Direito Constitucional

Direito À Saúde E À Ordem Econômica: Análise Dos Direitos Fundamentais Na Perspectiva Do Covid-19

Cristiana Maria Santana Nascimento[i], Mirella Andrade Barroso[ii], Pedro Guilherme Souza de Menezes Fontes[iii]

Resumo: O presente artigo aborda a relação entre os direitos fundamentais à saúde e a ordem econômica presentes no ordenamento jurídico brasileiro em tempos de pandemia do COVID-19 e, a partir disso, buscar uma solução quando estes entram em colisão. Trata-se de uma visão adquirida pelo Neoconstitucionalismo e, para tanto, faz-se necessário abordar um pouco sobre este instituto. Para isso, inicia-se com uma breve história acerca dos direitos fundamentais, mais precisamente a importância do direito a saúde como sendo um pressuposto de manutenção da dignidade da pessoa humana. No capítulo seguinte, dispõe os fundamentos da ordem econômica, observando o relevante interesse coletivo, contemplados por princípios norteadores como o da soberania nacional e, portanto, analisar o papel estatal para dirigir a ordem econômica e assim estabilizar a economia. Por fim, revela ainda sobre a importância de uma nova interpretação constitucional, colacionando as principais ideias entre os princípios e a técnica da ponderação de interesses como sendo um postulado para uma possível solução de conflitos entre tais direitos fundamentais.

Palavras-chave: direitos fundamentais; saúde; economia; covid-19; colisão

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Abstract: This article addresses a relationship between the fundamental health rights and the economic order present in the Brazilian’s system in cases of pandemic of COVID-19 and from that look for a solution when these rights issued in the collision. It is a vision achieved by neoconstitutionalism and therefore, it is necessary to address a little about this institute. To do this, start with a brief history of fundamental rights, more precisely, the importance of the right to health as an assumption of the dignity of the human person. In the next chapter, we provide the fundamental of the economic order, observing the collective interest of the society contemplated by the guiding principles such as national sovereignty and, therefore, analyzing the statistical role to direct an economic order and, thus, stabilize the economy. Finally, it also reveals the importance of a new collective constitutional interpretation, as the main ideas between the principles and the technique of balancing interests, as being a postulate for a possible solution of conflicts between these fundamental rights.

Keywords: the fundamental rights; health; economy; COVID-19.

 

Sumário: Introdução. 1. O Direito Fundamental À Saúde Como Pressuposto De Manutenção Da Dignidade Humana. 2. Direito À Ordem Econômica Como Direito Fundamental Capaz De Traduzir A Soberania Nacional. 3. A Colisão De Direitos Fundamentais E A Técnica Da Ponderação De Interesses. Conclusão. Referências.

 

INTRODUÇÃO

O estabelecimento de um diálogo amplo e irrestrito entre os ramos do direito se tornou uma realidade a partir da incorporação das premissas trazidas com os movimentos pós-positivista e constitucionalista.

Em tempo de pandemia esta ligação se mostra ainda mais necessária, na medida em que houve o alastramento do vírus, os Estados tiveram que decidir pelo isolamento social, a fim de evitar mais mortes e seguir recomendações da Organização Mundial da Saúde.

Ocorre que, o direito em sua prolixidade axiológica, encontra barreiras científicas que beiram a incerteza do amanhã, ao passo que as evoluções dos ramos correlatos à saúde encontram dificuldades em delimitar por completo e estabelecer a luz no fim do túnel para a conjuntura atual, analisando os direitos fundamentais ao lado de valores constitucionais como o da manutenção da ordem econômica como fator estruturante da soberania.

Sob esse prisma, é necessário entender a nova interpretação constitucional e influência infraconstitucional, a partir da aplicação das normas e de técnicas que buscam a solução perante a colisão de direitos fundamentais que se confundem com princípios constitucionais.

Ademais, este artigo traz o método de abordagem de aplicação dedutiva, levando-se em consideração o silogismo, bem como o emprego de técnicas de pesquisa que correspondem ao levantamento bibliográfico e documental, tais quais: legislação nacional, estrangeira, doutrinas e artigos científicos a serem enfrentados os núcleos problemáticos aqui elencados.

 

  1. O direito fundamental à saúde como pressuposto de manutenção da dignidade humana

Muito embora sejam comumente empregados como sinônimos, sob pena de engendrar-se no axioma da repetição, é de bom tom esclarecer logo de pronto as diferenciações salutares que podem ser elencadas entre os direitos humanos e direitos fundamentais.

Quando se trata de direitos fundamentais, o que se pretende é dialogar com as regras positivadas no corpo constitucional, de protecionismo do ser humano, sejam essas de cunho individual ou coletivo. Já os direitos humanos, para além de previsões constitucionais e limites territoriais, são os contextos históricos, sociais e culturais que subsistem no tempo e no espaço, não se limitando à textos normativos nacionais e/ou internacionais[iv]; são, portanto, os pressupostos universais de manutenção da dignidade humana.

Dito isto, os direitos humanos, segundo a Organização das Nações Unidas, são aqueles inerentes a todos os seres humanos, independente de raça, sexo, nacionalidade, etnicidade, língua, religião, ou qualquer outro parâmetro, incluindo o direito à vida sem qualquer discriminação.

Proclamada na Assembleia Geral de 10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal de Direitos Humanos inaugura, a partir da cooperação internacional entre diferentes nações, distintas em sentido cultural e jurídico, a proteção universal dos direitos fundamentais. Junto à Convenção Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1976) e seus dois Protocolos Opcionais (1986) e à Convenção Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1976) e seu Protocolo Adicional, formam a denominada Carta Internacional de Direitos Humanos.[v]

Segundo os ensinamentos de Joaquín Herrera Flores “se não sabemos distinguir os sistemas de garantias e aquilo que se deve ser garantido, o objeto das normas jurídicas internacionais desaparece e a única coisa que parece existir são essas mesmas normas” (FLORES, p.18, 2009).

A ONU cuidou de delimitar em linhas gerais, claras e exemplificativas quais são os direitos básicos e basilares inerente a todos os seres humanos. Logo adiante, por meio de procedimentos formais, buscou delimitar tais direitos materializados em normas internacionais.

Não obstante o bojo normativo de protecionismo dos direitos humanos tenha progredido na linha do tempo, desde a edição das normas supra mencionadas, sua aplicabilidade no campo casuístico, de balizamento do contencioso social, tem merecido críticas pontuais no sentido de incapacidade de alcance diante da finalidade para a qual foi criada, qual seja, manutenção da dignidade humana. É que o aplicador das normas jurídicas insiste, por vezes, em segregar, conferindo interpretações compartimentalizadas em determinado ramo do direito, gerando, assim, ausência/divergência de pensamento dentro da mesma ciência.

Em decorrência do pós-positivismo pode-se notar, por um lado, o gradual e salutar distanciamento da norma escrita e quebra com o que o antropólogo, sociólogo e filósofo francês Edgar Mahoum denominou de paradigma da simplicidade[vi] que ainda permeia o bojo normativo (Rubio,2014). Por outro há aproximação com a moral e a ética, na busca de maior aplicabilidade de valores e princípios.

Associado a isto, é possível vislumbrar o papel fundamental que tem o movimento de constitucionalização do Direito, agregando os preceitos constitucionais de primazia de princípios como o da dignidade da pessoa humana, fundamental e basilar das produções legislativas, bem como o resguardo dos direitos e deveres individuais e coletivos e suas garantias, como pressuposto progressista de aplicação de um direito cada vez mais compromissado com a manutenção efetiva de direitos humanos.

A dignidade da pessoa humana é, pois, “o núcleo essencial de todos os direitos fundamentais, o que significa que o sacrifício total de algum deles importaria uma violação ao valor da pessoa humana” (MAGALHÃES FILHO, 2001, p. 248)

Outrossim, sabendo que “os princípios constitucionais figuram como uma síntese dos valores abrigados no ordenamento jurídico, (…) conferindo harmonia ao sistema, integrando suas diferentes partes e atenuando tensões normativas”[vii] (BARROSO (2003, p. 29 a 31), levando em consideração a imersão global em águas pandêmicas com o advento e evolução do coronavírus SARS-CoV-2, é possível colher o aparente conflito entre o direito à saúde e o dever do Estado de gerência econômica interna[viii].

O direito à saúde tem enquadramento teórico científico nos direitos fundamentais de segunda dimensão, que implicam em “deveres e tarefas a serem realizadas pelo Estado, no intuito de possibilitar aos seres humanos melhor qualidade de vida e um nível de dignidade como pressuposto do próprio exercício da liberdade” (MARMELSTEIN, 2008)

Isto posto, passa-se ao Estado a incumbência de resguardar, seja por meio de criação ou aplicação, a plena entrega de serviços públicos, suficientes à garantir uma prestação ampla e contínua de todos os serviços básicos e complexos de saúde a todos, observando para os princípios específicos da universalidade, igualdade, descentralização, atendimento integral, participação da comunidade na gestão, fiscalização e acompanhamento das ações e dos serviços de saúde a participação da iniciativa privada assistencial.

O antinomismo entre as previsões constitucionais transcritas surge à medida em que os organismos nacionais e internacionais manejam ações, conjuntas ou não, levando em consideração as diretrizes, recomendações e resoluções expedidas pela Organização Mundial da Saúde, que buscam a prevenção e erradicação do novo vírus.

Portanto, com vistas a redução do quadro mencionado, a imposição do isolamento social, ainda vigente na maioria dos Estados, fora imperiosa para a mitigação do colapso dos sistemas de saúde que buscam a prevenção e tratamento do vírus, levando ao fechamento de diversos segmentos de setores da economia não considerados como desenvolvedores de atividades essenciais.

 

  1. Direito à ordem econômica como direito fundamental capaz de traduzir a soberania nacional

A origem do Direito está inteiramente ligada à origem e evolução da sociedade, devido os conflitos gerados pelos homens em suas relações quando buscavam atender seus anseios de sobrevivência, surgindo assim, a necessidade de criação de normas de condutas para regular o convívio do grupo e garantir a segurança, paz e bem estar social. (AROUCA, 2015, p.159)

Não sendo distinto o surgimento do Direito Econômico, é um dos ramos do direito que tem como finalidade direta a sustentação da sociedade pelo princípio da dignidade da pessoa humana. Caracterizado como conjunto de regras e princípios que tratam da política econômica do Estado, compreende normas jurídicas básicas que regulam, disciplinam e controlam o poder econômico, limitando-o com o intuito de prevenir abusos tanto pelo privado quanto pelo poder público.

Passou-se por período de transformação até que em meados de 1919 fora tratado de maneira jurídica, positivando-se na Constituição com a ordem econômica programática dirigente, que estabelece diretrizes com normas dinâmicas, direcionadas a um futuro, a serem realizadas pela sociedade e pelo Estado.

Entretanto, as fontes formais oriundas das leis, devido sua dinamicidade, não suprem a necessidade de regulamentação das atividades econômicas, sendo necessário a utilização de fontes auxiliares, como a Ciência Econômica.

Esta Ciência tem como principal função explicar o funcionamento do sistema político-econômico, nomeados de socialismo e capitalismo, e a relação desse sistema com os agentes econômicos, todos os indivíduos, ambientes ou entidades que tenham a capacidade de influenciar e movimentar a economia, cada qual com funções distintas e complementares para o funcionamento da economia, como o Estado e o mundo, propondo soluções para os problemas existentes.

No contexto evolutivo, o Estado enquanto agente econômico, tem papel fundamental no Direito Econômico. Historicamente, suas funções foram aumentado de maneira gradativa, desde o Estado Liberal até o conhecido atualmente, agregando-se principalmente as funções ligadas à regulação da economia para garantir desenvolvimento econômico e o bem estar dos cidadãos.

Na época da Revolução Francesa, com o prevalecimento de ideais liberais, marcou-se pelo afastamento da intervenção do Estado na economia, consagrando ideologias como, em destaque, o dever de proteção dos membros da sociedade frente à injustiça e opressão de qualquer outro membro e o dever de praticar determinadas políticas públicas quando necessárias, delineando-se em intervenção social mínima, devendo a ordem econômica ser regulada pela “mão invisível” do mercado sem a interferência do ente público.

O Estado Liberal era visto como inimigo da liberdade individual, e qualquer restrição ao indivíduo em favor do coletivo era tida como ilegítima sendo a liberdade contratual considerada um direito natural dos indivíduos. (DALLARI, 2016, p.233).

Diante da pretensa liberdade na ordem econômica, vislumbra-se o efeito contrário do desejado, aumentando cada vez mais a diferença entre as classes sociais. Dessa maneira, restou óbvio que o Estado tinha papel essencial dentro da economia e que este não poderia deixar de intervir diante do crescimento das desigualdades sociais, surgindo assim, o Estado Social, apoiado em teorias de filósofos, destacando Karl Marx, e nos ideias George W. Friedrich Hegel, colocando as questões sociais como preocupação principal do Estado, passando de mero espectador para atuante, em situações excepcionais, e fiscalizador. (CARVALHO FILHO, 2015).

Em meados do século XX, a situação inicialmente proposta para o modelo social, com o “capitalismo primitivo” que pregava autorregulação, começa a ser repensada diante das constantes situações de abuso do poder econômico, sendo implantado, uma constitucionalização econômica, permitindo ampla possibilidade de o Estado intervir na economia não apenas em situações absolutamente excepcionais, adequando-se à necessidade da ordem social.

Inaugurando-se a fase do dirigismo estatal econômico, privilegiando o modelo capitalista, passou a Constituição de 1988 a contar com normas programáticas político-sociais, regulando a atuação do Estado no domínio econômico, definindo limites de intervenção e formas de ingerência, além de princípios e normas sobre a ordenação social, os fundamentos das relações entre pessoas e as formas de participação da comunidade, inclusive nos processos produtivos, apresentando a ordem econômica que tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, com fulcro artigo 170 da CF/88, fundando-se nos pilares da valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, salvaguardados pelos fundamentos da própria República Federativa do Brasil, previstos no artigo 1°, IV, CF/88[ix].

Além dos fundamentos básicos já mencionados, a ordem econômica fora contemplada por princípios norteadores como o da soberania nacional, em observação ao relevante interesse coletivo da sociedade, uns complementando os outros em um trabalho convergente para garantir a justiça social.

A soberania é aquela que oferece condições para que haja desenvolvimento de políticas sociais-econômicas, caracteriza-se pela cautela referente à influência internacional, sem o devido controle, na economia nacional, não se tratando de uma blindagem de capital estrangeiro, apenas sustentando a ideia de independência econômica nacional, garantindo um Capitalismo Nacional Autônomo[x], capaz de sustentar-se só, garantindo o bem estar da população.

Com particularidades específicas, qualifica-se como poder concedido ao Estado para que este interfira e conduza a ordem econômica devidamente em prol dos interesses da coletividade, propiciando meios para o desenvolvimento de políticas públicas, além de responsabilizar e repara danos causados, colocando o país em um patamar igualitário diante de outras nações em contexto econômico global, pois é por meio da economia que um país irá estabilizar-se em uma posição de independência dentro do cenário internacional.

No presente, o enfrentamento do problema sanitário internacional, responsável pela crise global pandêmica, causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, trouxe diversos desafios para todos os países, os quais tiveram a necessidade de adotar medidas e mecanismos na tentativa de contenção da contaminação causada pelo vírus, seguindo recomendações da própria Organização Mundial da Saúde.

O isolamento social, uma das recomendações feitas pela Organização Mundial da Saúde, é a maneira mais eficiente para combater o COVID-19 atualmente, vistas a se estar diante de um coronavírus com poder de mutação e ainda não foram desenvolvidos medicamentos ou vacinas para a síndrome respiratória aguda, uma das possíveis variações dos sintomas. No cenário descrito, a Corte Interamericana de Direitos Humanos também editou recomendações de isolamento social e medidas protetivas para o combate à pandemia.

Na esfera brasileira, os prefeitos e governadores acolheram as medidas emergenciais em estrito cumprimento às recomendações internacionais, tratando os direitos fundamentais individuais em prol da saúde pública. Todavia, o sistema público de saúde não estava preparado para enfrentamento de uma crise sanitária em extensão nacional e, devido as já presentes e persistentes dificuldades nas garantias dos direitos fundamentais e sociais, principalmente à saúde, vivenciadas no país, potencializaram, deixando ainda mais forte e difícil os efeitos da pandemia no país. Além de que, fora a questão relativa à saúde, outros direitos fundamentais foram atingidos e restringidos, como as liberdades individuais, livre circulação e locomoção.

Consequentemente, diante dessas incertezas e das medidas adotadas, restou dúvida sobre o papel estatal e sua atuação perante as situações agravadas pela pandemia. Ressalta-se que as discussões se intensificam quando a ordem econômica é posta em questão, esta que é tida por maior parte populacional, como assunto não necessário, pois, para muitos, o que se discute é que deve o Estado ater-se à situação “verdadeiramente crítica”, a saúde pública.

Portanto, é necessário que haja um estudo de como deve analisar o caso concreto diante do conflito de tais direitos, já que os direitos aqui tratados, individuais, sociais e econômicos, que complementam uns aos outros, assegurando o cumprimento destes em conjunto, respeitando a dignidade da pessoa humana.

 

  1. A colisão de direitos fundamentais e a técnica da ponderação de interesses

Os direitos fundamentais são transformadores de princípios superiores ao ordenamento juridicoconstitucional como os que compõem uma estrutura básica na ordem jurídica, ou seja, não funcionam como princípios e garantias entre indivíduos e Estado.

E então, parte para o estudo da multifuncionalidade dos direitos fundamentais, a fim de entender suas dimensões consideradas subjetivas, em que estão relacionadas ao direito subjetivo, ou seja, traz a possibilidade daquele que é titular da pretensão exigir ao destinatário o cumprimento da prestação, seja de forma administrativa ou judicial.

Pode-se dizer também que nem sempre a dimensão subjetiva terá disposição no ordenamento jurídico e, portanto, faz-se necessária a interpretação constitucional, a fim de analisar a dogmática e assim observa-se que os direitos fundamentais estão direcionados a proteger o indivíduo e não a coletividade, ou seja os direitos fundamentais nessa perspectiva estão protegidos de forma subjetiva.

Encontra-se na autonomia individual e na dignidade da pessoa humana, podendo atribuir na perspectiva subjetiva aos grupos e entes coletivos, como proteção do indivíduo na sua titularidade, significando uma ampliação[xi] na dimensão subjetiva.

A acepção subjetiva significa admitir que ao seu titular- que pode ser um sujeito individual, um grupo determinado ou uma coletividade indeterminável – é possível exigir em face do destinatário, pela via administrativa ou judicial, o cumprimento dos seus interesses protegidos pelo ordenamento jurídico na forma de bens jus fundamentais. Um dos traços é a exigibilidade da prestação negativa ou positiva necessária à tutela do direito fundamental e independe do conceito tradicional de direito subjetivo ou da possibilidade de ser reconduzível a um titular individual, singularmente determinado (HACHEM, 2013, p.633).

A partir da origem do direito constitucional contemporâneo, os direitos fundamentais passaram a ter uma dupla função, com direitos na perspectiva subjetiva e objetiva. Tal caráter objetivo é apresentado em dois momentos: sistema de valores em todas as áreas ou cada direito fundamental deverá ser analisado de forma isolada, a partir de uma interpretação principiológica para criar um reforço da juricidade das normas relacionadas aos direitos fundamentais.

Inicialmente, partindo do pressuposto de que tanto as normas de direitos fundamentais que consagram direitos subjetivos individuais, quanto as que impõem apenas obrigações de cunho objetivo aos poderes públicos podem ter a natureza ou de princípios ou de regras há que ter em mente a inexistência de um paralelismo necessário entre as regras e a perspectiva subjetiva e, por outro lado, entre princípios e perspectiva objetiva, de tal sorte que se pode falar em regras e princípios consagradores de direitos subjetivos fundamentais, bem como de regras e princípios meramente objetivos (SARLET, 2014, p.144).

Ainda assim, “a interpretação constitucional viu-se na contingência de desenvolver técnicas capazes de produzir uma solução dotada de racionalidade e de controlabilidade diante de normas que entrem em rota de colisão”. (BARROSO, 2018, p. 379).

Partindo para o cenário pandêmico, verifica-se o enfrentamento de um conflito entre direitos fundamentais e que vêm sendo objeto de discussão nacional como internacional.

Em que de um lado, sustenta-se que o direito à saúde é o bem essencial para todos e que há necessidade de um sacrifício em prol da vida, e em contrapartida, há a crise econômica que tem se alastrado e deixado diversas pessoas sem emprego e sustento, traduzindo a defesa dos valores sociais, coletivos e individuais, bem como os direitos fundamentais.

A fim de resolver o problema da colisão de direitos, uma vez que ambos estão na mesma dimensão, tanto no plano do direito coletivo como do individual, faz- se necessário analisar o sistema de ponderação de interesses entre os direitos fundamentais, regras e princípios constitucionais, na medida em que neste momento não é aplicada a regra de “tudo ou nada” e sim, a proporcionalidade como a estrutura da técnica de sopesamento.

Importa destacar que para buscar a tentativa de resolução desses conflitos, deve-se refletir sobre a eficácia jurídica e eficácia social, levando em consideração o “dever  ser”, a potencialidade da norma como aplicador da eficácia jurídica e o “ser” da norma em relação a eficácia social como a concretização normativa e consequente, força operativa nos fatos.

A eficácia social propugna não a eficácia jurídica como uma possibilidade de aplicação da norma, mas como meio de sua verdadeira aplicação e portanto, entende-se que o seu desenvolvimento é a partir da materialização do mundo dos fatos, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social, operando direitos que lhes são inerentes.

Destaca-se que o a ponderação de interesses possui três requisitos que deverão ser analisados pelo interprete para a aplicação ao caso, são eles: necessidade, adequação, proporcionalidade estrita, isto é, deve-se levar em consideração o a relação entre a causa e o efeito do seu uso, a escolha desde que os efeitos negativos sejam minimizados e o custo-benefício.

Além disso, o interprete tem que identificar as normas que se aplicam ao caso concreto e o âmbito onde ocorre a colisão, avaliar os fato[xii]s e relação para que assim, tome a decisão com base nos requisitos ora apresentados, tornando claro, que é na decisão que o interprete aplicará a ponderação[xiii] em que analisará os “pesos que devem ser atribuídos aos diversos elementos em disputa e, portanto, o grupo de normas que deve preponderar no caso.” (BARROSO, 2018, p. 382)

A particularização dos conflitos acima, torna-se protagonista da colisão entre os direitos fundamentais, e “a estrutura normativa e o modo de aplicação dos direitos fundamentais se equiparam aos princípios. Assim, direitos que convivem em harmonia no seu relato abstrato podem produzir antinomias no seu exercício concreto”. (BARROSO, 2018, p.377)

Aplicar a proporcionalidade significa que é o postulado da ponderação propriamente dita, em que existe o colapso da saúde decorrente da pandemia, mas também, o direito a estabilidade econômica, caracterizando uma ausência de neutralidade de valores, perante a ordem constitucional que causa repercussão em todos os âmbitos da ordem jurídica e social.

Portanto, pode-se dizer que esse sopesamento apresentado decorre dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, onde os interpretes e julgadores entendem melhor estabelecer suas decisões para melhor dirimir os conflitos, pautando nos valores e interesses em questão e nos momentos em que forem difíceis de se ter uma compatibilização o interprete vai utilizar o seu critério de escolha de acordo com o caso concreto.

É certo que a situação pandêmica trouxe uma grande discussão acerca da proteção de direitos e garantias fundamentais, sendo necessária uma proteção na perspectiva da proporcionalidade como sendo caracterizador da racionalidade, posto que o interesse coletivo merece uma mobilização do Estado que vise a garantir o direito de todos, se efetuando na ponderação.

 

CONCLUSÃO

Resta claro o papel essencial do Estado dentro da sociedade moderna. A criação, manutenção e enlastecimento de políticas públicas voltadas a promoção e resguardo do direito fundamental à saúde é, sem sombra de dúvida, papel do agente regulador, diretamente relacionado aos aspectos econômicos que permeiam a soberania nacional.

A concretização de um diálogo amplo e irrestrito entre os demais entes soberanos, por meio da aplicação da técnica ponderativa de sopesamento de direitos e garantias individuais, mostra-se, então, como a via de escape principal capaz de tronar possível, mesmo que a duras penas, a manutenção da dignidade humana.

Observou-se neste artigo que diante das recomendações e exigências impostas pelos atos dos entes públicos e organizações internacionais, vê uma problemática, em que, de um lado, é necessário preservar a vida e a saúde da população em decorrente do vírus: e do outro, é importante manter a ordem econômica do Estado que é um dos objetivos fundamentais na ordem constitucional, pois a interrupção e suspensão destes traz um grande desafio perante empresas e empregos.

Diante da realidade assistida, há um grande aumento no índice de contaminação e morte ocasionada pelo vírus, o que também está ocasionando um colapso na saúde brasileira e então, mostra-se a necessidade de um diálogo e interpretação a partir da técnica da ponderação de interesses a partir de decisão ao caso concreto e concluindo que faz-se necessário adotar a proporcionalidade, consoante a inclusão de bem de todos.

 

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[i] Advogada. Professora Universitária do Centro Universitário Estácio Sergipe. Doutoranda em Direito na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestre em Direito na Universidade Federal de Sergipe. Especialista em Direito do Trabalho UNIDERP. cristianamsnascimento@gmail.com

[ii] Acadêmica de Direito no Centro Universitário Estácio Sergipe. mirellaabarroso@outlook.com

[iii] Acadêmico de Direito no Centro Universitário Estácio Sergipe. pedro_fontes.us@outlook.com

[iv] “Logicamente, os direitos humanos estão, portanto, fora do âmbito do direito internacional. Se não fosse assim, cairíamos em uma tautologia perversa: se os direitos humanos se confundem com as normas internacionais de direitos humanos, o direito internacional dos direitos humanos não seria mais que o direito internacional do direito internacional” (FLORES, Joaquín Herrera, 2009, pg. 18).

[v] “The Universal Declaration of Human Rights (UDHR) is a milestone document in the history of human rights. Drafted by representatives with different legal and cultural backgrounds from all regions of the world, the Declaration was proclaimed by the United Nations General Assembly in Paris on 10 December 1948 by General Assembly resolution 217 A (III) as a common standard of achievements for all peoples and all nations. It sets out, for the first time, fundamental human rights to be universally protected. Since its adoption in 1948, the UDHR has been translated into more than 500 languages – the most translated document in the world – and has inspired the constitutions of many newly independent States and many new democracies. The UDHR, together with the International Covenant on Civil and Political Rights and its two Optional Protocols (on the complaints procedure and on the death penalty) and the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights and its Optional Protocol, form the so-called International Bill of Human Rights”. UN – United Nations. The Universal Declaration of Human Rigths.

[vi] “dualiza, hierarquiza, amputa e reduz a realidade e, geral, não apenas de direito, apesar de que a globalidade mundial e os distintos processo de globalização que dão conteúdo a essa globalização reclamam por outros fins ao fenômeno jurídico”. (Rubio, 2014)

[vii]“Os princípios constitucionais figuram como uma síntese dos valores abrigados no ordenamento jurídico. Espelham a ideologia da sociedade, seus postulados básicos, seus fins. Os princípios dão unidade e harmonia ao sistema, integrando suas diferentes partes e atenuando tensões normativas.  Servem de guia para o intérprete, cuja atuação deve pautar-se pela identificação do princípio maior que rege o tema apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar à formulação da regra concreta que vai reger a espécie. Princípios contêm, portanto, uma maior carga valorativa, um fundamento ético, uma decisão política relevante, e indicam uma determinada direção a seguir.” BARROSO (2003, p. 29 a 31)

[viii] Artigo 170, caput: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios”.

[ix] “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; (Vide Lei nº 13.874, de 2019)”)

[x] “Essa é uma tarefa a que a Constituinte, em última análise, confiou à burguesia nacional, na medida em que constitucionalizou uma ordem econômica de base capitalista. Vale dizer: o constituinte de 1988 não rompeu com o sistema capitalista, mas quis que se formasse um Capitalismo nacional autônomo, isto é, não dependente.” (SILVA, 2006, p. 711)

[xi] A presunção em favor de um direito subjetivo adquire relevância prática apenas se implicar a exigibilidade judicial do direito em questão, o que, todavia, implica a necessidade de resolver problemas vinculados ao princípio da separação de poderes, bem como aspectos inerentes à eficácia da prestação jurisdicional, por conta de uma ampliação do espaço subjetivo a partir da dimensão objetiva e a correlata compressão da dimensão subjetiva individual. (SARLET, 2014, p.155).

[xii] A importância assumida pelos fatos e pelas consequências práticas da incidência da norma na moderna interpretação constitucional. Embora os princípios e regras tenham uma existência autônoma, em tese, no mundo abstrato dos enunciados normativos, é no momento em que entram em contato com as situações concretas que seu conteúdo se preencherá de real sentido. Assim, o exame dos fatos e os reflexos sobre eles das normas identificadas na primeira fase poderão apontar com maior clareza o papel de cada uma delas e a extensão de sua influência (BARROSO, 2018, p. 382)

[xiii] “É bem de ver, no entanto, que a ponderação, embora preveja a atribuição de pesos diversos aos fatores relevantes de determinada situação, não fornece referências materiais ou axiológicas para a valoração a ser feita”. (TORRES, 2000)

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