeiro.

De mais a mais, a solução da controvérsia está longe de acabar.

Num mundo ideal, deveria haver essa dupla atuação, cada qual desempenhando a sua função, sem que isto acarrete maiores burocracias e dilatação de prazos. Mas num país tão burocrático como o Brasil, esse ideal, infelizmente, é utópico.

Referências
CHAVES, Reinaldo, Cabe ao Banco Central julgar fusões e aquisições de bancos, decide STF in Consultor Jurídico, 02 de julho de 2014. Disponível em http://www.conjur.com.br/2014-jul-02/cabe-banco-central-julgar-fusoes-aquisicoes-bancos-julga-stf.
DANTAS, Iuri, Compra do HSBC pelo Bradesco “eleva nível de concentração bancária in Jota, 01 de fevereiro de 2016. Disponível em http://jota.info/compra-do-hsbc-pelo-bradesco-aumenta-concentracao-de-mercado-diz-cade.
GHIRELLO, Mariana, Especialistas discutem desafios concorrenciaisin Consultor Jurídico, 25 de março de 2011. Disponível em http://www.conjur.com.br/2011-mar-25/especialistas-discutem-desafios-direito-concorrencia.
Notas:
[1] Art. 56.  A Superintendência-Geral poderá, por meio de decisão fundamentada, declarar a operação como complexa e determinar a realização de nova instrução complementar, especificando as diligências a serem produzidas.
Parágrafo único.  Declarada a operação como complexa, poderá a Superintendência-Geral requerer ao Tribunal a prorrogação do prazo de que trata o § 2o do art. 88 desta Lei.
[2] Art. 88.  Serão submetidos ao Cade pelas partes envolvidas na operação os atos de concentração econômica em que, cumulativamente:
I – pelo menos um dos grupos envolvidos na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais); e
II – pelo menos um outro grupo envolvido na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais).
§ 2o O controle dos atos de concentração de que trata o caput deste artigo será prévio e realizado em, no máximo, 240 (duzentos e quarenta) dias, a contar do protocolo de petição ou de sua emenda.
[3]1. Consulta sobre conflito de competência entre o Banco Central do Brasil e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE. 2. As posições conflitantes: Parecer da Procuradoria-Geral do Banco Central, de um lado, e Pareceres da Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça e da Procuradoria do CADE e estudo do Dr. Gesner Oliveira, de outro. 3. O cerne da controvérsia. 4 . Conclusão pela competência privativa do Banco Central do Brasil para analisar e aprovar os atos de concentração de instituições integrantes do sistema financeiro nacional, bem como para regular as condições de concorrência entre instituições financeiras e aplicar-lhes as penalidades cabíveis (http://www.agu.gov.br/atos/detalhe/8413)
[4]http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4170404
[5]http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/121667
[6]Em finanças, risco sistêmico refere-se ao risco de colapso de todo um sistema financeiro ou mercado, com forte impacto sobre as taxas de juros, câmbio e os preços dos ativos em geral, e afetando amplamente a economia – em contraste com o risco associado a uma entidade individual, um grupo ou componente de um sistema (Wikipedia).
[7]Notícia veiculada pelo Consultor Jurídico em 25 de março de 2011. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2011-mar-25/especialistas-discutem-desafios-direito-concorrencia
[8] Idem.

Informações Sobre o Autor

Gabriela Gruber Sentin

Advogada. Especialista em Direito Tributário pelo IBET


Equipe Âmbito Jurídico

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