Resumo: Uma vez que o direito e a ética carecem das bases de conhecimento verificável acerca da condição humana, indispensável para obter predições de causa e efeito e juízos justos baseados nelas, é necessário, para compor o conteúdo e a função da moral, do direito e da justiça, tratar de descobrir como podemos fazê-lo a partir do estabelecimento de vínculos com a natureza humana que, de forma direta ou indireta, condiciona nossa conduta e os vínculos sociais relacionais que estabelecemos.
“La Metafísica es la búsqueda de malas razones para explicar lo que denominamos instinto; pero la búsqueda de estas razones no deja de ser también un instinto.” F. H. BRADLEY
A pergunta pela origem, o sentido e a finalidade da justiça, da moral e do direito deveria conduzir inexoravelmente à busca dos fundamentos naturais e neurobiológicos da conduta humana. As normas jurídicas e morais existem somente porque o homem, como o paradigma das espécies culturais, estabelece relações sociais. O ser humano como pressuposto, fundamento e sujeito de todo ordenamento jurídico, político e moral está orientado ao reconhecimento, respeito e proteção de seus direitos no contexto de vínculos interpessoais guiados por distintos tipos de normas e regras que os indivíduos reconhecem mutuamente.
A relação entre justiça, moral e direito forma parte de uma das problemáticas mais controvertidas, complexas e sugestivas da Filosofia do Direito contemporânea. Encontramo-nos diante de três ordens axiológico-normativas estritamente vinculadas com a natureza humana, ademais de claramente relacionados com âmbitos dependentes do comportamento humano e da compreensão do homem como espécie natural, tal qual outra qualquer.
Não obstante, o grande problema da tradição jurídica filosófica e da ciência do direito (ainda predominante) é o de que trabalham como se os humanos somente tivéssemos cultura, uma variedade significativa e nenhuma história evolutiva. Há uma forma dominante de pensar que produz resistência, inclusive fobia ou rechaço, ante ao fato de que os humanos são uma espécie biológica. Daí que no âmbito do jurídico quase sempre se há relegado a um segundo plano – ou simplesmente de despreza – a devida atenção à natureza humana e, muito especialmente, ao fato de que para compreender “lo que somos y cómo actuamos, debemos comprender el cerebro y su funcionamiento” (Churchland, 2006). Dito de outro modo, de que os cérebros humanos evoluíram a partir de cérebros animais, que tem muito em comum com eles (tanto estrutural como funcional e cognitivamente) e “que, por excepcional que sea el cerebro humano, es el producto de la evolución darwiniana, con todas las limitaciones que ello implica”. (Llinás e Churchland, 2006).
Mas, pouco a pouco, a Filosofia Jurídica começa a indagar sobre o sentido e a validez do direito desde uma perspectiva antropológica e naturalista em relação aos dados existenciais do ser do homem, como os problemas da liberdade, igualdade, alteridade, dignidade… Se começa a estabelecer um debate entre as tendências materialistas e interacionistas da ciência contemporânea e a tradição dos filósofos e teóricos do direito no sentido de admitir que a partir da aceitação dos melhores dados disponíveis acerca de como são os seres humanos, considerados sob uma ótica muito mais empírica e diligente com as ciências da vida e da mente, será possível reconstruir os fundamentos do direito, da justiça e da moral sobre uma base mais segura.
Quer dizer, parece destacar-se cada vez mais a consciência de que como o direito e a ética carecem das bases de conhecimento verificável acerca da condição humana, indispensável para obter predições de causa e efeito e juízos justos baseados nelas, é necessário, para compor o conteúdo e a função da moral, do direito e da justiça, tratar de descobrir como podemos fazê-lo a partir do estabelecimento de vínculos com a natureza humana que, de forma direta ou indireta, condiciona nossa conduta e os vínculos sociais relacionais que estabelecemos.
Sem lugar a dúvidas, a importância da pergunta pela condição humana é um problema fundamental da Filosofia em general e, especificamente, da Filosofia Jurídica. Hoje, nenhum filósofo do direito consciente das implicações práticas que sua atividade provoca, quase cotidianamente no espaço público, quer dizer, nenhum filósofo do direito intelectualmente honrado, e que queira propugnar de verdade sua causa – quer dizer, que seja honrado também na ação -, desconsidera a questão última do pensamento moderno: a do status do ser humano no reino da natureza, do ser humano considerado simultaneamente como um ser biológico, cultural, psicológico e social.
Algo radicalmente novo está no ar: novas formas de entender os sistemas físicos, novos modos de pensar sobre o pensamento que põem em tela de juízo muitas de nossas suposições básicas. Uma biologia realista da mente, os avanços em biologia evolutiva, a genética, a neurobiologia, a primatologia, a psicologia, etc., todas elas levantam questões de grande importância crítica com respeito ao que significa ser humano. Por primeira vez, contamos com as ferramentas e a vontade para levar a cabo o estudo científico da natureza humana. E os cientistas que participam no estudo científico da natureza humana estão ganhando influência sobre os demais “cientistas” e as outras disciplinas que se baseiam no estudo das ações sociais e da cultura humana independente de seu fundamento biológico.
Naturalmente que este “novo paradigma” tem consequências profundas e mais amplas das que envolvem a uma pequena elite acadêmica. Desde logo, consequências jurídicas. Hoje, ensinar qualquer tema relacionado com a moral e o direito sem teoria da evolução ou desconsiderando as controvérsias relativas às implicações filosóficas do naturalismo desde uma perspectiva interdisciplinar, é uma estafa.
Em poucas palavras, a ciência evolucionista é um dos maiores e mais importantes logros do conhecimento humano, possivelmente o mais importante de todos os tempos. Como tal, seu acesso não deveria passar despercebido ou negar-se a ninguém. Mas há algo ainda pior que isto: negar a evolução é negar a natureza e o valor da própria evidência empírica. O raciocínio que não se baseia na evidência, que a ignora ou que inclusive a combate ativamente, é um raciocínio que se torna efetivamente merecedor de nossa condena moral. O que diríamos de um juiz ou de um jurado que decidisse dirimir os casos apresentados a juízo a partir de suas emoções e de sua ideologia e não a partir da prova dos fatos? Esta ignomínia resulta ainda mais grave quando se trata de considerar os grandes problemas da vida. Como disse W. K. Clifford (1879) há mais de um século, temos o dever pessoal e social de combater as crenças não respaldadas pela evidência ou que se opõem ativamente a ela, do mesmo modo que temos a obrigação pessoal e social de tratar de evitar a propagação de uma enfermidade.
Aliás, desde que na década dos setenta E. O. Wilson se propôs terminar com o “monopólio dos humanistas” nos delicados assuntos morais, o estudo da empatia, a cooperação, o altruísmo, o livre-arbítrio, a responsabilidade pessoal, o desenvolvimento da moralidade e a evolução, a natureza humana e o cérebro se hão estreitado cada vez mais. Traços de empatia (provavelmente vinculados com os “neurônios espelho“), do sentido da justiça e de sentimentos morais primários entre animais não humanos, por exemplo, foram descobertos tanto em cativeiro como em estado selvagem.
Entre os dois mais interessantes dos últimos estudos publicados, nos quais participou Frans de Waal, se encontra a evidência empírica de que não se refere já aos “grandes símios” (bonobos, chimpanzés, gorilas) senão a primatas evolutivamente mais modestos como os monos capuchinos – Cebus apella. Em um deles, os sujeitos, atuando como castigadores altruístas, respondiam sistematicamente mostrando sentimentos de ofensa quando eram recompensados com as mais valoradas uvas em lugar de pepinos, quer dizer, quando o experimentador se saltava as regras naturais de reciprocidade, o que induz a pressupor características elementares de justiça nesta sociedade de primatas. (Brosnan e De Waal, 2003)
O outro, mais recente, refere-se à capacidade dos monos capuchinos para identificar rostos. Como é bem sabido, não somente a linguagem, a política, a justiça, o direito e a moral constituem partes do universo intersubjetivo senão que também a capacidade para formar grupos de cooperantes que se prestam ajuda mútua é, no mundo da antropologia, a melhor explicação de que se dispõe para entender qual foi o mecanismo evolutivo que levou, dentro da linhagem humana, às vantagens adaptativas de uns seres tão indefesos desde o ponto de vista das armas naturais –colmilhos, garras – como são os de nossa espécie. Supunha-se que a clave para essa formação de grupos estáveis e cooperantes estava na capacidade humana para reconhecer rostos, fundamento mesmo da familiaridade. Ao saber quem é e quem não é membro do grupo, este conta com um mecanismo excelente de coesão.
Pois bem, o estudo de De Waal e Pokorny (2010) indicou de maneira bem convincente como os monos capuchinos contam também com a capacidade para identificar rostos familiares. E averiguaram mostrando aos capuchinos fotografias ante as quais a tarefa de reconhecimento se lograva inclusive se as imagens se lhes suprimia a cor, deixando os tonos em escala de cor cinza. Os capuchinos são monos do Novo Mundo, distantes de nós por dezenas de milhões de anos de evolução separada. Mas sua conduta é, em determinadas ocasiões, demasiada humana. Quer dizer, ademais de que são capazes de apreciar o trato injusto e de rechaçar compromissos que o impliquem (inclusive se sacam mais vantagem aceitando um intercâmbio em inferioridade de condições do que se negando a ele), agora aparece outro signo de humanidade ou, melhor dito, outro indício de que determinados traços que configuram a condição humana foram obtidos por uma via em que também se encontram outros símios, que só necessitam para alcançar o grau de pensamento humano algo mais de cérebro.
Ainda que seja claramente prematuro extrapolar este tipo de resultados às noções “humanas” más sofisticadas de justiça e cooperação, proporcionam, em câmbio, excelentes referências para uma teoria naturalista e evolucionista da justiça. Por exemplo, há ao menos dois traços essenciais da justiça humana que não se reduzem ao tipo de moralidade animal documentada por Brosnan e De Waal (2003): o alto grau de abstração presente no juízo humano e nossa capacidade para “expandir o círculo” dos iguais mais além do grupo originário ou da família biológica estendida. Mas, se a razão etológica da justiça e cooperação não desentranha todos seus mistérios, ao menos sim serve para baixá-la de tão alto (a justiça não foi criada) e para deixar de considerá-la uma “construção humana” arbitrária (a justiça não foi desenhada).
A justiça, a moral, o direito são as estratégias biológicas da humanidade; a natureza humana foi formada por um processo evolutivo em que se selecionaram estas estratégias em benefício de determinados traços favoráveis a um tipo novo e avançado de vida social: a cultura. A moralidade e a juridicidade são, em última instância, um sistema de regras que permite aos grupos de pessoas viverem juntas em harmonia razoável. Entre outras coisas, a cultura tem por objeto substituir a agressão pela moral e as leis constituem o meio principal para resolver os defeitos e conflitos que inevitavelmente surgem na vida social. A própria idéia de justiça – no seu sentido apenas humano, e quaisquer que tenham sido os significados que haja recebido ao longo das nossas várias vezes milenar história cultural – sempre quis exprimir a suprema axiologia da existência humana comunitária – isto é, de seres humanos que vivem em sociedade não porque são homens (ou anjos), senão porque são animais.
Nosso complexo sistema de justiça e de normas de conduta são estratégias destinadas à canalizar nossa natural tendência à “agressão” decorrente da falta de reciprocidade e dos defeitos que emergem dos vínculos sociais relacionais elementares através dos quais construímos estilos aprovados de interação e estrutura social. Tais normas, por resolverem determinados problemas sócio-adaptativos práticos, modelam e separam os campos em que os interesses individuais, sempre a partir das reações do outro, podem ser válidos, social e legitimamente exercidos, isto é, plasmam publicamente não somente nossa (também) inata capacidade (e necessidade) de predizer e controlar o comportamento dos demais senão também o de justificar e coordenar recíproca e mutuamente, em um determinado entorno sócio-cultural, nossas ações e interações sociais.
E isto é fundamental no que se refere ao fenômeno jurídico porque, se há algo que a justiça e a moralidade levam implícitos são nossas intuições ou emoções inatas: estas não surgem por meio da fria racionalidade kantiana senão que requerem preocupar-se pelos outros e ter fortes instintos viscerais sobre o que está bem ou mal (De Waal, 2001). Simplesmente atuamos ante uma regra de conduta do modo como nos ensinam a atuar, motivados pelo desejo inato de segurança e identificação “grupal”, enormemente favorecido por meio da adoção de práticas sociais e comportamento comum que funcionam em uma determinada coletividade.
Tais intuições ou emoções se assentam em predisposições inatas de nossa arquitetura cognitiva para a aprendizagem e manipulação de determinadas capacidades sociais inerentes à biologia do cérebro, capacidades que foram aparecendo ao longo da evolução de nossos antepassados hominídeos para evitar ou prevenir os conflitos de interesses que surgem da vida em grupo. São estes traços, que poderíamos chamar tendências, instintos ou predisposições, mais que simples características, o que melhor pode ilustrar as origens e a atualidade do comportamento moral e jurídico do ser humano.
De fato, se os homens se juntam e vivem em sociedade é porque somente desse modo podem sobreviver. Desenvolveram-se por tal via valores sociais específicos: o sentimento de pertencia e lealdade para com o grupo e seus membros, o respeito à vida e a propriedade, o altruísmo, a empatia, a antecipação das conseqüências das ações, a proteção contra o risco pessoal e coletivo… Trata-se de práticas que aparecem de maneira necessária no transcurso da vida comum dando mais tarde lugar aos conceitos de justiça, de moral, de direito, de dever, de responsabilidade, de liberdade, de igualdade, de dignidade, de culpa, de segurança e de traição, entre tantos outros.
Nossa espécie, o Homo sapiens, não chegou à existência desde “nada”, senão que evoluiu gradualmente a partir de uma espécie anterior, que a sua vez evoluiu, também gradualmente, a partir de outra espécie ainda mais anterior, e assim sucessivamente ao longo de um tempo evolutivo imensamente largo; isto é, de que descendemos de animais que viveram em comunidade durante milhões de anos e que o mítico “contrato social” estava já inventado muito antes que a espécie humana aparecesse sobre o planeta. E nenhuma referência à moral e/ou ao direito pode silenciar estas raízes da natureza humana e as implicações ( sociais, éticas, jurídicas e políticas) que tem este fato.
Por conseguinte, e pese ao fato de que a tendência à separação entre o material e o espiritual tenha levado a que se absolutizem alguns desses valores – distanciando-os de suas origens e das razões específicas que os geraram e apresentando-os como entidades transcendentes mais além dos próprios seres humanos—, a ética, a justiça e o direito somente adquirem uma base segura quando se vinculam a nossa arquitetura cognitiva inata, quer dizer, a partir da natureza humana fundamentada na herança genética e desenvolvida em um entorno cultural. Poderia dizer-se, pois, que os códigos da espécie humana – dos valores éticos aos direitos humanos – são uma conseqüência peculiar de nossa própria humanidade, e que esta, por sua vez, “constituye el fundamento de toda la unidad cultural” (Maturana, 2002).
O projeto axiológico e normativo de uma comunidade ética não é mais que um artefato cultural manufaturado e utilizado para possibilitar a sobrevivência, o êxito reprodutivo e a vida em grupo dos indivíduos. Serve para expressar (e com freqüência para controlar e/ou manipular) nossas intuições e nossas emoções morais, traduzindo e compondo em fórmulas sócio-adaptativas de convivência a instintiva aspiração da justiça que nos move no curso da história evolutiva própria de nossa espécie. Daí que as normas jurídicas constituam um produto ou um resultado com bastante articulação funcional: um conjunto de estímulos sócio-culturais que circulam por um sofisticado sistema de elaboração psicobiológica.
Assim que a ordem jurídica e o sentimento de justiça emanam da própria natureza humana (de sua faculdade de antecipar as conseqüências das ações, de fazer juízos de valor e de eleger entre linhas de ação alternativas) e não é algo que haja sido imposto à condição humana pela cultura. Nossas manifestações culturais não são coleções causais de hábitos arbitrários: são expressões canalizadas de nossos instintos, ou seja, de nossas intuições e emoções morais. Por essa razão, os mesmos temas despontam em todas as culturas: família, risco, ritual, câmbio, amor, hierarquia, amizade, propriedade, ciúmes, inveja, lealdade grupal, superstição… Por essa razão, apesar das diferenças superficiais de leis e costumes, as culturas têm sentido imediatamente ao nível mais profundo dos motivos, das emoções, dos hábitos e dos instintos sociais. De fato, graças ao universo jurídico, plasmado em último termo em normas e valores “explícitos”, os seres humanos conseguiram, na interação própria da estrutura social, um reparto (ao que caberia chamar, com as cautelas necessárias acerca do conceito, “consensuado”) dos direitos e deveres que surgem na vida comunitária.
Sem normas, não haveríamos evoluído; não ao menos na forma em que o fizemos. Mas dispomos do direito e, com ele, promovemos em uns grupos tão complexos como são os humanos aqueles meios necessários para controlar e predizer as más e as boas ações, para evitar riscos, para justificar os comportamentos coletivos e, o que é mais importante, para articular, combinar e estabelecer limites sobre os vínculos sociais relacionais que entabulamos ao longo de nossa secular existência.
Agora: O que nos faz ser o que somos? Como a arquitetura neuronal possibilita nossos comportamentos ético-jurídicos? Que abanicos nas análises evolutivas e neurobiológicas nos falam da origem do direito e da justiça? A origem, o sentido e a função do direito requerem um estudo renovado ante os resultados das investigações acerca da evolução e da natureza humana? Que alcance pode chegar a ter os estudos procedentes das ciências da vida e da mente para o sentido humano da justiça? De que maneira cambiará nossa concepção acerca do homem como causa, fundamento, fim e sujeito de todo ordenamento jurídico, político e moral?
Nossa tese é a de que a moralidade (e conseguintemente, a juridicidade) não é algo socialmente construído e basicamente racional, nem divinamente revelado, senão que tem um núcleo ou denominador comum que é um produto de nosso passado evolutivo em grupos de caçadores-coletores. Nesse sentido, o que tratamos de defender é uma concepção evolucionista (naturalista ou darwinista) do direito e da justiça, partindo do suposto de que para estabelecer uma relação entre direito, justiça e evolução é necessário compreender o homem como espécie natural, tal e qual outra qualquer.
Isto significa que, para compreender sua origem, sentido e função, é indispensável aceitar o fato de que o fenômeno jurídico, assim como a moralidade, não é algo absoluto (eterno e imutável), nem algo pessoalmente subjetivo ou arbitrário (algo que dependa exclusivamente do que pense cada indivíduo ou grupo social), mas sim algo objetivo, no sentido de que os traços adaptativos de uma espécie são objetivos. Os modelos evolucionistas têm que ser tomados em sério, tanto se queremos entender de verdade a condição humana como se acreditamos na possibilidade de um direito justo e pretendemos apoiar as formas mais eficazes de melhorar o mundo em que vivemos.
Ademais, a filosofia e a ciência do direito não podem oferecer uma explicação ou uma descrição do “direito real”, do fenômeno jurídico ou da justiça, nem menos esgotar-se nelas, porque sua perspectiva não é primordialmente explicativa nem descritiva, senão normativa. Podem e devem aprender coisas dos modelos evolucionistas (biologia evolutiva, psicologia evolucionista, primatologia, antropologia evolutiva, neurociência, ciências cognitivas…), na medida em que somente uma compreensão realista da natureza humana poderá levar-nos a reinventar, a partir da construção conjunta de alternativas reais e factíveis, as melhores e mais profundas teorias acerca do direito e de sua função na dinâmica social.
Dito de outro modo, o direito adquirirá um grau maior de rigor enquanto se reconheçam e se explorem suas relações naturais com um panorama científico mais amplo (um novo panorama intelectual que antes parecia distante, estranho e pouco pertinente). Os mecanismos cognitivos são adaptações que se produziram ao longo da evolução através do funcionamento da seleção natural e que adquiriram formas particulares para solucionar problemas adaptativos de larga duração relacionados com a complexidade de uma existência, de uma vida, essencialmente social.
Parece já haver chegado o momento de abandonar as construções de castelos normativos “no ar” acerca da boa ontologia, da boa metodologia, da boa sociedade ou do direito justo. Porque uma teoria jurídica (o mesmo que uma teoria normativa da sociedade justa ou uma teoria normativa e/ou metodológica da adequada realização do direito), para que suas propostas programáticas e pragmáticas sejam reputadas “aceitáveis”, têm antes que conseguir o nihil obstat, o certificado de legitimidade, das ciências mais sólidas dedicadas a aportar uma explicação científica da mente, do cérebro e da natureza humana que os mitos aos que estão chamadas (e destinadas) a substituir. Já é hora de reconhecer que o maior inimigo da justiça é “uma mentalidade dogmática”.
Em resumo, estamos convencidos de que a partir do momento em que a ciência jurídica é incapaz de advertir os signos de sua própria crise, porque sua ideologia é um mito continuo de justiça, o direito se separa da realidade e se envolve em uma ilusão, custodiada pela moldura conceitual de concepções dogmáticas completamente alheias às implicações jurídicas da natureza humana.
Depois de tudo, a falta de respeito pela evidência empírica de uma natureza humana se traduz psicologicamente e socialmente em uma cultura da mentira e do poder político, não em uma cultura que valore a verdade e a justiça. Dito com outras palavras, de que negar ou desconsiderar a natureza humana é o mesmo que recusar (deliberadamente) a própria humanidade da vida, da moral, do direito e da justiça.
Pós-doutor em Teoría Social, Ética y Economia pela Universidade Pompeu Fabra; Doutor em Filosofía Jurídica, Moral y Política pela Universidade de Barcelona; Mestre em Ciências Jurídico-civilísticas pela Universidade de Coimbra; Pós-doutorado e Research Scholar do Center for Evolutionary Psychology da University of California/Santa Barbara;Research Scholar da Faculty of Law/CAU- Christian-Albrechts-Universität zu Kiel-Alemanha;Especialista em Direito Público pela UFPa.; Professor Titular Cesupa/PA (licenciado); Professor Colaborador Honorífico (Livre Docente) e Investigador da Universitat de les Illes Balears/Espanha (Etologia, Cognición y Evolución Humana / Laboratório de Sistemática Humana/ Evocog. Grupo de Cognición y Evolución humana/Unidad Asociada al IFISC (CSIC-UIB)/Instituto de Física Interdisciplinar y Sistemas Complejos/UIB; Membro do Ministério Público da União /MPT (aposentado); Advogado.
Doutora em Humanidades y Ciencias Sociales (Cognición y Evolución Humana)/ Universitat de les Illes Balears- UIB/Espanha; Mestra em Cognición y Evolución Humana/ Universitat de les Illes Balears- UIB/Espanha; Mestra em Teoría del Derecho/ Universidad de Barcelona- UB/ Espanha; Investigadora da Universitat de les Illes Balears/Espanha (Etologia, Cognición y Evolución Humana / Laboratório de Sistemática Humana/ Evocog. Grupo de Cognición y Evolución humana/Unidad Asociada al IFISC (CSIC-UIB)/Instituto de Física Interdisciplinar y Sistemas Complejos/UIB).
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