Direito do trabalho mínimo

Sumário: I- Introdução II- A realidade atual III- Flexibilização e Desregulamantação IV- Papel do Estado V- Direito do Trabalho da Classe Dominante VI- Direito do Trabalho Mínimo VII- Conclusão.


“O trabalho não pode ser uma lei sem ser um direito” Victor Hugo


I- Introdução


O Direito Laboral possui, a princípio, como sustentáculo, o amparo aos trabalhadores e a consecução de uma igualdade substancial e prática para os sujeitos envolvidos. Trata-se de uma ramificação do Direito essencialmente relacionado as convenções coletivas de trabalho marcadamente aderentes à realidade, do que resulta também um especial dinamismo. O Direito do Trabalho está intensamente exposto à instabilidade das flutuações da política. Nascido numa época de prosperidade econômica, caracterizada por certa estabilidade das relações jurídicas, concebeu-se a intervenção do Estado como um meio de elaborar uma legislação detalhada das condições de trabalho, com vistas a forçar os atores sociais a buscarem a solução dos seus conflitos. O resultado dessa intervenção é a característica básica da regulamentação das relações de trabalho; a heterorregulação, que provoca a rigidez da legislação.


No entanto, as persistentes crises contemporâneas têm tido um abalo particularmente destrutivo sobre o emprego (gerando o desemprego em massa), pondo em causa o modelo tradicional do Direito do Trabalho, tal como foi sendo construído na sua época áurea, em particular nos anos sessenta. Esse modelo de Direito do Trabalho, assegurando um acréscimo de tutela dos trabalhadores, tem sido acusado de constituir fator de rigidez do mercado de emprego e da alta de custo de trabalho, e, nessa medida, de contribuir para o decréscimo dos níveis de emprego e conseqüente estímulo ao desemprego.


II- A realidade atual


A realidade atual não é mais a mesma dos anos 60. O Brasil, não sendo a exceção perante a organização mundial, sofreu verdadeiras alterações no mercado de trabalho pós-guerra e no nível de desemprego e desestabilização da economia, propiciando o surgimento do chamado “mercado informal” de trabalho que, em regra, é constituído pela força de trabalho dita excedente, em função da pequena oferta de empregos.


Dados estatísticos apontam um índice altíssimo da população economicamente ativa, que integra este setor produtivo. Há que se levar em consideração a crise econômica dos anos 80, provocada pelo choque dos preços do petróleo que atingiu uma gama de países na Europa,e, assim como no Brasil, provocou o surgimento de novas formas de contratação geradoras de relações de trabalho atípicas. Assim, o contrato por tempo determinado deixou de ser exceção, admitindo-se vários contratos intermitentes, de temporadas, contratos de formação, contratos de estágio, e antecipou aposentadorias.


É em virtude dessa realidade atuante do desemprego, em contraposição à rigidez da legislação, que semeou-se na Europa um movimento de idéias em torno dos institutos da flexibilização e desregulamantação, que no dia-a-dia angaria novos pensadores, especialistas e principalmente os operadores do Direito do Trabalho.


III- Flexibilização e Desregulamantação


As estatísticas oficiais escondem uma brutal queima de empregos de qualidade na indústria e nos bancos – compensados parcialmente pela “geração” de empregos precários no comércio e nos serviços. Entretanto, de acordo com critérios mais adequados à realidade brasileira (PED), em julho de 1994, data da implantação do Real, a taxa de desemprego era de 14,5% (segundo dados do Seade / Dieese), correspondendo a 1,15 milhão de desempregados somente na Grande São Paulo. Passados quase três anos (maio/97), a taxa de desemprego é de 16% (Seade / Dieese), correspondendo a 1,387 milhão de desempregados nesta região. Se projetarmos essa taxa de desemprego (aberto e oculto) para todo o País, os desempregados somariam mais de 11,5 milhões, lançados à mais cruel exclusão social.


Diante desta deplorável situação pensamos que o Direito do Trabalho brasileiro deve se adaptar ao novos tempos pois, persiste, há mais de cinqüenta e cinco anos, marcado pelo forte intervencionismo estatal, refletindo o autoritarismo da época em que foi gerado, pomposo, complexo às vezes obscuro, preponderantemente constituído de normas de ordem pública, tendo contribuído para o imobilismo empresarial e estímulo a especulação financeira, inclusive com a aplicação de capital estrangeiro. Este quadro torna-se obsoleto na medida que, atualmente, novas condições de vida, novos os desafios apresentados , novos problemas a enfrentar, com isso é impossível pretender que continue o Direito do Trabalho a desempenhar o mesmo papel, por mais eficiente que outrora se tenha apresentado, uma vez que, continuar com a mesma armadura protetora Estatal seria condená-lo a ineficácia.


A legislação do trabalho tem que estar mais aberta à economia e às necessidades de adaptação conjuntural, assiste-se ao fim do sempre mais , isto é, da crença do progresso social ilimitado e sem recuos . pelo acréscimo de regalias para os trabalhadores. Na verdade a conjuntura tem forçado os trabalhadores a suportarem condições de trabalho menos favoráveis e – aqui e além- a verem retiradas conquistas que se pensava estarem solidamente implantadas. Fala-se ao mesmo tempo, de “desregulamentação”, ou seja, da progressiva supressão de regras imperativas, como o correspondente alargamento da liberdade de estipulação. Verifica-se um significativo recuo da força imperativa das leis do trabalho, admitindo-se que as convenções coletivas as adaptem com vista a setores ou empresas em crise. Em suma, a legislação do trabalho deverá estar mais aberta à economia e às necessidades de adaptação conjuntural. No fundo, é a lógica dos ciclos econômicos a repercutir os seus efeitos no funcionamento dos sistemas de proteção dos trabalhadores.


IV- Papel do Estado


Na importante questão que envolve a definição do papel do Estado nas relações trabalhistas da sociedade contemporânea, parece fundamental admitir que a redução do tamanho do Estado não pode torná-lo incapaz de mediar os conflitos, sob pena de deixar a grande maioria dos trabalhadores sem qualquer defesa completamente dominada pelos grandes grupos econômicos e financeiros , que têm no lucro o único objetivo de suas ações.


Esses fenômenos (desregulamantação e flexibilização) correspondem apenas, a um novo espírito do Estado menos centralizado, mais abertos aos grupos naturais e mais preocupado com a eficácia e bem estar da comunidade como um todo e não apenas de um parcela de privilegiados.


Temos, assim, a firme convicção de que a flexibilização e a desregulamentação apresentam-se como mecanismos úteis de desenvolvimentos das relações laborais e que precisam ser bem utilizados e compreendido por todos os atores sociais. Estes referidos mecanismos deverão assim, ter de prioridade política, associada a opção por executar um conjunto de políticas e ações capazes de aliar a estabilidade com crescimento e inclusão social.


V- Direito do Trabalho da Classe Dominante


Utilizando dos ensinamentos do Desembargador José Liberato da Costa Póvoa podemos dizer que a lei não foi feita para beneficiar o povão ou o trabalhador e guardar um equilíbrio social, pois inobstante seja ela aprovada por representante do povo, é na verdade, criada por uma elite que não está preocupada com seus representados, mas apenas com a manutenção dos privilégios da própria elite, pouco lhe importando a quantas anda o povo; ainda assim, as leis são fruto da vontade dos detentores do poder, criadas em função de seus próprios interesses. Desde Salomão, passando por Dracon e outros, o fardo da lei sempre foi mais pesado para os pobres e para os escravos. Marx já dizia que “O Direito é a vontade, feita lei, da classe dominante, através de seus próprios postulados ideológica”. Lá na antigüidade, Trasímaco dizia que “a Justiça, base do Estado e das ações do cidadão, consiste simplesmente no interesse do mais forte”.


Sempre foi assim, e continua (rá) sendo, qualquer que seja o regime, até mesmo aqueles em que os operários chegaram ao poder, pois, uma vez alojados comodamente no topo da pirâmide, tratam logo de criar leis, não para a defesa dos idéias que os levaram ao mundo, mas apenas para se manterem e, se possível, perpetuarem-se no poder. Citando Hobbes, “não é a sabedoria que faz a lei, mas a autoridade”, e se porventura são os sábios que a elaboram, é certo de que estão a serviço dos que dominam.


É em parte assim também com o Direito do Trabalho, como pudemos constatar na leitura do livro “Convenção Colectiva entre as fontes de Direito do Trabalho” do jurista lusitano José Barros Moura, onde demonstra que este direito é útil a burguesia que, obviamente, nunca desejou um direito de proteção dos trabalhadores. Sua estratégia é de fazer concessões políticas com vistas reduzir as tensões sociais retirando força à luta de classes. As coisas são bem mais complexas pois este direito favorece a concentração capitalista agindo sobre as condições da concorrência com o que beneficiam setores mais fortes e aptos da classe dominante em detrimento de outros setores.


Assim para aqueles que acham que o Direito de Trabalho foi criado única e exclusivamente para os trabalhadores fica a pergunta: Será que este mesmo direito não serviu para um maior controle, opressão e aumento das desigualdades econômico-sociais?


Acreditamos que o pleno implemento dos institutos da flexibilização, desregulamantação e por fim o direito do trabalho mínimo reascenderão debates e modificações mais profundas nos pilares da estrutura social e que com certeza ajudarão a diminuir o abismo em que se encontra a burguesia e o proletariado em grande parte devido ao próprio direito do trabalho que deveria proteger o trabalhador.


VI- Direito do Trabalho Mínimo


Nenhum ordenamento jurídico consegue acompanhar os avanços sociais, vez que a lei, por sua natureza, é rígida no tempo. Qualquer proposta de melhoria no Direito do Trabalho, quanto mais a fomentação de endurecimento e multiplicação das leis e sua execução, não passará de exploração do desespero inconsciente da sociedade e forma de ocultar os verdadeiros problemas a serem enfrentados.


Pesquisas revelam que o Direito do Trabalho somente intervém num reduzidíssimo número de casos, sendo impossível determinar-se estatisticamente o número de trabalhadores que deixam de ingressar no sistema por diversos motivos. Argüi-se que se tiver em conta os números de trabalhadores que labutam à margem dos direitos assegurados na legislação trabalhista, ou seja a soma dos chamados informais que passam ao largo do conhecimento ou da atuação da justiça laboral- quer porque desconhecida, quer porque não identificados os trabalhadores, quer porque alcançados pela prescrição, quer porque objeto de composição extrajudicial, quer porque não provados, etc…, verificar-se-á que o trabalho registrado de carteira assinada é no mínimo insatisfatório.


Como achar normal um sistema que só intervém na vida social de maneira tão insatisfatória estatisticamente ? Todos os princípios ou valores sobre as quais tal sistema se apoia (a igualdade dos cidadãos, o direito a justiça, princípio protetor, etc..) são radicalmente deturpados, na medida em que só se aplicam àquele pequeno número de casos que são os trabalhadores de carteira assinada ou os que venham reclamar perante a justiça do Trabalho com sucesso. O enfoque tradicional se mostra, de alguma forma às avessas.


O Direito do Trabalho, portanto, deveria ter um papel secundário no controle dos conflitos sociais. Destarte, o Direito do Trabalho que se vislumbra no horizonte, é o da intervenção mínima, onde o Estado deve reduzir o quanto possível sua ação na solução dos conflitos. Neste contexto, propõe-se, em suma, a flexibilização, desregulamentação e a desistitucionalização dos conflitos trabalhistas, restando ao Estado aquilo que seja efetivamente importante a nível de controle.


Frente a esta realidade, o ideal desta nova tendência é buscar a minimização da utilização do Direito do Trabalho imposto pelo Estado, através de quatro proposições básicas: a) impedir novas regulamentações na área trabalhista – significa evitar a criação de novos direitos, pelo Estado, mormente para regular conflitos de abrangência social não tão acentuada, donde possa haver solução do conflito noutra esfera; b) promover a desregulamantação – na mesma esteira do tópico anterior, visa reduzir a quantidade de direitos, abolindo da legislação trabalhista direitos donde as partes envolvidas possam resolver per si, sem que isso ofenda o real interesse da coletividade; c) flexibilização – cujo fundamento cinge segundo Arturo Hoyos pelo uso dos instrumentos jurídicos que permitam o ajustamento da produção, emprego e condições de trabalho à celeridade e permanência das flutuações econômicas, às inovações tecnológicas e outros elementos que requerem rápida adequação; d) deinstitucionalização – desvincular do âmbito do Direito do Trabalho e, até mesmo da esfera estatal, a solução de pequenos conflitos, quando atingir somente a esfera dos envolvidos aos quais seria reservado outras formas de satisfação de seus interesses.


VII- Conclusão


Este final de século apresenta sérios desafios para a humanidade. As questões mais do que nunca apresentam-se em nível global, e a solução dos graves problemas que ameaçam a estabilidade do planeta necessitam da construção de um novo modelo de Estado, de sociedade e de economia. Nesta fase da história torna-se fundamental que o tema “Direito do Trabalho Mínimo” seja amplamente discutido, a fim de que os valores já conquistados pela nossa civilização não comecem a ser relegados pela rigidez de idéias que muita das vezes ampliaram o estado crítico em que encontram-se as instituições.


O atual Direito do Trabalho surge pela idéia e pelos mecanismos de concertação social. Fenômeno dos nosso dias, potenciado pela evolução das crises econômicas, a progressiva intervenção tripartida dos parceiros sociais (sindicatos, associações patronais e Governo) para consensualmente definirem e executarem a política econômica e social. Este fenômeno corresponde a um novo espírito do Estado, menos centralizado, mais aberto aos grupos naturais e mais preocupado com a eficácia de seus atos. É a este propósito que se referem constantemente as idéias de flexibilização, desregulamantação, Direito do Trabalho mínimo, de concertação e de busca de consensos, que expressam um método de administrar e legislar em que o Estado se preocupa:


O Direito do Trabalho enfrenta, neste momento histórico, desafios importantes. O novo Direito do Trabalho para sobreviver como meio regularizador da relações laborais deverá beneficiar-se, cada vez mais, do protagonismo dos grupos organizados e que buscam consensos trilaterais (Estado, organizações de empregadores e organizações de trabalhadores), que se exprimem em convenções ou pactos sociais. O sindicalismo tem perdido a força e militância, mas ganha poder de intervenção nas decisões políticas, econômicas e sociais.


Vale ressaltar por fim que é fundamental, acima de tudo, a conscientização para uma nova postura frente aos fatos relacionados as relações laborais, com a pujança de um ideal perene de justiça social, pois não se combate as mazelas sociais referentes ao conflitos laborais sem antes erradicar suas raízes, há muito tempo encrostadas nos desmandos políticos dos governantes e na mentalidade anacrônica da minoria privilegiada que se recusa suprir as necessidades elementares da pessoa humana e a distribuir os louros do desenvolvimento econômico.


Informações Sobre o Autor

Mário Antônio Lobato de Paiva

Advogado em Belém; sócio do escritório Paiva & Borges Advogados Associados; Sócio-fundador do Instituto Brasileiro da Política e do Direito da Informática – IBDI; Presidente da Comissão de Estudos de Informática Jurídica da OAB-PA; Conferencista


Equipe Âmbito Jurídico

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