Resumo: As mudanças climáticas, no século XXI, assumem a principal função de aspecto ambiental a ser enfrentado por grande parte dos países. Nesse sentido, as florestas tropicais possuem um papel de destaque, pois além de proverem diversos serviços ambientais, contribuem para o armazenamento de CO2, minimizando com isso os efeitos do lançamento na atmosfera. A Organização das Nações Unidas por meio dos países signatários da Convenção do Clima desenvolveu um instrumento denominado Redução do Desmatamento e da Degradação Florestal (REDD) que possui como finalidade o pagamento pela manutenção de áreas com vegetação nativa. Todavia o processo de desenvolvimento dessa ferramenta não foi simples. Assim, o presente estudo possui como objetivo discorrer sobre a evolução história da REDD no âmbito da Conferência das Partes (COPs) e analisar as suas principais perspectivas, buscando para tanto utilizar como subsídios as decisões e acordos firmados perante a Convenção do Clima. Os resultados demonstram que o desenvolvimento foi lento e gradual, não possuindo até hoje um formato bem definido em razão da sua característica dinâmica.[1]
Palavras-Chave: Dióxido de Carbono. Direito Ambiental Internacional. Conferência das Partes.
Abstract: Climate change, in the 21st century, is the main environmental function to be tackled by most countries. In this sense, tropical forests have a prominent role, as well as providing a lot of environmental services, contribute to the storage of CO2, thereby minimizing the effects of the release into the atmosphere. The United Nations through the countries that signed the Climate Convention developed an instrument called Reducing Deforestation and Forest Degradation (REDD), which aims to pay for the maintenance of areas with native vegetation. However the process of developing this tool was not simple. Thus, the present study aims discourse about the evolution of REDD history within the scope of the Conference of the Parties (COPs) and analyze its main perspectives, seeking to use as well as subsidies the decisions and agreements signed in the Climate Convention. The results demonstrate that the development was slow and gradual, and has not yet a well defined format because of its dynamic characteristic.
Keywords: Carbon dioxide. International Environmental Law. Conference of the Parties.
Sumário: Introdução. 1. Gênese da REDD. 2. Análise evolutiva do instrumento. Conclusão.
INTRODUÇÃO
Notadamente, as florestas desempenham um papel ímpar na manutenção do clima global em razão dos serviços ambientais como a regulação da temperatura e a absorção de gases como o CO2 (Dióxido de Carbono). Logo, sua conservação se faz imperiosa. Com o intuito de alcançar esse objetivo foi desenvolvido pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, (CQNUMC) o instrumento denominado Redução do Desmatamento e Degradação Florestal (REDD), que visa através de incentivos de mercado (créditos de carbono) conter as taxas crescentes de redução da área florestal, tomando como base áreas florestais nativas remanescentes na paisagem (ANGELSEN, 2008).
Tal instrumento baseia-se no princípio do protetor-recebedor[2], que vem complementar o do poluidor-pagador[3]. Devido às grandes pressões antrópicas presentes nos países em desenvolvimento, classificação que o Brasil está inserido, essa ferramenta jurídica se faz de grande utilidade por inovar no ordenamento em que impera o ideal de “comando e controle” nos instrumentos que possuem como objetivo a contenção do desmatamento.
A principal diferença entre a REDD e os outros instrumentos desenvolvidos até hoje que trabalham com o tema das mudanças climáticas é que no primeiro existe, em teoria, a inclusão socioambiental de populações que comumente são marginalizadas nas discussões e nas tomadas de decisão acerca da conservação dos biomas naturais. Ademais, possui como um dos seus cernes a manutenção da vegetação nativa, aspecto esse que diretamente traz a lume a discussão sobre o valor (econômico e político) da floresta “em pé”.
Nesse sentido, este artigo possui como objetivo discorrer sobre a evolução história da REDD no âmbito da Conferência das Partes (COPs) e analisar as principais perspectivas buscando para tanto utilizar como subsídios as decisões e acordos firmados perante a CQNUMC. Busca-se com isso o caráter interdisciplinar e prático da pesquisa, tendo sempre como norte a concretude dos argumentos por meio da perspectiva temporal, de modo que o Direito, que por ora pareça distante, possa ser tocado e compreendido por todos.
1 GÊNESE DA REDD
Hodiernamente, instrumentos de comando e controle são predominantes, contudo sua eficiência não é condizente com as necessidades sociais. Devido a tal situação, os instrumentos que, na teoria, deveriam dar respaldo para a preservação/conservação ambiental não realizam seus objetivos (MILARÉ, 2013). Logo, medidas que venham complementar tais ferramentas são consideradas valiosas no combate aos desmatamentos, modificação drásticas de habitats, emissão de carbono, assoreamento de rios/nascentes e proteção da biodiversidade, entre outras áreas de atuação. A REDD surge como novo meio de gestão de áreas ambientais susceptíveis à degradação, visando não punir diretamente o infrator e sim incentivar a proteção desses espaços através de uma contraprestação que, via de regra, é sob forma pecuniária (ANGELSEN, 2008).
REDD tem sua origem como ideia na elaboração do Protocolo de Quioto, na COP 3 (Conferência das Partes). Apesar dos acalorados debates na referida reunião, decidiu-se por não utilizá-lo. O principal argumento para sua não operacionalização foi a dificuldade de implementação. Até então não se concebia como hoje é visto e ainda existia uma série de incertezas políticas, sociais, econômicas e ambientais acerca da sua eficácia, tais como: como seria realizado? O monitoramento? Os recursos? Quais áreas seriam beneficiadas? Fora essas questões, toda a atenção da Conferência estava voltada para o desenvolvimento do MDL (FERENCZY, 2009).
Passados nove anos da reunião de Quioto, durante a 9ª COP, sediada em Milão, pesquisadores brasileiros propuseram a denominada “redução compensada”, ligada ao mercado internacional tropical de carbono, que compensaria reduções verificáveis de emissões de CO2 pertinentes ao desmatamento. Tal verificação seria estabelecida através de imagens via satélite (sensoriamento remoto), a partir de então analisar-se-ia o quanto reduziu, fazendo a comparação entre dados obtidos na verificação e os dados anteriores. Apesar do caráter de originalidade e possível eficácia proposta pelos brasileiros, ainda não se tinha como modo “oficial” o REDD (LIMIRO, 2009).
Na COP 11 (2005), em Montreal, a denominada “Coalização de Nações de Florestas Tropicais” na qual participaram 41 países, capitaneados por Papua Nova Guiné e Costa Rica, apresentou uma proposta similar à que foi anteriormente sugerido, que tinha como objetivo final discutir formas de incentivos (em sua maioria de cunho econômico) que estimulassem os países em desenvolvimento a conservar suas florestas tropicais. Apoiavam-se na tese de que quando a floresta “está de pé” o benefício não fica restrito a determinado país ou região, pelo contrário, beneficia diversas localizações – muitas delas distante vários quilômetros. Logo o ônus de manter a formação florística viva necessitava de esforços de todos, seja de forma de atuação direta ou indireta. Oficialmente, a REDD entrou na discussão sobre as mudanças climáticas, contudo, na sua considerada fase inicial, não levava em conta a redução da degradação florestal, somente a diminuição do desmatamento e era conhecido até então como RED (NUSDEO, 2012).
No ano posterior, a COP 12 que ocorreu na capital do Quênia, Nairobi, o paradigma de RED foi expandido para REDD, incluindo a questão da redução da degradação florestal. Nesse evento, o governo brasileiro apresentou uma proposta para tratar a questão do desmatamento, semelhante às anteriores. Todavia não incluía o fator mercadológico do crédito de carbono, ou seja, os países desenvolvidos não poderiam compensar suas emissões investindo em projetos de países em desenvolvimento. Argumenta-se que tal modificação se deve ao fato de que com isso impossibilitaria que os denominados “desenvolvidos” realizassem projetos ao seu bel-prazer, tirando de certa forma a autonomia e soberania dos “em desenvolvimento”. Segundo a proposta, o que poderia ocorrer seriam doações voluntárias desses países, de modo a financiar tais projetos.
Na COP 13 (2007, Bali, Indonésia), a principal discussão esteve relacionada a uma proposta do Banco Mundial de incorporar a preservação das florestas tropicais dos países em desenvolvimento no mercado de créditos de carbono. Nesta Conferência, o papel das florestas para o equilíbrio climático foi oficial e amplamente reconhecido. Dessa maneira, REDD foi instituído como possível mecanismo para tratar as emissões oriundas de desmatamento e degradação florestal (FERENCZY, 2009).
Através dessa breve análise temporal, verifica-se a mudança de posicionamento dos países frente ao conceito de REDD. Além disso, mostra a mutabilidade nas tomadas de decisões, pois verificou-se que nesses países em desenvolvimento o principal aspecto para emissão de CO2 não era a queima de combustíveis fósseis ou a produção descontrolada de lixo (fatores que também ocorrem nesses países, contudo não de forma preponderante) mas sim o desmatamento e a degradação florestal que chega a representar no Brasil 77% da sua cartilha de emissões (MCTI, 2014).
2 ANÁLISE EVOLUTIVA DO INSTRUMENTO
Concomitantemente ao passivo ambiental direto criado pelo desmatamento que contribui substancialmente para as mudanças climáticas, existem problemas como redução na taxa de polinização de determinadas áreas, perda de substâncias no solo e redução da produtividade agrícola. Logo, esse instrumento, dentre os vários existentes (licença ambiental, multas, sanções, compensação ambiental) é o que mais condiz com a realidade dos países em desenvolvimento que abrigam as maiores reservas de florestas tropicais (MMA, 2009).
Faz-se mister destacar que, atualmente, esse instrumento de redução das emissões é classificado em níveis de implementação que são decididos de acordo com a especificidade de cada área, em que se leva em consideração os objetivos que desejam ser alcançados nesse determinado espaço (FCPF, 2009). Existem três níveis atualmente considerados como padrões: o RED, REDD e REDD+, ou seja, reduzir apenas a desmatamento (D), esta e a degradação (DD) ou ainda, estas e o enriquecimento de carbono (DD+), com ações de recuperação das áreas degradadas por meio de manejo florestal (ANGELSEN, 2008).
A análise do caso concreto vai permitir a tomada de decisão referente às áreas de enfoque da criação de incentivos para reduzir as emissões: (i) RED; (ii) REDD e, (iii) REDD+. A opção selecionada vai determinar a complexidade do sistema de medição da linha de base do volume do carbono e o seu incremento ao longo do tempo. Irá também determinar a capacidade técnica necessária para monitorar, reportar e verificar objetivamente a redução das emissões e, consequentemente, os mecanismos de canalização de financiamentos e os beneficiários, entre outros (ANGELSEN, 2009). Portanto, um dos pontos mais delicados na elaboração de uma estratégia REDD é fazer essa delimitação, pois toda a organização dependerá de tal decisão.
Buscando facilitar a compreensão do instrumento e a melhor escolha de modalidade, Cenamo (2010) destacou algumas potencialidades e fragilidades (Figura 3) comumente encontradas no mecanismo. Aconselhou, o autor, que as oportunidades/riscos podem ser maximizados ou minimizados, respectivamente, a depender do modo como o processo de gestão do instrumento se desenvolva. É importante destacar que a esquematização de Cenamo (2010) somente levou em consideração os principais riscos diretamente ligados em cada modalidade, não levando em conta problemas que antecedem à consolidação do REDD, como dificuldades legais na implementação do instrumento, ausência de apoio governamental e falta de regularização fundiária das áreas receptoras, entre outros.
Afora esses três níveis que estão consolidados em termos de planejamento e monitoramento, traz-se a lume um novo nível, o denominado REDD++ ou “Reducing Emission from All Land Uses” (REALU) que além de todos os atributos dos anteriores também inclui-se o conceito de agricultura, fortalecendo a garantia de melhores práticas na atividade econômica do campo tais como: o não desmatamento, a redução do corte, a conservação do que existe em termos de biota, a garantia do manejo sustentável (rios, beiras de rios, prevenir a erosão, permitir que as árvores alcancem sua idade madura), a escolha dos melhores produtos a serem plantados em determinadas áreas (tipo de solo, clima, etc.), diminuição (extinção) do uso de agrotóxicos, extinção das queimadas, meios de irrigação eficientes, incluindo outras práticas que têm como objetivo a conservação das áreas naturais (GRAINGER; OBSTEINER, 2011).
A tendência é que outros níveis sejam desenvolvidos e implementados. No entanto, não se pode perder de vista que a estratégia usada será o meio para a consecução de um fim comum, qual seja, a conservação das áreas florestais e isso não pode ser esquecido, já que se tal fato acontecer toda a ontologia se perderia, tornando-se mais um instrumento ineficiente frente à busca da conservação dessas áreas.
Destaca-se que a definição de um dos referidos níveis não impede a “flutuação” para o outro. Todavia, por ser pautado em planejamento e definições anteriores à implementação, o processo de permuta não é tão simples, tendo em vista que prioridades terão que ser revistas, objetivos deverão ser atualizados e serão necessários toda a mobilização frente às comunidades afetadas e a concordância com o órgão de fomento do projeto (GRAINGER; OBSTEINER, 2011).
CONCLUSÃO
A REDD, apesar de ser relativamente nova no cenário ambiental, aparece como uma alternativa que ultrapassa as barreiras da mera especulação e expectativa, ponto no qual muitos instrumentos ambientais esbarram. Para corroborar tal indagação, fatos como o reconhecimento de geração de créditos de carbono (mesmo que seja no mercado voluntário), investimento públicos nessa área, produção de arcabouços legais (tratados, convenções, leis entre outros), participação ativa da ONU nas discussões e o movimento da sociedade civil organizada incorporam essa efetivação.
O estudo da Redução por Desmatamento e Degradação Florestal, além de proporcionar um conhecimento acerca da temática ambiental, também traz à tona, para aqueles que seguem seu caminho, diversas questões que são de sumo interesse para todos, tais como discussões sobre a soberania dos países, relação de mutualismo entre os povos dependentes da floresta (indígenas e comunidades tradicionais), aplicabilidade das tecnologias relativas ao geoprocessamento e suas vertentes, interpretações de mapas e caracterização de biomas, entre outros conhecimentos interdisciplinares.
Destarte, fica claro que a evolução temporal do instrumento traz consigo características inerentes as alternativas empreendidas pelo Direito Internacional Ambiental, tais como o envolvimento de diversos países na elaboração e desenvolvimento, além do seu dinamismo e mutabilidade a depender do contexto socioambiental apresentado. Portanto não é equivocado afirmar que a REDD ultrapassou a barreira da mera expectativa, encontrando-se atualmente na esfera fática, inclusive no ordenamento jurídico brasileiro.
Doutorando em Desenvolvimento e Meio Ambiente PRODEMA/UFPE. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente PRODEMA/UFPE. Bacharel em Direito UFPE. Tecnólogo com láurea em Gestão Ambiental IFPE
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