Resumo: Inicialmente, insta evidenciar que o direito de vizinhança compreende uma gama de limitações, estabelecidos expressamente pelos diplomas legais em vigor, que cerceiam, via de consequência, o alcance das faculdades de usar e gozar por parte de proprietários e possuidores de prédios vizinhos, afixando um encargo a ser tolerado, a fim de resguardar a possibilidade de convivência social e para que haja o mútuo respeito à propriedade. Nesta esteira, calha evidenciar que se não subsistisse tais pontos demarcatórios, cada proprietário poderia lançar mão de seu direito absoluto, na colisão de direitos todos restariam tolhidos de exercerem suas faculdades, eis que as propriedades aniquilar-se-iam. Há que se negritar, ainda, que o direito de vizinhança tem como escopo robusto a satisfação de interesses de proprietários opostos, o que se efetiva por meio das limitações ao uso e gozo dos proprietários e possuidores. Nessa trilha de exposição, saliente-se que há restrições decorrentes da necessidade de conciliar o uso e gozo por parte de proprietários confinantes, vez que a vizinhança, por si, é uma fonte permanente de conflito. Imprescindível se faz anotar que o conflito de vizinhança tem sua origem, intimamente, atrelada a um ato do proprietário ou possuidor de um prédio que passa a produzir repercussões no prédio vizinho, culminando na constituição de prejuízos ao próprio imóvel ou ainda transtornos a seu morador. Além do pontuado, prima gizar que o direito de vizinhança contempla uma pluralidade de direitos e deveres estabelecidos em relação aos vizinhos, em razão de sua específica condição.
Palavras-chaves: Direito de Vizinhança. Limitações Legais. Propriedade
Sumário: 1 Direito de Vizinhança: Anotações Introdutórias; 2 Natureza Jurídica do Direito de Vizinhança; 3 Das Árvores Limítrofes; 4 Da Passagem Forçada; 5 Da Passagem de Cabos e Tubulações; 6 Das Águas
1 Direito de Vizinhança: Anotações Introdutórias
Inicialmente, insta evidenciar que o direito de vizinhança compreende uma gama de limitações, estabelecidos expressamente pelos diplomas legais em vigor, que cerceiam, via de consequência, o alcance das faculdades de usar e gozar por parte de proprietários e possuidores de prédios vizinhos, afixando um encargo a ser tolerado, a fim de resguardar a possibilidade de convivência social e para que haja o mútuo respeito à propriedade. “Cada proprietário compensa seu sacrifício com a vantagem que lhe advém do correspondente sacrifício do vizinho”[1]. Nesta esteira, calha evidenciar que se não subsistisse tais pontos demarcatórios, cada proprietário poderia lançar mão de seu direito absoluto, na colisão de direitos todos restariam tolhidos de exercerem suas faculdades, eis que as propriedades aniquilar-se-iam. Há que se negritar, ainda, que o direito de vizinhança tem como escopo robusto a satisfação de interesses de proprietários opostos, o que se efetiva por meio das limitações ao uso e gozo dos proprietários e possuidores.
Nessa trilha de exposição, saliente-se que há restrições decorrentes da necessidade de conciliar o uso e gozo por parte de proprietários confinantes, vez que a vizinhança, por si, é uma fonte permanente de conflito. Como bem aponta Monteiro Filho, ao lecionar acerca da essência do tema em comento, “trata-se de normas que tendem a compor, a satisfazer os conflitos entre propriedade opostas, com o objetivo de tentar definir regras básicas de situação de vizinhança”[2]. Imprescindível se faz anotar que o conflito de vizinhança tem sua origem, intimamente, atrelada a um ato do proprietário ou possuidor de um prédio que passa a produzir repercussões no prédio vizinho, culminando na constituição de prejuízos ao próprio imóvel ou ainda transtornos a seu morador. Além do pontuado, prima gizar que o direito de vizinhança contempla uma pluralidade de direitos e deveres estabelecidos em relação aos vizinhos, em razão de sua específica condição.
Mister se faz colacionar ainda que o “objeto da tutela imediata do legislador com os direitos de vizinhança são os interesses privados dos vizinhos”[3]. Doutra banda o escopo mediato da norma assenta na essencial manutenção do princípio da função social da propriedade, eis que a preservação de relações harmoniosas entre vizinhos se apresenta como carecido instrumento a assegurar que cada propriedade alcance o mais amplo uso e fruição, obtendo, desta forma, os objetivos econômicos ao tempo em que salvaguarda os interesses individuais. “O direito de vizinhança é o ramo do direito civil que se ocupa dos conflitos de interesses causados pelas recíprocas interferências entre propriedades imóveis próximas”[4].
Em evidência se faz necessário colocar que a locução “prédio vizinho” não deve ser interpretada de maneira restritiva, alcançando tão somente os prédios confinantes, mas sim de modo expansivo, já que compreende todos os prédios que puderem sofrer repercussão de atos oriundos de prédios próximos. Há que se citar, por carecido, o robusto magistério de Leite, no qual a definição de imóveis confinantes não se encontra adstrito a tão somente aos lindeiros, “mas também os que se localizam nas proximidades desde que o ato praticado por alguém em determinado prédio vá repercutir diretamente sobre o outro, causando incômodo ou prejuízo ao seu ocupante”[5]. Neste diapasão, infere-se a possibilidade de sofrer interferências provenientes de atos perpetrados em outros prédios apresenta-se como suficiente a traçar os pontos delimitadores do território do conflito da vizinhança.
Denota-se, desta sorte, que a acepção de vizinhança se revela dotada de amplitude e se estende até onde o ato praticado em um prédio possa produzir consequências em outro, como, por exemplo, é o caso do barulho provocado por bar, boate ou ainda qualquer atividade desse gênero, o perigo de uma explosão, fumaça advinda da queima de detritos, badalar de um sino, gases expelidos por postos de gasolina, dentre tantas outras hipóteses, em que se apresenta uma interferência de prédio a prédio, não importando a distância, acabam por ensejar conflito de vizinhança. Neste alamiré, com o escopo de fortalecer as ponderações já acinzeladas, quadra trazer à colação o seguinte entendimento jurisprudencial:
“Ementa: Direito de Vizinhança. Obrigação de Fazer. Chaminé. Fumaça. Uso Anormal de Propriedade. Chaminé do imóvel vizinho em altura inferior ao telhado da casa lindeira. Terreno em declive. Fumaça exalada em direção à residência da autora que inviabiliza a abertura de janela. Uso anormal da propriedade. Art. 1.277, CCB. Prova documental e testemunhal que comprova os fatos alegados. Princípio da imediação da prova aplicado no caso concreto. Sentença de procedência mantida. Negaram provimento”. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Décima Nona Câmara Cível/ Apelação Cível Nº. 70035708205/ Relator: Desembargador Carlos Rafael dos Santos Júnior/ Julgado em 25.05.2010).
Ao lado disso, destacar se faz carecido que o vocábulo “prédio” não apresenta qualquer distinção entre o imóvel localizado em área urbana ou rural. De igual modo, o termo supramencionado não apresenta qualquer questionamento acerca da finalidade, alcançando tanto o residencial, comercial e industrial. “Evoca apenas uma edificação de uma casa ou apartamentos em condomínio, independente da finalidade. Mesmo o terreno não-edificado é considerável imóvel lato sensu”[6]. Destarte, para que reste amoldado ao termo “prédio”, basta que o imóvel apresente interferência que tenha o condão de repercutir, de maneira prejudicial, em prédio vizinho.
2 Natureza Jurídica do Direito de Vizinhança
In primo oculi, reconhecer se faz imprescindível que houve rotunda discussão acerca da natureza jurídica do direito de vizinhança, havendo defensores da natureza obrigacional dos direitos de vizinhança, enquanto outros sustentavam o caráter real dos aludidos direitos. Entrementes, as discussões supramencionadas não prosperaram por longo período, sendo, ao final, pela doutrina majoritária, adotada acepção do direito de vizinhança enquanto detentor de essência de obrigação propter rem, pois se vinculam ao prédio, assumindo-os quem quer que se encontre em sua posse. Nesta toada, há que se citar o entendimento estruturado por Waquin, no qual:
“[…] a natureza jurídica destes direitos [direitos de vizinhança], na opinião majoritária da doutrina, é que tratam-se (sic) de obrigações propter rem, ‘da própria coisa’, advindo os direitos e obrigações do simples fato de serem os indivíduos vizinhos”[7].
A característica mais proeminente, no que concerne ao direito de vizinha, tange ao fato dos sujeitos serem indeterminados, já que o dever não incide imediatamente sobre específica pessoa, mas a qualquer um que se vincule a uma situação jurídica de titularidade de direito real ou parcelas dominiais, como se infere no caso do usufrutuário, ou mesmo a quem exerça o poder fático sobre a coisa, como se verifica na hipótese do possuidor. A restrição, deste modo, acompanha a propriedade, mesmo que ocorra a alteração da titularidade, sendo suficiente que o imóvel continue violando o dever jurídico contido no arcabouço normativo.
Além disso, cuida anotar, por necessário, que o sucessor terá os mesmos direitos e obrigações do sucedido perante os vizinhos. Leciona Silvio Rodrigues que “o devedor, por ser titular de um direito sobre uma coisa, fica sujeito a uma determinada prestação que, por conseguinte, não derivou da manifestação expressa ou tácita de sua vontade”[8]. Nesta situação, o que torna o proprietário ou possuidor do imóvel devedor é a circunstância de ser titular do direito real. São excluídas, desta feita, dos conflitos de vizinhança, as situações nas quais se verifica a chamada interferência direta ou imediata. Há que se elucidar, ao lado do pontuado, que a aludida modalidade de interferência tem assento quando seus efeitos já tem início no prédio vizinho, como ocorre quando há canalização para que a fumaça seja lançada diretamente no prédio vizinho. Doutro modo, a interferência é mediata quando tem início no prédio de quem a causa e, posteriormente, é transmitida ao prédio alheio. Por oportuno, quando se trata de interferência imediata, o que se tem, na realidade, é ato ilícito, robusta violação da propriedade alheia, que como tal deve repelida, alocando-se fora da área da vizinhança.
Urge verificar que as limitações oriundas do direito de vizinhança afetam, de modo abstrato, a todos os vizinhos, contudo só alcança a concretização em face de alguns. Isto é, os direitos de vizinhança são potencialmente indeterminados, porém só se manifestam em face daquele que se encontre diante da situação compreendida pelo arcabouço normativo. “Ademais, os direitos de vizinhança são criados por lei, inerentes ao próprio direito de propriedade, sem a finalidade de incrementar a utilidade de um prédio”[9], entrementes com o escopo de assegurar a convivência harmoniosa entre vizinhos. Nessa toada, os direitos de vizinhança podem ser gratuitos ou onerosos, sendo verificada a primeira espécie quando não gera indenização, sendo compensados em idêntica limitação ao vizinho, já a segunda espécie tem descanso quando a supremacia do interesse público estabelece uma invasão na órbita dominial do vizinho para a sobrevivência do outro, afixando-se a devida verba indenizatória, eis que inexiste a reciprocidade.
Calha gizar que os direitos de vizinhança onerosos se aproximam das servidões, não em decorrência de darem azo a novas espécies de direitos reais, mas pela imposição do arcabouço jurídico de deveres cooperativos de um vizinho, no que concerne ao atendimento da necessidade de outro morador. Desta feita, a propriedade de uma pessoa passa a atender aos interesses de outrem, que poderá extrair dela as necessidades, como ocorre com a passagem de cabos e tubulações ou ainda com a passagem forçada. Conquanto a norma jurídica ambicione limitar a amplitude das faculdades de proprietários e possuidores vizinhos com o intento de alcançar a harmonia social, não pertine ao Direito regular e estabelecer os marcos limitantes de todas as atividades exercitadas a partir de um prédio. Saliente-se que ao Direito interessa regular as interferências, tão somente à medida que estas se revelam prejudiciais aos seus vizinhos, ameaçando sua incolumidade e o seu próprio direito de propriedade.
3 Das Árvores Limítrofes
Dentre as limitações legais similares, pode-se colocar em destaque que a existência de árvores limítrofes, no que concerne às relações de vizinhança, dá origem a três situações distintas, consagradas no Ordenamento Pátrio, reverberando os ideários consolidados ainda no Direito Romano. “A regra geral é serem as árvores partes integrantes dos prédios. A situação abrange qualquer tipo de árvore, nascida naturalmente, semeada ou plantada[10]”.
A primeira situação a que se dispensa uma análise mais acurada, no que tange ao tema em comento, encontra-se salvaguardado no artigo 1.282 do Código Civil[11], o qual dicciona que quando a árvore estiver com o seu tronco na linha divisória, subsiste a presunção iuris tantum de pertencer esta, em partes iguais, aos dois vizinhos, dando corpo a um condomínio necessário, sendo possível, contudo, prova em contrário, proveniente de documento ou ainda decorrente de evidência específica ou ainda oriunda das circunstâncias do caso concreto. Como bem pontua Maria Helena Diniz[12], a esta figura dá-se a denominação de “árvore meia”, logo, a cada proprietário confrontante pertencerá metade da árvore, pouco importando que as raízes ou ramos se prolonguem mais para um prédio do que para outro, ou ainda que o tronco da árvore ocupe mais espaço em um dos imóveis.
Anote-se, oportunamente, que cada vizinho é dono de partes iguais dessa árvore, que poderá ser frutífera ou não, ou ainda arbusto ou trepadeira, já que o dispositivo legal quedou-se silente no que concerne às distinções de espécies. “Posto ser a árvore comum, os frutos e o tronco são de copropriedade dos confinantes, da mesma forma que os demais proventos, bem como os encargos serão entre eles divididos”[13]. Nesta esteira, em sendo a árvore comum, cada um dos confinantes poderá, livremente, podá-la, desde que tal ato não comprometa a preservação daquela, contudo será defeso aos seus donos cortá-la sem expressa anuência do outro ou ainda exigir que seja abatida. Em sendo cortada ou arrancada, será partilhada entre os proprietários confinantes, em igual proporção. Igualmente, as despesas com os cortes ou colheita dos frutos serão suportadas, em proporção igual, entre os vizinhos; os frutos deverão ser repartidos pela metade, quer tombem naturalmente, quer provocada a sua queda, quer haja a colheita.
A segunda situação peculiar encontra respaldo jurídico no artigo 1.284 do Código Civil, o qual estatui que “os frutos caídos de árvore do terreno vizinho pertencem ao dono do solo onde caíram, se este for de propriedade particular”[14]. Denota-se que quando os frutos caírem naturalmente no terreno vizinho, em local aproximado da linha divisória, pertencerá estes ao dono do local da queda, com o escopo de evitar invasões em terrenos alheios e posteriores contendas entre vizinhos. “Com essa solução, o legislador preferiu contrariar a regra geral segundo a qual o acessório segue o principal”[15]. Com efeito, pela dicção do dispositivo legal supramencionado, devem ser compreendidos os arbustos rasteiros ao rés do solo, como é o caso de abóboras e melancias, pertencendo naturalmente ao dono do terreno em que naturalmente se encontrarem.
Farias e Rosenvald[16] obtemperam que a inspiração da norma rememora o direito germânico e se atrela ao ideário de que quem arca com o ônus deve desfrutar do bônus. Isto é, se o vizinho sofre a interferência proveniente dos frutos tombados ao chão, natural que possa gozar de seus proveitos. O axioma está fundado no brocardo wer den bosen tropfen geniest, geniesse auch den guten (quem traga as gotas más, que traga as boas), pois o fruto que cai, suja, macha, atrai insetos e apodrece, logo, o dono da árvore não vai promover a limpeza do chão ou da calçada do vizinho, não tendo, portanto, direito de buscar ou mesmo exigir os frutos que caírem. Acinzele-se que o regramento contido no dispositivo legal aludido alhures faz menção tão somente aos frutos caídos naturalmente, não contemplando aqueles vizinhos que utilizam de mecanismos físicos, como, por exemplo, sacudir ramos ou usar utensílios para colher os frutos, com o escopo de materializar tal objetivo. Leciona, com bastante propriedade, Maria Helena Diniz, quando destaca:
“De forma que, se pendentes os frutos, pertencem elas ao dono da árvore e se, ao se desprenderem, tombarem em terreno contíguo, ficarão sendo do dono do solo em que caírem naturalmente (em razão do vendaval, tempestade, maturação etc.), logo, não lhe será permitido provocar essa queda, sacudindo seus galhos, utilizando varas e muito menos colhê-los. Essa solução do Código teve por objetivo evitar as contendas ou desinteligências que por certo surgiriam cada vez que o dono da árvore penetrasse no terreno contíguo para apanhar os frutos que ali caíram”[17].
Quadra destacar que, se esses frutos tombarem ao chão em propriedade pública, não mais subsiste o perigo de conflitos, de maneira que o proprietário da árvore ainda conserva a propriedade dos frutos caídos. “Se o terreno em que darão os frutos for público, continuam a pertencer ao dono da árvore, porque nesse caso desaparece o risco de entreveros[18]”. Por derradeiro, pontue-se que o dono da árvore só poderá ingressar em terreno vizinho para colher os frutos caídos, se houver expressa autorização do proprietário do imóvel. Trata-se, em tal hipótese, de ato de mera tolerância do proprietário do bem imóvel, não estando o mesmo obrigado a tolerar a entrada do vizinho.
A terceira situação digna de nota encontra-se agasalhada pelas disposições insertas no artigo 1.283 do Código Civil[19], o qual assinala que “as raízes e os ramos de árvore, que ultrapassarem a estrema do prédio, poderão ser cortados, até o plano vertical divisório, pelo proprietário do terreno invadido”. Denota-se que se trata de excepcional autorização do ordenamento pátrio, concedendo ao vizinho lindeiro a autoexecutoriedade de obrigação de fazer, sendo dispensada a intervenção judicial em questão tida como singela. De fato o aforamento de uma demanda com o único fito de obter autorização judicial para efetuar o corte de galhos e ramos que ultrapassem o ponto limítrofe do imóvel em que a árvore se encontra afiguraria como verdadeira aberração jurídica, que contribuiria para a morosidade. “O critério utilizado pela lei para que o proprietário prejudicado proceda ao corte é a linha vertical que divide os terrenos confinantes. O corte poderá ser efetuado pelo vizinho independentemente de qualquer autorização do vizinho confinante”[20].
Ademais, não se pode olvidar que a possibilidade agasalhada no artigo 1.283 do Código Civil materializa verdadeiro direito de propriedade do vizinho, logo, não subsiste qualquer prescrição no que se refere à pretensão ao corte dos ramos e raízes, eis que a atividade poderá, a qualquer momento, ser realizada. Aduz, com saliência, Maria Helena Diniz que “o dono da árvore não terá direito a qualquer indenização de perdas e danos, ainda que esta venha perecer em razão do corte”[21]. Ao lado do exposto, com o intento de robustecer as ponderações aduzidas, cuida trazer à colação os entendimentos jurisprudenciais pertinentes que acenam no sentido que:
“Ementa: Direito de Vizinhança. Árvores Limítrofes. Na forma do disposto no art. 1.283 do Código Civil, as raízes e os ramos de árvores que ultrapassarem a estrema do prédio, poderão ser cortados, até o plano vertical divisório, pelo proprietário do terreno invadido. Contudo, o fato de o autor não ter realizado a poda não implica em ausência de responsabilidade do proprietário da árvore pelos danos causados pela coisa. Sentença improcedente. Recurso provido.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Primeira Turma Recursal Cível/ Recurso Cível Nº 71000507749/ Relator: Clovis Moacyr Mattana Ramos/ Julgado em 03.06.2004)
“Ementa: Direito de Vizinhança – Vegetação que avança sobre terreno vizinho ou lança folhas e frutos – Uso nocivo da propriedade – Árvores limítrofes – Tendo a perícia comprovado que a vegetação limítrofe invade o terreno do vizinho, deixando cair folhas e frutos, entupindo calhas e causando umidade, fica configurado o uso nocivo da propriedade, devendo os ramos ser cortados, observada a regra de árvore limítrofe. Em razão disso, não há porque estabelecer a obrigação de limpeza das calhas e condutores de água. Recurso provido em parte” (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Sexta Câmara/ Apelação com Revisão 516.818-0/4/ Relator: Desembargador Luiz Lorenzi/ Julgado em 24.06.1998)
No mais, a autorização judicial para conseguir o corte independentemente de aferição de prejuízo ao confinante, sem que seja estabelecida nenhuma forma de indenização, eis que é dever jurídico do proprietário agir no sentido de manutenir em situação que não produza interferência na propriedade alheia ou nas vias públicas. Afora isso, não se pode olvidar que, em determinados casos, subsistirá uma preponderância de valores, notadamente o interesse social em detrimento do interesse individual do proprietário, sendo restringido o direito ao corte. Tal fato decorre, em especial, dos benefícios que as árvores produzem, enquanto agentes despoluidores, logo, determinados cortes só terão assento em consubstanciada a hipótese de manifesto prejuízo ou ainda perigo iminente. Ao lado disso, quando possível, as podas e cortes observarão as disposições contidas nos regramentos administrativos e ambientais.
4 Da Passagem Forçada
Em uma primeira plana, cuida anotar que a passagem forçada consiste no direito do proprietário do prédio (rústico ou urbano), que não tem acesso à via pública, nascente ou porto, de, por meio do pagamento de cabal indenização, reclamar do vizinho que lhe deixe de passagem, estabelecendo-se a esta judicialmente o rumo, quando necessário em decorrência de não haver acordo, objetivando o modo menos oneroso e mais cômodo para ambas as partes. “Trata-se de uma das mais rigorosas restrições de direito de vizinhança, como benefício reconhecido ao titular de prédio encravado, urbano ou rural”[22]. Com supedâneo nas disposições contidas no artigo 1.285 do Código Civil[23], vigora como pressuposto de imóvel que se encontre absoluto encravamento em outro, aquele que não possui qualquer saída para via pública. Em decorrência da materialização de tal situação, busca o legislador privilegiar a função social da propriedade encravada, o arcabouço normativo estabelece que o proprietário vizinho conceda a passagem forçada, como uma imposição de solidariedade social conjugada à necessidade econômica de exploração do imóvel encravado, com o escopo de não torná-lo improdutivo em razão da inacessibilidade.
Como bem anota Venosa[24], a passagem forçada se revela como direito do proprietário do prédio encravado ao qual o vizinho não pode apresentar qualquer oposição. Ao lado disso, cuida evidenciar que a passagem deve ser estabelecida no caminho mais curto, no prédio mais próximo e de maneira menos onerosa para ambas as partes. Farias e Rosenvald[25] lecionam que o tema em comento dá corpo a verdadeiro direito potestativo constitutivo, já que o proprietário encravado submeterá o outro proprietário, de modo unilateral, a aquiescer à sua manifestação de vontade no que concerne à constituição de passagem, sem que a isso possa apresentar oposição.
Dentre os requisitos, tradicionalmente, elencados pela doutrina, pode-se citar que o imóvel pretendidamente encravado se encontre, de fato, sem acesso a via pública, nascente ou porto. Desta feita, em havendo qualquer outra saída para a via pública, mesmo que esta seja precária e penosa, deverá o proprietário dela utilizar, eis que o enorme sacrifício ao vizinho só será exigido em circunstâncias excepcionais na total impossibilidade de aproveitamento da coisa por seu titular. Diniz[26], de outro modo, lançando mão do enunciado nº 88 do Conselho da Justiça Federal, arrazoa que o direito à passagem forçada também é assegurado nas situações em que o acesso à via pública for insuficiente ou inadequado, devendo-se, inclusive, considerar as necessidades de exploração econômica. Ostentam, oportunamente, Farias e Rosenval que “nos tempos atuais, a penetração do princípio constitucional da função social da propriedade evoca a destinação coletiva da coisa, em benefício conjunto de seu titular e da comunidade”[27]. Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça externou a valoração maciça do corolário em aludido:
“Ementa: Civil. Direitos de Vizinhança. Passagem Forçada (CC, art. 559). Imóvel Encravado. Numa era em que a técnica da engenharia dominou a natureza, a noção de imóvel encravado já não existe em termos absolutos e deve ser inspirada pela motivação do instituto da passagem forçada, que deita raízes na supremacia do interesse público; juridicamente, encravado é o imóvel cujo acesso por meios terrestres exige do respectivo proprietário despesas excessivas para que cumpra a função social sem inutilizar o terreno do vizinho, que em qualquer caso será indenizado pela só limitação do domínio. Recurso especial conhecido e provido em parte.” (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp 316.336/MS/ Relator: Ministro Ari Pargendler/ Julgado em 18.08.2005/ Publicado no DJ 19.09.2005)
Salta aos olhos que não constituem passagens forçadas atravessadouros particulares, por propriedades também particulares, que não se dirigem a nascentes, pontes ou lugares públicos, privados de outra serventia. Ao lado disso, Maria Helena Diniz estrutura magistérios no sentido que “passagens particulares por propriedades particulares não são servidões desde que se destinem, exclusivamente, a atravessar terras particulares, sem se dirigirem a lugares públicos”[28]. As travessas, na hipótese entalhada alhures, são concedidas de maneira precária, por mera tolerância, não se alicerçando em títulos legítimos, sendo insuscetíveis dos efeitos da usucapião. Todavia, se porventura se dirigirem a locais públicas, é possível invocar a usucapião.
O segundo requisito apresentado consiste na premissa de estar o prédio naturalmente encravado, logo, não pode, para efeitos da substancialização do instituto em comento, o encravamento ter sido provocado por um fato imputável, culposamente, ao proprietário encravado. “Não poderá o isolamento derivar de fato imputável à conduta voluntária do proprietário (v.g., por meio de explosões que abriram crateras sobre o imóvel)”[29]. Destarte, impedido está de vindicar a passagem forçada pela propriedade vizinha aquele que, de maneira voluntária, criou o obstáculo que lhe assegurava acesso à via pública.
Entrementes, estatui o §2º do artigo 1.285 do Código Civil[30] que o proprietário que se colocou em situação de encravamento, por ter alienado parte do imóvel que dava saída para via pública, impor restrição em sacrifício do adquirente daquela parcela. “O comprador deverá assegurar acesso a via pública ao vendedor, mesmo consciente este do resultado da alienação que praticou”[31]. Denota-se que o proprietário do imóvel encravado, na situação singular lançada acima, só poderá voltar-se contra o adquirente do trecho em que período anterior havia a passagem, para obter o acesso e vis a vis. Com efeito, resta substancializado o corolário da solidariedade social.
O terceiro conditio alude ao percebimento de uma indenização cabal, fixada por convenção ou judicialmente, por parte do proprietário do prédio, pois o direito de passagem é oneroso e não gratuito. “O cálculo dessa indenização pode ser feito por pertos com base na desvalorização da propriedade e nos prejuízos que dessa passagem possam advir ao imóvel onerado”[32]. Cuida anotar, oportunamente, que, uma vez concedida o direito à passagem forçada, ela deve ser exercida, eis que o não uso, por 10 (dez) anos, pode desencadear a sua perda. Entrementes, como a via de acesso e considerada indispensável ao prédio encravado, poderá ela ser readquirida mediante pagamento do quantum indenizatório.
Cuida destacar que a indenização é considerada como uma compensação ao dono do prédio por onde se estabelece a travessia, pelos prejuízos e incômodos que terá de passar. Ao lado do exposto, há doutrinadores que considerem o instituto em destaque como uma desapropriação compulsória que, porém, não ocorre em razão da necessidade pública, mas sim para atender a interesse particular. Nesta trilha de exposição, insta trazer à colação o paradigmático aresto do Superior Tribunal de Justiça:
“Ementa: Direito civil. Servidões legais e convencionais. Distinção. Abuso de direito. Configuração. – Há de se distinguir as servidões prediais legais das convencionais. As primeiras correspondem aos direitos de vizinhança, tendo como fonte direta a própria lei, incidindo independentemente da vontade das partes. Nascem em função da localização dos prédios, para possibilitar a exploração integral do imóvel dominante ou evitar o surgimento de conflitos entre os respectivos proprietários. As servidões convencionais, por sua vez, não estão previstas em lei, decorrendo do consentimento das partes. […]” (Superior Tribunal e Justiça – Terceira Turma/ REsp 935.474/RJ/ Relator: Ministro Ari Pargendler/ Relator p/ Acórdão: Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 19.08.2008/ Publicado no DJe em 16.09.2008).
O quarto requisito referencia a direito exercido por um titular legítimo, isto é, o proprietário, usufrutuário, usuário ou enfiteuta. Nesta esteira, cuida sublinhar que o direito à passagem forçada é ínsito ao titular do domínio do prédio encravado e uma obrigação do dono do imóvel onerado, que sofre cerceamento ao seu direito de propriedade. Anote-se, por imperioso, que não havendo concordância entre esses proprietários, o direito em testilha deverá ser decidido judicialmente, a fim de que o dono do prédio contíguo aceite a abertura da travessia. Como bem acinzela o artigo 1.285 do Código Civil[33], “cabe ao órgão judicante decidir sobre o direito à passagem, tendo em vista as necessidades e interesses de ambos os litigantes, procurando adotar o modo menos oneroso para aquele que vai conceder a passagem”[34].
Ao lado disso, considerando que a passagem forçada dá corpo a verdadeira restrição legal e não uma servidão, salientar se faz sublinha que, uma vez findada as circunstâncias ensejadoras da passagem forçada, esta restará extinta. Em decorrência do exposto, a propriedade reintegrada ao vizinho que teve que tolerar o cerceamento de seu direito de propriedade, em decorrência da promoção dos preceitos de solidariedade e função social da propriedade, passando a servir na plenitude de seu domínio.
5 Da Passagem de Cabos e Tubulações
No que se refere à passagem de cabos e tubulações, o Código Civil, precisamente o parágrafo único do artigo 1.286[35], estatui que, mediante o percebimento de indenização que compreende o dano emergente e o lucro cessante, tal como a desvalorização da área remanescente, é o proprietário obrigado a suportar a passagem, em razão de seu aspecto necessário, de cabos aéreos de energia elétrica, de telefonia ou de processamento de dados. Igualmente, pelo referido dispositivo, deverá o proprietário tolerar a passagem de tubulações subterrâneas de água, gás e esgoto, assim como outros condutos subterrâneos de serviços de utilidade pública.
Por oportuno, deve-se salientar que a mencionada tolerância se dá em proveito de proprietários vizinhos, quando de outra forma se revelar demasiadamente onerosa ou excessiva, reafirmando, deste modo, os postulados se solidariedade. “A limitação ao direito de propriedade justifica-se em razão da prelavência do interesse social dos proprietários vizinhos […] A norma é enfática ao restringir a utilização do subterrâneo do vizinho”[36], não se estendo, por conseguinte, ao espaço aéreo ou à superfície. Nesta toada, cuida colacionar o seguinte entendimento jurisprudencial:
“Ementa: Apelação. Ação de Passagem Forçada. Tubulação subterrânea de esgoto sob terreno vizinho. Interrupção pela nova compradora. Refluxo cloacal. O proprietário é obrigado a tolerar a passagem, através de seu imóvel, de cabos, tubulações e outros condutos subterrâneos de utilidade pública, em proveito de proprietários vizinhos, quando de outro modo for impossível ou excessivamente onerosa (artigo 1.286 do Código Civil). Apelação Desprovida.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Vigésima Câmara/ Apelação Cível Nº 70024051872/ Relator: Desembargador Niwton Carpes da Silva/ Julgado em 06.08.2008)
“Ementa: Direito de Vizinhança. Terreno com declive natural. Passagem de tubulação para escoamento de água pluvial represada. Complexidade no caso concreto. A passagem de tubulação para escoamento de águas da chuva em proveito de proprietários de terrenos vizinhos é de ser tolerada, mediante o pagamento de indenização, quando outro meio for impossível ou excessivamente oneroso. Necessidade de prova pericial, no caso concreto, para aferição dessa circunstância. Complexidade da causa que determina falecer competência ao juizado especial cível. Sentença de extinção do processo confirmada. Recurso desprovido. Unânime.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Primeira Turma Recursal Cível/ Recurso Cível Nº 71000806927/ Relator: João Pedro Cavalli Junior/ Julgado em 16.03.2006)
Insta destacar que o numerário indenizatório deverá ser proporcional à desvalorização percebida pelo imóvel ou ainda ao prejuízo sofrido em decorrência do cerceamento do direito de fruir em prol do bem-estar social, materializada pela redução do potencial do prédio, pela produção de ruídos ou mesmo pela emissão de gases decorrentes das tubulações. Maria Helena Diniz obtempera que “o proprietário prejudicado pode exigir que a instalação seja de modo menos gravoso ao prédio onerado, bem como, depois, seja removida, à sua custa, para outro local do imóvel[37]”. Não se pode olvidar que o material que fluirá nos condutos é dos mais diversos, inclusive, por vezes, nocivos, a exemplo de gases tóxicos e combustíveis, motivo pelo qual poderá o próprio morador remover de um local para o outro, com o intento de tornar a passagem mais segura, ao tempo em que não inviabiliza as instalações.
Com efeito, a desvalorização do remanescente será calculada com espeque naquilo em que o imóvel pode ser aproveitado, caso não houvesse a interferência, assim como do incômodo ao vizinho que resida no local ou ainda lá mantenha o seu comércio, que, por vezes, exige a paralisação das atividades comerciais ou a mudança, de maneira temporária, da residência. “A indenização decorre de responsabilidade objetiva, sendo bastante o prejuízo derivado da passagem de cabos, podendo somar-se ao valor da indenização o eventual prejuízo pela desvalorização da área remanescente do imóvel[38]”.
Ao lado do expendido, o artigo 1.287 do Código Civil[39] desfralda que se as instalações ofertarem grave risco, facultado será ao proprietário do prédio onerado reclamar a realização de obras de segurança, preventivas e protetoras, as quais deverão ser efetivadas, em decorrência da periculosidade das instalações, como é o caso, por exemplo, de condutos inflamáveis, pelas concessionárias que exploram o serviço ou ainda pelo próprio pelo Poder Público que deve lançar mão das cautelas imprescindíveis, sob pena de incorrer em responsabilidade civil objetiva pelos danos causados. Frise-se, por imperioso, que qualquer forma de risco à solidez e segurança do prédio ou mesmo à incolumidade de pessoas será motivo justificador da realização de obras se segurança.
6 Das Águas
Prima pontuar, inicialmente, que a matéria atinente às águas era, até então, espancada nos artigos integrantes do Decreto Nº. 26.643, de 10 de Julho de 1934[40]. Ao lado do exposto, insta evidenciar que as disposições legais insculpidas a partir do artigo 1.288 do Código Civil compreende tão somente a questão da água no que tange aos conflitos de vizinhança. Desta feita, no que se refere ao controle das águas pelo Poder Público mantém sua eficácia no Código das Águas. Infere-se, portanto, a coabitação de ambas as disposições legais, incidindo o regime de cada qual no que for pertinente.
Ao lado disso, a topografia dos prédios ditará a aplicação da matéria em debate, eis que o proprietário ou possuidor do prédio imediatamente inferior é obrigado a receber e escoar as águas pluviais, nascentes ou ainda correntes que naturalmente defluam do superior, sem que isso enseje o pagamento de qualquer quantum indenizatório, já que se trata de direito de vizinhança gratuito[41]. Verifica-se que o legislador sancionou uma lei da natureza, eis que é fato inconteste que as águas fluem naturalmente de cima para baixo, em observância a lei da gravidade, logo, o proprietário do prédio inferior é obrigado a recebê-las quando provenientes do prédio superior. Com efeito, há que se salientar que “as disposições do Código Civil de 2002, o vizinho é obrigado a receber as águas pluviais que naturalmente correm do imóvel ao lado para o seu, pois escoam nesse sentido por gravidade”[42]
Repita-se, por carecido, que tal ônus só comporta as águas que corram por obra da natureza, como as pluviais e as nascentes, ou seja, as águas que provenham das chuvas e que brotam do solo. De igual maneira, as águas que derivam do derretimento da neve ou do gelo, bem como as que sejam originárias de infiltrações. Como bem pontua Imhof, “não se incluem no incommodum do prédio inferior as águas extraídas de poços, cisternas, piscinas e reservatórios, nem as provenientes das fábricas e usinas, nem as elevadas artificialmente, nem as que escorrem dos tetos das casas”[43].
Quadra destacar que as águas escolatícias, sendo consideradas como aquelas que escorrem de um prédio ao outro embaixo da terra, também são alcançadas pelas disposições contidas no Codex Civil. Não se pode esquecer que as águas subterrâneas pertencem ao dono do imóvel em que se encontram alocadas, eis que pode captá-la para o uso, ressalvado o impedimento ou o agravamento da servidão natural de escoamento ou, por meio de edificações de obras, venha a produzir danos na propriedade de outrem. A tolerância a que faz menção o artigo 1.288 do Diploma de 2002 alcança tão somente os cursos naturais de águas, em razão da inclinação do terreno. Todavia, o mencionado ônus não se estende ao curso antropicamente modificado, que deforma o fluxo natural.
Ademais, poderá o morador do prédio inferior reclamar a realização de obras, por parte do proprietário do prédio superior, com o escopo de reduzir o impacto da passagem das águas. Nessa senda, ainda, sob pena das consequências provenientes da ação demolitória, não poderá o morador do prédio inferior estruturar obras que obstem ou mesmo cerceiem o fluir normal do escoamento das águas, mas somente aqueles que minorem os danos provenientes do escoamento ou ainda que possibilite a utilização do remanescente das águas, após o aproveitamento do titular do prédio superior. “O proprietário de uma nascente pode, portanto, utilizar-se dela para atender a todas as suas necessidades, sem, contudo, desviar o curso das sobras, que são desfrutadas pelo dono do prédio inferior ou pelo povo[44]”. Ao lado disso, colaciona-se, oportunamente, o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça que, com clareza solar, destaca:
“Ementa: Civil – Águas – Evasão. I – Não contraria os arts. 69, 70 e 109 do Código de Águas o acórdão que veda ao proprietário a retenção de água corrente, em detrimento de seu vizinho, a jusante. II – Recurso não conhecido.” (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp 100.419/RJ/ Relator: Ministro Waldemar Zveiter/ Julgado em 11.11.1996/ Publicado no DJ em 03.02.1997, p. 727)
Em altos alaridos, o artigo 1.289 do Código Civil[45] dicciona que qualquer atuação antrópica que produza cursos de água em direção ao prédio inferior, concede ao seu morador o direito de exigir que elas sejam desviadas ou, ainda, caso as aceite, perceba verba indenizatória pelos possíveis prejuízos que sofra e pela desvalorização do imóvel. Deve-se, pois, abater da indenização o valor do benefício conseguido pelo prédio inferior, corriqueiramente em decorrência do excedente do volume de água que possa irrigar a plantação ou dessedentar o gado, como bem contempla o parágrafo único do sobredito dispositivo.
Se porventura o proprietário superior edifique obras, como dreno, sulco ou congêneres, a fim de facilitar o escoamento das águas, deverá agir de maneira a não agravar a primitiva condição do prédio inferior. É certo que as águas pluviais lhe pertencem, tal como as nascentes que brotam em seu terreno, contudo o prédio inferior também faz jus a essas águas. De fato, opõe-se a prudência a conduta do proprietário superior que, de maneira egoística, obsta o curso natural das águas remanescentes aos prédios inferiores, promovendo o desvio das sobras ou ainda desperdiçando recursos valiosos e escassos, mesmos após de realizar suas necessidades. O Código Civil não contempla dispositivo legal que veda a realização de obras, exceto aquelas que afrontem a condição natural do prédio inferior.
Nessa toada, é defeso ao proprietário do prédio superior poluir as águas destinadas ao imóvel inferior, independente de sua origem, quando dispensáveis às suas necessidades vitais mínimas[46]. O morador do prédio inferior poderá reclamar a realização de obras, tal como a tomada de medidas pertinentes ao restabelecimento da situação primitiva. Contudo, não sendo possível, apesar dos esforços envidados, de recuperar o curso d'água, será o proprietário do imóvel inferior indenizado, sendo, por via de consequência, o fluxo direcionado ao esgoto.
Afora isso, conquanto o artigo 1.291 do Código Civil[47] estar limitado a exigir o dever de abstenção do imóvel superior apenas no que concerne às águas essenciais, salta aos olhos que o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, constitucionalmente salvaguardado, exige o dever primário de cada proprietário atender aos interesses difusos e coletivos de preservar a qualidade de vida, notadamente no que alude a qualquer forma de aproveitamento de água. “É inadmissível a mera interpretação literal do dispositivo, a ponto de se entender que o poluidor teria a faculdade de poluir as águas que não sejam indispensáveis à sobrevivência”[48].
Nesta tela, o fluxo natural para os prédios inferiores de água pertencente ao dono do prédio superior não materializam, por si só, servidão em favor daquele. O dono do prédio inferior que suporta o defluxo natural da água que corre do prédio superior não terá direito à servidão, eis que se trata de limitação legal ao direito de propriedade, expressamente estabelecida no Ordenamento. Em se tratando de exploração agrícola ou industrial, tal como o atendimento às primeiras necessidades de aproveitamento do imóvel e de suas utilidades, restará materializada a servidão de aqueduto. Cuida evidenciar que a legislação em vigor viabiliza a qualquer pessoa, por meio da indenização prévia aos proprietários eventualmente prejudicados, a canalização de águas, por intermédio de prédio de outrem.
Ademais, poderá o proprietário represar o fluxo da água, desde que atendam tão somente às suas necessidades, sendo impraticável que tal captação desdobre em cerceamento a vizinhos ou mesmo à própria comunidade. É permitido, ainda, a edificação de represas, açudes ou barragens, desde que haja a servidão de aqueduto. Em ocorrendo a invasão das águas represadas no prédio alheio, poderá o proprietário aforar ação competente com o escopo de alcançar reparação, deduzindo, por óbvio, eventual benefício que as águas invasoras proporcionem-lhe, como aduz, expressamente, o artigo 1.292 do Código Civil[49]. Nesta senda, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, ao apreciar matéria afeta ao tema em comento, consagrou entendimento no sentido que:
“Ementa: Apelação Cível – Ação Demolitória – Direito de Vizinhança – Construção de Barragem – Alagamento em terreno vizinho – Art. 1292 CC – Pedido Procedente – Sentença Mantida – Recurso Improvido. Pode o proprietário ou possuidor de um prédio fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde, dos que habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha. Tendo a requerida autorizado a construção da barragem em sua propriedade, o que ocasionou o represamento da água no terreno da autora, sua vizinha, ainda que para favorecer terceiro vizinho, estranho à lide, há que ser mantida a sentença de primeiro grau, a qual determinou a demolição da barragem, objeto da presente demanda.” (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Décima Quarta Câmara Cível/ Apelação Cível Nº. 1.0153.08.078301-9/001/ Relatora: Desembargadora Hilda Teixeira da Costa/ Julgado em 01.09.2011/ Publicado em 20.09.2011).
A partir do artigo 1.293, o Código Civil dispensa disciplina a denominada servidão de aqueduto, que assegura ao proprietário ou possuidor necessitado o direito de canalizar e conduzir água por meio de prédios alheios, às suas expensas, devendo, contudo, previamente, indenizar os prédios prejudicados pelo uso do terreno, assim como os eventuais danos que falhas no aqueduto do imóvel possam produzir. “O aqueduto (duto, canal ou tubulação) será construído de modo a causar o menor prejuízo dos proprietários vizinhos […] e a expensas do seu dono, que, também, arcará com despesas de conservação”[50]. Ao lado disso, o aqueduto será edificado sobre o terreno alheio para atender as necessidades da agricultura e da indústria, tal como às primeiras necessidades da vida, conforme se extrai de uma interpretação conjunta do artigo 117 do Estatuto das Águas, atualmente derrogado, e do artigo 1.293 do Código Civil.
Infere-se no dispositivo do Estatuto Civil supramencionado clara consagração do princípio da função social da propriedade, eis que propicia o mais elástico aproveitamento de um imóvel, ainda que isto imponha a solidariedade de imóveis vizinhos. Em razão deste motivo é que o intérprete confere à servidão de aqueduto um juízo elástico de utilidade[51]. “O proprietário do solo afetado, por sua vez, terá o dever de não criar obstáculo ao direito daquele de implantar, de fazer funcionar e de conservar o aqueduto”[52]. Nesta esteira, regras de equidade são insertas nos §§2º e 3º do artigo 1.293 do Código Civil, buscando dialogar o menor prejuízo do imóvel onerado com a máxima satisfação do titular da servidão do aqueduto. Trata-se, com efeito, de busca pela preservação do equilíbrio entre os interessados. “Como não pode impedir a efetivação da obra, cabe àquele exigir que, para a sua comodidade, a canalização seja subterrânea – mediante tubulação[53]”, com o escopo de evitar danos as áreas edificadas, assim como que sejam atendidas exigências técnicas para que o aqueduto seja erigido, de maneira que produza os mínimos prejuízos ao imóvel onerado.
Destacar se faz carecido que o aqueduto não inviabilizará que os proprietários onerados cerquem os imóveis e construam sobre ele, sem que haja qualquer espécie de prejuízo para sua segurança e conservação. Diniz frisa que “os donos dos solos onerados poderão neles cultivar, construir muros ou prédios, exercendo plenamente seu direito de propriedade, pois apenas deverão abster-se de atos que impeçam a passagem de condutos de água”[54]. Poderá, ainda, o proprietário onerado utilizar as águas que excedam a necessidade do titular do aqueduto, a fim de satisfazer suas necessidades. Oportunamente, se a água que flui pelo aqueduto não se destinar à satisfação das exigências primárias, o proprietário do aqueduto deverá ser indenizado pela retirada das águas supérfluas aos seus interesses de consumo.
Em decorrência da similitude existente entre o aqueduto e a passagem de tubulações e cabos, o artigo 1.294 do Código Civil, expressamente, dicciona acerca da aplicação das disposições contidas nos artigos 1.286 e 1.287. Denota-se que o fito da norma é assegurar, por meio da incidência dos rtigos supramencionados, maiores garantias ao titular do prédio serviente no que se refere à matéria de segurança e indenização pela desvalorização da área remanescente, em decorrência da edificação de aquedutos.
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES
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