Sumário: I. Introdução; II. Desaposentação como tentativa de reavivar o extinto abono de permanência dever do INSS de respeitar a legalidade estrita ausência de lacuna legislativa que dependa de colmatação; III. Conclusão; Referências
I – INTRODUÇÃO
Atualmente, a justiça federal enfrenta uma verdadeira enxurrada de ações que versam sobre pedido de renúncia de aposentadoria no regime geral de previdência social para concessão de outra mais vantajosa, computado o tempo de contribuição posterior ao recebimento da primeira parcela do benefício, o que a doutrina e a jurisprudência têm denominado de desaposentação.
II – DESAPOSENTAÇÃO COMO TENTATIVA DE REAVIVAR O EXTINTO ABONO DE PERMANÊNCIA – DEVER DO INSS DE RESPEITAR A LEGALIDADE ESTRITA – AUSÊNCIA DE LACUNA LEGISLATIVA QUE DEPENDA DE COLMATAÇÃO
A jurisprudência ainda se divide sobre o mérito dos pedidos de desaposentação e – renúncia a benefício de aposentadoria e o aproveitamento do tempo de serviço posterior para obtenção de outro benefício mais vantajoso – e a última palavra será dada pelo Supremo Tribunal Federal nosrecursos extraordinários 381.367 e 661256/DF, cujo julgamento se encontra submetido à sistemática de repercussão geral.
Inicialmente, pode se ver uma grande simpatia dos magistrados quanto aos pedidos de desaposentação. Muitos sentenciaram pela possibilidade de segurados se desaposentarem e obterem nova aposentadoria, sob fundamento de que: a) haveria ausência de norma impeditiva; e b)o benefício previdenciário seria direito patrimonial disponível, portanto, renunciável.
Para os magistrados simpatizantes com a tese de desaposentação, a celeuma ficaria entre a necessidade ou não de devolução dos proventos auferidos e oriundos da aposentadoria que se pede renúncia.
Contudo, atualmente, esta articulista percebeu que diversos magistrados, após melhor reflexão, decidiram por julgar improcedentes os pedidos de desaposentação e é o que se vê largamente em primeira instância na justiça federal da quarta região.
Para ilustrar a situação acima mencionada, cita-se trecho da sentença da juíza federal da quarta região, Dra. Luciane Merlin CleveKravetz, nos autos do processo n. 5019882-40.2012.404.7000/PR, verbis:
“O contrário, aceitar a precariedade do ato de concessão de aposentadoria, seria o mesmo que reavivar por vias transversas o extinto abono de permanência, pois, a cada ano, o aposentado, segundo lhe parecesse conveniente, teria a possibilidade de pedir o cancelamento do benefício anterior para incrementar o valor do posterior.
No entanto, convenci-me de que a solução não é a melhor, porque não se pode considerar o benefício um direito disponível e, portanto, renunciável, se esta renúncia implicar, para a outra parte envolvida na relação jurídica, uma obrigação, consistente na contagem de tempo de serviço já utilizado para o benefício anterior. Renúncia propriamente dita só haverá se o segurado renunciar à aposentadoria e, por consequência, ao tempo de serviço incorporado ao seu patrimônio jurídico e que embasou a concessão do benefício anterior.
De outro lado, é preciso considerar a jurisprudência do STF que reconhece no ato de concessão de aposentadoria um ato jurídico perfeito, imune, à lei nova e, com maior razão, à vontade unilateral de uma das partes. Foi assim que se firmou a jurisprudência no sentido de que, se o segurado optou pela aposentadoria integral, por sua conveniência, não pode, depois, reafirmar sua vontade e pretender que o benefício seja calculado em data anterior, com base no direito adquirido à aposentadoria proporcional:
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA INTREGRAL. TRANSFORMAÇÃO. APOSENTADORIA PROPORCIONAL AO TEMPO DE SERVIÇO. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. I – Tendo o autor optado, por sua exclusiva conveniência, pela aposentadoria integral, não pode a sua renda mensal ser calculada em data anterior, quando fazia jus à aposentadoria proporcional ao tempo de serviço. Precedentes. II – Não há qualquer contrariedade à Súmula 359 do STF, porquanto tal enunciado pressupõe alterações legislativas previdenciárias, os quais importem em evidente prejuízo ao beneficiário que cumpriu os necessários requisitos à inatividade, em momento anterior, quando havia legislação mais favorável ao segurado. Precedente. III – Agravo regimental improvido.(AI 810744 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 02/12/2010, DJe-020 DIVULG 31-01-2011 PUBLIC 01-02-2011 EMENT VOL-02454-14 PP-03423)
Se é assim para revisar o benefício com a retirada de uma parcela do tempo de serviço, com maior razão deve-se considerar a vedação de somar tempo de contribuição posterior à jubilação, tempo este regido por regras específicas: (i) é segurado obrigatório o aposentado que exercer atividade abrangida pelo RGPS, de modo que ele deve recolher as contribuições previdenciárias (art. 11, § 3º, da Lei 8213/91, decorrência da regra constitucional da solidariedade), sem que, em contrapartida, tenha o direito à nova aposentadoria; (ii) o aposentado pelo RGPS que exercer atividade sujeita ao regime não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado (art. 18, § 2º, da Lei 8213/91). (…)
Assim, a ausência de previsão na lei do direito à desaposentação é mesmo um silêncio eloquente e não uma lacuna legislativa dependente de colmatação. Em outras palavras, não há uma omissão censurável no ordenamento jurídico, que reclame integração via jurisprudência, mas uma manifesta ausência da previsão do ato de desaposentação, o que é suficiente para que se entenda como ato vedado pelo ordenamento jurídico”. (g.n.)
Conforme muito bem apontado pela juíza federal Dra. Luciane Merlin CleveKravetz, não se deve concluir que a desaposentação é um ato possível porque não há lei impeditiva para tal desiderato, pois, muito pelo contrário, o enfoque a ser abordado é quanto ao princípio da legalidade, o qual a administração, no caso o INSS, deve observar fielmente, pois não possui discricionariedade para atuar como legislador positivo.
É preciso ter em mente que, “ao contrário dos particulares, os quais podem fazer tudo o que a lei não proíbe, a Administração só pode fazer o que a lei antecipadamente autorize” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 1999. 12ª ed. p 76).
A tese de desaposentação enfrenta não só entendimento prévio do STF em sentido contrário, como exposto no trecho da sentença acima transcrito, como a questão de trazer à tona pela via judicial, e não legislativa, o extinto abono de permanência e areversão de aposentadoria não prevista em lei, o que certamente ofende oprincípio da solidariedade da previdência social. Nesse sentido, leia-se da ementa do seguinte aresto do egrégio TRF4:
“PREVIDENCIÁRIO. SEGURADO. APOSENTADORIA. BENEFICIÁRIO. DESAPOSENTAÇÃO. RENÚNCIA. REVERSÃO DE APOSENTADORIA. RELAÇÃO JURÍDICA INSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. Não existe previsão legal para autorizar a reversão de aposentadoria para retornar o beneficiário da previdência social à condição de segurado. A inexistência de tal previsão em nível legal não padece de inconstitucionalidade, pois tampouco em sede constitucional existe amparo a tal pretensão. Sendo a relação jurídica de direito previdenciário institucional, sendo os atos administrativos de concessão de benefícios atos administrativos vinculados, sendo os atos do segurado em face da previdência social atos jurídicos stricto sensu, não há espaço para a criação de direitos e obrigações além do expressamente estabelecido na legislação de regência do Regime Geral da Previdência Social. Ressalvada a reversão de aposentadoria por invalidez no caso de reabilitação, como regra geral, a legislação de regência não prevê e não autoriza a possibilidade de reversão da aposentadoria. Assim é por ser necessário que haja a estabilização das relações previdenciárias com a formação de uma situação definitiva. Tendo em vista que renúncia a direito é ato constitutivo negativo que consiste na extinção voluntária da titularidade de um direito, e que este ato não pode criar obrigações para terceiros, e tendo em vista as claras distinções entre a condição jurídica de segurado da previdência social e a condição jurídica de beneficiário aposentado, aquilo que a jurisprudência vem chamando de renúncia à aposentadoria para que o beneficiário reincorpore o tempo de serviço antes utilizado para se aposentar, ressarcindo à previdência os valores recebidos a título de aposentadoria, constitui, não obstante a denominação dada, de fato, verdadeira reversão de aposentadoria. Inexistindo, como inexiste, regulamentação para a pretensão, esta poderia ser indefinidamente exercida. Isto é, não existiria limite para a possibilidade de o beneficiário reverter sua aposentadoria, aposentar-se e futuramente, por qualquer conveniência, pretender desaposentar-se novamente e assim sucessivamente, já que se a primeira aposentadoria não é definitiva, nenhuma teria de sê-lo. A reversão de aposentadoria não prevista em lei vem gerar ainda grave distorção em face do caráter social e princípio da solidariedade da previdência social. A lei, não prevendo, não permite que o aposentado volte a ser segurado pela reversão de sua aposentadoria. E tal restrição de direitos se prende a um juízo de valor do legislador que, notadamente, considerou que, dentro do sistema previdenciário brasileiro, seria possível e suficiente assegurar ao segurado o acesso à aposentadoria com tal limitação. Daí, não se trata, no caso, de vazio da Lei, mas de um silêncio eloqüente. Não é dado ao beneficiário aposentado da previdência reverter sua aposentadoria seja diretamente seja mediante pretensa renúncia à aposentadoria”. (TRF4, AC 0003459-62.2009.404.7205, Relator Guilherme Beltrami, D.E. 20/01/2011) (g.n.)
A questão encontra-se sub judice no Supremo Tribunal Federal nos recursos extraordinários 381.367 e 661256/DF, julgamento esse submetido à sistemática de repercussão geral, cuja ementa transcreve-se:
“CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. § 2º DO ART. 18 DA LEI Nº 8213/91. DESPOSENTAÇÃO. RENÚNCIA A BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA. UTILIZAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO QUE FUNDAMENTOU A PRESTAÇÃO PREVIDENCIÁRIA ORIGINÁRIA. OBTENÇÃO DE BENEFÍCIO MAIS VANTAJOSO. MATÉRIA EM DISCUSSÃO NO RE 381.367, DA RELATORIA DO MINISTRO MARCO AURÉLIO. PRESENÇA DE REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL DISCUTIDA. Possui repercussão geral a questão constitucional alusiva à possibilidade de renúncia a benefício de aposentadoria, com a utilização do tempo de serviço/contribuição que fundamentou a prestação previdenciária originária para obtenção de benefício mais vantajoso”.
Questiona-se: 1. caso o STF decida pela possibilidade jurídica de desaposentação, como ficarão os efeitos dessa decisão, haja vista que o INSS não tem a menor culpa em negar os pedidos de renúncia de aposentadoria para concessão de outra mais vantajosa, dada a ausência de expressa previsão legal e o dever de obedecer ao princípio da legalidade? 2. se a tese da possibilidade de desaposentação se consagrar vitoriosa, poderá ser reconhecida a decadência em consonância com o que dispõe o artigo 103 da Lei 8.213/1991?
Com relação à primeira pergunta, como a obrigação teria sido criada pelo judiciário, data veniaem inovação normativa, o marco inicial dos efeitos financeiros deverá ser a data do trânsito em julgado da decisão do STF nos recursos extraordinários 381.367 e 661.256/DF. Ainda, não poderá haver condenação em honorários advocatícios, em obediência ao princípio da razoabilidade, visto que a“renúncia a direito é ato constitutivo negativo que consiste na extinção voluntária da titularidade de um direito” e que não se poderia exigir conduta prévia diversado INSS, pois do contrário estaria a fraudar a lei, a desobedecer ao princípio da legalidade.
Por outro lado, caso o STF decida favoravelmente à tese de desaposentação, é mister que se reconheça a possibilidade de decadência do direito a se desaposentar, nos moldes do artigo 103 da Lei 8.213/1991, que assim dispõe:
“Art. 103. É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo. (Redação dada pela Lei nº 10.839, de 2004)
Parágrafo único. Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil. (Incluído pela Lei nº 9.528, de 1997)”
Ao contrário do que recentemente decidiu a primeira turma do STJ no recurso especial 1348301/SC, em 27/11/2013, caso se decida pela possibilidade de desaposentação, o entendimento que se deve adotar, com o devido acato, é o da aplicabilidade da decadência, conforme muito bem restou fundamentado no recurso especial 1308683/RS, julgado em 10/04/2013, pela Corte Especial daquele tribunal, sob relatoria da Ministra Maria Thereza De Assis Moura:
“PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. DECADÊNCIA. ART. 103 DA LEI 8.213/1991. PEDIDO DE RENÚNCIA A BENEFÍCIO (DESAPOSENTAÇÃO). INCIDÊNCIA. REVISÃO DO ATO DE CONCESSÃO. APLICAÇÃO DA REDAÇÃO DADA PELA MP 1.523-9/1997 AOS BENEFÍCIOS ANTERIORES À PUBLICAÇÃO DESTA. DIREITO INTERTEMPORAL. MATÉRIA APRECIADA SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC.
1. Trata-se de pretensão recursal contra a aplicação do prazo decadencial do art. 103 da Lei 8.213/1991 à renúncia de aposentadoria (desaposentação).
2. Segundo o art. 103 em comento "é de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício".
3. O comando legal estipula como suporte fático-jurídico de incidência do prazo decadencial todo e qualquer direito ou ação para a revisão do ato de concessão.
4. O alcance é amplo e não abrange apenas revisão de cálculo do benefício, mas atinge o próprio ato de concessão e, sob a imposição da expressão "qualquer direito", envolve o direito à renúncia do benefício.
5. Entendimento adotado por esta Segunda Turma nos AgRgs nos RESPs 1.298.511/RS e 1.305.914/SC (Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, Dje 27.8.2012).
6. "Incide o prazo de decadência do art. 103 da Lei 8.213/1991, instituído pela Medida Provisória 1.523-9/1997, convertida na Lei 9.528/1997, no direito de revisão dos benefícios concedidos ou indeferidos anteriormente a esse preceito normativo, com termo a quo a contar da sua vigência (28.6.1997)." (REsps 1.309.259/PR e 1.326.114/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, sessão de 28.11.2012, julgados sob o regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 8/2008).
7. Agravo Regimental não provido.” (STJ. AgRg no REsp 1308683/RS RECURSO ESPECIAL 2012/0054701-2. Julgamento: 10.04.2013)
III – CONCLUSÃO
Em conclusão, a desaposentação é pedido juridicamente impossível e, por tal razão, deve ser rejeitado. Sucessivamente, caso o STF ao apreciar os recursos com repercussão geral sobre o tema decida pela possibilidade de desaposentação, os efeitos dessa decisão deverão ser diferenciados, de modo a considerar que o INSS não poderia ter deferido o pedido administrativamente, haja vista inexistência de expresso e inequívoco comando legalnaquele sentido, bem como o dever da autarquia de estrita obediência à legalidade.
Por fim, nessa última hipótese, deverá se entender cabível a decadência,conforme artigo 103 da Lei 8.213/1991, pois a renúncia à aposentadoria – desaposentação – se subsume-à expressão "qualquer direito” e atinge o ato de concessão do benefício.
Procuradora Federal. Especialista em direito do trabalho e direito processual do trabalho. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina.
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