Resumo: O presente artigo trata brevemente da crise urbana espacial nas cidades brasileiras, na qual é fundada em um dos resultados do processo de urbanização apoiado na expansão das periferias por meio de ocupações irregulares e clandestinas, culminando em um processo de urbanização acelerado, concentrado e desigual, realizado à revelia de parâmetros urbanísticos e do ordenamento jurídico de propriedade, bem como da inovação do direito real de laje, cujo objetivo é reconhecer a situação real existente dos cidadãos nos núcleos urbanos informais.
Palavra chave: Regularização fundiária. Direito de laje. Moradia
Abstract: This article deals briefly with the urban space crisis in Brazilian cities, in which it is based on one of the results of the urbanization process supported by the expansion of the peripheries through irregular and clandestine occupations, culminating in an accelerated, concentrated and uneven urbanization process, Carried out in the absence of urban planning parameters and legal ownership, as well as the innovation of the royal slab right, whose objective is to recognize the existing real situation of citizens in informal urban centers.
Keyword: Land regularization. Slab right. Home
Sumário: 1. Introdução. 2. Agenda da regularização fundiária urbana no brasil. 3. Regularização fundiária urbana. 4. Do direito real de laje: reconhecimento da situação real existente dos nucleos urbanos no mundo jurídico. 5. Objeto do direito real de laje. 6. Natureza jurídica do direito de laje. 7. Qual a forma de constituição do direito real de laje. 8 responsabilidade tributária. 9 direito de preferência de unidades sobrepostas. 10. Diferença direito real de laje x condomínio edilício. 11. Considerações finais. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A crise urbana espacial nas cidades brasileiras é um dos resultados do processo de urbanização apoiado na expansão das periferias por meio de ocupações irregulares e clandestinas, culminando em um processo de urbanização acelerado, concentrado e desigual, realizado à revelia de parâmetros urbanísticos e do ordenamento jurídico de propriedade.
Esse processo de ocupação espacial ocorreu na maioria dos casos de forma inadequada, em áreas impróprias à implantação de habitações, como consequência da falta de politicas públicas habitacionais.
O acesso informal ao solo e consequentemente à moradia é um dos maiores problemas das últimas décadas, fortemente agravado pela falta (intencional) de políticas habitacionais adequadas para atender a população mais carente. As populações de baixa renda não alcançam o acesso de terras urbanas legalizadas, devido ao alto custo deste solo, decorrente de uma regulamentação elitista (SMOLKA, 2002, p.67).
Tal fato condiciona uma grande parte da população a inserir-se no mercado informal, distanciada das zonas centrais da cidade, e sendo assim, a ilegalidade dessas ocupações geram consequências urbanísticas, ambientais, sociais, jurídicas e econômicas que repercutem negativamente nas cidades e na população de baixa renda.
Pois bem. O modo de aquisição destas propriedades não está em conformidade com os ditames do Código Civil e demais legislações pertinentes, isto é, através de um processo de registro nos cartórios de imóveis, mas sim, por meio de invasões urbanas, as quais agravaram o acesso à cidade formal desta população.
Nesta linha, essas ocupações são marcadas pela irregularidade jurídica, na qual em grande parte dos casos o morador é “proprietário” apenas da edificação onde reside, mas não do terreno. Não obstante tais edificações sejam adquiridas através de contratos de compra e venda – contratos de gaveta, ou seja, do tipo que as pessoas levam ao cartório de notas para reconhecerem firma, e acreditam que estão registrando o referido contrato, ou simplesmente aqueles casos em que se faz um simples contrato de compra e venda assinado pelas partes e testemunhas sem levar à registro; ou nos casos em que as relações são constituídas através do processo de autoconstrução, este último bastante difundido pelas Companha de Habitação Popular nas décadas de 80 e 90.
De outra banda, não podemos olvidar, o surgimento da figura da Laje (puxadinho), construções corriqueiras nestes tipos de ocupação. Tal construção em face do menor custo empregado na obtenção de um terreno se prolifera nas grandes cidades.
Diante deste cenário, o governo federal publicou a Lei 13.465/2017, com o objetivo de desburocratizar, agilizar e reduzir custos das ações de regularização fundiária urbana no país.
E deste modo, criou instrumentos como o Direito Real de Laje e a Legitimação Fundiária, como forma de reconhecer a coexistência de unidades imobiliárias autônomas de titularidades distintas situadas em uma mesma área sobre o solo, no qual o terceiro sobreleva edificação em unidade distinta daquela originariamente construída sobre o solo, bem como a legitimação fundiária, onde o processo tradicional de regularização título a título será substituído por um reconhecimento de aquisição originária de propriedade, a partir de cadastro aprovado pelo Poder Público e de critérios legais previamente estabelecidos.
Assim, o presente artigo trata de uma reflexão acerca da agenda da regularização fundiária, bem como dos novos instrumentais, qual seja, a legitimação fundiária e o direito real de laje, como forma de reconhecimento de habitações consolidadas no espaço urbano, no resgate da cidadania e da legitimação do direito á cidade formal.
2. AGENDA DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA NO BRASIL
No Brasil as primeiras disposições legais acerca da regularização fundiária vieram com a Lei do Parcelamento Urbano (Lei nº 6.766/1979), que previu a possibilidade de os Municípios realizarem a regularização dos loteamentos ou desmembramentos não autorizados ou executados em desacordo com as determinações administrativas, visando assim evitar lesão aos adquirentes de lotes e aos padrões de desenvolvimento urbano.
Entretanto, tal previsão não se mostrava suficiente para regulamentar todo o procedimento a ser adotado para a regularização a cargo do poder público, tendo em vista apenas a visão restritiva de subdivisão de loteamentos e desmembramentos, além da ausência de previsão quanto à função social da propriedade.
Coube à Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001, trazer ao ordenamento jurídico pós Constituição de 1988, as normas gerais da política urbana no país. Denominado Estatuto da Cidade, é ele quem regula os Arts. 182 e 183 da Constituição, enfatizando, genericamente, a função social da propriedade e dando contornos à atuação dos Municípios na implementação das políticas urbanísticas através do Plano Diretor.
Neste sentido, com a Constituição Federal, em seu capítulo sobre a política urbana (arts. 182 e 183) ficou evidente uma nova perspectiva para as cidades brasileiras, e um novo marco legal para a politica urbana, ao reconhecer a necessidade da municipalização da competência sobre a legislação e a execução das politicas urbanas, condicionando o exercício o direito de propriedade urbana ao cumprimento da sua função social.
A aplicação do princípio da função social da propriedade, portanto exige dos proprietários que destinem efetivamente suas propriedades ao uso que delas deve ser feito, para o bem comum, e não somente para o bem particular, como por exemplo, a permanência de imóveis vazios por tempo indeterminado à espera de valorização, sob a égide dos princípios da especulação imobiliária, enquanto multiplica-se o deficit habitacional” (NALINI, 2014, p.183).
O Estatuto da Cidade, regulamentado pela Lei nº 10.257/2001, tornou o direito á moradia acessível para famílias que compõem a cidade informal por meio de diversas formas de intervenção do poder público sobre as cidades e sobre as propriedades privadas.
Por meio Plano Diretor Municipal, exigido pela Constituição para toda cidade com mais de 20 mil habitantes, o município tem poder decisivo para elaborar e aplicar sua politica urbana”, (NALINI, 2014, p.158).
O Plano Diretor é o instrumento que desempenha o papel decisório na regulação urbanística das cidades, tendo em vista assegurar o uso de instrumentos para urbanização e legalização dos assentamentos, possibilitando formas de combate á ilegalidade e á especulação imobiliária, além de permitir a participação popular na formulação e execução de politicas públicas.
O plano diretor pode atuar contra a especulação imobiliária por meio do parcelamento, edificação ou utilização compulsória de uma área que não esteja cumprindo sua função social; pode agir por meio do IPTU progressista, com o qual a prefeitura força o proprietário a dar uma função social a sua propriedade”, (NALINI, 2014, p.160).
De outra banda, não podemos deixar de lembrar, a aprovação da lei que cria a gratuidade do primeiro registro decorrente da regularização fundiária (Lei nº 10.931/2004) e a aprovação da Lei 11.977/2009, que dispõe sobre o programa Minha Casa Minha Vida e introduz diversas regras que aperfeiçoam o processo fundiário, e definiu dois tipos básicos de regularização fundiária: a de interesse social dirigida aos assentamentos irregulares ocupados por população de baixa renda e a de interesse específico, aplicada aos espaços irregulares que não de interesse especial.
Não podemos esquecer do Provimento da Corregedoria Nacional de Justiça de nº 44/2015, o qual estabelece normas gerais para o registro da regularização fundiária urbana.
Para completarmos o resumo do fundamento legal sobre a construção social da regularização fundiária urbana, devemos citar ainda a Medida Provisória nº 759, de 22 dezembro de 2016, na qual ao dispor sobre a regularização fundiária urbana, consagrou um novo conceito de direito real, chamado de Direito Real de Laje, bem como a criação do instituto da legitimação fundiária. Tais temáticas serão abordadas nos próximos tópicos. Salientamos ainda que, a citada medida provisória foi convertida na Lei 13.465/2017, disciplinando definitivamente o processo de regularização fundiária no âmbito nacional.
3. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA
A regularização fundiária passou a ser uma das diretrizes de politica urbana, que tem por objetivo a ordenação das funções sociais da cidade e da propriedade urbana.
Segundo Oliveira (2001, p.41), a definição para a expressão regularização fundiária é o procedimento pelo qual se busca tornar lícita, isto é, amparada pelo direito, a ocupação da terra nos casos em que o acesso àquele bem tenha ocorrido de modo irregular. Normalmente, a expressão “regularização fundiária” é utilizada para designar a atuação destinada a revestir com maiores proteções a posse existente sobre determinado imóvel. Isso pode ocorrer mediante a instituição de um título de propriedade ou de outro direito real.
Outra diretriz da regularização fundiária consiste num processo que envolve medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de núcleos urbanos informais.
A dimensão urbanística implica integração do assentamento à cidade formal melhorando as condições de infraestrutura, acessibilidade, mobilidade e disponibilidade de serviços públicos. A dimensão ambiental busca melhoria das condições do meio ambiente, incluindo o saneamento, o controle de risco de desastres naturais, a preservação e a recuperação da vegetação e de curso d´água. A regularização administrativa e patrimonial trata do reconhecimento do direito á moradia, por meio de títulos registrados em cartório de imóveis, (Ministério das Cidades, 2009).
De outra banda, não podemos olvidar que os programas públicos de regularização fundiária priorizam a regularização da situação registral e do direito real de aquisição ou do domínio dos adquirentes, incorporando assim ao estoque oficial de imóveis moradias construídas fora dos parâmetros legais, além e claro de efetivar a segurança jurídica.
Ademais, as definições da regularização fundiária são constituídas em bases empíricas, pois o conjunto de legislação existente, suas modificações ao longo dos anos, as experiências aplicadas no Brasil e as críticas sobre seus resultados configuram o significado da regularização fundiária, na qual sempre perseguirá: a garantia do direito à moradia; reconhecimento da legitimidade das ocupações informais e consolidadas, assegurando adequadas condições habitacionais para a população moradora, tendo em vista o caráter de política curativa da regularização fundiária; a política de redução de passivo habitacional, no especto de uma ampla política habitacional de garantia do acesso à cidade formal e a terra urbanizada; e a moradias produzidas no mercado formal, através da política preventiva.
Diante deste contexto, diversos instrumentos jurídicos foram criados para promover a regularização fundiária urbana, com vistas a garantir o direito humano a moradia, entretanto, iremos focar nas duas inovações instituídas através da Medida Provisória 759/2016, na qual criou o Direito Real de Laje e a Legitimação Fundiária.
4. DO DIREITO REAL DE LAJE: RECONHECIMENTO DA SITUAÇÃO REAL EXISTENTE DOS NUCLEOS URBANOS NO MUNDO JURÍDICO
A figura do direito de Laje, conhecida popularmente como “puxadinho”, é um tipo de construção corriqueira nas periferias e núcleos urbanos de baixa renda no Brasil, na qual se caracteriza pela possibilidade de coexistência de unidades imobiliárias autônomas de titularidades distintas situadas em uma mesma área, de maneira a permitir que o proprietário ceda a superfície de sua construção a fim de que terceiro edifique unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo.
Em síntese, consiste no fato de um proprietário de determinada construção permitir que um terceiro construa/edifique uma nova unidade autônoma acima ou abaixo de sua construção. O sujeito vai ceder a laje para a construção sobre a sua moradia.
De outra banda, o direito real de laje também é chamado de direito de sobrelevação, tendo em vista permitir que um terceiro construa a edificação em cima da construção originária.
No Brasil diversos autores já se pronunciaram acerca da temática, na qual tem algumas controvérsias acerca da natureza do instituto, tendo em vistas a dicotomia entre os que defendem tratar-se de uma espécie de Direito de Superfície e os que afirmam ser um Direito Real Autônomo.
O direito de laje não constitui um direito real novo, mas uma modalidade de direito da superfície por sobrelevação, o que caracteriza o direito de superfície e distingue o seu tipo dos demais direitos reais é a possibilidade de constituir um direito tendo por objeto construção ou plantação, separadamente do direito de propriedade sobre o solo.
Em sentido mais técnico, há superfície quando se suspende os efeitos da acessão sobre uma construção ou plantação a ser realizada ou já existente. O implante que, por força da acessão, seria incorporado ao solo, passa a ser objeto de um direito real autônomo, o direito real de superfície. Vê-se que, a partir dessa definição de direito de superfície, sequer seria necessário prever expressamente a possibilidade de sua constituição para a construção no espaço aéreo ou para o destacamento de pavimentos superiores já construídos. Da mesma forma, é desnecessária a menção expressa à possibilidade de superfície constituída sobre construções no subsolo. Se é possível construir no espaço aéreo ou no subsolo e essas construções sofrem, de ordinário, os efeitos da acessão, pode-se tê-las como objeto do direito real de superfície. Do próprio tipo da superfície deriva a possibilidade de sobrelevação, portanto”,( ALBUQUERQUE Jr, 2017).
No mesmo sentido, Cristiano Chaves e Nélson Rosenvald, classificam o direito de Laje como uma espécie de Direito de Superfície em segundo grau, na qual o superficiário estaria autorizado, contratualmente, a transmitir a um terceiro o direito de construir sobre o seu imóvel. Haveria uma tripartição de propriedade autônomas: a propriedade do solo, de titularidade do concedente; a propriedade da superfície, pertencente ao superficiário; e a propriedade da sobrelevação, que ingressaria no patrimônio do segundo concessionário”, (FARIAS, 2009.p.422).
Em resumo antes da institucionalização do direito de laje tínhamos duas correntes doutrinária, quais sejam: 1) a primeira corrente não admitia o direito real de laje por falta de previsão legal, tendo em vista que o rol de direitos reais é taxativo, e sendo assim, apenas a lei pode criar direito real de laje; e 2) Admite o direito real de laje através do direito de superfície (direito de construir/plantar em imóvel alheio), utilizando de uma interpretação ampliada desse direito real, a citada corrente fundamenta-se no art. 1.369 do Código Civil[1], Art. 21 do Estatuto das Cidades[2] e enunciado 568 da IV Jornada de Direito Civil[3].
Entretanto, com a normatização através da Lei nº 13.465/2017, e suas alterações no Código Civil, restou claro que o legislador optou por conferir autonomia ao direito de laje, constituindo em um novo direito real previsto nos Arts. 1225, XIII, e 1.510-A, com objetivo de atenuar o crescimento urbano desordenado, bem como retirar os moradores da informalidade, reconhecendo assim, a concretização da função social da Cidade e o Direito Humano à Moradia.
Assim, não podemos olvidar que a Lei nº 13.465/2017 efetivou um tratamento diferenciado, declinando assim, a necessidade de se forçar uma interpretação.
A despeito das argutas opiniões. Acredito que, quando o tema é regularização fundiária não devemos nos prender apenas na literalidade da lei e positivismo exacerbado, isto é, acerca da dicotomia da natureza/modalidade do direito de laje, mas sim, qual a resolução prático jurídico que tínhamos em relação a questão social antes da Lei 13.465/2017? Ao meu sentir a questão pairava em um debate teórico interminável, e sem aplicabilidade prática no reconhecimento do direito de laje.
Impende destacar que, o direito de laje é um direito real limitado à unidade autônoma construída, e sendo aplicada somente quando se constatar a impossibilidade de individualização de lotes, a sobreposição ou a solidariedade de edificações ou terrenos.
Cabe salientar que, o reconhecimento ao direito de laje oportunizou a abertura de matricula autônoma decorrente da unidade imobiliária originária, bem como a permissão de constituição do direito de laje sem submissão ao regime do condomínio edilício, desburocratizando assim, os ditames da lei de registro público.
O direito real de laje contempla o espaço aéreo ou o subsolo de terrenos públicos ou privados, tomados em projeção vertical, como unidade imobiliária autônoma, não contemplando as demais áreas edificadas ou não pertencentes ao proprietário do imóvel original. O titular do direito real de laje responderá pelos encargos e tributos que incidirem sobre a sua unidade. As unidades autônomas constituídas em matrícula própria poderão ser alienadas e gravadas livremente por seus titulares, não podendo o adquirente instituir sobrelevações sucessivas, observadas as posturas previstas em legislação local.
Em Pernambuco, já temos o primeiro caso de reconhecimento do direito real de laje através de sentença. O juiz de Direito da 26ª Vara Cível da Comarca de Recife – Seção B do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, Rafael José de Menezes, julgou simultaneamente, duas ações de usucapião, reunidas por força de conexão. Na segunda, foi reconhecido o direito de laje, cujo título deverá ser registrado no Cartório de Registro de Imóveis, podendo o usucapiente usar, gozar e dispor de seu direito[4].
5. OBJETO DO DIREITO REAL DE LAJE
O direito de laje tem por objeto uma construção realizada sobre outra construção ou então abaixo de outra. Como dito antes o direito real de laje abrange tanto o espaço aéreo como o subsolo de terrenos públicos ou privados, conforme o Art. 1510-A, paragrafo segundo, do Código Civil.
“Art. 1.510-A. O direito real de laje consiste na possibilidade de coexistência de unidades imobiliárias autônomas de titularidades distintas situadas em uma mesma área, de maneira a permitir que o proprietário ceda a superfície de sua construção a fim de que terceiro edifique unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo.
§ 2º O direito real de laje contempla o espaço aéreo ou o subsolo de terrenos públicos ou privados, tomados em projeção vertical, como unidade imobiliária autônoma, não contemplando as demais áreas edificadas ou não pertencentes ao proprietário do imóvel original.”
Entretanto, o direito real de laje só pode ser instituído quando se constatar a impossibilidade de individualização de lotes. Neste sentido, é um direito real que só terá indicdência em núcleos urbanos informais, isto é, aquele clandestino, irregular ou no qual não foi possível realizar, por qualquer modo, a titulação de seus ocupantes, ainda que atendida a legislação vigente à época de sua implantação ou regularização.
6. NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO DE LAJE
Analisando o recém criado instituto podemos afirmar que o direito de laje, possui uma dupla dimensão, qual seja, de um é um direito de fruição de coisa alheia e de outra banda tem a natureza de um direito de propriedade. A dimensão de direito de fruição de coisa alheia funda-se no sentido de que o indivuduo que construiu sobre outra moradia (edificação) tem a perspectiva de que em relação ao solo e a primeira construção o titularo do direito real de laje tem um direito real de coisa alheia, uma vez que está edificando sua moradia na primeira construção e no solo. De outro modo, a própria construção sobre a laje é um autentico direito de propriedade.
Neste contexto, resta latente o desdobramento do direito de laje em três níveis frente ao direito de propriedade, quais sejam, propriedade do solo, propriedade da primeira construção (superficiário) e propriedade da laje.
7. QUAL A FORMA DE CONSTITUIÇÃO DO DIREITO REAL DE LAJE
Em relação a forma de constituição do direito de laje a Lei nº 13.465/2017, restou omissa, e deste modo, a priori devemos aplicar o entendimento, no qual exige escritura pública para a constituição de direitos reais no que tange aos imóveis acima de 30 salários mínimos, e no caso de ser abaixo do referido teto pode ser realizado através de escritura particular, nos termos do Art. 108 do Código Civil.
8. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA E DIREITO DE PREFERÊNCIA DE UNIDADES SOBREPOSTAS
No que tange a responsabilidade tributária o titular do direito real de laje responderá pelos encargos e tributos que incidirem sobre a sua unidade imobiliária.
Em caso de alienação de qualquer das unidades sobrepostas, terão direito de preferência, em igualdade de condições com terceiros, os titulares da construção-base e da laje, nessa ordem, que serão cientificados por escrito para que se manifestem no prazo de trinta dias, salvo se o contrato dispuser de modo diverso. Ademais, o titular da construção-base ou da laje a quem não se der conhecimento da alienação poderá, mediante depósito do respectivo preço, haver para si a parte alienada a terceiros, se o requerer no prazo decadencial de cento e oitenta dias, contado da data de alienação.
9. É POSSÍVEL ADQUIRIR A USUCAPIÃO SOBRE O DIREITO REAL DE LAJE
A priori indicamos que sim, pois a usucapião não é apenas forma de aquisição de propriedade, mas também de forma de aquisição de outros direitos reais. E deste modo, se o indivíduo já construiu na laje, e tem a posse com animus domini (intenção de dono que prolonga no tempo), poderá usucapir seja ordinariamente ou extraordinariamente.
Como dito antes, no Estado de Pernambuco, tivemos a primeira sentença no Brasil que reconheceu o direito de laje, através de um processo de usucapião[5], senão vejamos:
“SENTENÇA:(…) parte final: Ante o exposto, atento ao que mais dos autos consta e aos princípios de Direito aplicáveis à espécie, além de estar em conformidade com o art.1.242 do Código Civil, julgo procedente o pedido formulado na Ação de Usucapião nº0027691-84.2013.8.17.0001, para declarar a ocorrência da prescrição aquisitiva e, em decorrência, constituir o domínio da parte autora sobre o imóvel indicado na inicial, devendo esta sentença, juntamente com a sua certidão de trânsito em julgado, servir de título para a averbação ou registro (art.172 daLei de Registros Publicos) oportunamente, no Cartório de Registro de Imóveis competente, pagos os emolumentos e respeitadas as formalidades legais. Por outro lado, julgo improcedente o pedido de usucapião de formulado na Ação de Usucapião nº 0071376-44.2013.8.17.0001, ao tempo em que reconheço o Direito de Laje da casa 743-A à autora, nos termos do art.1.510-A do Código Civil, devendo o imóvel referido ser registrado com matrícula própria, pagos os impostos e emolumentos e respeitadas as formalidades legais. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Custas satisfeitas. Sem honorários. Após o trânsito em julgado desta decisão, arquivem-se os autos. Recife, 14 de julho de 2017.Rafael de Menezes Juiz de Direito.”
10. DIFERENÇA DIREITO REAL DE LAJE X CONDOMÍNIO EDILÍCIO
Analisando de forma singular, resta evidente a necessidade de distinguir os dois institutos, tendo em vista as semelhanças, as quais podem ocasionar grandes equívocos por parte dos operados do direito.
Em síntese no condomínio edilício o proprietário tem a propriedade de uma fração ideal do terreno e da área comum. Entretanto, no direito real de laje o sujeito não é proprietário de uma fração ideal do terreno e nem de outras áreas pertencentes aos outros proprietários, mas sim, da laje. Ademais, onde existe condomínio edilício não se pode instituir direito real de laje.
11. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As cidades brasileiras são acometidas de uma realidade imobiliária marcada pela existência de diversas lajes (puxadinhos) informais, além de diversas áreas ausente de regularização, oriundas de um crescimento desordenado e da falta de políticas públicas adequadas.
E neste sentido, não podemos olvidar da responsabilidade do Estado em criar mecanismos ou alternativas com vistas a reconhecer o espaço urbano dessas pessoas., bem como promover políticas de habitação efetivas.
Assim, não acreditamos que a inovação trazida pela Lei nº 13.465/2017, seja a resposta definitiva para o processo de regularização fundiária no Brasil, mas por outro lado não podemos deixar de reconhecer o esforço do legislador em disciplinar uma realidade social a norma jurídica, com escopo criar alternativas à legitimar o direito humano a moradia e o acesso formal a cidade de diversas famílias espalhadas pelo país, na qual a partir deste marco legal poderá ter sua moradia regularizada definitivamente.
Advogado. Conselheiro da Subseccional da OAB Paulista/PE. Membro da Comissão de Direito à Cidade da OAB/PE. Superintendente de Regularização Fundiária da Pernambuco Participações e Investimentos S.A. Conselheiro Estadual do Concidades/PE. Pós graduado em Direito Público pela Uninassau. Mestrando em Gestão Pública pela UFPE. Professor Universitário.
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