André Pinheiro Costa [1]
Rodrigo Soares de Brito Rios [2]
Orientador: Cleonalto Gil Barbosa [3]
Resumo: O presente estudo tem por objetivo analisar o direito real de laje, recém-inserido no ordenamento jurídico brasileiro pela MPV nº 759/2016, convertida, posteriormente, na Lei nº 13.465/2017. Visando a atender o objetivo geral deste trabalho, busca-se desconstruir os paradigmas existentes acerca dos direitos reais, principalmente sobre o direito de propriedade, e reconstruí-los a partir da ampliação do conceito de direito real sobre coisa própria, como forma de consolidar o direito fundamental à moradia nas periferias brasileiras. A resposta para a problemática abordada neste trabalho permite uma percepção dos impactos que a definição da natureza jurídica do direito de laje pode gerar na sua função como instrumento de regularização fundiária, especialmente nos aglomerados urbanos das grandes cidades brasileiras. Faz-se oportuno ressaltar que este trabalho se trata de pesquisa bibliográfica, tendo por base a análise de obras doutrinárias relacionadas ao tema.
Palavras-chave: Direito de laje. Direitos reais. Direito fundamental à moradia. Regularização fundiária das periferias.
Abstract: The present research aims to analyze the legal discipline of the right of the surface slab, recently regulated in Brazil by MPV nº 759/2016, later transformed into law nº 13.465/2017. With the purpose to meet the general objective outlined, this study seeks to deconstruct the paradigms about the rights in rem, mainly about property rights, and reconstruct them from the broadening of the concept of right in rem over own thing, as a way to consolidate the fundamental right to housing in brazilian slums. The answer to the problem addressed in this work allows the perception of the impacts that the definition of the legal nature of the surface slab right can generate as an instrument of land regularization, especially in the urban agglomerates of large brazilian cities. Furthermore, it is worth emphasizing that this work is a bibliographic research, based on the analysis of doctrinal works related to the theme.
Keywords: Surface slab right. Rights in rem. Fundamental right to housing. Land tenure regularization.
Sumário: Introdução; 1. Institutos jurídicos predecessores e correlatos ao Direito Real de Laje; 2. A disciplina legal do Direito Real de Laje; 2.1. Da constituição do Direito Real de Laje; 2.1.1. Das espécies de laje: laje em sobrelevação e laje em infrapartição; 2.2. Da extinção do Direito Real de Laje; 3. A natureza jurídica do Direito Real de Laje e os reflexos no direito à moradia; 3.1. A formação e a expansão desordenada das cidades brasileiras e o problema habitacional; 3.2. Surgimento do direito real de laje no direito brasileiro; 3.3. Do direito fundamental à moradia e o papel do Direito Real de Laje; 3.4. Da natureza jurídica: a laje como direito real sobre coisa alheia; 3.5. Da natureza jurídica: a laje como direito real sobre coisa própria e instrumento de consolidação do direito à moradia; 3.5.1. O Direito Real de Laje como nova modalidade de propriedade; 3.5.2. Dos caracteres e dos atributos do direito real de laje: uma concepção funcional da propriedade; Considerações Finais; Referências.
O presente trabalho tem por objeto o direito de laje, recém-inserido no ordenamento jurídico brasileiro pela MPV nº 759/2016, convertida, posteriormente, na Lei nº 13.465/2017. Trata-se de espécie de direito real, que consiste no novo estrato do edifício criado por meio da cessão da superfície superior ou inferior de uma propriedade, ensejando, assim, a criação de uma unidade autônoma para edificação.
Partindo dessa definição, este estudo visa a discutir acerca da natureza jurídica do instituto diante dos direitos reais já existentes; bem como, a relacionar a pertinência da sua criação frente aos problemas habitacionais enfrentados no Brasil.
Nesse diapasão, busca-se desconstruir os paradigmas existentes acerca dos direitos reais, principalmente sobre o direito de propriedade, e reconstruí-los a partir da ampliação do conceito de direito real sobre coisa própria, como forma de consolidar o direito fundamental à moradia nas periferias brasileiras.
Este estudo pretende, dentro de suas delimitações, responder a seguinte indagação: Quais são os impactos que a definição do direito de laje como direito real sobre coisa própria pode gerar em relação aos problemas habitacionais enfrentados no Brasil, principalmente no que se refere aos aglomerados urbanos das grandes cidades brasileiras?
Nessa vertente, o presente trabalho tem por objetivo geral examinar a abrangente e significativa discussão acerca do direito de laje, suas raízes jurídicas, bem como diferenciá-lo dos institutos similares existentes no Código Civil de 2002.
Considerando a relevância social do tema e as inovações teórico-doutrinárias trazidas pela sua criação, esta pesquisa torna-se importante, pois abrange de forma contundente as recentes discussões teóricas sobre o tema, sob a perspectiva civil-constitucional, apartando-se clássica visão monolítica e patrimonialista da propriedade.
Ademais, o presente estudo pretende não só definir a natureza jurídica do direito de laje, mas, sob um viés constitucional, traçar os impactos que o instituto traz aos destinatários da sua criação, isto é, uma vez definida a sua natureza jurídica, visa-se perquirir os impactos sociais gerados por esta definição.
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica que tem por base a análise de obras relacionadas ao tema, adotando como suporte doutrinário, dentre outras, as obras dos autores Cristiano Chaves de Farias, Martha El Debs e Wagner Inácio Dias (2018), Eduardo C. Silveira Marchi (2018), Nelson Rosenvald e Felipe Braga Netto (2020) e Patrícia André de Camargo Ferraz (2018).
Dessa forma, mediante a análise extensiva do direito de laje, busca-se demonstrar a sua natureza jurídica e a importância da sua criação, mediante o reexame de temas consolidados no âmbito do direito das coisas, propondo uma abordagem civil-constitucional da temática, como forma de efetivação e adequação social da norma jurídica.
O direito real de laje, na lição de Cristiano Chaves de Farias, Martha El Debs e Wagner Inácio Dias (2018, p. 22), também denominado como “puxadinho”[4], pode ser conceituado como “a nova lâmina de propriedade criada através da cessão, onerosa ou gratuita, da superfície superior ou inferior de uma construção (seja ela sobre o solo ou já em laje) por parte do proprietário (ou lajeário) da mesma”, ensejando, assim, a criação de uma unidade autônoma para realização de nova edificação.
Nesse sentido, consoante dispõe o caput do art. 1.510-A do Código Civil (BRASIL, 2002), incluído pela Lei nº 13.465/17, “o proprietário de uma construção-base poderá ceder a superfície superior ou inferior de sua construção a fim de que o titular da laje mantenha unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo”.
Todavia, antes de adentrar ao estudo acurado do instituto introduzido pela Medida Provisória nº 759, de 22 de dezembro de 2016, e, posteriormente, pela Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017, é imprescindível a análise dos institutos jurídicos de direito real preexistentes à inserção do Direito de Laje no ordenamento jurídico brasileiro.
Isto porque a compreensão do direito de laje como um direito real imobiliário in re própria, que consiste, segundo a lição de Patrícia André de Camargo Ferraz (2018), em verdadeiro desdobramento do direito de propriedade, contendo todos os seus atributos e características, bem como as justificativas jurídico-sociais que ensejaram o seu surgimento, pressupõe uma necessária análise do contexto histórico-legislativo que o precedeu.
Assim, considerando que os dispositivos legais que disciplinam o direito de laje no Código Civil trazem regras mistas e “tomadas dos direitos de propriedade, de superfície, de laje e do condomínio edilício” (FERRAZ, 2018, p. 40), a análise da razão de ser de tais institutos, especialmente da superfície e do condomínio, por ora, torna-se de fundamental importância para construção da base teórica do presente trabalho.
Resumidamente, a finalidade principal de cada um desses institutos é/era garantir o melhor aproveitamento do solo, seja ele urbano ou rural. Tal perspectiva pode ser notada com mais evidência na enfiteuse e no direito de superfície.
A enfiteuse, por exemplo, conserva em seu núcleo o atributo da perpetuidade. Tal atributo (perpetuidade), para Nelson Rosenvald e Felipe Braga Netto (2020, p. 1983), “não se concilia com a necessária circulação de bens de produção”, bem como estimula o desuso do imóvel, em contrariedade às razões que ensejaram o surgimento da enfiteuse, ao tempo em que “o direito de superfície é um instrumento que demanda a funcionalização do imóvel” (MAZZEI, 2007, p. 259).
Quanto ao condomínio, conforme ressalta Silvio de Salvo Venosa (2013), este também se mostra instituto adequado para garantir a coexistência de propriedades autônomas num mesmo espaço físico, especialmente o condomínio edilício e o de lotes, haja vista os fenômenos pulsantes da explosão demográfica, aumento das zonas urbanas e do avanço nas técnicas de construção civil.
Vale ressaltar que nenhum dos institutos dos quais o direito real de laje importa regramentos foi suficiente para regulamentar a situação das comunidades habitacionais. Isto porque não são instrumentos adequados a garantir o reconhecimento oficial do direito de laje, tão comum em periferias.
O anseio popular em ter garantida a sua moradia demonstrava a necessidade de regulamentação legal para o fenômeno social da laje. Nesse sentido, “é natural do ser humano querer que o local onde se abriga seja exclusivamente seu, o que significa excluir os demais indivíduos da possibilidade de fazer ingerências sobre seu espaço” (FERRAZ, 2018, p. 37).
Nesse cenário, o direito real de laje apresenta-se como instrumento eficaz para garantir a regulamentação das moradias irregulares, de forma que a análise de suas particularidades, bem como da sua natureza jurídica é de fundamental importância para compreensão da amplitude do instituto.
2. A disciplina legal do Direito Real de Laje
Na lição de Eduardo C. Silveira Marchi (2018, p. 12), o direito real de laje consiste na “divisão da propriedade imobiliária, em sentido horizontal, ou seja, por planos horizontais ou andares”. Em outras palavras, segundo Marchi (2018, p. 12), trata-se da “porção horizontalmente delimitada de uma construção ou mesmo do espaço (aéreo) sobrejacente a um solo ou mesmo subjacente a ele (subsolo)”.
A definição doutrinária do instituto jurídico sob análise, acima exemplificada, apresenta-se satisfatória, em múltiplos aspectos, de forma que os conceitos elaborados extrapolam o âmbito estritamente legal para traduzir a amplitude do novo direito real e todas as suas possibilidades de aplicação.
Tamanha a importância e amplitude do direito real de laje que a doutrina, capitaneada pela obra de Marchi (2018), o define como sendo a mais importante inovação legislativa dos últimos anos, no campo do direito das coisas.
Assim, uma figura jurídica de tamanha estatura no direito civil brasileiro deve ser estudada com afinco, mediante a análise dos dispositivos legais que o disciplinam, abrangendo desde a sua gênese legislativa e os dispositivos legais respectivos, até os enquadramentos e classificações doutrinárias a respeito do tema.
2.1 Da constituição do Direito Real de Laje
O direito sobre a laje ingressou no ordenamento jurídico brasileiro com status de direito real e, como tal, segundo o princípio do absolutismo, possui eficácia erga omnes, ou seja, é exercido contra todos.
Por ser absoluto, é exigível, para devida constituição do direito real de laje, o registro do título aquisitivo no respectivo Registro de Imóveis da situação do bem, segundo preceitua o art. 1.227 do Código Civil, em perfeita consonância com o princípio da publicidade.
Sendo assim, a efetiva constituição do direito real de laje dar-se-á com o registro do título aquisitivo no Registro de Imóveis. Nesse ponto, é importante ressaltar que a constituição da laje não é restrita apenas aos negócios jurídicos inter vivos, como parece apontar a redação do art. 1.227 do Código Civil, ao fazer menção aos arts. 1.245 a 1.247 da mesma codificação.
Isto porque, diversas são as formas de aquisição e constituição do direito real, consoante preceituam Farias, El Debs e Dias (2018, p. 98), segundo os quais,
“Seguindo a estrutura geral dos direitos reais, a laje pode ser adquirida, como regra, através de negócio jurídico celebrado entre o titular do imóvel originário (sottoposto, no dizer dos italianos) e o lajeário, com eficácia entre vivos (como um compra e venda ou doação) ou causa mortis (como no exemplo de um testamento). Em ambas as hipóteses, a laje será constituída pela vontade das partes envolvidas. Lado outro, também se pode adquirir a laje por usucapião (prescrição aquisitiva), quando presentes os requisitos exigidos pelas normas. Nesse caso, independe da vontade do titular do imóvel originário. Aqui, o lajeário se comportou durante o lapso temporal estabelecido como se titular da laje efetivamente fosse, adquirindo-a forçadamente, por decisão do juiz, em ação autônoma, submetida ao procedimento comum ordinário”.
Acerca da aquisição do direito real de laje por meio da prescrição aquisitiva da propriedade, registra Ferraz (2018, p. 91) que a modalidade de usucapião[5] varia de acordo com “o tempo, natureza e origem da posse, o uso dado ao imóvel, a sua área e o patrimônio imobiliário do ocupante”, e prossegue afirmando que é possível a utilização da “forma extraordinária pura até a pró-família, a ser declarada judicial ou extrajudicialmente”.
Noutra senda, além das hipóteses acima elencadas (compra e venda, doação, transmissão causa mortis e usucapião), não se pode olvidar da desapropriação, que, embora “esteja elencada dentre as formas de perda da propriedade, para o Poder Público, ela é forma originária de aquisição” (FERRAZ, p. 90, 2018).
Outrossim, vale ressaltar que a aquisição do direito real de laje também pode se dar mediante o casamento ou união estável, especialmente quando submetidos ao regime de comunhão universal de bens, bem como pode surgir em situações inusitadas de separação ou divórcio (FERRAZ, 2018).
Acerca da instituição do direito real de laje por ato entre vivos (compra e venda ou doação), é importante destacar que a lei não exige, tal qual para a constituição do direito real de superfície, que o negócio aquisitivo seja realizado mediante escritura pública, podendo ser realizado mediante instrumento particular, a depender do valor do imóvel.
Para as formas de constituição e/ou aquisição do direito real de laje causa mortis (inventário e partilha extrajudiciais), bem como nos casos da sua instituição em razão da dissolução de casamento ou união estável, a escritura pública será a forma exigível para tal, consoante recomenda Ferraz (2018), sob pena de nulidade do ato.
O direito real de laje poderá ser constituído ainda mediante a utilização dos instrumentos de regularização fundiária, instituídos pela lei nº 13.465/2017, a exemplo do Reurb de Interesse Social (Reurb-S)[6], por meio do qual será transmitida, a determinados beneficiários, a propriedade da laje sobre determinada unidade imobiliária, com o respectivo registro, ao seu ocupante.
Percebe-se, portanto, que diversas são as formas de constituição, aquisição e transmissão do direito real de laje, não pretendendo o presente estudo esgotá-las, especialmente por se tratar de um instituto jurídico recém inserido no ordenamento jurídico brasileiro.
2.1.1 Das espécies de laje: laje em sobrelevação e laje em infrapartição
O caput do art. 1.510-A do Código Civil estabelece que o proprietário da construção-base poderá ceder a superfície superior ou inferior de sua construção para fins de constituição de uma unidade imobiliária autônoma denominada como laje, com matrícula própria e desatrelada no imóvel sobre ou sob a qual foi instituída.
O termo laje empregado pelo legislador deve ser compreendido de maneira extensiva, haja vista que não denota simplesmente o sentido gramatical da expressão[7], mas o sentido legal em que ela foi empregada no código civil. Tal análise semântica é realizada por Ferraz (2018, p. 56), que assevera:
“Com efeito, o termo “laje” não se resume à cobertura da construção base ou de outra unidade imobiliária, mas também compreende a laje armada no solo ou subsolo. Essas figuras – pavimento, cobertura e subsolo – são fictamente despregadas da acessão principal – base – e de outras unidades imobiliárias do mesmo prédio para se transformarem em unidades autônomas em relação às demais”.
Daí se infere que dois são os tipos de laje disciplinados pelo Código Civil, a laje em sobrelevação e a laje em infrapartição. Aquela se refere à laje constituída diretamente acima da construção-base. Esta é referente ao direito de laje constituído abaixo do nível do imóvel, no subsolo.
Farias, El Debs e Dias (2018, p. 183), em comentário ao caput do art. 1.510-A do Código Civil, assentam que o legislador “permitiu que o direito real de laje poderá ser instituído acima do imóvel, ou seja, em direção ascendente ou a partir do solo dessa construção em direção subterrânea da denominada construção-base, confirmando assim, a função social da propriedade”.
A unidade autônoma resultante da constituição do direito real de laje abrange, nos termos do art. 1.510-A, § 1º, do Código Civil (BRASIL, 2002), “espaço aéreo ou o subsolo de terrenos públicos ou privados, tomados em projeção vertical, como unidade imobiliária autônoma”.
Trata-se de ruptura do consagrado princípio da superficies solo cedit, segundo o qual, caso fosse aplicado à constituição do direito real de laje, o espaço aéreo ou o subsolo restantes, pertenceriam ao proprietário da construção-base, posto que tudo que acede ao pertence ao proprietário, em regra.
Entretanto esta não foi a lógica adotada pelo legislador. A constituição da laje representa a ruptura, em uma projeção vertical, do princípio supramencionado, de forma que o espaço aéreo ou subsolo restantes, diretamente acima ou abaixo da unidade autônoma instituída, pertencem ao lajeário.
Sobre o tema, Marchi (2018, p. 37-38) tece as seguintes considerações acerca da ruptura do princípio da superficies solo cedit pelo legislador:
“Em relação ao espaço aéreo, parece-nos, apenas a título de reflexão – ad argumentandum tantum – que, em teoria, deveria permanecer no domínio do dono da construção-base. […]
De um lado, por uma razão jurídica que se fundamenta, mais uma vez, no conhecido princípio superficies solo cedit e, portanto, na regra geral, constante do nosso CC/02, de que o acessório deve seguir o principal: o principal, como sabemos, é representado pelo solo, cujo proprietário continua sendo o dono da construção-base, mesmo depois da cessão da superfície superior. Assim, o espaço aéreo restante deveria caber a esse último. […]
Não foi esse, todavia, o caminho seguido pelo legislador pátrio, que preferiu atribuir o espaço aéreo restante ao adquirente da superfície superior, concedendo, porém – menos mal -, poder veto, em relação à construção de uma segunda laje, aos donos da construção-base e das outras eventuais lajes inferiores”.
Dessa forma, poderá o lajeário instituir sobrelajes acima ou abaixo da unidade autônoma que titulariza, desde que, nos termos do § 6º do art. 1.510-A do Código Civil (BRASIL, 2002), “haja autorização expressa dos titulares da construção-base e das demais lajes, respeitadas as posturas edilícias e urbanísticas vigentes”.
É certo que tal constituição deve respeitar as posturas edilícias e urbanísticas vigentes, bem como o potencial construtivo do imóvel como um todo, tanto que o art. 1510-B do Código Civil (BRASIL, 2002) veda expressamente que realização “obras novas” prejudiciais ao edifício ou “com falta de reparação a segurança”. Registre-se que “a MP 759/2016 claramente impossibilitava as chamadas ‘sobrelevações sucessivas’” (FARIAS; EL DEBS; DIAS, 2018, p. 188).
Visando a evitar conflitos entre o lajeário, o lajeado[8] e os demais lajeários, a lei exige a anuência expressa destes, para fins de constituição de sobrelajes. Vale ressaltar que, caso a recusa seja injustificada ou infundada, “é possível ao juiz supri-la, após a audição de todos os interessados, evitando excessos ou abusos” (FARIAS; EL DEBS; DIAS, 2018, p. 142).
Ademais, a unidade autônoma da laje não contempla as demais áreas edificadas no terreno sobre o qual está estabelecida a construção-base, bem como as áreas não pertencentes ao proprietário da construção-base, consoante dispõe o § 1º do art. 1.510-A do Código Civil (BRASIL, 2002). Portanto, “as edificações que se projetem horizontalmente além da construção base – unidades independentes – não podem ser objeto de DPL” (FERRAZ, 2018, p. 57).
Da mesma forma, nos termos do art. 1.510-A, § 4º, do Código Civil (BRASIL, 2002), “a instituição do direito real de laje não implica a atribuição de fração ideal de terreno ao titular da laje ou a participação proporcional em áreas já edificadas”. Assim, não existe a figura da propriedade comum no direito real de laje.
Diversamente do condomínio edilício, o lajeário não possui fração ideal no terreno sobre o qual está estabelecida a construção-base. Assim, “em um edifício com direitos de laje somente há propriedades individuais ou autônomas”, de maneira que “há uma total desconexão da laje e o terreno, gerando uma perfeita propriedade em três dimensões” (ROSENVALD; BRAGA NETTO, 2020, p. 1537).
Lado outro, é possível ainda que o direito real de laje seja constituído em terrenos públicos, tal qual disposto no art. 1.510-A, § 1°, do Código Civil (BRASIL, 2002), de maneira que “esta menção parece indicar que até mesmo o Estado poderá, querendo ‘ceder a superfície superior ou inferior’ de imóveis a ele pertencentes” (MARCHI, 2018, p. 113). Esta possibilidade dá ao direito real de laje amplas possibilidades de utilização de grande relevância social, especialmente em grandes cidades.
2.2 Da extinção do Direito Real de Laje
Do mesmo modo que o legislador não especificou a formas de constituição do direito real de laje, não há nenhuma disposição legal que discrimine expressamente todas os modos de extinção da laje, havendo apenas uma disciplina restrita às hipóteses de ruína do edifício.
Assim, consoante recomenda Ferraz (2018, p. 122-123), “as hipóteses de extinção da propriedade elencadas no art. 1.275 do CC aplicam-se in totum à propriedade de laje”. São elas: a alienação, a renúncia, o abandono, a desapropriação e o perecimento da coisa.
A alienação, a renúncia e o abandono são hipóteses de extinção do direito real de laje de modo voluntário. Aquela (alienação) consiste na transferência da laje, por negócio jurídico, a título oneroso ou gratuito, a terceiro. Essa (renúncia) ocorre por meio de “ato unilateral pelo qual o titular abre mão de seus direitos sobre a coisa, de forma expressa” (GONÇALVES, 2017, p. 331).
Já no abandono, a renúncia ao direito real de laje ocorre, por ato unilateral, de modo tácito. Segundo Farias, El Debs e Dias (2018, p. 225), “não basta a mera desídia ou omissão do lajeário para que o abandono reste configurado. A intenção de se desfazer da coisa deve ser patente, manifestada em atos que evidenciem o total despropósito de conservar o bem em seu patrimônio”, a exemplo do não pagamento de tributos.
A desapropriação é o modo de perda involuntária da propriedade, segundo a necessidade e utilidade públicas ou o interesse social. Trata-se, de acordo com Gonçalves (2017, p. 332-333), de “instituto de direito público, fundado no direito constitucional e regulado pelo direito administrativo, mas com reflexo no direito civil por determinar a perda de propriedade do imóvel, de modo unilateral, com a ressalva a prévia e justa indenização”.
A extinção do direito real de laje por perecimento do objeto também constitui forma involuntária, haja vista que “perecendo o objeto, extinto estará também o direito” (ROSENVALD; BRAGA NETTO, 2020, p. 1546). Neste ponto, o Código Civil trouxe disposição expressa acerca dos efeitos da ruína da construção-base, da seguinte forma:
“Art. 1.510-E. A ruína da construção-base implica extinção do direito real de laje, salvo: I – se este tiver sido instituído sobre o subsolo; II – se a construção-base não for reconstruída no prazo de cinco anos.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não afasta o direito a eventual reparação civil contra o culpado pela ruín” (BRASIL, 2002).
O inciso I do artigo retrotranscrito reforça a autonomia do direito real de laje em relação à construção-base, especialmente pelo fato da sua ruína não implicar a extinção da laje em infrapartição. No entanto, a ruína da unidade sotoposta, poderá implicar a extinção da construção-base.
Nesse sentido, Farias, El Debs e Dias (2018, p. 220) asseveram:
“O primeiro ponto de destaque é a plena autonomia da laje em infrapartição face à construção-base, fazendo com que mesmo a destruição desta não tenha qualquer efeito sobre a existência daquela. A laje em infrapartição, assim, pode-se afirmar, seja plenamente autônoma em relação à construção-base, se considerado a inexistência de dependência física entre elas. Na realidade, se houver qualquer dependência física esta se dará em desfavor da construção-base, que poderá ser afetada se a estrutura da laje em infrapartição for prejudicada”.
É imperioso ressaltar que a dependência entre a construção-base e a laje infrapartida é decorrente unicamente da forma do edifício, de maneira que não há qualquer efeito na autonomia ou na classificação de tais institutos, muitos menos torna a construção-base acessória à laje infrapartida, e vice e versa.
Daí decorre a conclusão de que o inciso II do mesmo dispositivo cria um dever ao lajeado, em caso de ruína da construção-base, de reconstruí-la no prazo de 5 (anos), podendo ainda ser responsabilizado civilmente, caso tenha concorrido com culpa para a ruína do edifício[9].
Não é outro o entendimento de Rosenvald e Braga Netto (2020, p. 1544):
“Em não edificando no prazo máximo de 5 anos (prazo este imutável) estará o primeiro lajeário autorizado a reconstruir a edificação base, devendo para tanto respeitar os limites previamente existentes, uma vez que não lhe á autorizado ocupar nenhum outro espaço do terreno. A forma estabelecida no inciso segundo cria nova espécie de mecanismo de perda (parcial) da propriedade pelo titular da construção-base e forma de aquisição da propriedade em favor do lajeário”.
É evidente que o direito de laje pode ser extinto, todavia, segundo prelecionam Farias, El Debs e Dias (2018, p. 220), não se pode negar “a vedação, legalmente reconhecida, de que o proprietário da construção-base, por sua simples vontade, sem a concordância do lajeário envolvido, venha a pôr fim ao direito deste”.
Assim, sendo a laje autônoma em relação à construção-base, não seria razoável que o proprietário desta pudesse pôr fim àquela por sua vontade. Ademais, a perpetuidade do direito real de laje implica o reconhecimento de que este somente poderá ser extinto pelas hipóteses elencadas em lei ou pela vontade exclusiva do seu titular.
Discorrer sobre os dispositivos legais que disciplinam o direito real de laje denota a riqueza e a importância desse instituto jurídico recém inserido no ordenamento jurídico nacional, especialmente para a regulação de situações comuns nas periferias das grandes cidades brasileiras, assunto será tratado com mais detalhes no capítulo subsequente.
3. A natureza jurídica do Direito Real de Laje e os reflexos no direito à moradia
A análise da disciplina legal do direito real de laje, na forma realizada no tópico anterior, é de fundamental importância para a compreensão da sua operacionalização no plano concreto, suas nuances e peculiaridades, bem como para verificar os pontos comuns desse instituto com os demais de direito real.
Todavia, não é suficiente para visualizar a amplitude do novo direito de laje e a relevância da sua criação, especialmente em relação aos problemas de moradia e de regularização fundiária nas grandes cidades brasileiras. Tal verificação somente é possível mediante a definição da natureza jurídica do direito de laje, tarefa não realizada com clareza pelo legislador, incumbindo à doutrina e jurisprudência fazê-lo.
Antes, no entanto, torna-se imprescindível a análise das razões históricas que levaram à necessidade de uma figura jurídica da envergadura do direito de laje, objeto deste estudo, como forma de verificar a sua real função de instrumento de consolidação do direito fundamental à moradia.
3.1 A formação e a expansão desordenada das cidades brasileiras e o problema habitacional
O Brasil, desde a sua gênese, estabeleceu-se fundamentalmente como uma civilização urbana[10]. Embora a economia do Brasil-colônia fosse, majoritariamente, de base agrária, as cidades foram criadas no território nacional pela Coroa Portuguesa com a função inicial de proteção da costa e de consolidação do domínio português mediante a gerência da colônia.
Na lição de Darcy Ribeiro (2015, p. 147), as cidades brasileiras correspondiam a “centros de dominação colonial criados, muitas vezes, por ato expresso da Coroa para defesa da costa, como Salvador, Rio de Janeiro, São Luís, Belém, Florianópolis e outras”. Assim, incialmente, as cidades não serviam como moradia para grande parte da população, nem possuíam preparação para tal.
As principais edificações dos centros urbanos eram “igrejas, conventos e fortalezas, que constituíam, também, seu principal atrativo” (RIBEIRO, 2015, p. 147). A população urbana fixa era composta basicamente por funcionários da corte, eclesiásticos, mecânicos e mercadores, que apenas residiam nas cidades por obrigação inerente ao ofício que exerciam.
Os grandes latifundiários, por sua vez, residiam em suas propriedades rurais, juntamente com agregados. A ida às cidades era reservada aos períodos de festejos, solenidades e procissões. Segundo Sérgio Buarque de Holanda (2014, p. 106), “a pujança dos domínios rurais comparada à mesquinhez urbana, representa fenômeno que se instalou aqui com os colonos portugueses, desde que se fixaram à terra”.
A realidade das cidades brasileiras mudou radicalmente com a expansão populacional e o intenso êxodo rural, impulsionada por fatores históricos do século XIX e do início do século XX, como a Guerra de Secessão nos Estados Unidos, a abolição da escravatura, a imigração de europeus para o Brasil e o processo industrialização nacional.
Segundo Ribeiro (2015, p. 146), “a crise de desemprego que ocorre na Europa na passagem do século nos manda 7 milhões de europeus. […] Foram eles que promoveram o primeiro surto de industrialização, que mais tarde se expandiria com a industrialização substitutiva das importações”. Como consequência, a população brasileira cresceu vertiginosamente no início do século XX, passando de 30,6 (trinta milhões e seiscentos mil), em 1920, para 70,9 (setenta milhões e novecentos mil), em 1960[11].
Já a população urbana passou de 12,8 (doze milhões e oitocentos mil), em 1940, para 80,5 (oitenta milhões e quinhentos mil), em 1980, enquanto que, segundo assevera Ribeiro (2015, p. 150), a população rural reduziu drasticamente, passando, “no mesmo período, de 28,3 milhões para 38,6 e é, agora, 35,8 milhões. Reduzindo-se, em números relativos, de 68,7% para 32,4% e para 24,4% do total”, percentual este que passou a representar 15,28% (quinze vírgula vinte e oito por cento) da população total no séc. XXI, segundo Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo IBGE em 2015[12].
Além dos fatores históricos já mencionados, o extenso processo de urbanização pelo qual passou o Brasil teve como principais fundamentos econômico-sociais a mecanização da produção agrícola, a monocultura e o monopólio de terras por latifundiários, trazendo grande contingente de pessoas para os centros urbanos sem qualquer estrutura para tal[13].
Sobre o tema, Ribeiro (2015, p. 150-152) traz a seguinte lição:
“Esse crescimento explosivo entra em crise em 1982, anunciando a impossibilidade de seguir crescendo economicamente sob o peso das constrições sociais que deformavam o desenvolvimento nacional. Primeiro, a estrutura agrária dominada pelo latifúndio que, incapaz de elevar a produção agrícola ao nível do crescimento da população, de ocupar e pagar as massas rurais, as expulsa em enormes contingentes do campo para as cidades, condenando a imensa maioria da população à marginalidade”.
O resultado do processo de urbanização caótico e desordenado é a falta de emprego para todos e, via de consequência, de moradia para a população advinda do campo, haja vista que as cidades brasileiras não possuíam estrutura econômico-social para abrigar tantas pessoas repentinamente. Nesse cenário, a formação de favelas, longe dos centros comerciais e sem qualquer regulação fundiária, é processo inevitável, especialmente por se apresentar como modo de sobrevivência para a população desamparada.
Ribeiro (2015, p. 154-155) descreve o processo de formação das favelas da seguinte forma:
“A própria população urbana, largada a seu destino, encontra soluções para seus maiores problemas. Soluções esdrúxulas, é verdade, mas são as únicas que estão a seu alcance. Aprende a edificar favelas nas morrarias mais íngremes fora de todos os regulamentos urbanísticos, mas que lhe permitem viver junto aos seus locais de trabalho e conviver como comunidades humanas regulares, estruturando uma vida social e orgulhosa de si. Em São Paulo, onde faltam morrarias, as favelas se assentam no chão lisos de áreas de propriedade contestada e organizam-se socialmente como favelas. Resistem quanto podem a tentativas governamentais de desalojá-los e exterminá-las. Quem puder oferecer 1 milhão de casas, terá direito de falar em erradicação de favelas”.
Assim, as favelas passaram constituir uma realidade a ser enfrentada no Brasil. Ocorre que, ao mesmo tempo em que garantem moradia para a população de baixa renda, encontram-se à margem da lei, no que tange à ocupação do solo e à regularidade fundiária, dificultando, assim, a garantia plena do direito constitucional à moradia adequada.
Tanto é assim que, segundo levantamento realizado pelo Ministério das Cidades[14], em 2016, o Brasil possuía mais de 50% (cinquenta por cento) dos seus imóveis urbanos com alguma irregularidade fundiária, daí decorrendo que aproximadamente 100 (cem) milhões de pessoas moravam em imóveis irregulares e, via de consequência, estavam privadas de algum tipo de equipamento urbano ou comunitário.
Era necessária a adoção de medidas efetivas pelo Estado, que fossem suficientes para efetivar a regularização fundiária, especialmente nas favelas brasileiras, e consolidar o direito constitucional à moradia adequada para a população desamparada. Nesse cenário, a criação do direito real de laje representou grande avanço na efetivação dos referidos direitos.
3.2 Surgimento do direito real de laje no direito brasileiro
O direito real de laje foi introduzido no Brasil, inicialmente, por meio da Medida Provisória nº 759, de 22 de novembro de 2016, editada pelo Presidente da República, a partir dos debates realizados pelo grupo técnico de trabalho denominado Rumos da Política Nacional de Regularização Fundiária, composto por 16 membros, conforme designação da Portaria nº 326/2016[15], do Ministério das Cidades.
O mencionado grupo de trabalho foi formado com o objetivo de debater propostas de alteração do marco legal de regularização fundiária no Brasil, bem como definir as diretrizes e metas para a Política Nacional de Regularização Fundiária, consoante determinação da norma supramencionada.
A discussão teve como ponto de partida a constatação de que a expansão dos centros urbanos no Brasil gerou grande descumprimento das normas pertinentes ao parcelamento do solo urbano, ocasionando em irregularidade fundiária, definida por Leo Vinícius Pires de Lima (MARCHI; KÜMPEL; BORGARELLI, 2019, p. 48) como sendo “toda ocupação imobiliária perpetrada por terceiro de maneira informal e sem título jurídico ou autorização do proprietário”.
A narrativa disposta no tópico anterior denota o crescimento caótico pelo qual passaram os grandes centros urbanos no Brasil, gerando o surgimento de favelas e comunidades ao alvedrio da lei, além de fomentar a construção de habitações irregulares, o que impede a consolidação do direito constitucional à moradia.
Como é cediço, a irregularidade fundiária e ocupacional pode representar grande óbice ao desenvolvimento nacional e humanitário, especialmente porque “a moradia é relevante para os humanos, integrando a sua própria personalidade”. Assim, “ter uma referência no espaço é uma necessidade pessoal” (FARIAS; EL DEBS; DIAS, 2018, p. 37).
Na lição de Pires de Lima (MARCHI; KÜMPEL; BORGARELLI, 2019, p. 49),
“A irregularidade ocupacional, em casos extremos, impede a justa distribuição dos serviços públicos e o exercício dos mais basilares direitos de cidadania: sem um comprovante de endereço, as populações das áreas informais ficam à margem da sociedade, sem poder contar sequer com acesso ao serviço de distribuição de correspondências ou distribuição regular de energia elétrica, água e coleta de esgoto. Sem um domicílio formal, sequer conta bancária pode ser aberta”.
Nesse contexto é que o direto real de laje foi inserido no direito brasileiro, como sendo, nos termos da exposição de motivos da MPV nº 759[16] (BRASIL, 2016), “mecanismo eficiente para a regularização fundiária de favelas”, surgido com o objetivo de adequar o “direito à realidade brasileira, marcada pela profusão de edificações sobrepostas”.
O texto da Medida Provisória submetido ao legislativo, pelo Presidente da República, sofreu profundas alterações durante o trâmite no Congresso Nacional, contanto com a colaboração de diversos juristas e, no que tange ao direito real de laje, “a lei fez o esforço de copiar a realidade ao dedicar quase um capítulo inteiro ao direito de laje, bem como abandona a ideia original de direcioná-lo exclusivamente à regularização fundiária” (FERRAZ, 2018, p. 39-40).
A Medida Provisória, acima tratada, foi convertida na lei n° 13.465, de 11 de julho de 2017, a qual, dentre outras alterações, inseriu o direto real de laje no rol dos direitos reais do art. 1.225 do Código Civil, além de acrescentar o Título XI ao Livro III da mesma codificação, dedicado exclusivamente à disciplina da laje, dispositivos estes que foram analisados extensivamente no capítulo anterior, e que constituem instrumentos eficazes para operacionalização do direito constitucional à moradia, consoante se verá.
3.3 Do direito fundamental à moradia e o papel do Direito Real de Laje
O direito à moradia é uma espécie de direito fundamental de segunda dimensão e que, em razão de tal classificação, exige do Estado uma postura ativa para efetivar o seu cumprimento no plano concreto. Ademais, por estar classificado como um direito social, tem por objetivo precípuo garantir que as camadas mais carentes da população tenham acesso aos seus efeitos mediante a atuação positiva dos poderes públicos.
Na lição de Sylvio Motta (2018, p. 411), os direitos sociais, tais qual o direito à moradia, “vinculam-se […] ao princípio da igualdade, significando que o Estado deve garantir aos mais fracos e carentes as mínimas condições de uma existência digna, como exigência inarredável de um verdadeiro Estado Democrático de Direito”, reforçando a necessidade de atuação positiva dos poderes públicos para garantia a sua efetivação.
No Brasil, embora tenha sido reconhecido discretamente no art. 23, IX, da CFRB/88 (BRASIL, 1988), que dispõe ser de competência comum de todos os entes federativos a promoção de “programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”, somente passou a ter previsão expressa no texto constitucional a partir da Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000, que adicionou a moradia no rol dos direitos sociais do art. 6º da CFRB/88.
Na lição de José Afonso da Silva (2006, p. 314), “o direito à moradia significa ocupar um lugar como residência; ocupar uma casa, apartamento etc., para nele habitar” e prossegue afirmando que não basta a simples habitação, “exige-se que seja uma habitação de dimensões adequadas, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”.
Não basta, portanto, o simples direito à moradia. É necessário que ela seja adequada, caso contrário tal direito não será efetivado no plano social. Ocorre que tal predicado (adequada) não foi abarcado no texto constitucional, todavia é evidente que a supressão apontada não reduz a semântica e a abrangência do direito, mas revela a falta de compromisso do legislador com questões de ordem social, tais qual o problema da moradia.
Seguindo esse raciocínio, Ferraz (2018, p. 30) narra as consequências práticas do reconhecimento tardio da moradia como direito fundamental no Brasil:
“O reconhecimento constitucional brasileiro tardio revela o maltrato que esse direito sempre recebeu. Objetivamente, resulta em um deficit habitacional estimado – sempre meramente estimado – de mais de seis milhões de domicílios, agravado no curso da história ora pela ausência de políticas públicas voltadas para as transformações sociais que levaram ao rápido crescimento das cidades, como o êxodo rural, ora pela apatia institucional em relação aos problemas sociais, mascarada por discursos populistas e leis simbólicas.
Em agravo a esse quadro, somem-se outros tantos milhões de imóveis objeto de ocupações menos ou mais irregulares, precedidos ou não de contratos entre proprietários – públicos e privados – e ocupantes – privados e públicos, ou originados em contratos sem a formalização prevista em lei. São imóveis de todas as espécies, de luxuosas mansões a barracos precários, insalubres, à beira de córregos imundos, que colocam em risco a estabilidade das casas e a vida de seus ocupantes”.
Nesse cenário, o caráter prestacional do direito à moradia, manifestação da sua face positiva[17], revela-se fundamental para garantir sua efetividade no plano social, especialmente em razão das disposições constitucionais que fomentam a erradicação e o combate à marginalização e às desigualdades sociais e regionais, a exemplo do art. 3º, III, da CFRB/88. Para Silva (2006, p. 315), “não há marginalização maior do que não se ter um teto para si e para a família”.
Para analisar a atuação do Estado na garantia da moradia digna, Ferraz (2018) divide em três grupos aqueles que necessitam de auxílio público para ter acesso à moradia adequada. O primeiro grupo é composto por pessoas em situação de extrema pobreza e que não têm nenhum meio de acesso a qualquer direito imobiliário.
O segundo grupo é composto por “ocupantes de imóveis cujos direitos não estão formalizados”, e “os imóveis são produtos de parcelamentos do solo ou de empreendimentos ilegais” (FERRAZ, 2018, p.31). Já o terceiro grupo é compreende aqueles que possuem condições econômicas razoáveis, mas não têm condições de adquirir moradia sem auxílio institucional.
Para solucionar os problemas dos grupos sociais acima listados, “impôs-se a adoção de medidas que viessem a solucionar as carências dos diferentes interessados. Dentre elas, criaram-se o Sistema Financeiro de Habitação, SFH, o Sistema Financeiro Imobiliário, SFI” (FERRAZ, 2018, p.32), bem como outros instrumentos de incentivo de construção de moradias, voltados ao primeiro e ao terceiro grupo, os quais não são objeto do presente estudo.
Não obstante, faltava um instrumento jurídico de regularização fundiária, voltado especificamente ao segundo grupo, e que garantisse a regulamentação do “puxadinho” e do fenômeno da “venda de laje”, realidade amplamente presente nas favelas brasileiras.
Daí a importância do surgimento do direito real de laje na efetivação do direito à moradia digna. Isto porque, os institutos jurídicos até então existentes no ordenamento jurídicos, a exemplo do direito de superfície, a concessão de uso especial para fins de moradia[18] e a concessão de direito real de uso[19], não são instrumentos aptos a garantir a regulação fundiária de favelas e, via de consequência, sua aplicação subsidiária pouco ou nenhum efeito prático gerava.
Ademais, a falta de regulamentação da laje ou a aplicação subsidiária de institutos como o direito de superfície, gerava situações de grande instabilidade jurídica, na qual o titular da laje era impossibilitado de formalmente transmitir sua unidade a terceiros ou aos seus descendentes, seja em vida ou em decorrência da morte, além de não lhe garantir a propriedade sobre a sua própria habitação.
Nesse sentido, Farias e Rosenvald (2018, p. 654-655) tecem as seguintes considerações:
“A aplicação da superfície, alternativa que seguia ao beiral da lei, resta, agora, desnecessária além do que não se deve reconhecer a laje como uma espécie de superfície, mas um novo direito real, especial, com características próprias. A solução, a seu tempo, era fundamental para se tentar dar aos alijados mecanismos para a tutela de seu direito e um mínimo de possibilidade de aproveitamento econômico e transmissão com validade jurídica. Mas não era o suficiente.
O novel dispositivo, encartado na Lei nº 13.465/17, dá às dezenas de milhares de pessoas que se encontravam à margem da lei, possibilidade de, mediante formalização de escritura pública ou particular, registrar seu direito, de forma autônoma e passar a exercer, plenamente, os efeitos decorrentes de tal situação”.
Dessa forma, é possível notar a importância prática que o direito real de laje representa no ordenamento jurídico, especialmente por ser um meio efetivo à garantia do direito constitucional à moradia adequada, por meio da regularização de situações fáticas que se encontravam legalmente desamparadas.
Lado outro, embora as disposições legais que tratam do tema no Código Civil sejam claras quanto à operacionalização do direito real de laje, estas não são tão nítidas quanto à definição da natureza jurídica do instituto e a sua adequação no ordenamento jurídico pátrio, tarefa delegada à doutrina e à jurisprudência, ainda incipientes.
Assim, a definição da natureza jurídica do direito real de laje é grande importância para compreensão da sua extensão e dos seus reflexos diretos na consolidação do direito constitucional à moradia adequada e como instrumento eficaz não só à regularização fundiária nas favelas brasileiras, mas também à releitura do direito de propriedade.
3.4. Da natureza jurídica: a laje como direito real sobre coisa alheia
Parcela da doutrina[20] entende o direito real de laje como uma reprodução conceitual do preexistente direito real de superfície, analisado no primeiro capítulo, de forma que aquele constitui apenas uma modalidade deste, motivo pelo qual não havia sentido em inscrever, no Código Civil, como um novo direito real autônomo, um instituto jurídico já previsto.
O fundamento dessa conclusão reside no fato de que a suspensão dos efeitos da acessão, isto é, a possibilidade de construir ou plantar sobre solo alheio, já era um conceito abarcado pelo direito de superfície, motivo pelo qual a criação de instituto correlato, tal como o direito real de laje, apresentou-se sobremaneira inadequado e atécnico.
Seguindo esse raciocínio, Otávio Luiz Rodrigues Junior e Roberto Paulino Albuquerque Júnior (MARCHI; KÜMPEL; BORGARELLI, 2019, p. 201) lecionam:
“A crítica a se fazer é mais profunda. Se a laje é um direito real destacado da superfície, hoje ela se torna mais extensa que o direito do qual se originou, uma vez que abrange o subsolo e espaço aéreo, deixando à superfície apenas o solo. Trata-se de opção de política legislativa questionável, porém concretizada e vinculante ao intérprete.
Vale salientar a importância de se qualificar o direito de laje como um direito autônomo, cujo conteúdo, contudo, foi destacado do direito de superfície que originariamente o abrangia”.
Por consequência lógica, o direito real de laje, uma vez sendo confundido com o direito de superfície, possuiria características de direito real sobre coisa alheia, constituindo-se como mais uma espécie de direito de gozo e fruição, proveniente do desdobramento da propriedade.
Todavia, conforme já analisado, o direito brasileiro, no âmbito do direto de superfície, não admite a denominada sobrelevação ou superfície em segundo grau, não sendo possível a instituição de superfície sobre terreno já edificado ou plantado. Por esta e outras razões, o direito de superfície não se apresentava como instrumento adequado de regularização fundiária[21].
Assim, com a conversão da MPV nº 759/2016 na lei nº 13.465/17, e a inclusão dos dispositivos legais analisados no capítulo anterior, outra parcela da doutrina passou a reconhecer a autonomia do Direito Real de Laje em relação aos demais direitos reais[22], especialmente por dar notoriedade ao problema social relacionado ao crescimento urbano desordenado.
No entanto, o direito de laje ainda foi vislumbrado como desdobramento da propriedade, tal qual asseveram Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2019, p. 795):
“Imaginemos, a título meramente ilustrativo, o sujeito que constrói um segundo andar em sua casa, e, em seguida, transfere o direito sobre o mesmo, mediante pagamento, para um terceiro, que passa a morar, com a sua família, nessa unidade autônoma.
Não se tratando, em verdade, de transferência de ‘propriedade’ – que abrangeria, obviamente, o solo ou a área comum –, este terceiro passa a exercer direito apenas sobre o que se encontra acima da superfície superior da construção original, ou seja, sobre a laje”.
Tal conclusão decorre do fato de que, nos sistemas jurídicos de origem romano-germânica, impera o princípio da acessão ou superficies solo cedit, de forma que não se admite a propriedade separada do solo[23]. Assim, toda e qualquer construção realizada sobre ou sob a superfície pertenceria, como regra, ao proprietário do terreno, ou então seria um direito proveniente do desdobramento deste domínio.
Isto ocorre porque, para os romanos, a propriedade detinha um caráter político, isto é, cada terreno era equivalente a um mini Estado, cuja soberania era exercida pelo detentor do domínio. Segundo Marchi (2018, p. 50), “a propriedade romana, além de rechaçar qualquer influência ou ingerência externa, continha um poder absorvente (‘vis attractiva’) no âmbito do seu espaço físico […], tudo, enfim, se incorporava ao imóvel”.
Esta noção de propriedade foi trazida ao ordenamento jurídico brasileiro, sendo o princípio da acessão uma regra praticamente inderrogável, excepcionada discretamente pelo direito real de superfície, não sendo possível, portanto, a admissão de uma propriedade separada do solo e com titularidades diversas.
Dessa forma, sob a concepção clássica da propriedade, o direito real de laje não poderia ser visualizado como nova modalidade de direito real sobre coisa própria. Antes, teria de ser definido como sendo um direito real limitado, proveniente do desdobramento do domínio do proprietário da construção base.
Seguindo esse raciocínio, Gagliano e Pamplona Filho (2019, p. 795-796) discorrem acerca da natureza jurídica do novo direito real de laje:
“Trata-se, portanto, de um direito real sobre coisa alheia, com amplitude considerável – mas que com a propriedade não se confunde –, limitado à unidade imobiliária autônoma erigida acima da superfície superior ou abaixo da superfície inferior de uma construção original de propriedade de outrem”.
No mesmo sentido, a quarta turma do STJ, em agosto/2017, logo após a promulgação da lei nº 13.465/17, no julgamento do REsp nº 1.478.254/RJ, de relatoria do ministro Luís Felipe Salomão, seguindo a concepção doutrinária acima exposta, entendeu que o direito de laje era uma nova espécie de direito real sobre coisa alheia, consistindo, portanto, em um desdobramento da propriedade.
É o que se extrai do voto do relator:
“Nesse passo, como instrumento de função social, notadamente em razão da realidade urbanística brasileira, previu o legislador, recentemente, o direito real de laje (CC, art. 1225, XIII, redação da Lei 13.465⁄2017).
O foco da norma foi o de regulamentar realidade social muito comum nas cidades brasileiras, conferindo, de alguma forma, dignidade à situação de inúmeras famílias carentes que vivem alijadas de uma proteção específica, dando maior concretude ao direito constitucional à moradia (CF, art. 6°).
Criou-se, assim, um direito real sobre coisa alheia (CC, art. 1.510-A), na qual se reconheceu a proteção sobre aquela extensão – superfície sobreposta ou pavimento inferior – da construção original, conferindo destinação socioeconômica à referida construção.
A laje é unidade imobiliária autônoma que, em sua perspectiva funcional, deve ser uma célula habitacional distinta (isolada) da construção-base, possuindo, inclusive, matrícula própria (§ 3°).
Perfaz-se, assim, uma situação jurídica peculiar, na qual, na mesma área, coexistem unidades imobiliárias autônomas de titularidade distintas, sendo que, no tocante ao titular do direito de laje, responderá pelos encargos e tributos atinentes à sua área (§ 2°), podendo dela usar, gozar e dispor (§ 3°), bem como contribuir, proporcionalmente, com às taxas condominiais (despesas comuns de conservação e de serviços) (CC, art. 1.510-C)” (STJ, 2017).
Todavia, com o devido respeito aos posicionamentos doutrinários descritos ao julgado acima transcrito, vislumbrar o direito real de laje como uma espécie de desdobramento da propriedade (direito real sobre coisa alheia) e não como uma nova modalidade de direito real sobre coisa própria, reduz sobremaneira a potencialidade, a eficácia e a funcionalidade prática do novo instituto.
Nesse sentido, Farias, El Debs e Dias (2018, p. 54) tecem a seguinte crítica:
“Submetido a essa perspectiva reducionista, por óbvio, o direito de laje perderia muito de sua funcionalidade própria, restando amesquinhado pela natureza acessória e subordinada dos direitos reais de gozo e fruição, mantida a prevalência e superioridade hierárquica do direito de propriedade. Nota-se, sem maiores dificuldades conceituais, que tal perspectiva não corresponderia à efetiva situação existente no panorama urbanístico brasileiro – onde são detectadas situações concretas de interesses autônomos titularizados pelos lajeários”.
Torna-se, pois, necessária uma reanálise da concepção clássica da propriedade, como forma de adequá-la à realidade cotidiana e torná-la um instrumento efetivo de pacificação social e de garantia de direitos[24]. É preciso desconstruir as noções engessadas de institutos jurídicos, como forma de dar ao Direito a real função que a norma jurídica desempenha.
Assim, o Direito, como ciência social aplicada, deve sempre acompanhar a mobilidade social e se refazer de forma a atender à realidade. Na discussão ora aventada, reinterpretar o conceito de propriedade, para dar ao direito de laje a natureza de direito real sobre coisa própria, está em perfeita consonância com esta ideia adaptativa[25].
3.5. Da natureza jurídica: a laje como direito real sobre coisa própria e instrumento de consolidação do direito à moradia
Conforme exposto, a concepção do direito de laje como direito real sobre coisa alheia é sobremaneira reducionista e tende a dar ao instituto ora analisado a mesma inutilidade funcional, no âmbito das favelas, verificada na superfície, na concessão de direito real de uso e na concessão de uso especial para fins de moradia.
Essa conclusão decorre do fato de que os direitos reais de natureza limitada não são suficientes para garantir o pleno direito à moradia nas periferias, em sua perspectiva positiva, haja vista que somente a propriedade é instrumento eficaz para tal fim, qual seja, regularizar e dar segurança jurídica a situações que corriam à margem da lei.
Para Rosenvald e Braga Netto (2020, p. 1533), “mais do que uma simbologia, o registro do então fato social da laje como unidade autônoma, legaliza o gueto e converte o ‘outsider’ em membro da cidade formal”. Percebe-se, assim, que a pretensão da norma criadora do direito real de laje foi tornar o indivíduo proprietário formal da sua própria moradia[26], dando-lhe a segurança que com a mera posse ou com a titularidade de um direito real limitado não lhe era possível.
No entendimento de Marchi (2018, p. 113), não há justificativas para o reconhecimento do direito de laje como mero direito real limitado, sob o seguinte fundamento:
“O motivo, em essência, é um só: os favelizados querem o “velho e sempre novo” pleno direito de propriedade – e não a simples posse ou meros tipos de direitos reais sobre coisa alheia –, da mesma maneira como costumam tê-lo as brasileiras e brasileiros mais favorecidos (a minoria da população)”.
Tal raciocínio já tem sido utilizado pelo judiciário para reconhecer o direito real de laje como nova modalidade de direito real sobre coisa própria, ao lado da propriedade, conforme se constata do recente julgamento da apelação cível nº 0003156-06.2019.8.19.0202, da vigésima segunda câmara cível do TJ/RJ, de relatoria do desembargador Carlos Eduardo Moreira da Silva, o qual assentou as seguintes considerações em seu voto:
“Insta ser destacado, que inequivocamente o Direito Real de Laje não é um direito real sobre coisa alheia. É, sim, um novo Direito Real sobre coisa própria, ao lado do direito real de propriedade.
Com efeito, o Direito de Laje é um Direito Real de Propriedade e faculta ao seu titular todos os poderes inerentes à propriedade (usar, gozar e dispor), conforme art. 1.510-A, § 3º, do Código Civil. Ele terá, inclusive, uma matrícula própria no Registro de Imóveis, pois, conforme o princípio registral da unitariedade ou unicidade matricial, a cada imóvel deve corresponder apenas uma matrícula” (TJ-RJ, 2020).
Além dos fundamentos sociais e teleológicos que justificam a classificação do direito de laje como direito real sobre coisa alheia, diversos são os fundamentos jurídicos e principiológicos, que por si sós, são suficientes para possibilitar a releitura da propriedade e, via de consequência, o cumprimento da sua função social, conforme se passa expor.
3.5.1 O Direito Real de Laje como nova modalidade de propriedade
De início, cumpre ressaltar que, no presente trabalho, não se pretende advogar a favor da revogação do princípio da acessão ou da superficies solo cedit, haja vista que este consiste na base do sistema jurídico brasileiro. Pelo contrário, pretende-se dar ao conceito de propriedade uma interpretação extensiva, em conformidade com a civilística constitucional[27].
Isso se dará mediante o reconhecimento da laje como um novo direito real sobre coisa própria, como forma de atender aos objetivos que levaram o legislador a elencar o direito de laje como nova modalidade de direito real, constituindo elemento eficaz para garantia da regularização fundiária nas comunidades brasileiras.
O reconhecimento do direito real de laje como uma modalidade de direito real sobre coisa própria parte do pressuposto da relativização do princípio da acessão e, por conseguinte, da admissão do ius edificandi no ordenamento jurídico pátrio, o qual consiste, segundo lição de Marchi (2018, p. 40), no “direito de construir em solo ou edifício alheio e de manter a propriedade da construção resultante”.
Ressalta-se que a mitigação aqui proposta não é a mesma presente no direito real de superfície, na qual a suspensão dos efeitos do princípios da superficies solo cedit é apenas temporária, prevalecendo tão somente durante o prazo fixado no negócio jurídico ou até a sua extinção definitiva, conforme tratado no primeiro capítulo.
Trata-se de uma suspensão perpétua do princípio da acessão como regra absoluta, de modo a reconhecer o amplo domínio do lajeário sobre a sua unidade autônoma constituída, inobstante este não detenha fração ideal sobre o solo ou participação proporcional em áreas já edificadas, tal como dispõe o art. 1.510-A, § 1º, do Código Civil.
Portanto, com a criação do direito real de laje, aqui visualizado como nova modalidade de propriedade, passa-se a admitir a incidência do princípio do trabalho[28] no direito das coisas, em detrimento do princípio da acessão, segundo o qual a propriedade do imóvel é atribuída a quem o constrói, in casu, o lajeário, e não ao proprietário do solo[29].
Sob essa perspectiva, passa-se a admitir o ius edificandi, mitigando os efeitos do princípio da acessão, sendo perfeitamente possível identificar o lajeário como real proprietário da sua unidade autônoma, consoante lição de Marchi (2018, p. 55-56):
“Parece-nos, pois, […] que o caráter de inderrogabilidade, vale dizer, de presunção absoluta (‘presumptio iuris et de iure’, sem admissão de prova em contrário) do princípio jurídico fundamental ‘a superfície acede ao solo’ (‘superficies solo cedit’), implicitamente acolhido pelo CC/16 e pelo CC/02, encontra-se agora revertido por inteiro, a partir da introdução do direito de laje nesse último diploma, por obra da Lei n.º 13.465, de 11 de julho de 2017.
Assim sendo, a regra de acessão por inaedificatio, a partir de agora, no direito civil brasileiro, seguindo a solução francesa e italiana, passa a assumir o caráter de presunção simples (“praesumpitio iuris tantum, com admissão de prova em contrário), por conta do reconhecimento amplo, entre nós, da propriedade superficiária (“laje”)”.
O direito real de laje, portanto, possibilita a separação, no plano horizontal, do subsolo, do solo, da construção-base, da superfície superior e da superfície inferior, permitindo amplamente que cada um desses planos possua proprietários distintos, ainda que separados do solo, e sobre eles exerçam amplos poderes dominiais, passando a propriedade a ser analisada sob um prisma tridimensional.
Sobre o tema, Rosenvald e Braga Netto (2020, p. 1537) afirmam que, no direito real de laje, “há uma total desconexão da laje e o terreno, gerando uma perfeita propriedade em três dimensões”, consistindo em uma revisão histórica do conceito clássico de propriedade e de domínio no direito brasileiro.
Seguindo esse raciocínio, Farias, El Debs e Dias (2018, p. 59-60) também vislumbram o direito real de laje como uma nova modalidade de propriedade desatrelada do solo, não apenas no plano físico, mas no jurídico-social:
“Vive-se o momento da propriedade em três dimensões, não mais anexada à planta imobiliária do solo, mas elevada ou infraconstituída em relação à lâmina que perfaz o chão. A propriedade em três dimensões é a nova propriedade, é o novo direito de laje. Não tridimensional no sentido apenas geométrico, como já apontaram alguns. Indo além de algoritmos e arestas, a laje é propriedade em três dimensões porque calcada (i) em um desentranhamento da obviedade de vinculação ao solo, (ii) porque nascida dos mais diretos e gritantes anseios sociais e (iii) porque possibilita um reconceber das titularidades muito além da dicotomia propriedade-limitação”.
Desse modo, a noção conceitual trazida pela introdução do direito real laje no direito brasileiro traduz a intenção do legislador em revolucionar e operacionalizar o direito de propriedade, mediante a sua análise sob um aspecto civil-constitucional.
Negar a propriedade da superfície ao lajeário (que, por vezes, é proprietário de fato da sua unidade, à margem da lei, há tempos) é estar apegado ao legalismo nocivo e involutivo, que nenhum efeito prático surte, além de ir de encontro ao direito fundamental à moradia, sob o seu aspecto negativo.
Por outro lado, é inegável que a pretensão legislativa de tornar o direito de laje como instrumento de consagração do direito constitucional à moradia torna a operacionalização da propriedade um fato necessário.
Isto porque, conforme lição de João Pedro Lamana Paiva (MARCHI et, al., 2019, p. 24), “o direito à moradia […] está intimamente ligado com o direito de propriedade”, de maneira que “importa a quem tem sua moradia alcançar a propriedade formal”. Assim, “o direito à moradia desconectado da propriedade formal reduz sobremaneira os atributos que a coisa pode gerar”.
3.5.2 Dos caracteres e dos atributos do direito real de laje: uma concepção funcional da propriedade
Noutra senda, é inegável que o direito real de laje compartilha com a propriedade os mesmos atributos, poderes e caracteres, o que reforça a sua natureza de direito real sobre coisa própria, amplamente defendida no presente trabalho.
O primeiro caractere do direito real de laje que merece destaque e que, por si só, seria suficiente para embasar o quanto defendido, é a perpetuidade, isto é, o direto de laje não se extingue pelo não uso[30]. Na lição de Ferraz (2018, p. 54), “um dos traços mais característicos do DPL, que o afasta do direito de superfície e que o emparelha ao domínio, é a perenidade”.
Não havia razão legal para criação de um novo direito real sobre coisa alheia de caráter perpétuo, visto que, nesse âmbito, consiste em caractere diretamente contraditório à função social da propriedade. Ademais foi justamente a característica da perpetuidade um dos fundamentos relevantes que justificou a extinção parcial e paulatina da enfiteuse no direito brasileiro.
Na lição de Gonçalves (2017 p. 451), “não se justifica, realmente, a permissão para que seja indefinida a duração dos direitos reais imobiliários de uso e gozo que implicam desmembramento do domínio”. Daí se pode afirmar que, no Brasil, não existem direitos reais em coisa alheia com o atributo da perpetuidade, inerente ao direito de propriedade[31], levando à conclusão de que o direito de laje se trata de direito real sobre coisa própria.
Registre-se, por oportuno, que não há que se confundir o caráter de duração por tempo indeterminado de um direito real com a característica da perpetuidade. A exemplo: a servidão[32] é espécie de direito real sobre coisa alheia de duração indefinida, isto é, “dura indefinidamente enquanto não extinta por alguma causa legal” (GONÇALVES, 2017, p. 463).
Todavia não é perpétua, tal como a propriedade. Isto porque, consoante disposição do art. 1.389, III, do Código Civil (BRASIL, 2002), a servidão se extingue “pelo não uso, durante dez anos contínuos”, haja vista que, na lição de Gonçalves (2017, p. 480), “a falta de uso por prazo prologando revela não só o desinteresse do titular, como a desnecessidade da servidão, para o prédio dominante”.
Lado outro, a servidão poderá ser extinta, dentre outras hipóteses, por vontade do titular do prédio serviente, por resgate, previsto no art. 1.388, inciso III, do Código Civil, mediante negócio jurídico entre os titulares dos prédios com cláusula autorizativa de resgate, que, segundo Rosenvald e Braga Netto (2020, p. 1402), “poderá constar do próprio ato gerador da servidão ou então de negócio jurídico superveniente e autônomo”, gerando, para o titular do prédio serviente, um direito potestativo de extinção da servidão.
Tal fato revela a acessoriedade da servidão em face da propriedade, o que não ocorre com o direito de laje; posto que, conforme salientado no capítulo anterior, sendo a laje autônoma em relação à construção-base, não seria razoável que o proprietário desta pudesse pôr fim àquela por sua vontade.
Ademais, a perpetuidade do direito real de laje implica o reconhecimento de que este somente poderá ser extinto pelas hipóteses elencadas em lei ou pela vontade exclusiva do seu titular (in casu, o lajeário).
Portanto, esse caractere denota o seu caráter de direito real sobre coisa própria, de maneira que o lajeário exerce o domínio integral sobre a sua unidade constituída. Mas não é só. O direito real de laje é ainda autônomo, exclusivo, elástico e absoluto, tal qual a propriedade.
A autonomia do direito de laje decorre do fato de que este “faz nascer um novo imóvel, autônomo e independente do preexistente, com proteção jurídica própria” (FARIAS; EL DEBS; DIAS, 2018, p. 50), além de contar com matrícula própria, e não meramente auxiliar, independente da matrícula do imóvel que contém a construção-base.
Vale ressaltar que a abertura de matrícula própria para registro da nova unidade constituída denota que se trata de imóvel novo e independente da construção-base, embora tenha sido constituído sobre ou sob a sua superfície, especialmente pelo fato de que cada matrícula autônoma corresponde a um imóvel diverso.
Nesse sentido, asseveram Farias, El Debs e Dias (2018, p. 54-55):
“O tema, inclusive, exige uma análise à luz dos princípios norteadores do registro imobiliário e de sua fundamentação não no fólio pessoal, mas no fólio real. Seguindo a exata compreensão do fólio real, cada matrícula imobiliária há de corresponder a um imóvel e cada imóvel ocupa uma matrícula. Entender que a laje não se trataria de novo imóvel, caracterizador de um novo direito, seria reconhecer uma quebra no fólio real, fazendo com que um único imóvel ocupasse duas diferentes e distintas matrículas – o que não é permitido pelo sistema legal. E não se trata de simples apego ao formalismo, uma vez que foi graças ao folio real que toda estrutura registral imobiliária brasileira evoluiu, saindo dos métodos aproximativos e arcaicos, em busca de bases sólidas e confiáveis”.
Lado outro, especialmente em relação às unidades autônomas instituídas por infrapartição, a dependência entre a construção-base e a laje sotoposta é decorrente unicamente da forma do edifício, de maneira que não há qualquer efeito na autonomia ou na classificação jurídica de tais imóveis, muitos menos torna a construção-base acessória à laje infrapartida, e vice e versa.
O mesmo raciocínio deve ser aplicado às unidades constituídas em sobrelevação, o que reforça o caráter autônomo do direito de laje, conforme afirmam Rosenvald e Braga Netto (2020, p. 1536):
“A laje em sobrelevação (construção superior) é a mais típica das formações de laje, confundindo-se com a própria essência do instituto. É projeção natural da visão de lâmina de superfície sobrelevada. A existência de laje em sobrelevação está ligada à da construção-base, tanto física, quanto juridicamente. Não apenas na instituição da laje, mas durante toda a existência desta, estará ligada à construção inicial (ou à laje que lhe antecede) – sem que isto implique acessoriedade quando da transmissão da construção que lhe subjaz, em face da autonomia jurídica do direito de laje”.
Ademais, o direito real de laje é exclusivo, de maneira que uma mesma unidade autônoma de laje “não pode pertencer com exclusividade e simultaneamente a duas ou mais pessoas” (GONÇALVES, 2017, p. 238). É também elástico[33], visto que, por se tratar de direito real primário, com todas as faculdades inerentes ao domínio, é possível que sobre o direito real de laje sejam instituídos direitos reais sobre coisa alheia, de uso e fruição ou de garantia.
Por fim, é o direito real de laje absoluto, isto é, oponível erga omnes, possuindo, portanto, o lajeário todos os poderes/atributos inerentes ao domínio, “no sentido de poder usar, gozar e dispor da coisa da maneira que lhe aprouver, podendo dela exigir todas as utilidades que esteja apta a oferecer, sujeito apenas a determinadas limitações impostas no interesse público” (GONÇALVES, 2018, p. 237-238).
Como se vê, o direito de laje compartilha com a propriedade os mesmos atributos, consoante se infere do disposto no art. 1.510-A, § 3º do Código Civil. Nesse ponto, importante registar que todos os poderes inerentes ao domínio devem ser exercidos segundo os limites legais e da função social da propriedade, não se tratando de direitos absolutos dos proprietários da laje.
O primeiro é o direito de usar (jus utendi) que consiste, segundo Gonçalves (2017, p. 225), na faculdade de o lajeário “servir-se da coisa e de utilizá-la da maneira que entender mais conveniente, sem, no entanto, alterar-lhe a substância, podendo excluir terceiros de igual uso”. Já o direito de gozar (jus fruendi) consiste na faculdade de colher os frutos provenientes da coisa, sejam eles naturais ou civis, bem como de “aproveitar de seus produtos”, conforme lecionam Farias, El Debs e Dias (2018, p. 80).
A faculdade de dispor do bem (jus abutendi)[34] está relacionada ao direito de alterar a substância da coisa pelo lajeário, o qual pode escolher a destinação a ser dada ao bem e a sua finalidade econômica. A disposição poderá ser tanto material quando jurídica. Aquela está relacionada à guarda do bem. Já a disposição jurídica está relacionada à mutação subjetiva do direito real, tal como a alienação, a doação etc., respeitados os limites legais.
Quanto ao direito de reivindicar (actio rei vindicatio), embora art. 1.510-A, § 3º do Código Civil não mencione expressamente tal faculdade, há que se interpretar o dispositivo legal extensivamente, de maneira a outorgar ao direito de laje a amplitude necessária para o exercício de suas funções precípuas (regularização fundiária e segurança jurídica), dando ao lajeário a possibilidade de utilizar-se da tutela petitória para proteção da sua moradia.
Ademais, trata-se do direito de reaver a coisa de quem quer que a detenha de um corolário do caráter absoluto do direito real de laje, anteriormente analisado, de forma que o lajeário terá o poder, segundo leciona Gonçalves (2017, p. 31), “de perseguir a coisa e de reivindicá-la em poder de quem quer que esteja (ação real)”.
Sem a faculdade de fazer uso da tutela petitória, por meio do direito de reivindicar, o direito real de laje é ceifado da segurança jurídica[35] que pretende outorgar a situações que corriam à margem da lei, dando ao lajeário apenas a possibilidade de se valer de ações possessórias para proteção do seu direito, conforme assinalam Rosenvald e Braga Netto (2020, p. 1537):
“O parágrafo terceiro não mencionou o direito de reivindicar, mas trata de uma clara situação em que a letra da lei traz mais do que os olhos podem ver. Seguindo-se o posicionamento de que o direito real de laje pertence à classe dos direitos reais sobre coisa própria não há outra conclusão plausível do que legar ao lajeário o direito de se valer da tutela petitória. A cognição restrita da tutela possessória e as regras a ela aplicáveis, se se apresentassem como o único caminho a ser dado ao lajeário, estabeleceriam uma indevida limitação do acesso à Justiça e uma má aplicação da teoria da proteção aos direitos reais”.
Assim, por tudo exposto, não restam dúvidas acerca da natureza jurídica do direito real de laje, a saber, trata-se de direito real sobre coisa própria, que se propõe a promover uma releitura do direito de propriedade, sob o prisma do direito civil constitucionalizado, funcionando como meio efetivo para regularização fundiária em favelas, bem como instrumento voltado para garantia do direito fundamental à moradia.
Conforme lecionam Farias, El Debs e Dias (2018, p. 64), “se o proprietário é titular de direitos fundamentais, o lajeário também tem de sê-lo, na medida em que a base axiológica protetiva é, rigorosamente, a mesma: a proteção do mínimo existencial (teoria do patrimônio mínimo) e da moradia, como expressão da dignidade humana”.
Pensar de modo diverso é esvaziar o potencial do direito real de laje, além de poder legá-lo ao limbo de esquecimento e do desuso, resultantes de concepções engessadas do direito. Torna-se, pois, necessária uma nova concepção da propriedade horizontal, em três dimensões, adequando o direito de laje aos fins sociais para que foi criado e, via de consequência, outorgando aos lajeários a propriedade sobre a sua própria moradia.
Considerações finais
A análise acurada do direito real de laje realizada no presente estudo possibilitou a constatação da importância deste instituto e a relevância da sua criação na resolução de problemas habitacionais e de regularização fundiária no Brasil.
Demonstrou-se que a finalidade principal da enfiteuse, da superfície e do condomínio era, em suma, garantir o melhor aproveitamento do solo, seja ele urbano ou rural.
Todavia, conforme constatado, nenhum dos institutos analisados foi suficiente para regulamentar a situação das favelas. Isto porque não são instrumentos adequados a garantir o reconhecimento oficial do “puxadinho” e a regulamentação de “venda de laje”, tão comum em periferias.
Foi possível verificar, também, a forma extensiva, embora não exaustiva, com que foi tratada a disciplina legal do direito de laje, o que representa grande avanço na operacionalização deste instituto, tendo o sido o legislador específico quanto às suas regras de constituição, dos direitos e dos deveres entre o lajeado e os lajeados, bem como as suas formas de extinção, embora, sobre estas últimas, o foco da lei tenha sido apenas nas hipóteses de ruína da construção-base.
Neste ponto, importa ressaltar a demonstração da autonomia do direito de laje em relação à construção-base, posto que, conforme ressaltado, não seria razoável que o proprietário desta pudesse pôr fim àquela por sua vontade.
Ademais, verificou-se que a perpetuidade do direito real de laje implica o reconhecimento de que este somente poderá ser extinto pelas hipóteses elencadas em lei ou pela vontade exclusiva do seu titular.
Salientou-se que a simples análise legislativa não é suficiente para visualizar a amplitude do novo direito de laje e a relevância da sua criação, especialmente em relação aos problemas de moradia e de regularização fundiária nas grandes cidades brasileiras.
Tal verificação somente é possível mediante a definição da natureza jurídica do direito de laje, tarefa não realizada com clareza pelo legislador, incumbindo à doutrina e jurisprudência fazê-lo.
Assim, realizou-se uma análise histórica do contexto de formação das cidades brasileiras, especialmente em relação à falta de regularização fundiária nas periferias, que tornou imperiosa a criação de um instituto jurídico da estatura do direito de laje, haja vista a insuficiência de outros já existentes no direito brasileiro, tal como a superfície, o direito real de uso e a concessão de uso especial para fins de moradia.
O motivo reside no fato de que a inexistência de regulamentação da laje ou a aplicação subsidiária dos institutos citados gerava situações de grande instabilidade jurídica, na qual o titular da laje era impossibilitado de, formalmente, transmitir sua unidade a terceiros ou aos seus descendentes, seja em vida ou em decorrência da morte, além de não lhe garantir a propriedade sobre a sua própria habitação.
Com a criação do direito de laje, tais problemas podem ser solucionados, mediante a regularização de situações que corriam à margem da lei. Todavia, a efetividade do instituto somente será possível com a ruptura de paradigmas existentes na concepção da propriedade no direito brasileiro.
Isto porque, conforme demonstrado, a visualização do direito de laje como direito real sobre coisa alheia esvazia o conteúdo do objetivo da sua criação, haja vista que tal concepção não garante a segurança jurídica tão visada pela população carente.
A respeito da pergunta que norteou esta pesquisa, a saber: Quais são os impactos que a definição do direito de laje como direito real sobre coisa própria pode gerar em relação aos problemas habitacionais enfrentados no Brasil, principalmente no que se refere aos aglomerados urbanos das grandes cidades brasileiras?, foram levantadas algumas ponderações, a seguir exteriorizadas.
A consagração do direito à moradia nas periferias está diretamente ligada à garantia da propriedade do lajeário sobre a sua unidade autônoma, e isso só é possível mediante a releitura da propriedade e do princípio da acessão (superfícies solo cedit), segundo o qual tudo que acede ao solo pertence ao seu proprietário.
O presente estudo propôs, dessa maneira, a mitigação de tal princípio, mediante a admissão de uma propriedade desatrelada do solo, de maneira tridimensional, como forma de possibilitar ao lajeário a outorga da propriedade sobre a sua habitação.
A partir dessa visão, é possível concluir que o direito real de laje separa, no plano horizontal, o subsolo, o solo, a superfície superior e a superfície inferior da construção-base, permitindo amplamente que cada um desses planos possua proprietários distintos, ainda que separados do solo, e sobre eles exerçam amplos poderes dominiais, passando a propriedade a ser analisada sob um prisma tridimensional.
Assim, passa-se a conceber o direito de laje como nova modalidade de direito real sobre coisa própria, assegurando ao seu titular o exercício de todos os poderes derivados do domínio, inclusive a viabilidade de se valer da tutela petitória, o que não seria possível caso concebesse a laje como direito real sobre coisa alheia.
Quanto à metodologia de pesquisa adotada, mesmo que não tenha sido ainda identificada uma resposta jurisprudencial satisfatória para parte da problemática, mostrou-se eficiente para o desenvolvimento dos objetivos deste trabalho que, neste aspecto, foram atingidos, ao possibilitar uma reanálise da concepção clássica da propriedade, como forma de adequá-la à realidade cotidiana e torná-la um instrumento efetivo de pacificação social e de garantia de direitos, a partir da análise doutrinária do tema, que está em conformidade com a proposta desta pesquisa.
Daí a importância e a relevância acadêmica do presente estudo, visto que a definição do direto de laje como direito real sobre coisa própria, ora proposta, está em perfeita consonância com a visão constitucional que o direito civil deve adotar.
Todavia, ressalta-se que a orientação trazida no presente estudo não esgota a temática. Para a efetivação do direito real de laje no plano prático, a definição teórica da sua natureza jurídica, por si só, não é suficiente, embora seja um fundamental ponto de partida para consagração do direito à moradia e redução da proliferação de núcleos urbanos informais.
Destarte, abre-se um amplo campo de pesquisa para a análise do potencial prático do direito de laje, especialmente, a título de exemplo, em conjuntos habitacionais formados sobre terrenos públicos não desafetados, ou nos bairros formados a partir de ocupações de terrenos privados, e que estão repletos de habitações desprovidas regulamentação.
Da mesma forma, espera-se que o espectro das pesquisas em torno do direito de laje ultrapasse o campo da regularização fundiária e da função social da propriedade, passando a abordar, inclusive, o potencial econômico do novo instituto, a partir da concepção trazida neste estudo, qual seja, a do direito de laje como direito real sobre coisa própria.
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[1] André Pinheiro Costa é advogado, inscrito na OAB/BA 67.457. Graduado em Direito pela Faculdade do Sul da Bahia (FASB). Especialista em Direito Previdenciário pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). – apc.andrepcosta@gmail.com.
[2] Rodrigo Soares de Brito Rios é advogado, inscrito na OAB/BA 70.757. Graduado em Direito pela Faculdade do Sul da Bahia (FASB) – rodrigo.sbrito@outlook.com.br.
[3] Cleonalto Gil Barbosa é professor do curso de Direito da Faculdade do Sul da Bahia (FASB). Graduado em Direito e Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela mesma instituição. Especialista em Direito Constitucional pela Faculdade Venda Nova do Imigrante (FAVENI) – cleonaltogil@hotmail.com.
[4] Na lição de Nelson Rosenvald e Felipe Braga Netto (2020, p. 1533), ‘puxadinho’ consiste nas “construções verticais – superiores ou inferiores – que terminam servindo para viabilizar o direito à moradia, constitucionalmente assegurado (CF, art. 6º), em um país com tamanhas desigualdades regionais, sociais e econômicas”.
[5] Nesse sentido, o enunciado n° 627 da VIII Jornada de direito civil (ARAÚJO, 2018) dispõe que: “o direito real de laje é passível de usucapião”.
[6] Art. 17 da lei nº 13.465/2017 (BRASIL, 2017): “Na Reurb-S promovida sobre bem público, o registro do projeto de regularização fundiária e a constituição de direito real em nome dos beneficiários poderão ser feitos em ato único, a critério do ente público promovente. Parágrafo único. Nos casos previstos no caput deste artigo, serão encaminhados ao cartório o instrumento indicativo do direito real constituído, a listagem dos ocupantes que serão beneficiados pela Reurb e respectivas qualificações, com indicação das respectivas unidades, ficando dispensadas a apresentação de título cartorial individualizado e as cópias da documentação referente à qualificação de cada beneficiário”.
[7] Laje, na definição do dicionário Houaiss (2009 apud FERRAZ, 2018, p. 56), é uma “placa contínua apoiada em seu perímetro e por vezes também em colunas, que constitui os pavimentos e tetos de edificações estruturadas em concreto armado”.
[8] Segundo Farias, El Debs e Dias (2018, p. 70) “o lajeado é o proprietário do imóvel”, isto é, da construção-base.
[9] Registre-se posicionamento diverso da doutrina, consubstanciada na obra de Ferraz (2018, p. 124), a qual leciona: “é evidente que a segunda hipótese não é a que está descrita no inciso II, no qual, provavelmente por falha de revisão de texto, foi esquecido um ‘não’. Suprimindo o ‘não’, a hipótese ganha sentido e pode ser aplicada. Com efeito, somente não perecerá o direito de laje se o seu objeto, a laje, for recomposta, o que pode ocorrer, a princípio, com a reconstrução da construção-base, e não com a sua ‘não’ reconstrução. A ‘não’ reconstrução impede o restabelecimento do objeto do DPL, que, sem base, não existe”.
[10] Nesse sentido, Darcy Ribeiro (2015, p. 146) afirma que “o Brasil, surgindo embora pela via evolutiva da atualização histórica, nasceu já como uma civilização urbana. Vale dizer, separada em conteúdos rurais e citadinos, com funções diferentes, mas complementares e comandada por grupos eruditos das cidades. A primeira é Lisboa, que não conta. Nossa primeira cidade, de fato, foi a Bahia, já no primeiro século, quando surgiram, também, o Rio de Janeiro e João Pessoa”.
[11] Para Ribeiro (2015, p. 146), “decuplica-se, como se vê, o contingente urbanizado, quando a população total do país crescera de duas vezes e meia, passando de 30,6 milhões, em 1920, para 70,9 milhões, em 1960. No mesmo período, a rede metropolitana crescera de seis cidades maiores de 100 mil habitantes para 31”.
[12] CONHEÇA o Brasil: população rural e urbana. IBGE educa: jovens, 2020. Disponível em: https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18313-populacao-rural-e-urbana.html. Acesso em: 17 maio. de 2020.
[13] Nesse sentido, Márcia Teshima e Everton Willian Pona (2013) lecionam que “entre os anos 1940 e 1990, as cidades não apresentavam ofertas de emprego compatíveis às procuras, tampouco a economia urbana crescia na mesma velocidade em que ocorriam as migrações. Como consequência, crescia o desemprego e sub-emprego no setor de serviços, com aumento do número de trabalhadores informais, vendedores ambulantes e trabalhadores que vivem de fazer “bicos”. Associado à falta de investimentos e ao reduzido planejamento do Estado na ampliação da infraestrutura urbana, isto contribuiu para a formação de um cinturão marginal nas cidades, ou seja, o surgimento de novas favelas, palafitas e invasões urbanas”.
[14] BRASIL. Ministério das Cidades. Secretaria nacional de desenvolvimento urbano. Departamento de assuntos fundiários. Gabinete do diretor. Regularização fundiária urbana: lei federal 13.465/17. 2017. 31 slides. Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/Apresentacao%20Reurb%20julho%202017.pdf. Acesso em 31 maio de 2020.
[15] Portaria publicada no DOU de 19/07/2016, seção 2, págs. 42 e 43. Disponível em: http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=19/07/2016&jornal=2&pagina=42&totalArquivos=56. Acesso em 31 maio de 2020.
[16] Exposição de motivos nº 00020/2016, de autoria do Deputado Federal Bruno Araújo, em conjunto com os então Ministros do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, Dyogo Henrique de Oliveira, e da Casa Civil, Eliseu Padilha. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Exm/Exm-MP%20759-16.pdf. Acesso em 31 maio. de 2020.
[17] Segundo Silva (2006, p. 315), o direito à moradia “é daqueles direitos que têm duas faces: uma negativa e uma positiva. A primeira significa que o cidadão não pode ser privado de uma moradia nem impedido de conseguir uma, no que importa a abstenção do Estado e de terceiros. A segunda, que é a nota principal do direito à moradia, como dos demais direito sociais, consiste no direito de obter uma moradia digna e adequada, revelando-se como um direito positivo de caráter prestacional, porque legitima a pretensão do seu titular à realização do direito por via de ação positiva do Estado. É nessa ação positiva que se encontra a condição de eficácia do direito à moradia”.
[18] Nos termos do art. 22-A da lei nº 9.636/98 (BRASIL, 1998), “a concessão de uso especial para fins de moradia aplica-se às áreas de propriedade da União, inclusive aos terrenos de marinha e acrescidos, e será conferida aos possuidores ou ocupantes que preencham os requisitos legais estabelecidos na Medida Provisória nº 2.220, de 4 de setembro de 2001”, que, por sua vez, é a consagração do disposto no art. 183, caput, da CFRB/88 (BRASIL, 1988), que dispõe: “aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”.
[19] Para Gonçalves (2017, p. 510), “o uso é considerado um usufruto restrito, porque ostenta as mesmas características do direito real, temporário e resultante do desmembramento da propriedade, distinguindo-se, entretanto, pelo fato de o usufrutuário auferir o uso e a fruição da coisa, enquanto ao usuário não é concedida senão a utilização restrita aos limites das necessidades suas e de sua família”.
[20] Sobre o tema, Roberto Paulino de Albuquerque Júnior (2017) leciona que “o direito de laje não constitui um direito real novo, mas uma modalidade de direito de superfície que, desde 2001, já tem previsão expressa na legislação brasileira, a superfície por sobrelevação”.
[21] Nesse sentido, Ricardo César Pereira Lira (2002, p. 156 apud MARCHI, 2018, p. 16) afirma que “o direito de superfície não tem toda aquela extensão de finalidades positivas para o social que eu imaginei que tivesse, por isso voltei atrás naquilo que acreditava […]. Ele não é a solução para o problema da regularização fundiária”.
[22] Pablo Stolze (2017) leciona que “o legislador preferiu conferir autonomia a este direito, desgarrando-o da disciplina da superfície. E, embora a nova regulamentação não resolva a delicada questão social atinente ao crescimento urbano desordenado – que exige, não apenas promessas ou leis, mas sérias políticas públicas -, ao menos retirou do ‘limbo da invisibilidade’ uma situação social tão comum nas cidades brasileiras”.
[23] Segundo Marchi (2018, p. 49), “tal notória regra do direito romano encontra-se presente em todos os ordenamentos jurídicos modernos pertencentes ao sistema romano-germânico, ou seja, não só no BGB e nos códigos civis por ele inspirados – em que não se reconhece a propriedade separada do solo e da superfície –, como também naqueles, em especial o Code Civil francês e outras legislações que o acompanharam, a exemplo, notadamente, do Code Civile italiano, nos quais se admite a propriedade superficiária amplamente”.
[24] “Nessa imanente adequação entre o direito de proteção da propriedade já consolidada (regras do jogo) e o direito promocional à propriedade como mínimo existencial (qualidade dos ‘players’), coloca-se o direito real de laje como instrumento de regularização fundiária urbana, sob medida para a realidade brasileira, na qual incontáveis famílias vivem em pavimentos distintos daquele originariamente construído sobre o solo, seja na condição de familiares do proprietário originário – em regra, um núcleo formado a partir de descendentes do titular –, ou mesmo desconhecidos, que informalmente contratam uma espécie de locação do ‘puxadinho’ e assumem a condição de possuidores da laje (situação corrente em comunidades carentes)” (ROSENVALD; BRAGA NETTO, 2020, p. 1533).
[25] Este também é o entendimento de Rosenvald (2017), para o qual “vivenciamos a realidade plural das ‘propriedades’. O fracionamento das titularidades corpóreas e intangíveis como fato jurídico dinâmico encontra abrigo na Constituição Federal, mais precisamente dentre os direitos fundamentais e/ou no setor da ordem econômica, a partir daí se disseminando para os microssistemas (propriedade autoral, ‘software’, patentes, etc.). Em contrapartida, o estático ‘direito das coisas’ do Código Civil, reflete a tradicional propriedade (i) mobiliária centrada nas faculdades de usar, fruir, dispor e reivindicar, como ressai do art. 1228 do Código Civil. No ‘big bang’ das propriedades contemporâneas, a propriedade radicada no domínio e posse de objetos materiais é apenas a ponta do ‘iceberg’ de um vasto acervo de propriedades cujo núcleo migrou da posse de coisas para a titularidade de créditos. Como elemento comum das mais diferentes situações jurídicas proprietárias, pode-se dizer que o núcleo duro da titularidade no primeiro quartel do século XXI consiste na faculdade do proprietário extrair uma utilidade privada do bem”.
[26] Nesse sentido, Ricardo César Pereira Lira (2002, p. 155 apud MARCHI, 2018, p. 113) afirma que “o favelizado quer a propriedade como nós temos a propriedade, que é um ‘fetiche’, mas é um fetiche importante”.
[27] Para Alexandre Barbosa da Silva (2014, p. 14), “o Direito Civil que intenta essa revisão de significantes e significados, visando à efetivação da substância, fora da abstração e do formalismo, é o Direito Civil-Constitucional, que, forte na principiologia e nos valores da Constituição, tem por objetivo apresentar novos pontos de reflexão e (re)formulação do pensamento jurídico”.
[28] “Em tema de acessão imobiliária e edificação em solo alheio, por exemplo, o antigo direito germânico […] atribuía a propriedade das construções não ao dono do solo, mas a quem as realizava. É o chamado ‘princípio do trabalho’, em antítese ao da acessão” (MARCHI, 2018, p. 73).
[29] Nesse sentido, Rodrigues Junior e Albuquerque Júnior (MARCHI; KÜMPEL; BORGARELLI, 2019, p. 200-201) lecionam que “a laje foi descrita como o direito de o proprietário da construção permitir que outrem mantenha unidade distinta daquela construída sobre o solo. Trata-se, portanto, de um direito que também se caracteriza por suspender os efeitos da acessão, de modo a separar a propriedade da construção da propriedade do solo e da construção prévia a que está ligada”.
[30] Para Gonçalves (2017, p. 238), a propriedade, tal qual o direito real de laje, “é irrevogável ou perpétua, porque não se extingue pelo não uso. Não estará perdida enquanto o proprietário não a alienar ou enquanto não ocorrer nenhum dos modos de perda previstos em lei, como a desapropriação, o perecimento, a usucapião etc.”.
[31] Corroborando tal conclusão, Rosenvald (2017) assinala que, “se nem toda propriedade é perpétua (v.g. a propriedade resolúvel), o certo é que não existem direitos reais em coisa alheia com o atributo da perpetuidade, pois em algum momento o titular terá que restituir os poderes dominiais ao proprietário. Dentre outras, a enfiteuse foi relegada ao limbo no CC/02, pois na atualidade um direito real de fruição apenas exercita a sua função social quando há uma demarcação temporal pelo qual o titular extrairá uma utilidade de um bem alheio, evitando-se o parasitismo ‘ad eternum’”.
[32] Para Rosenvald e Braga Netto (2020, p. 1395), “servidão é direito real sobre coisa imóvel, que impõe restrições em um prédio (serviente) em proveito de outro (dominante), pertencentes a diferentes proprietários. O proprietário do prédio serviente desdobrará parcela dos seus poderes dominiais em favor do prédio dominante que terá o seu domínio acrescido, para beneficiar o proprietário atual ou seus sucessores”.
[33] Ferraz (2018, p. 53) assinala que “o DPL é elástico tanto na concepção clássica do direito de propriedade como de sua forma peculiar. […] Sobre o objeto do DPL, poderão ser instituídos direitos reais sobre coisa alheia, sejam os de uso e fruição, sejam os de garantia, de coexistência possível com o primeiro. O proprietário da laje – cobertura ou subsolo – tem liberdade para onerar ou explorar o potencial econômico de seu imóvel nos limites impostos pela lei”.
[34] Na lição de Farias, El Debs e Dias (2018, p. 80), “o direito de dispor (jus abutendi) compreende a prerrogativa de alienar a coisa a qualquer título ou permitir que sobre ela incida quaisquer ônus. Não significa, contudo, que o lajeário tem o direito de destruir a coisa como bem quiser”.
[35] “Na ausência de segurança jurídica – ausência do próprio Estado, diga-se de passagem –, os espaços de cidadania são perdidos para o crime organizado ou movimentos sociais que privilegiam o uso da força para a aquisição da propriedade. O acesso a bens jurídicos – mesmo que essenciais – demanda juros altos à custa do superendividamento, haja vista que as instituições financeiras não criam atraentes canais de crédito em prol de outsiders” (ROSENVALD; BRAGA NETTO, 2020, p. 1534).
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