Direito de privacidade no direito brasileiro e norte americano

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Resumo: O presente artigo tem por finalidade comparar o direito a privacidade na sociedade moderna brasileira e americana. Compara-se-à decisões judiciais sobre o tema de privacidade e analisar a fundamentação ao Direito a intimidade e privacidade em ambos os ordenamentos jurídicos. O texto demonstrará a dimensão negativa do direito à privacidade, ou seja, aquela que protege a intimidade e a vida privada do indivíduo contra intromissões do poder público e dos demais cidadãos, e a dimensão positiva, onde impõe-se ao Estado o dever de implementar as medidas administrativas e legislativas para garantir a privacidade dos cidadãos, protegendo-os de ações de outros cidadãos e do próprio Estado, principalmente nos meios tecnológicos

Palavras-chave: Direito à privacidade, Direito da personalidade, Tecnologia da informação.

Abstract: This article aims to compare the right to privacy in the Brazilian and American modern society. It aims to: compare judgments about the privacy issue and examine the grounds on Right to privacy and intimacy in both jurisdictions. The text will demonstrate the negative dimension of the right to privacy, that is, one that protects the privacy and the privacy of the individual against interference of the government and of other citizens, and the positive dimension, which imposes a duty on the State to implement administrative and legislative measures to ensure the privacy of citizens, protecting them from actions of other citizens and the state itself,  especially in the  techonolgical means.    

Keywords: Right to Privacy, personality law, information Tecnology

Sumário: 1. Introdução – 2. Surgimento da Privacidade – 3. Conceito de Privacidade e julgamentos Norte-Americanos – 4. Privacidade no Meio eletrônico Americano – 5. Privacidade na legislação brasileira – 6. Privacidade na Internet e a Jurisprudência brasileira – 7. Privacidade e o Marco Civil da Internet – 8. Considerações finais – Bibliografia.

1. Introdução

Diante do progresso tecnológico, com a evolução dos meios de comunicação, verifica-se, a vulnerabilidade da intimidade da pessoa humana. Torna-se relevante a discussão sobre os limites da vida privada e do interesse público.

A referida discussão é problemática em todos os lugares, tendo cada sistema um posicionamento e um embasamento, porém todos com a finalidade de proteger a vida privada.

Nos Estados Unidos, o Direito a Privacidade é baseado no artigo Right To Privacy e a jurisprudência o utiliza até os dias atuais, limitando o interesse público à privacidade do indivíduo.

No Brasil, a principal controvérsia é a consideração do direito à privacidade como limitador do direito a personalidade.

Discute-se na doutrina interna qual o limite do interesse público e o direito a privacidade, o mesmo direito de estar só previsto no ordenamento americano.

Com o advento da tecnologia a questão torna-se ainda mais relevante pois o próprio agente se expõe em mídias sociais.

A Jurisprudência ainda não é uniforme quanto a disponibilidade de informações privadas e qual o limite para tal ato.

Há legislação versando sobre o assunto em vários campos, porém o mais importante é o recém editado Marco Civil da Internet, que estabelece os tipos de informações que serão consideradas privadas na rede e o tempo de guarda.

Verificar-se-à se há ou não pontos em comum entre o entendimento de privacidade no sistema jurídico Commom Law e o Direito Positivado brasileiro.

2. Surgimento da privacidade

O conceito de privacidade nasceu na filosofia antiga, com as distinções quanto aos domínios do público e do privado.

Na Grécia antiga, o interesse do Estado era superior ao interesse particular. Com o declínio da vida política grega, após a invasão macedônica, o interesse filosófico dirigiu-se da vida pública para a vida privada, valorizando assim a intimidade do cidadão.

Com o declínio da sociedade feudal, na qual o isolamento era privilégio de poucos, a privacidade passa a ser estendida a todos como elemento de promoção da igualdade de tratamento entre os cidadãos e da paridade social.

Na América e na Europa, até a primeira metade do século XIX a defesa do direito à privacidade confundiu-se com a da propriedade privada e da honra, mas a partir da segunda metade do século XIX a tutela da privacidade recebeu novos contornos. No século XX, as inovações tecnológicas provocaram súbitas mudanças no conceito de privacidade, elevando o risco da violação. O desejo de obter informações sobre pessoas tornou-se crescente.(NAVARRO, 2014)

Em 1948 surgiu a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, proteção internacional do direito à privacidade,  que no artigo 5º,  dispõe o seguinte: “toda pessoa tem direito à proteção da lei contra os ataques abusivos a sua honra, a sua reputação e a sua vida privada e familiar”. (SAMPAIO, 1998)

No mesmo ano, foi aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro, a Declaração Universal de Direitos do Homem, que enunciava em seu art. 12

que “ninguém será objeto de ingerências arbitrárias em sua vida privada, sua família, seu domicílio ou sua correspondência, nem de ataques a sua honra ou a sua reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou ataques”

3. Conceito de Privacidade e julgamentos Norte-Americano

A mais bem-sucedida definição da privacidade é de autoria do Juiz norteamericano Cooley. Em 1873, este Juiz identificou a privacidade como: "The right to be let alone", ou como o direito de uma pessoa em ser deixada em paz, de estar só. (SILVEIRA, 1997).

A divulgação de informações exageradas, nos jornais de Boston resultou no artigo de Samuel Warren (SILVEIRA, 1997) criticando a intervenção da mídia impressa. Esse right to be alone compreenderia a imunidade das pessoas em face da ação de repórteres, fotógrafos ou de pessoas que usem quaisquer aparelhos “modernos” de gravação ou reprodução de sons e imagens.

Os autores do texto defendiam a não prevalência do interesse público, tendo em vista que determinados assuntos somente diriam respeito à vida privada.

Lawrence Lessing, estudioso contemporâneo do assunto, define como privacidade tudo o que “é o produto de uma relação entre tudo aquilo que pode ser monitorado ou investigado, e todas as proteções legais e estruturas utilizadas para dificultar este monitoramento e/ou investigação” (FINKELSTEIN, 2011).

Atualmente a Constituição Federal Americana não privilegia o Direito a Intimidade. Apenas algumas constituições estaduais como do Alaska (1972), Arizona (1912), Carolina do Sul (1970)[1], resguardam o direito a intimidade e privacidade.

Tendo em vista que o sistema judiciário americano é da Commom Law, as decisões dos tribunais fazem lei entre as partes, sendo o norteador do Direito a intimidade.

Há várias manifestações jurisprudenciais sobre o limite de acesso a vida privada americana, dentre eles:

O primeiro caso é o emblemático Griswold v. Connecticut, 381 U. S. 479 (1965)[2], no qual indagava-se até que ponto o governo podia intrometer-se na vida íntima de um casal a fim de decidir sobre métodos anticoncepcionais. Neste caso Estelle Griswold era diretora de uma liga de planejamento familiar, e seu  sócio Lee Buxton, médico e professor da Escola de Medicina da Universidade de Yale,  que montaram uma clínica de orientação de controle de natalidade em New Haven (Connecticut). Famoso ficou o voto do Justice William Douglas (1898-1980), quando ele falou que muitos dos direitos e garantias não previstos expressamente no Bill of Rights podiam ser extraídos hermeneuticamente das “penumbras” formadas por “emanações” que jorravam de outras proteções da própria Constituição. O Justice Hugo Black (1886-1971) discordou. Em interpretação nitidamente restritiva, ressaltou que o “direito à privacidade” (right to privacy) não se achava expresso em nenhum lugar da Constituição. O Justice Arthur Goldberg (1908-1990) contra-argumentou, dizendo que a Emenda n. 9 permitia a expansão de outros direitos que não aqueles assegurados expressamente no texto constitucional. Sendo assim, o Estado não poderia intervir na vida sexual, campo mais do que privado da intimidade. 

Outro caso importante de Direito a privacidade é relatado entre Stanley v. Georgia, 394 U. S. 557[3] em 1969. Neste caso, ampliou-se ainda mais o “direito de intimidade”. A polícia, munida de um mandado judicial, entrou na casa de Robert Stanley em busca de provas de que ele era “bicheiro”. Nada relativo à atividade foi encontrado, porém, a polícia se deparou com três rolos de filmes pornográficos. Stanley foi condenado por possession of obscene materials. O Justice Thurgood Marshall (1908-1993), alude ao ideal americano da “busca pela felicidade” e invoca voto famoso de Louis Brandeis (1856-1941) em Olmstead v. United Sates, 277 U. S. 438, 478 (1928), quando o grande juiz sintetiza o “direito de privacidade” (right of privacy) como “o direito de ficar sozinho” (the right be let alone), “o mais compreensivo dos direitos e o direito mais valorizado pelos homens civilizados” (the most comprehensive of rights and the right most valued by civilized men). Ora, Stanley tinha o direito de ler ou ver na privacidade de seu lar aquilo que lhe comprazia. Não se negava ao Estado o poder de regulamentar a obscenidade. Mas, sem dúvida, esse poder não alcançava o indivíduo em seu próprio lar. Violado restou o direito de intimidade.

Atualmente, tema que tem frequentemente agitado os tribunais norte-americanos é o direito de a imprensa divulgar fatos da vida particular das pessoas. Muitas vezes fica difícil conciliar a liberdade de imprensa com o direito de privacidade do indivíduo. De um modo geral, a Suprema Corte tem entendido que se o fato noticiado foi obtido de fonte pública e narrado com veracidade está amparado constitucionalmente pela Emenda n. 1 (liberdade de imprensa). Existe um precedente que tem servido de norte para caso de divulgação de informação verídicas, de interesse público: Cox Broadcasting Corp. v. Cohn, 420 U. S. 469 (1975).[4] Em 1971, em uma cidade da Geórgia, uma moça de 17 anos foi estuprada e assassinada. Lei estadual impedia a divulgação de foto e nome da vítima de estupro pela mídia. Um repórter da WSB-TV obteve cópia do processo com um funcionário do juízo e divulgou dados. O pai da vítima, com base na lei estadual, ajuizou ação exigindo punição e indenização. A Suprema Corte, por maioria esmagadora (vencido ficou o Justice Renhquist), teve a lei do Estado da Geórgia como inconstitucional. O direito à liberdade de imprensa prevalecia em relação ao direito de privacidade da vítima. Em seu voto, o Justice Byron White (1917-2002), que falou pela Corte, ressaltou: “O noticiário pela mídia é uma fonte importante para que os cidadãos possam fiscalizar a atividade governamental”. Por outro lado, no caso concreto as informações já se achavam publicamente registradas.

Os limites do direito à privacidade são constantemente postos à prova. Recentemente, no julgamento de United States v Antoine Jones (julgado em 23 de janeiro de 2012)[5], deliberou a Suprema Corte, à unanimidade, que é inconstitucional a instalação de rastreadores por Global Positioning System (GPS) em veículo sem consentimento do proprietário ou autorização judicial, para efeito de monitoramento dos deslocamentos do motorista pela polícia.

Externando ainda mais o exemplo de privacidade, Lessig oferece o seguinte exemplo: supondo ser criado um programa que detecta arquivos ilegais no computador do cidadão, sem que o usuário investigado perceba a investigação. Que este programa não possa detectar nada além desse arquivo ilegal e que, se encontrado o determinado arquivo, este destrua ou caso contrário o programa se autodestrua. Neste caso, haveria invasão de privacidade ? Lessig entende que certamente há um senso de invasão, mas que a 4ª Emenda a Constituição norte-americana “já não está atrelada a invasão de privacidade, mas sim, à razoabilidade da invasão da privacidade.” (FINKELSTEIN, 2011)

4. Privacidade no Meio Eletrônico Americano.

O problema entre o direito à privacidade e novas tecnologias não é exclusivo da contemporaneidade. Quando Warren e Brandeis (1890) escreveram seu artigo The Right to Privacy, a preocupação deles era com as novas tecnologias à época, como máquinas de fotografar e grandes jornais.(BRANDÃO, 2013)

Em 1974 foi publicado o Federal Privacy Act[6] , uma legislação federal que passou a reger, no restrito âmbito das agências governamentais federais, as atividades de gerenciamento dos dados pessoais armazenados, permitindo a divulgação das informações individuais em restritas hipóteses e ampliando o acesso do interessado a seus dados pessoais (direito de acesso)[7], inclusive para fins de solicitar a alteração deles (direito de retificação)[8]. As agências são obrigadas a seguir, entre outros, os princípios de coletar apenas informações essenciais a suas atividades, coletá-las preferencialmente junto à própria pessoa, informar sobre os meios adotados para a coleta, publicar notícia acerca da natureza e da estrutura do banco de dados no Federal Register e não manter informações sobre como a pessoa exerce seus direitos individuais. (CAMARA, 2014)[9]

No direito norte-americano, o problema de violação potencial dos dispositivos da lei de proteção da privacidade nos meios de comunicação eletrônica, a Electronic Communications Privacy Act de 1986 (“ECPA”), tem sido objeto de intenso debate. No caso do Google, a tecnologia AdSense associada às mensagens de correio eletrônico do G-Mail, não seria compatível com as normas da lei relacionadas aos crimes de interceptação eletrônica e de acesso não autorizado aos conteúdos armazenados na internet. A jurisprudência, no entanto, parece ter pouco aprofundado o tema, sustentando a não aplicação das normas da ECPA aos serviços de armazenamento de dados em comunicação eletrônica. Assim, se levado o argumento ao extremo, as mensagens recebidas e enviadas e temporariamente armazenadas nos servidores do GMAIL estaria excluídas do âmbito de proteção da lei, sobretudo pela privacidade de usuários situados em diferentes estados federados norte-americanos.(LUCCA, 2008)

Em março de 2004, o Google deu início aos testes de seu serviço de correio eletrônico, o “G-Mail” tornando-se o centro das controvérsias no debate sobre privacidade e proteção de informações pessoais de usuários de internet. Isso teria contribuído para as primeiras linhas de leis estaduais nos Estados Unidos sobre “privacidade online”, a California online Privacy Protection Act de 2003. (LUCCA, 2008)

Hoje os Estados Unidos tem leis estaduais como a Lei de Esquecimento, em que a postagem deve ser retirada do ar caso requerida, mas não são todos os Estados que aderiram a lei.

Por sua vez, a Câmara do Congresso norte-americano aprovou no mês de abril de 2014 o projeto de lei para compartilhamento de informações, o controverso Cyber e Protection Act (Cispa) ou HS-35. O Cispa permitirá, se houver a aprovação do presidente Barack Obama, às empresas entregarem dados confidenciais para o governo sem um mandado, sem anonimato, sem revisão judicial.

Vale salientar que essa lei não vincula apenas cidadãos americanos e sim de todos os países, pois todos os usuários de computadores que tenham alguma relação com empresas norte-americanas, usando seus serviços, gratuitos ou pagos, poderão ter seus dados privados coletados, submetendo-se a vigência do Cispa.

Por sua vez, o Cispa contraria o Marco Civil da Internet brasileiro, que por sua vez, pretende respeitar a privacidade do usuário na internet.

5. Privacidade na legislação brasileira

A Constituição Federal brasileira, dispõe no art. 5º:

“X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Segundo Celso Ribeiro Bastos, o direito à privacidade consiste na faculdade que tem cada indivíduo de obstar a intromissão de estranhos na sua vida privada e familiar, assim como de impedir-lhes acesso a informações sobre a privacidade de cada um e também impedir que sejam divulgadas informações sobre esta área da manifestação existencial do ser humano.(BASTOS, 1984)

Até mesmo para empresas existe o fenômeno da privacidade, há, inclusive, normas legais que proíbem a divulgação de dados de natureza confidencial da empresa, excetuados os casos das companhias abertas que, por exigência do mercado, são obrigadas a divulgar informações pertinentes, em certos casos.

O Direito a Privacidade é tão importante que possui menção em determinados regulamentos. O mais importante é a figura do habeas data, remédio para proteção da esfera íntima dos indivíduos e, contra usos abusivos de registros de dados pessoais coletados por meios ilícitos e meios de evitar a introdução de dados sensíveis nestes arquivos. Visa também desfazer a conservação de dados falsos ou com fins diversos dos previstos em lei.

No plano infraconstitucional, os dados pessoais são tutelados em legislações esparsas, dentre elas: o sigilo dos agentes do fisco (art. 198 do CTN), além das Leis n.º 9.296/1996 e n.º 10.217/2001, que tratam da interceptação telefônica e da gravação ambiental. Há, ainda, o Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/1990), que trata dos bancos de dados nas relações de consumo, bem como a LC 105/2001, que permite às autoridades administrativas a quebra do sigilo bancário, em certas situações, sem autorização judicial (LIMBERGER, 2007)

O Direito a Privacidade também está regulado no Novo Código Civil brasileiro, no Capítulo dos Direitos da Personalidade, em seu artigo 21, estabelece que "a vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma". No entanto, é importante destacar que quando o interesse público predominar sobre o particular, a inviolabilidade da privacidade também reclama certas restrições, obrigando à análise caso a caso. Em algumas situações encontramos exceções à proteção legal como em pessoas dotadas de notoriedade. (SERPRO, 2014)

Vale salientar que o direito à privacidade não deve ser definido sob a ótica do segredo. Atualmente, são quase inexistentes as informações que permanecem em absoluto sigilo. Na verdade, imaginar que o fato de uma informação não se mostrar como segredo não retira dela a proteção à privacidade.

Há uma tendência em entender que os fatos sigilosos, e somente eles, são protegidos pelo direito à privacidade. Isto significa que atitudes e acontecimentos tomados em âmbito público, ou até mesmo comunal, teriam caráter público, suficientes à exposição. Por exemplo, em uma festa em que participam 50 pessoas, um grupo de jovens embriaga-se e começa a praticar atos reprováveis socialmente. Se alguma destas pessoas filmarem o incidente e divulgá-lo pela internet, poderemos considerar uma afronta à privacidade? Devemos, primeiramente, ponderar que a memória dos acontecimentos, na mente dos presentes, irá pouco a pouco se esvair, bem como suas conseqüências serão infinitamente menores do que um vídeo permanentemente disponível a qualquer um que queria assistir. Não nos resta dúvida, portanto, que a caracterização de um fato como privado ou público não depende do ambiente em que o mesmo é praticado.(VIDAL, 2014)

Então quais serão os parâmetros para considerar um acontecimento sobre a tutela da privacidade? Solove (2004) afirma que a questão deve-se resolver pelo grau de acessibilidade. Com efeito, ao publicar um vídeo na internet, estaremos dando a este fato um grau de acesso e conhecimento muito maior do que ele, teria. Isto, por si só, já deve configurar uma afronta ao direito à privacidade.

Anote-se, ainda, que com o advento da internet e a expansão das técnicas eletrônicas de comunicação no Brasil, a proteção à privacidade assumiu maior relevo. Até o surgimento da internet, essa preocupação com os dados pessoais restringia-se a duas importantes áreas: (a) os antecedentes criminais e (b) os registros creditícios, financeiros e econômicos.

 As questões mais polêmicas na Internet estão relacionadas à falta de precauções com cookies, base de dados, práticas de spamming e monitoramento de e-mails.

Segundo Pablo Stolze (2008):

“Com o avanço tecnológico, os atentados à intimidade e á vida privada, inclusive por meio da rede mundial de computadores (Internet), tornaram-se muito comuns. Não raro determinadas empresas obtêm dados pessoais do usuário (profissão, renda mensal, hobbies), com o propósito de ofertar os seus produtos, veiculando a sua publicidade por meio dos indesejáveis spams, técnica, ofensiva à intimidade e à vida privada”.

A fim de driblar a falta de privacidade na rede, os usuários utilizam-se do anonimato. Essa opção pode interferir sobre direitos fundamentais previstos na Carta Maior, onde garante a liberdade de opinião, mas veda o anonimato (Constituição Federal  Art. 5º IV). De outro lado, essa prática pode fomentar ilícitos como o terrorismo e danos a moral de outras pessoas.

5. Privacidade na Internet e a jurisprudência brasileira

A privacidade na Internet relaciona-se, de forma análoga à imprensa, ou seja, será violação à privacidade, a divulgação, de dados ou fatos que atentem contra a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem de uma pessoa. (CAMARA, 2014)

No entanto, a Internet traz um agravante: a rede é mundial e o fato poderá ser divulgado em escala nunca antes alcançada.

Ainda, muitas vezes, as informações são obtidas por meios ilícitos como: a) a coleta de informações no computador do usuário, sem o consentimento do proprietário; b) Coleta ou compra de informações sobre o usuário em outros computadores, tais como o servidor que o atende ou os computadores de empresas cujos serviços a pessoa tenha utilizado; c) Cruzamento das informações sobre a pessoa, obtidas em sites diversos, sem o seu consentimento explícito etc.

Nos casos acima mencionados, o STJ afasta a possibilidade de utilização da imagem ou dados obtidos por meios inadequados, sem a autorização do titular, como segue:

“Com o desenvolvimento da tecnologia, passa a existir um novo conceito de privacidade, sendo o consentimento do interessado o ponto de referência de todo o sistema de tutela da privacidade, direito que toda pessoa tem de dispor com exclusividade sobre as próprias informações, nelas incluindo o direito à imagem.” (REsp 1168547 / RJ RECURSO ESPECIAL 2007/0252908-3 Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO (1140) T4 – QUARTA TURMA 11/05/2010 DJe 07/02/2011).

Outra limitação, que pode ser observada na jurisprudência do STJ diz respeito à própria exposição do indivíduo como limitador de sua privacidade. Quando o próprio indivíduo se expõe a determinada situação, não pode requerer proteção a sua privacidade posteriormente. (BRANDÃO, 2013)

DIREITO CIVIL. DIREITO DE IMAGEM. TOPLESS PRATICADO EM CENÁRIO PÚBLICO. Não se pode cometer o delírio de, em nome do direito de privacidade, estabelecer-se uma redoma protetora em torno de uma pessoa para torná-la imune de qualquer veiculação atinente a sua imagem. Se a demandante expõe sua imagem em cenário público, não é ilícita ou indevida sua reprodução pela imprensa, uma vez que a proteção à privacidade encontra limite na própria exposição realizada. Recurso especial não conhecido. (REsp 595600 / SC; RECURSO ESPECIAL; 2003/0177033-2; Ministro CESAR ASFOR ROCHA (1098); T4 – QUARTA TURMA; 18/03/2004).

Pode-se observar também na jurisprudência do STJ que quando há referência a um indivíduo de forma acidental, como em caso de uso de sua imagem sem consentimento, em um contexto onde o objetivo não era a exploração de sua imagem, por exemplo, não havendo prejuízo ao indivíduo, não há o que se falar em violação da privacidade. (BRANDÃO, 2013)

CIVIL. USO INDEVIDO DA IMAGEM. INDENIZAÇÃO DE DANOS MORAIS. O uso não autorizado de uma foto que atinge a própria pessoa, quanto ao decoro, honra, privacidade, etc., e, dependendo das circunstâncias, mesmo sem esses efeitos negativos, pode caracterizar o direito à indenização pelo dano moral, independentemente da prova de prejuízo. Hipótese, todavia, em que o autor da ação foi retratado de forma acidental, num contexto em que o objetivo não foi a exploração de sua imagem. Recurso especial não conhecido. (REsp 85905 / RJ; RECURSO ESPECIAL 1996/0002388-3; Ministro ARI PARGENDLER (1104); T3 – TERCEIRA TURMA; 19/11/1999).

Outro grave problema que devassa a intimidade e privacidade é com relação aos dados enviados pelo usuário para cadastro, já que quanto maior a utilização da tecnologia, melhor é o compartilhamento desses dados, possibilitando a formação de grandes bancos de dados contendo praticamente todas as informações sobre a vida da pessoa (RABANEDA, 2014). Essas informações são compartilhadas sem o conhecimento do “investigado”, tornando-a pública para uma grande quantidade de empresas, como, por exemplo, as de crédito e financiamento, e, até mesmo, para golpistas e estelionatários.

O Código de Defesa do Consumidor é claro ao determinar que qualquer cadastro, ficha ou registro em nome do consumidor deverá ser previamente comunicada por escrito, quando não solicitada por ele (parágrafo segundo da lei 8.078/90).

Podemos concluir que, de certa forma, aquele que acessa a internet tem cada um de seus atos monitorados permanentemente. (FINKELSTEIN, 2011)

6. Privacidade e o Marco Civil da Internet

O marco civil da internet foi discutido durante anos. Sua função é a de servir como uma constituição da internet na garantia de direitos como: neutralidade da rede, liberdade de expressão e privacidade na internet.

Os artigos 10º e 11º do Marco Civil tratam de dois itens importantes relacionados à privacidade dos usuários. O primeiro diz, dentre outras coisas, que um provedor não pode violar o direito à intimidade e vida privada dos seus usuários — ou seja, não pode divulgar seus dados ou ainda monitorar os dados trafegados. E o segundo diz que o monitoramento e armazenamento desses dados podem ser feitos desde que o provedor receba ordem judicial com esta instrução. O tempo de armazenamento dos dados foi alterado, antes era de 2 anos e agora será de no máximo um ano.

Vale lembrar que os provedores só deverão guardar o chamado “registro de conexão”, que segundo o projeto é o “conjunto de informações referentes à data e hora de início e término de uma conexão à Internet, sua duração e o endereço IP utilizado pelo terminal para o envio e recebimento de pacotes de dados”. Ou seja: eles devem guardar qual foi o IP, duração e quando essa conexão ocorreu. O registro não deve conter os sites acessados ou aplicações usadas.

Os parágrafos do artigo 7º também prevê que, caso algum serviço web precise coletar dados pessoais, ele deve dar informações claras e completas sobre essa coleta – bem como excluir todos os dados caso o usuário termine seu contrato com a empresa e ainda oferecer “termos claros” sobre a políticas de uso da sua rede. E isso já é feito pela grande maioria de serviços, nos seus termos de uso. (TECNOBLOG, 2014)

Segundo a nova lei, informações pessoais e registros de acesso só poderão ser vendidos se o usuário autorizar expressamente a operação comercial. Atualmente, os dados são coletados e vendidos pelas empresas, que têm acesso a detalhes sobre as preferências e opções dos internautas. (AGÊNCIA BRASIL, 2014)

O texto também determina que as empresas desenvolvam mecanismos para garantir, por exemplo, que os e-mails só serão lidos pelos emissores e pelos destinatários da mensagem. As empresas que descumprirem as regras poderão ser penalizadas com advertência, multa, suspensão e até proibição definitiva de suas  atividades. E ainda existe a possibilidade de penalidades administrativas, cíveis e criminais.(EBC, 2014)

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Após analisarmos os dois ordenamentos jurídicos, completamente distintos, pode-se concluir que ambos apresentam proteção a privacidade e de forma semelhante.

Apesar do sistema americano não ser positivado e o brasileiro o ser e apresentar várias menções à importância do Direito a Privacidade, entendemos que ainda há muito a discutir sobre o assunto.

Ambos os ordenamentos preocupam-se em garantir a vida privada, porém, em tempos de internet e rede sociais, torna-se difícil estabelecer limites a privacidade.

Logicamente nãoé necessário que a informação seja sigilosa para que seja protegida e também o fato de estar em um grupo, por vezes, não caracteriza o ambiente como público, concedendo-se o direito de publicar os fatos na internet.

A jurisprudência ainda é ambígua, em ambos os ordenamentos. Por ora, tenta ser o mais restritiva possível, em outras, entende que a informação foi disposta pelo próprio agente e consequentemente desagasalha o mesmo quanto ao Direito de Privacidade.

No âmbito da Internet a ideologia dos dois ordenamentos são bem distintos. No Brasil, com o Marco Civil da Internet protege-se os dados dos internautas. Já no Direito Norte-Americano, a linha de pensamento é contrária a Brasileira.

Como vimos no presente trabalho, o CISPA pretende divulgar, sem autorização todos os dados de internauta, não só americanos, basta que as informações tenham sido guardadas em datacenters americanos, ou que se tenha acessado página de tal nacionalidade. Ou seja, o CISPA é totalmente contrário ao Marco Civil da Internet.

Esse aparente confronto de legislação ainda não tem solução. Caberá aos tribunais julgarem futuras lides sobre o assunto e delimitar o que poderá ser danoso ou não a privacidade e intimidade do cidadão.

Vale salientar que o Direito a Privacidade no Brasil tem proteção constitucional e infraconstitucionalmente é considerado Direito de Personalidade, ou seja, um Direito que faz parte do próprio ser humano.

Cada vez mais nos depararemos com situações onde deve-se  sobrepesar o estímulo ao compartilhamento de informações e o limite quase tênue, da vida privada, aquela que o cidadão não quer “postar” nas redes sociais, que não quer que ninguém saiba, a intimidade do seio familiar.

 

Referências
BASTOS,Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. v.II. p. 63.
BRANDÃO, André Martins. Interpretação jurídica e Direito à Privacidade na Era da Informação: Uma abordagem hermenêutica filosófica. Revista Paradigma, Ribeirão Preto, A. XVIII, n. 22, p. 232-257, jan./dez. 2013
FINKELSTEIN, Maria Eugênia. Direito do Comércio Eletrônico. 2. Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo Mário. Novo Curso de direito civil: abrangendo o código de 1916 e o novo Código Civil (2002). 4. Ed., ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2003-2008
LIMBERGER, Têmis. (2007). O direito à intimidade na era da informática: a necessidade de proteção de dados pessoais. Porto Alegre, Livraria do Advogado.
NAVARRO, Ana Maria Neves de Paiva. Privacidade Informacional: origem e Fundamentos no Direito Norte-Americano. Disponível em < http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=34f9a343f945196b>. Acesso em 01.Dez.2014
SAMPAIO, José Adércio Leite. Direito à intimidade e à vida privada. Belo Horizonte: Del Rey, 1998.
SILVEIRA, Paulo A. Caliendo Velloso da. Proteção de dados no Direito Comparado. Revista AJURIS – n. 71 – Novembro/1997
SOLOVE, D. J. The digital person: technology and privacy in the information age. New York: New York University Press, 2004.
VIDAL, G. R. O direito à privacidade, os bancos de dados e as novas tecnologias. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2626, 9 set. 2010. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/17367>. Acesso em: 25 nov. 2014.
Sites consultados:
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Disponível em: <http://www1.serpro.gov.br/publicacoes/tema/166/materia15.htm> Acesso em 30.nov.2014
Notas:
[2] Cf. Griswold v. Connecticut, 381 U.S. 479 (1965). Disponível em: <http://www.supreme.justia.com/cases/federal/us/…/case.html>. Acesso em: 25 de novembro 2014.
[3] <http://www.supreme.justia.com/cases/federal/us/…/case.html>. Acesso em: 25 de novembro 2014.
[4] <http://www.supreme.justia.com/cases/federal/us/…/case.html>. Acesso em: 25 de novembro 2014.
[5] Disponível em:< http://www.law.cornell.edu/supct/html/01-332.ZS.html>. Acesso em: 26 de nov 2014
[6] Disponível em: <http://www.justice.gov/opcl/privstat.html>. Acesso em: 26. Nov. 2014
[7] Disponível em:< http://www.justice.gov/opcl/privstat.html>. Acesso em: 26. Nov. 2014  .
[8] Disponível em:< http://www.justice.gov/opcl/privstat.html>. Acesso em: 26. Nov. 2014  .

Informações Sobre o Autor

Luciana Vasco da Silva

Mestranda em Direito Comercial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/SP especialista em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie


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Equipe Âmbito Jurídico

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