Resumo: No presente artigo, com base em pesquisa bibliográfica, doutrinária e jurisprudencial, analisa-se as definições trazidas pelo ordenamento jurídico sobre as diversas definições de organização criminosa. No Brasil, há três grandes momentos conceituais para organizações criminosas, mas apenas o último trouxe uma definição concreta. Foram anos sem nenhum respaldo legal, até o surgimento de um primeiro conceito trazido pela Lei n. 12.850/13. Essa novidade permitiu a definição de organização criminosa e o a punição de criminosos, que até então não era possível por não haver uma definição legal.
Palavras-chave: Definição, organização criminosa, convecção de Palermo, Lei n. 12.694/12 e Lei n. 12.850/13.
Abstract: In this article, based on bibliographical, doctrinal and jurisprudential research, the definitions brought by the legal order on the different definitions of criminal organization are analyzed. In Brazil, there are three major conceptual moments for criminal organizations, but only the last has brought a concrete definition. These were years without any legal support, until the appearance of a first concept brought by Law n. 12.850/13. This news allowed the definition of a criminal organization and the punishment of criminals, which until then was not possible because there was no legal definition.Keywords: Definition, criminal organization, convection of Palermo, Law n. 12.694/12 and Law n. 12.850 /13.
Sumário: Introdução. 1. O conceito da Convenção de Palermo. 2. A definição legislativa segundo a Lei n. 12.694/2012. 3. O conceito trazido pela Lei n. 12.850/2013. Conclusão.
Introdução
As organizações criminosas são um fenômeno muito antigo na história da humanidade, tendo se desenvolvido e aprimorado suas ações e comportamentos criminosos ao longo dos anos.
Neste artigo serão apresentadas as diversas definições relacionados ao tema “organizações criminosas”, de forma a colaborar com o leitor na compreensão das especificidades desta matéria, tendo como supedâneo a Lei n. 12.850/13, que define organizações criminosas e dá outras providências.
A partir disso, pretender-se elaborar uma análise descritiva dos principais conceitos de organizações criminosas presentes no ordenamento jurídico brasileiro, de forma a compreender melhor suas formas de atuação no âmbito da sociedade contemporânea.
1. O conceito da Convenção de Palermo
O conceito do que seria uma organização criminosa ficou vazio desde a publicação da Lei n. 9.034/95 até a promulgação da conhecida Convenção de Palermo. Esta Convenção foi ratificada pelo Brasil por meio do Decreto n. 5.015/04, o qual passou a fazer parte do ordenamento jurídico brasileiro.
Os artigos 1º e 2º da Convenção, que tratam dos objetivos e terminologias, respectivamente, têm a seguinte redação:
“Art. 1º O objetivo da presente Convenção consiste em promover a cooperação para prevenir e combater mais eficazmente a criminalidade organizada transnacional.
Art. 2º Para efeitos da presente convenção, entende-se por:
a) ‘Grupo criminoso organizado’ – grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material;
b) ‘Infração grave’ – ato que constitua infração punível com uma pena de privação de liberdade, cujo máximo não seja inferior a quatro anos ou com pena superior;
c) ‘Grupo estruturado’ – grupo formado de maneira não fortuita para a prática imediata de uma infração, ainda que os seus membros não tenham funções formalmente definidas, que não haja continuidade na sua composição e que não disponha de uma estrutura elaborada […]”.
No entanto, como se trata de tratado internacional, este não pode definir crimes e penas no âmbito do direito interno, o que exige que a lei fosse discutida e aprovada pelo parlamento brasileiro. Martins (2013, p.6) afirma que um tratado internacional somente detém jus puniendi no plano do direito internacional, entre indivíduos e organismos internacionais, não podendo estabelecer tipos penais e sanções do Direito Penal brasileiro.” Supremo Tribunal Federal, por sua vez, entendeu ao apreciar o HC nº 96.007/SP, o seguinte: o STF apontou que os dispositivos mencionados pela Convenção de Palermo não deveriam ser aplicados à Lei n. 9.034/95.
Em síntese, sustenta o Ministro Marco Aurélio que não se pode utilizar o conceito da Convenção de Palermo, porque essa foi ratificada por simples decreto, sem passar pelas formalidades do devido processo legislativo, exigência do princípio da Legalidade.
Nesse contexto, afirma ainda o referido Ministro, que a definição de Organização Criminosa da Convenção de Palermo não pode ser potencializada, sendo necessário que se defina o conceito através de lei, que preveja não só a conduta, mas também a pena, nos termos do art. 5º, XXXIX, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB).
Nesse sentido, Gomes:
“Em primeiro lugar, a definição de crime organizado trazida pela Convenção de Palermo é por demais ampla, genérica, e viola a garantia da taxatividade, corolário do princípio da legalidade. Em segundo, o conceito apresentado tem valor para nossas relações com o direito internacional, não com o direito interno. Por último, as definições preceituadas pelas convenções ou tratados internacionais jamais valem para reger nossas relações com o Direito penal interno em razão da exigência do princípio da democracia (ou garantia da lex populi)”.
Portanto, é consenso entre os doutrinadores e a jurisprudência que a chamada convenção de Palermo não pode ser aplicada ao direito brasileiro, pois não passou pelo crivo necessário do Poder Legislativo, ferindo assim o princípio da legalidade. Ademais, a definição trazida pela convenção é demasiadamente ampla, o que fere o princípio da taxatividade. Para tanto, essa falta de definição acabou quando a Lei n. 12.694/2012, a qual passou a disciplinar e conceituar organizações criminosas.
2. A definição legislativa segundo a Lei n. 12.694/2012
Com a entrada em vigor da Lei n. 12.694/2012, que dispõe sobre o processo e o julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por organizações criminosas, foi definido pela primeira vez o que se considera uma organização criminosa por uma lei ordinária. Ao contrário da Lei n. 9.034/95, aquela não se esquivou de conceituar o tema, conforme se vê no artigo 2º:
“Art. 2o Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional”.
A Lei n. 12.694/2012 não seguiu o mesmo conceito da Convenção de Palermo. Modificou de forma leve, mas significativas a antiga definição. Observa-se que a nova lei passou a enquadrar crimes com penas igual ou superior a 4 anos e quanto aos crimes transnacionais, qualquer que seja a pena. Ainda, o objetivo do crime pode ser vantagem de qualquer natureza. Conforme Cunha a referida Lei:
“Modificou o rol de infrações sobre as quais podem incidir a caracterização de crime organizado, passando a ser apenas os crimes de pena máxima igual ou superior a 4 anos ou crimes, qualquer seja a pena, desde que transnacionais. O antigo conceito englobava qualquer infração penal, crimes ou contravenções, com pena máxima também igual ou superior a 4 anos e, ainda, as infrações previstas na própria Convenção. O objetivo do grupo no conceito da Convenção deveria ser a obtenção de vantagem econômica ou benefício material; enquanto que na Lei 12.694/12 este objetivo seria a obtenção de vantagem de qualquer natureza, inclusive a não econômica”.
Ficou claro que o legislador quis dar maior importância em combater os delitos transnacionais, pois não especificou a quantidade de pena, bastando que seja transnacional. De outro modo, ampliou a punição das organizações criminosas, eis que pouco importa se há ou não vantagem econômica, bastando à vantagem de qualquer natureza.
Cabe destacar que embora a Lei n. 12.694/12 seja especifica e objetiva a formação de colegiados para julgamentos quando se tratarem de organizações criminosas, a doutrina não hesitou em dizer que a dita definição não se restringiu apenas a esse instituto, aplicando-se também nos procedimentos previstos na Lei n. 9.034/95. Apesar da importância dessa lei para o ordenamento jurídico brasileiro, tal conceito não perdurou por muito tempo, o que resultou na necessidade de uma nova lei para efetivamente ser aplicada nos crimes envolvendo organizações criminosas.
3. O conceito trazido pela Lei n. 12.850/13
Antes de iniciar a conceituação trazida pela nova lei, é importante mencionar que atualmente que o conceito da Lei n. 12.694/12 não é mais aceito para regulamentar as organizações criminosas em geral, já que esta lei se aplica apenas para disciplinar a formação de um colegiado para julgamento de tais delitos.
O aparente conflito de normas entre a Lei n. 12.694/12 e a Lei 12.850/13 é tratado hodiernamente assim, conforme Pacelli (2013, p. 45):
“Muito embora a Lei 12.850/13 não faça qualquer referência à eventual revogação parcial da Lei 12.694/12, notadamente no que respeita ao conceito de organização criminosa, não se pode admitir a superposição de conceitos em tema de tamanha magnitude. Tal situação, ao nosso ver, deve ser solucionada a luz dos critérios utilizados para a superação do conflito aparente de normas, especialmente, o critério cronológico. Assim, deve-se entender que a Lei 12.850/13 revogou, no que tange ao conceito em apreço, a Lei 12.694/12, devendo ser utilizado, portanto, a definição naquela prevista”.
Hoje a única norma que conceitua corretamente o tema é a Lei 12.850/13. No entanto, é importante frisar que a definição de organização criminosa é complexa e controversa, tal como a própria atividade do crime nesse cenário. O artigo 1º, §1º da referida lei traz o seguinte conceito:
“Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional”.
Não obstante o legislador optar pelo número de quatro ou mais integrantes na organização criminosa, é possível ocorrer crimes com as mesmas características com que citadas, com menos integrantes. Nucci (2013, p. 13) afirma que o número de associados, para configurar o crime organizado, resulta de pura política criminal, pois variável e discutível. Conforme o caso concreto, duas pessoas podem organizar-se, dividir tarefas e buscar um objetivo ilícito comum.
Assim como na Lei n. 11.343/2006 (Lei de Drogas), no seu art. 35, onde prevê que para associarem-se necessitam-se apenas de duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, os crimes previstos nos artigos 33 e 34 (tráfico). Apesar disso, o legislador optou pela ideia esboçada pela antiga redação do artigo 288 do Código Penal, constitutiva de quadrilha ou bando, que é a reunião de mais de três pessoas, ou seja, quatro ou mais.
Para entendermos no que o legislador se baseou para elaborar o novo conceito de organização criminosa é preciso verificar a antiga redação do artigo 288 do Código Penal.
Ressalta-se, no entanto, que há uma distinção entre a nova lei de organização criminosa e o antigo crime de quadrilha ou bando, conforme Fuller:
“Na lei n. 12.850/13 para restar configurado o crime são necessários os seguintes requisitos: concurso necessário de 4 ou mais pessoas; estruturada e com divisões de tarefas; com o fim de auferir vantagem de infrações penais, portanto abrange as contravenções e infrações transnacionais (qualquer pena) ou nacionais com pena máxima superior a 4 anos. Já para configurar o antigo tipo penal do artigo 288 do Código Penal era preciso mais de 3 pessoas, com estabilidade ou permanência, não se exigindo estrutura e divisão de tarefas e o cometimento de quaisquer crimes, não importando a pena ou se nacionais ou transnacionais” (2013, p. 202).
Denota-se dessas diferenciações, que o legislador se preocupou em tipificar detalhadamente as organizações criminosas na Lei n. 12.850/13, baseando-se para isso na antiga redação do art. 288 do Código Penal quanto ao número de integrantes. Mas, adicionou a necessidade de ser estruturada e com divisão de tarefa. Ademais, agora é preciso o cometimento de uma infração penal almejando vantagem de qualquer natureza, o que antes não era necessário.
Por fim, conforme Sanches o novo conceito é analisado da seguinte maneira, com os seguintes critérios para a configuração do crime:
“Além da associação de 4 ou mais pessoas, exige-se um conjunto de pessoas estabelecido de maneira organizada, significando alguma forma de hierarquia (superiores e subordinados); a divisão de tarefas, ou seja, a divisão de tarefas de modo que cada uma possua uma atribuição particular, respondendo pelo seu posto. Além disso, é necessária a obtenção de vantagem de qualquer natureza, permitindo vantagem de outra natureza, mesmo que a de cunho econômico seja a regra. Ademais, as infrações penais sejam superiores a 4 anos ou que tenham o caráter transnacional, independente da natureza da infração penal (crime ou contravenção)” (2013, p. 121).
Então, mesmo que o conceito tenha vindo de maneira tardia, oportuno mencionar que a Lei 12.850/13 – pela primeira vez – tipificou as condutas de organização criminosa, transformando-as em crime autônomo. Com essa alteração, o crime de organização criminosa passou da seguinte forma, conforme se pode observar no artigo 2º da Lei 12.850/13:
“Art. 2o Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.”
A definição de organização criminosa está fora do tipo penal (art. 2º), embora na mesma lei (está no art. 1º). Segundo Fuller (2013, p. 213): “Trata-se de norma penal em branco do tipo homogênea, pois tanto o tipo penal quanto o complemento se encontram-se em lei federal (norma de mesma hierarquia). Ainda, é classificada como homóloga ou univitelina, pois ambas estão no mesmo diploma legal, na mesma lei.”
Para maior eficácia da norma, o legislador previu a possibilidade, no art. 2º, §1º de punir o agente que impede ou embaraça a investigação, conforme:
“Art. 2º […]
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa. […].
A lei, no seu art.2º, §§2º, 3º e 4º ainda previu algumas causas de aumento de pena:
Art 2º […]
§ 2o As penas aumentam-se até a metade se na atuação da organização criminosa houver emprego de arma de fogo.
§ 3o A pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução.
§ 4o A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços):
I – se há participação de criança ou adolescente;
II – se há concurso de funcionário público, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de infração penal;
III – se o produto ou proveito da infração penal destinar-se, no todo ou em parte, ao exterior;
IV – se a organização criminosa mantém conexão com outras organizações criminosas independentes;
V – se as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade da organização.”
Percebe-se que o legislador se preocupou em incluir todas as pessoas envolvidas na organização criminosa, mesmo que de forma indireta, nitidamente quando inclui o agente que impede ou embaraça investigações. Ainda, teve um cuidado especial de prever uma pena mais severa àqueles que envolvem crianças ou adolescentes, funcionários públicos, dentre outros.
Enfim, é necessário destacar que com a entrada em vigor da Lei 12.850/13, esta modificou de forma expressa o título “quadrilha ou bando” prevista no Código Penal, para agora, atingindo-se a terminologia adequada, correspondente a “associação criminosa”, que prevê a associação de 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes.
Conclusão
Não há como negar que a organização criminosa é um problema que necessita ser enfrentado pela sociedade. Para que que isso fosse possível, tornou-se necessário uma definição do que é crime organizado. Levou anos até que se chegasse a definição trazida pela Lei n. 12.850/13. Embora o combate ao crime organizado seja tarefa árdua e complexa, é fundamental que o Estado forneça subsídios, inclusive legislativos, aptos e suficientes a aparelhagem os órgãos, instituições e poderes estatais incumbidos de, direta e indiretamente, velarem pela manutenção de segurança pública e pela efetivação da justiça.
De outro modo, o Estado deve encontrar o adequado ponto de equilíbrio entre a necessária preservação dos direitos e garantias individuais e o poder-dever estatais de punir àqueles que lastreiam suas vidas no crime, especialmente o crime organizado.
Formado em direito pela UNISUL Universidade do Sul de Santa Catarina e pós-graduado em Direito Constitucional Aplicado
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