Juliana Maria Tavares[1]
Orientador:Marcelino Alexandre[2]
RESUMO
Essa pesquisa foi realizada com a finalidade de analisar os julgados do Poder Judiciário que enfrentam a problemática de quem não possui condições de adquirir um imóvel. Percebe-se que o Poder Público tenta se eximir de um dever constituído em lei, um dever positivo, haja vista que o Estado deve oferecer o mínimo para uma vida digna aos seus cidadãos. Ocorre que geralmente não há a devida prestação governamental da forma que deveria, assegurando a todos uma vida digna e o direito à moradia. Além disso, não há pacificação nas decisões do Poder Judiciário sobre o tema. Algumas pessoas, ao buscarem a Justiça conseguem ter o seu direito garantido, entretanto em outros casos correlatos, esbarram no indeferimento do pedido, sob a justificativa de se tratar de uma prerrogativa do Poder Executivo. O princípio da dignidade humana é um dos basilares do ordenamento jurídico brasileiro, assim cabe aos magistrados analisar o caso concreto para que haja a efetiva aplicabilidade da Carta Magna.
Palavras-chave: reserva do possível, mínimo existencial, direito à moradia.
ABSTRACT
This research was conducted in order to analyze the trial of judiciary facing the problem of those who need to the housing. It is noticed that the Government tries to evade a duty established in law, a positive duty, given that the state should provide the minimum for a dignified life to its citizens.Occurs which generally are not considered government providing the way I should, ensuring everyone a dignified life and the right to housing. Moreover, there is no peace in the judiciary decisions about. Some people to seek justice can have their rights guaranteed, however in other related cases, come up against the refusal of the application, on the grounds that it is a prerogative the executive branch. The principle of human dignity is one of the basic of the Brazilian legal system, so it is up to judges review the case so that there is effective applicability of the Charter.
KEYWORDS:reserve of the possible, existential minimum, the right to housing.
INTRODUÇÃO
Presentes na Constituição Federal de 1988, os direitos sociais, especificadamente o direito à moradia, constituem um tema extremamente atual, polêmico e que enseja inúmeros posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais.
Deve-se adentrar ao assunto com bastante cautela e ponderar os dois lados, pois o papel do Poder Judiciário será de extrema relevância se os entes incumbidos de realizar o que lhes cabem se eximirem de tal responsabilidade. É necessário atentar para o equilíbrio e utilizar da ponderação, pois decisões arbitrárias e muitas vezes injustas devem ser combatidas, a fim de chegar ao mais próximo possível do justo.
Não há pretensão de esgotamento do tema, ao contrário, delimitaremos aos aspectos sociais e como os magistrados e ministros vêm se posicionando quando precisam resolver um conflito.
Serão adiante abordados os princípios norteadores, pois o nosso ordenamento jurídico e, principalmente, a Constituição é embasada em valores, concebendo assim, um estado democrático de direito, onde o cidadão vive com os seus direitos e deveres para garantir uma convivência harmoniosa e pacificada.
Trataremos, a seguir, da árdua tarefa de decidir as lides que versam sobre o direito à moradia, incumbência até então dos Poderes Executivo e Legislativo, pois cabe aos mesmos a elaboração e a efetivação da lei, todavia, quando inertes, o Judiciário deverá intervir, dado que frequentemente famílias buscam o mesmo na tentativa de que ocorra a solução desejada, não sendo lícito que o mesmo se furte de atuar em tais casos, prestando a jurisdição, positiva ou negativa.
Buscar a análise jurídica torna-se relevante, pois é a única forma de combater atos administrativos abusivos ou até mesmo o desvio de finalidade, oportunizando a parte uma nova tentativa de efetivação dos seus direitos.
A finalidade maior de um Estado é o bem-estar dos seus cidadãos, sendo que a busca por soluções deve ser um dos objetivos dos entes estatais, haja vista que infelizmente não há como oferecer uma propriedade para todas as pessoas, devendo assim priorizar programas para a efetivação do maior número possível de direitos.
Por falta de recursos, muitas pessoas vivem em condição de miséria, vivendo nas ruas e a mercê da violência, frio, condições indispensáveis para uma vida digna, logo não há como eximir-se da responsabilidade de proteger os mais vulneráveis. O Poder Judiciário não deve paralisar e deixar que tudo se torne estatísticas, pois o homem deve ser prioridade em uma sociedade, haja vista que sem vida não há que se falar em estado, pois o mesmo surgiu para garantir a todos condições melhores de sobrevivência.
Viver com dignidade deve ser prioridade do cidadão, e para que isso ocorra é necessário analisar muito bem quais representantes estarão capacitados para agir em conformidade com que o povo necessita.
Quando o indivíduo se exime de votar ou elege alguém visando somente no seu interesse, infelizmente todos terão que conviver por 04 anos com políticos corruptos nos representando e a culpa será somente nossa que não buscou o bem de toda a sociedade. Assim teremos má gestão, representantes que não são capacitados e que não buscarão soluções para resolver os problemas sociais existentes em nosso país.
Comumente utiliza-se a palavra dimensões para retratar os direitos fundamentais, pois em cada contexto histórico surgem novos direitos aos cidadãos. Deve-se definir de uma forma que traga entendimento a toda população, haja vista que muitas vezes o indivíduo deixa de buscar um direito preconizado na Constituição Federal por falta de conhecimento, sendo que para Paulo Leivas (2006, p. 89):
Direitos fundamentais sociais: eles são, em sentido material, direitos e ações positivas fáticas, que, se o indivíduo tivesse condição financeira e encontrasse no mercado oferta suficiente, poderia obtê-las de particulares, porém, na ausência destas condições e, considerando a importância destas prestações, cuja outorga ou não-outorga não pode permanecer nas mãos da simples maioria parlamentar, podem ser dirigidas contra o Estado por força de disposição constitucional.
No primeiro momento, o indivíduo necessitava de menos intervenção do estado, buscando assim garantir a sua liberdade, através de medidas negativas, deixando o Estado distante dos assuntos privados, conhecidos por direitos de primeira geração, seguindo o modelo liberal implantado em outros países.
Os direitos de segunda geração (direitos sociais, econômicos e culturais) surgiram no século XX, em uma fase onde o indivíduo necessitava de prestações do Estado para uma vida digna. Contidos na Constituição Federal no art. 5. caput, mostra-se de extrema importância para que todos sejam tratados de forma isonômica e justa. Como define Ingo Wolfgang Sarlet (2005, p. 205), o Estado deve:
…de colocar à disposição os meios materiais e implementar as condições fáticas que possibilitem o efetivo exercício das liberdades fundamentais, os direitos fundamentais a prestações objetivam, em última análise, a garantia não apenas da liberdade-autonomia (liberdade perante o Estado), mas também da liberdade por intermédio do Estado, partindo da premissa que o indivíduo, no que concerne à conquista e manutenção de sua liberdade, depende em muito de uma postura ativa dos poderes públicos.
Assim, o direito à moradia é um dentre vários direitos, que necessita da prestação do Poder Público. Logo deve-se adotar uma conduta a fim de prover o direito preconizado constitucionalmente, buscando formas de implementação e melhoria nos Programas Habitacionais, para que haja uma maior efetividade e quem realmente necessita de um local para viver o consiga.
O art. 6. da Constituição Federal é cristalino ao preconizar tais direitos, trazendo aos cidadãos e estrangeiros garantias, como se vê:
Art. 6º São direitos sociais, a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a porteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Quando o Estado positiva um fundamento, colocando-o no patamar de supremacia na Carta Magna, deve-se obedecê-lo e buscar formas de praticá-lo, pois é necessário observar os parâmetros para a arrecadação de recursos e assim determinar o quanto deve ser gasto em cada área. Conforme o art. 182 da Constituição Federal é garantido o bem-estar de todos que vivem em uma determinada cidade,sendo imprescindível que o Município tome as medidas cabíveis para que isso ocorra, veja-se:
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sócias da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
A Carta Magna está intimamente ligada aos acontecimentos fora do país, sendo que após a Revolução Industrial, a primeira constituição a preconizar direitos sociais foi a de Weimar, fonte de inspiração para as demais constituições do mundo, pois trouxe em seu rol direitos até então banalizados.
Deve-se lembrar que outra grande inspiração ao mundo foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Criada após várias atrocidades ocorridas, a mesma surgiu como forma de buscar uma sociedade mais justa e solidária e oferecer aos cidadãos melhores condições de vida, sendo nela a habitação tratada como um dos pontos fundamentais (ONU, 1948), como segue:
Art. XXV – Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuários, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença…
O Brasil necessita do resguardo desses direitos, pois se trata de um país onde há extrema desigualdade social, carência nas políticas de saneamento básico, propriedade para todos, educação, lazer, segurança, dentre outros. Fazer com que os entes federativos cumpram com suas obrigações perante uma sociedade tão marginalizada é crucial, compelindo o governo, portanto, a prestar serviços sociais.
No ordenamento jurídico os direitos fundamentais estão em nível de hierarquia superior, sendo que não há consenso quanto à possibilidade de sua aplicação imediata,o que foi idealizado pelo poder constituinte originário, ou se necessita de implementação, possuindo caráter de normas programáticas.Paulo Bonavides (2002, p.515) refere-se aos direitos fundamentais, assim:
(a) são direitos fundamentais todos aqueles assim especificadamente nomeados no texto da Constituição; (b) são direitos fundamentais os direitos dotados de maior proteção pelo constituinte, seja em virtude de sua imutabilidade sob a ótica da reforma constitucional (“cláusula pétreas”), seja em virtude da criação de procedimentos mais complexos de modificação.
Ao analisar os ensinamentos acima, nota-se que na Constituição Federal de 1988, houve o estabelecimento de direitos, contidos no Título II, chamados de “Direitos e Garantias Fundamentais”, que os mesmos não devem ser levados a reforma constitucional, exceto se for para ampliá-los, não sendo permitido restringi-los.
1.2 Surgimento do argumento da reserva do possível
Quando se fala acerca da reserva do possível, deve-se voltar ao seu surgimento para que se tenha um real entendimento de como foi utilizado o argumento em comento. Como aduz J. Krell (2002: 52), a reserva do possível teve origem no julgamento do caso “numerus clausus” pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, em 1972.
Conforme Ana Carolina Lopes Olsen (2009, p. 261) ocorreu à discussão acerca do acesso ao curso de medicina e a compatibilidade de certas regras legais estaduais que restringiam esse acesso ao ensino superior com a Lei Fundamental, que garantia a liberdade de escolha da profissão, pois dois alunos que não conseguiram a aprovação no curso almejado entenderam que era dever do estado garantir que eles estudassem onde quisessem, por ser um direito fundamental, assim buscaram respaldo na corte alemã.
O tribunal decidiu que a prestação exigida do Estado deve corresponder ao que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade, e entendeu que não seria razoável impor ao Estado a obrigação de acesso a todos os que pretendessem cursar medicina (Idem, p. 229).
Outros países utilizaram do argumento da reserva do possível, todavia sem análise do caso concreto, haja vista que a Alemanha é um país desenvolvido e que cumpre com as políticas sociais, oferecendo aos seus cidadãos qualidade de vida e oportunidades, mas é inviável que todos os direitos sejam prestados imediatamente, pois o dinheiro é finito e as necessidades humanas são infinitas.
Ou seja, a argumentação adotada refere-se à razoabilidade da pretensão. Na análise de Ingo Wolfgang Sarlet (2005, p. 265), o Tribunal alemão entendeu que:
(…) a prestação reclamada deve corresponder ao que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade, de tal sorte que, mesmo em dispondo o estado de recursos e tendo poder de disposição, não se pode falar em uma obrigação de prestar algo que não se mantenha nos limites do razoável.
Quando se preconiza na Carta Magna fundamentos, deve-se respeitá-los e tentar efetivá-los. Isso é algo complexo, todavia com melhor distribuição de renda, medidas que busque oferecer salários dignos e emprego à população, reduziria de forma drástica o número de pessoas com tantas necessidades básicas.
Refuta-se o entendimento de que não há caráter obrigatório e vinculante a Constituição, conforme o entendimento de Luis Roberto Barroso (2009, p. 298):
Uma vez investida na condição de norma jurídica, a norma constitucional passou a desfrutar dos atributos essenciais do gênero, dentre os quais a imperatividade. Não é próprio de uma norma jurídica sugerir, recomendar, aconselhar, alvitrar. Normas jurídicas e, ipso facto, normas constitucionais contêm comandos, mandamentos, ordens, dotados de força jurídica, e não apenas moral. Logo, sua inobservância há de deflagrar um mecanismo próprio de coação, de cumprimento forçado, apto a garantir-lhes a imperatividade, inclusive pelo estabelecimento das conseqüências da insubmissão.
Reconhece-se assim, que é necessária uma interpretação séria, e deve buscar priorizar o que a Constituição traz em seu rol, pois um texto elaborado sem nenhuma vinculação acerca do seu cumprimento, além de ineficaz, oferecerá a toda população sentimento de injustiça e desconfiança. Submeter-se, obedecer e aprimorar o que está contido em seu rol, deve ser uma das prioridades dos representantes do país.
Há repasses de verbas tanto da União para Estados como para Municípios, sendo que um só ente não custeará integralmente algo que é de dever de todos e o auxílio das ONGS são essenciais para fornecer abrigo a quem não possui. Trabalhando conjuntamente com o governo, conseguem-se oferecer maior dignidade as pessoas que tanto necessitam, ofertando também cursos para capacitação e inserção no mercado de trabalho, dessa forma ao oferecer oportunidades à pessoa conseguirá buscar um emprego, se sentir parte da sociedade e motivado a alcançar novos objetivos, não os tratando como marginalizados da sociedade.
1.3 As políticas públicas voltadas à habitação
A medida provisória nº 4591200, convertida em lei nº 11.977/09, trouxe ao ordenamento jurídico o programa “Minha Casa Minha Vida”, sendo abrangido nesse programa pessoas consideradas de baixa renda, com rena mensal de até R$ 4.650,00 ( quatro mil seiscentos e cinqüenta reais), valor que pode ser atualizado.
Há muitos benefícios quando o governo utiliza de programas assistenciais para ajudar os que realmente necessitam, todavia o programa precisa buscar soluções, pois há inúmeros problemas que precisam serem enfrentados, dentre eles: o tempo de entrega, que costuma ser bastante demorado, há famílias que buscam o programa e não conseguem sua moradia, também há o problema de localidade, pois geralmente essas casas ficam em locais distantes e difícil acesso. O mais importante é a forma de pesquisar se realmente há precisão dessa assistência, haja vista que corriqueiramente vê-se pessoas que não precisam utilizar do programa recebendo o benefício, atitude totalmente imoral e que deve ser punida
Implantação de planos que busque fornecer moradias aos mais carentes, através da realização de sorteios é o meio mais utilizado atualmente, sendo que infelizmente, com a crise enfrentada no país muitas pessoas estão vivendo a baixo da linha da pobreza, não possuindo condições de se manterem ou de oferecerem um abrigo a seus filhos, dependendo da ajuda da população próxima.
Seria utopia dizer em erradicação da pobreza ou moradia a todos que necessitam, porém é necessário que o Poder Público ofereça o mínimo aos cidadãos, sendo que se houvesse emprego para os necessitados não haveria a necessidade de tantos programas ou ações governamentais para prestação de auxílio, sendo o pensamento de Matos (2006, p.79)
Importa destacar, entretanto, que tal entendimento não autoriza dizer que a norma reconhece a obrigação do Estado de dar uma casa para cada indivíduo, assim como a norma estabelecida no artigo 7º da Constituição não reconhece o direito subjetivo a um emprego e, sim, a criação genérica de oportunidades de trabalho e proteção ao trabalhador
Não há unanimidade na jurisprudência, sendo que o caso concreto é analisado pelos juízes. Sendo a decisão do Tribunal do Rio Grande do Sul:
DIREITO á MORADIA. PROGRAMA “MINHA CASA, MINHA VIDA”. DEMHAB.
Negado seguimento ao recurso. (Apelação Cível Nº 70048782247, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 26/07/2012)”
Com essa decisão mostra-se que o Tribunal do Estado de Santa Catarina busca efetivar os direitos sociais se não houver por parte do Ministério das Cidades propostas para diminuir a desigualdade, todavia ao analisar o caso concreto, busca-se efetivar tais direitos através de programas, todavia não se concederá a tutela jurisdicional se ficar presente nos autos que o Poder Público está atuando em prol das necessidades básicas da sociedade e não quedou-se inerte. Posição diversa é da Justiça de São Paulo, onde se aduz em um julgado que:
Apelação. Direito à moradia (art. 6º , CF ). Pretensão de obtenção de moradia do Município de Guararema após desocupação de imóvel localizado em área de risco. Ausência de nexo de causalidade entre ação ou omissão do Município e a situação de risco do imóvel desocupado. Desate pela análise do direito ou não à moradia. Embora as normas constitucionais imponham ao Estado a obrigação de adotar políticas públicas voltadas ao efetivo exercício do direito à moradia, não conferem a cada cidadão, isoladamente, o poder de exigir do Poder Público uma residência. Aplicação da reserva do possível. Impossibilidade de invasão
do Poder Judiciário na esfera discricionária da política habitacional e social da Administração Municipal. Dado provimento ao recurso. Sentença reformada para julgar improcedente a ação Apelação APL 00016961620118260219. 5ª Câmara de Direito Público, SP 000169625/03/2015, Relatora Heloísa Martins Mimessi, Julgado em 25/3/2015).
Não uma uniformização nas jurisprudências, contudo é viável ao Poder Judiciário adentrar profundamente no tema e não alegar que se trata de direitos que devem ser aplicados pelos Poderes Legislativo e Executivo, pois comumente esses entes não dão aplicabilidade a algo que está aduzido na Constituição Federal, deixando que a população sofra com a falta de elementos essenciais para uma qualidade de vida.
É recorrente o trâmite de mandados de segurança, impetrados pelo Ministério Público, defensores públicos e advogados particulares, contra a denegação do Poder Público em oferecer o mínimo de dignidade às pessoas, sendo que usualmente se protege mais o direito à saúde, pois está se tratando de vidas e os litígios envolvendo esse tipo de ação são usualmente mais propostos e deferidos pelo Poder Judiciário.
Buscar a justiça para efetivar o direito à propriedade é menos usual e poucos juízes se atrevem a deferir alegando a impossibilidade de verbas ou existência de programas, logo se eximem na proteção dos direitos elencados e na prestação justa e necessário de um direito que realmente os marginalizados da sociedade necessitam.
No Brasil há inúmeras disputas envolvendo o direito de terra, buscando a reforma agrária, sendo que alguns presidentes já tentaram solucionar tais conflitos, todavia sem medidas enérgicas, não haverá justiça. De um lado há o latifundiário e de outro, as pessoas que não possuem local para morar. O Poder Público não sabendo como atuar torna-se inerte. Diante desses fatos, quantas vidas ainda serão ceifadas para que seja tomada uma decisão? Quantas pessoas morreram pelo descaso do Poder Público?
É sabido que a função social nem sempre é cumprida, logo o que deveria ser feito era a desapropriação para reforma agrária das terras improdutivas, mas percebe-se que não há efetividade e cumprimento do que é regido na Constituição Federal, pois são processos morosos e muitas vezes não conseguem ser efetivos. Normalmente os entes federativos se fazem de “cegos” e não buscam efetivar o que é regido pela Carta Magna. Quantas propriedades sem a devida utilização ou terrenos nas próprias cidades sem a ocupação, sendo que há ferramentas para amenizar as desigualdades, mas as mesmas não são utilizadas, logo decisões mais combativas devem ser tomadas.
O governo para responder ao litígio, utiliza o argumento de falta de verbas, podendo-se falar em uma teoria que se difundiu no mundo inteiro, tendo por aqui José Joaquim Gomes Canotilho (2004, p. 481) como um dos maiores críticos, como se percebe no trecho seguinte:
Rapidamente se aderiu à construção dogmática da reserva do possível (Vorbehalt dês Möglichen) para traduzir a ideia de que os direitos sociais só existem quando e enquanto existir dinheiro nos cofres públicos. Um direito social sob “ reserva dos cofres cheios” equivale, na prática, a nenhuma vinculação jurídica.
Tal teoria é recorrentemente utilizada no Brasil, mas perdeu sua essência, pois é utilizado o argumento da falta de verbas, alegando que se trata de algo finito e que em virtude disso, é necessário fazer escolhas drásticas, não analisando a perspectiva da razoabilidade e proporcionalidade do que foi solicitado. Para Ricardo Augusto Dias da Silva (2010, pg. 193):
Com fulcro nas premissas de dimensão economicamente relevante dos direitos sociais, de custo inerente a sua implementação, bem como da disponibilidade do Estado em seu adimplemento, é possível se inferir que a dimensão da reserva do possível está relacionada à disponibilidade econômica de recursos por parte do Estado para a garantia dos Direitos Fundamentais, bem como ainda com a necessidade de estarem disponíveis ainda juridicamente tais recursos de acordo com o estabelecido na lei orçamentária e aos aspectos princípiologico da proporcionalidade e razoabilidade de cada caso concreto, ou seja, do titular do direito.
Buscar soluções que tragam proporcionalidade e razoabilidade seria a medida cabível, pois o magistrado fica responsável em resolver conflitos, que em regra, não seria de sua competência. Resolve-se o problema de uma única pessoa, analisando o que foi escrito em um pedaço de papel, sendo necessário que os sem moradias, com auxílio das pessoas que possuem mais conhecimento adentrem na esfera judicial para que seja estudado as possibilidades existentes para o combate a desigualdade na distribuição de propriedades.
O descaso dos entes governamentais não pode afetar a vida das pessoas, deve-se combater a ingerência estatal, pois políticas públicas são essenciais para a sociedade, cabendo responsabilizar civilmente o Estado por sua omissão. Como define Rodolfo de Camargo Mancuso (2002):Conforme o Portal da Transparência o orçamento de 2017 para habitação de R$ 47.233.239,25, sendo que por causa da corrupção enfrentada pelo Brasil não há como saber se realmente existe uma distribuição igualitária da renda destinada a cada Estado, sendo que quem paga a conta são os que precisam da assistência governamental.
(…) conduta comissiva ou omissiva da Administração Pública, em sentido largo, voltada à consecução de programas ou meta previstos em norma constitucional, ou legal, sujeitando-se ao controle judicial amplo e exauriente, especialmente no tocante à eficiência dos meios empregados e à avaliação dos resultados alcançados.
Infelizmente o Brasil é um dos países mais corruptos que existe, ocupando o 76º lugar no ranking de corrupção do mundo, dado fornecido em 2015,logo o argumento utilizado de falta de verbas cai por terra e seria sarcástico alimentar a ideia de que não há como custear programas que busquem oferecer moradia aos mais carentes, sendo que a corrupção atualmente consome muito do orçamento público.
Trata-se de um dos países com maior carga tributária existente e que infelizmente a população não vê retorno, causando inúmeras insatisfações a todos. O certo seria que quando um cidadão paga os seus tributos deveria ocorrer à contraprestação, ou seja, utilizar a verba de forma consciente e que há os benefícios de forma que satisfaça o interesse social.
Os cidadãos possuem o voto como ferramenta primordial para que os seus direitos sejam tutelados, pois é através do mesmo que são eleitos quem nos representará por um determinado período, por isso é necessário amadurecimento político de cada indivíduo, para que os governantes sejam realmente capacitados para gerir os recursos públicos e realizar obras de interesse social.
Outro instrumento que é garantido na Constituição Federal e de grande valia que, todavia os cidadãos ainda não perceberam a sua real importância, são as audiências públicas, onde o Poder Legislativo, Executivo ou até mesmo o Ministério Público expõe um tema e qualquer pessoa pode participar ativamente dos fóruns, podendo opinar levantando novas hipóteses, em prol de melhorias para todos.
Sabemos que os brasileiros necessitam de amadurecimento político, mas são instrumentos elencados na Carta Magna de grande valia e que devem ser aprimorados e utilizados constantemente, pois o interesse é social.
Ao analisar se realmente deve-se priorizar o atendimento as pessoas que necessitam, encontra-se um excelente argumento na fala de Ana Carolina Lopes Olsen (2009 p. 29), para quem:
Em países com extrema desigualdade social como o Brasil, em que a iniciativa privada não tem condições- ou interesse- de atender as necessidades da parcela da população que vive abaixo das condições de inserção no mercado (os chamados excluídos), pode-se afirmar de antemão que os direitos sociais têm um importante papel a cumprir.
Deve-se atentar para o fato de que, quando uma pessoa consegue resguardar o seu direito e a outra não, fere-se integralmente o princípio da isonomia, haja vista que há realmente impossibilidade de ofertar moradia a todos, porém ao ser prestada através de programas ou até mesmo pela intervenção Judicial, deve realmente atender quem necessita e que demonstre de forma certa e eficaz que não possui meios de obter sua moradia de outra forma.
2 Intervenção do Poder Judiciário na efetividade do direito à Moradia
O Judiciário não pode quedar-se inerte quando demandado. Deve buscar solucionar os conflitos existentes, agir ativamente para mudanças, pois o direito deve evoluir com a sociedade, não ficar restrito ao texto da lei, buscar formas de integrar direito e justiça.
É necessária uma resposta rápida e efetiva, conforme Ada Pellegrini Grinover (2011, p. 111):
O mínimo existencial corresponde, assim, à imediata judicialização dos direitos, independentemente da existência de lei ou de atuação administrativa, constituindo, mais do que um limite, um verdadeiro pressuposto para eficácia imediata e direta dos princípios e regras constitucionais, incluindo as normas programáticas, que deveriam ser implementadas por lei.
Quando os entes públicos ou até mesmo os particulares, se eximem de obedecer ao texto constitucional, realizam atos em desacordo com o normatizado é passível fiscalização judicial, haja vista que o mesmo faz o controle de constitucionalidade e pode intervir em casos de abuso de poder ou improbidade administrativa.Sobre o tema dispõe o art. 5., inciso XXXV, que a “ lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, ou seja, o magistrado deve analisar todas as questões quando demandado. As pessoas que não conseguem através da via administrativa resguardar um direito que é seu, deve buscar o Judiciário, na tentativa de satisfação do que tanto almejam.
A supremacia da Constituição deve ser observada, pois a mesma passa por um processo de elaboração diferente, sendo necessário um quórum qualificado de 3/5, em cada Casa, em dois turnos para aprovação de emendas (art. 60, § 2.), de modo que a torna mais rígida perante as demais leis infraconstitucionais. Bem ponderada as palavras de José Afonso da Silva (2006, p. 45), onde aduz que:
Significa que a Constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos. É, enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estrutura deste e a organização de seus órgãos;é nela que se acham as normas fundamentais de Estado, e só nisso se notará sua superioridade em relação às demais normas jurídicas.
O Ministério Público faz um papel brilhante, pois muitas das demandas se iniciam com o requerimento do mesmo, que busca solucionar, auxiliar, defender os cidadãos contra os abusos cometidos pelos entes públicos, sendo um dos órgãos relevante e combativo existente contra a arbitrariedade dos entes públicos, pois trata-se de um órgão criado para ser independente e proteger os direitos da população.
Torna-se legítima a intervenção do Poder Judiciário, até mesmo sob o prisma dos freios e contrapesos, pois à medida que os demais entes se quedam inertes, os outros entes ficam à vontade para fazerem o que bem entenderem, buscando soluções para as necessidades de quem tanto necessita.
É necessário que ocorra uma mudança de comportamento dos entes públicos, buscando alternativas para abrigar os desabrigados, oferecer saúde aos quem necessitam, trabalho ao desempregado e ceifando o alto índice de corrupção existente, tornando-se assim o Judiciário o caminho fácil para conseguir beneficiar pessoas de boa-fé, pois será analisado caso a caso e se necessário ouvindo peritos para um parecer técnico e justo, ou seja, oferecendo uma casa a quem realmente precisa.
Não se espera uma solução imediata, pois o tema abordado necessita de amadurecimento tanto na esfera política quanto na jurídica, mas se trata de assunto de extrema relevância e que deve ser analisado com cautela, pois a dignidade da pessoa humana deve ser preservada.
CONCLUSÃO
O magistrado deve utilizar-se da cautela ao analisar o caso concreto, sendo que deverá possuir uma equipe que fará a avaliação de que há necessidade, ou seja, ir ao local que a pessoa reside para observar se realmente se condiz com que foi alegado na petição. Posteriormente, ouvir o parecer de perito que possua conhecimento técnico, para que não haja erros, pois infelizmente muitos querem tirar vantagem sem realmente precisarem.
No atual cenário político em que se encontra o Brasil, a atuação do Poder Judiciário, tornou-se indispensável, assumindo uma responsabilidade social, que coloca o magistrado diretamente agindo em prol da sociedade, sendo que se não houver o cumprimento da decisão judicial, cabe multa diária, bloqueio do valor, responsabilização por improbidade administrativa, responsabilização criminal, como meios coercitivos para que seja cumprida a ordem emanada do magistrado.
Verifica-se que o Poder Judiciário possui o poder-dever de aplicar a Constituição Federal de forma equilibrada, analisando o caso concreto que envolve direitos fundamentais, haja vista que os mesmos estão intimamente ligados a sobrevivência e manutenção da vida do ser humano.
Os magistrados devem observar as circunstâncias e os fatos, para que não ocorra um deferimento de um pedido impossível de ser prestado, causando desconfiança na justiça, mas se tornar-se omissivo o grau de confiança não aumentará. O chamado “Ativismo Judicial”, onde o juiz interfere e se posiciona sobre uma determinada questão, é olhado de forma satisfatória pela sociedade que não aguenta tantas injustiças provocadas pela má gestão dos políticos que buscam somente seus próprios interesses.
Os entes públicos não devem quedar-se inertes e descumprirem com suas obrigações sob a alegação de que não há verbas suficientes. Deve-se analisar o pedido e ponderar se há ou não razoabilidade no que foi solicitado.O estado democrático de direito é traçado por vários ideais e valores, sendo que o Judiciário ganha um novo papel, tornando-se mais ativo na aplicação da norma, pois deve estar sempre atento a qualquer ameaça de violação do texto constitucional.
Todos os países vivem o conflito de não possuir verbas suficientes para atender todos os pedidos de prestações positivas aos entes públicos, porém a forma que cada Estado busca a solução diverge, e infelizmente no Brasil não se analisam com a devida atenção e o cuidado necessário os pedidos realizados, pois geralmente se esquecem que são vidas e que cada um possui uma história e uma família, tratando tudo como dados.
Ansiamos que a abordagem realizada traga reflexões, debates e mudanças, pois à moradia deve ser tratada de forma séria e justa, com programa adequados, habitações que ofereçam condições dignas às famílias que buscam um teto para se abrigarem e fugirem da violência e do preconceito que existe aos que vivem á margem da sociedade.
Todo esse panorama denota que falta aos entes públicos mais seriedade e compromisso com os problemas que afligem á população. Dessa forma, é necessário a vontade de mudanças, pois se houver comprometimento e conduta pró-ativa, muitas pessoas não passariam por tanto sofrimento, pois o papel primordial de um Estado é assegurar ao seu povo uma vida digna.
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[1]Juliana Maria Tavares, Faculdade Legale, Pós-Graduação em Direito Imobiliário.
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