Direitos fundamentais e processo penal constitucional: Devido processo legal e seus corolários

Resumo: O presente artigo analisa e relaciona os direitos fundamentais no processo penal constitucional e o princípio do devido processo legal e seus corolários. Para se atingir o objetivo proposto realizamos um breve apanhado histórico sobre os direitos fundamentais e sobre o processo penal constitucional até chegar as principais características do devido processo legal, que aqui adjetivamos como justo, já que tem aspectos garantidores propiciando a ampla participação dos sujeitos no processo e permitindo que o Estado Jurisdição atue com ares de razoabilidade, sem desprezar as garantias constitucionais.

Palavras chave: Direitos Fundamentais. Devido Processo Legal. Justiça. 

Abstract: This article analyzes and lists the fundamental rights in criminal proceedings and the constitutional principle of due process of law and its corollaries. To reach that goal we conducted a brief historical overview on fundamental rights and the constitutional criminal process until you reach the main features of due process of law, here qualify as sure, as it has aspects that guarantee providing the broad participation of the subjects in the process and allowing the State Jurisdiction act with an air of reasonableness, without disregarding the constitutional guarantees

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Keywords: Fundamental rights. Due Processo of Law. Justice

Sumário: 1.Introdução; 2.Direitos Fundamentais; 2.1 Origem e evolução; 2.2Conceito de Direitos Fundamentais; 2.3 Relação vertical e horizontal dos direitos fundamentais; 3.Processo Penal Constitucional; 4.Apontamentos históricos e desdobramentos do devido processo legal; 4.1 Devido processo legal e seus corolários; 5.Conclusão.

1. Introdução

As garantias fundamentais do réu devem ser observadas durante toda a prestação jurisdicional pelo Estado, pois falhas nessas etapas podem causar lesões a direitos e danos irreparáveis.

Levando em consideração os direitos e garantias fundamentais, com previsão no texto constitucional e em legislações internacionais, a análise do devido processo legal será realizada levando em consideração a relação entre o Estado e o particular, com a observância de garantias mínimas em busca de uma tutela jurisdicional justa.

O presente trabalho não tem por escopo esgotar o assunto, haja vista a sua complexidade e extensão, mas sim fazer um apanhado em busca de um melhor entendimento do princípio do devido processo legal e dos princípios correlatos sob a ótica dos direitos e garantias fundamentais.

 Ao final da exposição, pretendemos demonstrar a trajetória do devido processo legal, evidenciando a sua característica principal, qual seja, a imposição de limites ao poder do Estado na garantia dos direitos fundamentais.

2. Direitos Fundamentais

Os direitos fundamentais estão tratados em nossa Constituição de 1988 em cinco capítulos, dentro do Título II, artigos 5º a 17, “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”. Sinteticamente estes capítulos se dividem em: Direitos Individuais e Coletivos, Direitos Sociais, Direitos à Nacionalidade, Direitos Políticos e Partidos Políticos.

Cabe ressaltar que a divisão dos direitos em capítulos e a sua disposição no início da Constituição Federal não esgota o tema, mas consiste apenas numa sistematização geral, pois os Direitos Fundamentais são reconhecidos em diversas normatizações internas e internacionais.

Vale lembrar que, quando surgiram, os titulares de tais direitos eram as pessoas naturais, já que consistiam em limitações ao Estado em favor do indivíduo. Mas, modernamente, o próprio Estado passou a ser titular de direitos fundamentais, sendo que este aspecto não será abordado no presente estudo por fugir ao tema principal.

A afirmação da prevalência dos direitos fundamentais é vista não apenas como meta de política social, mas como critério de interpretação do direito e de modo especial do Direito Penal e Direito Processual Penal, conforme afirma Oliveira (2013, p. 32).

2.1 Origem e evolução

Desde os primórdios até a época atual a civilização humana percorreu um longo caminho repleto de transformações, sendo fundamental o estudo da história para compreender a evolução e como chegamos ao estágio atual.

O surgimento dos direitos fundamentais advém da fusão de diversas fontes. Conforme ressaltou Brega Filho (2002, p. 3) tem como base o cristianismo, com a ideia de que homem foi criado à imagem e semelhança de Deus. Porém, outras fontes, a exemplo, o socialismo, resultaram da criação dos direitos e a universalização destes.

 Quanto ao efetivo surgimento dos direitos fundamentais não há um consenso entre os doutrinadores. Para Brega Filho (2002, p. 4), as primeiras notícias surgiram no antigo Egito e na Mesopotâmia, onde mecanismos para a proteção individual já eram previstos, isso no ano de 1690 a.c.

Para Silva (2002, p. 150), vários são os antecedentes dos direitos fundamentais, mas ressalta: “  Veto do tribuno da plebe contra ações injustas dos patrícios em Roma, a lei de Valério Publícola proibindo penas corporais contra cidadãos em certas situações até culminar com o Interdicto de Homine Libero Exhibendo, remoto antecedente do habeas corpus moderno, que o Direito Romano instituiu como proteção jurídica da liberdade”. 

Nos séculos XVII e XVIII as teorias contratualistas enfatizavam a submissão da autoridade política à primazia que se atribui ao indivíduo sobre o Estado, sendo que este serve aos cidadãos.

 Por sua vez, o constitucionalista Canotilho apud Paulo, Alexandrino (2009, p. 89), ensina que a positivação dos direitos fundamentais ocorreu a partir da Revolução Francesa, com a Declaração dos Direitos do Homem e das declarações de direitos formuladas pelos Estados Americanos ao declararem a independência em relação a Inglaterra.

A exorbitância do absolutismo e as aspirações burguesas podem ser consideradas fatores históricos consideráveis para o reconhecimento dos direitos individuais na época da Revolução Francesa. Ressalta-se, ainda, que a Revolução Industrial e, em consequência, o início da classe proletária é importante para o surgimento dos direitos sociais. Finalmente, os horrores da Segunda Guerra Mundial tem relevância para os direitos da solidariedade, Brega Filho (2002, p. 21/22).

Porém, o contorno universal dos direitos fundamentais veio com a Declaração dos Direitos do Homem de 1948, que influenciou e continua a influenciar as constituições contemporâneas.

O que não se pode negar é que o surgimento dos direitos fundamentais ocorreu para limitar e controlar os atos praticados pelo Estado e suas autoridades, exigindo destes um comportamento omissivo em favor da liberdade do indivíduo, aumentando com isso a autonomia individual.

Os direitos fundamentais são classificados de diversas formas. Aproveitando o breve histórico apresentando anteriormente, vamos comentar a classificação histórica, que considera a ordem cronológica em que os direitos fundamentais passaram a ser constitucionalmente reconhecidos.

Nos direitos de primeira geração, ou dimensão, sobressai o direito à liberdade. São os direitos civis e políticos reconhecidos nas revoluções Francesas e Americana. Exemplificam esses direitos o direito à vida, à liberdade, à propriedade, entre tantos outros.

Por sua vez, direitos de segunda geração ressaltam os direitos de igualdade entre os homens. São os direitos econômicos, sociais e culturais. Essa geração é responsável pela passagem do Estado liberal para o Estado social. Exigem do Estado prestações sociais, tais como saúde, educação e trabalho. Portanto, direitos sociais visam a promoção da igualdade substantiva, intervencionismo estatal em face do mais fraco.

Terceira Geração dos direitos fundamentais pode ser resumida como direitos de solidariedade e fraternidade, protegendo interesses de titularidade coletiva e difusa.

Constatamos que o núcleo dos direitos fundamentais se baseia nos núcleos da Revolução Francesa, quais sejam, liberdade, igualdade e fraternidade.

Atualmente, se discute sobre o surgimento de uma quarta e até mesmo quinta dimensão dos direitos fundamentais, mas não existe entre os doutrinadores um consenso sobre os bens que seriam protegidos por estas novas dimensões.

2.2. Conceito de Direitos Fundamentais:

Em virtude dos vários significados e da transformação dos direitos fundamentais, difícil traçar um conceito conciso e completo.

Em que pese seus sinônimos, a expressão mais utilizada, tanto no texto constitucional como na doutrina, é direitos fundamentais.

Em busca de um conceito de direitos fundamentais, Brega Filho (2002, p. 66) diz que “direitos fundamentais, seriam os interesses jurídicos previstos na Constituição que o Estado deve respeitar e proporcionar a todas as pessoas”. “É o mínimo necessário para a existência da vida humana”.

Para Silva (2002, p. 178), a expressão direitos fundamentais “é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual a todas as pessoas.”

Conforme definiu o jurista brasileiro Rui Barbosa, apud Brega Filho (2002, p. 68): “A Confusão, que irrefletidamente se faz muitas vezes entre direitos e garantias, desvia-se sensivelmente do rigor científico, que deve presidir a interpretação dos textos, e adultera o sentido natural das palavras. Direito é a faculdade reconhecida, natural, ou legal, de praticar, ou não praticar certos atos. Garantia, ou segurança de um direito, é o requisito da legalidade que defende contra a ameaça de certas classes de atentados, de ocorrência mais ou menos fácil.”

Na doutrina existe uma diferenciação entre direitos e garantias fundamentais. Vejamos:

Direitos fundamentais “são os bens em si mesmo considerados, declarados como tais no texto constitucional”; e garantias fundamentais “são estabelecidas pelo texto constitucional como instrumento de proteção dos direitos fundamentais”, Paulo, Alexandrino (2009, p. 91).

A diferenciação de Jorge Miranda, apud Moraes (2011, p. 37), ressalta que as garantias são direitos do cidadão de exigir dos poderes públicos a proteção dos seus direitos. Vejamos: “Clássica e bem atual é a contraposição dos direitos fundamentais, pela sua estrutura, pela natureza e pela sua função, em direitos propriamente ditos ou direitos e liberdades, por um lado, e garantias por outro lado. Os direitos representam só por si certos bens, as garantias destinam-se a assegurar a fruição desses bens; os direitos são principais, as garantias acessórias e, muitas delas, adjetivas (ainda que possam ser objeto de um regime constitucional substantivo); os direitos permitem a realização das pessoas e inserem-se directa (sic) e imediatamente, por isso, as respectivas esferas jurídicas, as garantias só nelas se projectam (sic) pelo nexo que possuem com os direitos; na acepção jusracionalista inicial, os direitos declaram-se, as garantias estabelem-se”.

Desta feita, as garantias possibilitam que as pessoas façam valer, frente ao Estado, os seus direitos fundamentais. É o que ocorre com a previsão da garantia do devido processo legal, que corresponde ao direito a um julgamento justo com observância da ordem processual.

2.3 Relação vertical e horizontal dos direitos fundamentais

Não é segredo que o início da humanidade ficou conhecida pelas barbáries impostas ao ser humano, seja como forma de castigo ou como autoafirmação do poder soberano e autoritário. Com o passar do tempo, a normatização, com a previsão de normas que garantissem a dignidade da pessoa humana, passou a ser uma necessidade da sociedade.

Segundo José Afonso da Silva (2002, P. 167) o Brasil foi o primeiro país a inserir em seu texto constitucional normas garantistas, segundo o autor, isso ocorreu em 1824, na Constituição Imperial, onde surgiram regras que ordenavam ao Estado e à própria sociedade o respeito aos Direitos Individuais.

A partir de então, novas garantias foram inseridas e asseguradas como forma de proteção dos direitos fundamentais, tanto no plano interno, com a Constituição Federal de 1988, conhecida como constituição cidadã, que possui um rol expressivo de garantias, como em normas internacionais, a exemplo, a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, Pacto de São José da Costa Rica.

 Tradicionalmente, os direitos fundamentais são de aplicação entre o Estado e o particular, chamado pela doutrina de eficácia vertical. Entretanto, também encontramos os direitos fundamentais nas relações entre particulares, que é conhecida como eficácia horizontal.   

 Levando em consideração o enfoque do presente trabalho, vamos enfatizar a importância da sua relação entre o Estado e o particular (vertical), pois o Estado, além de obrigado a não agredir os direitos fundamentais, ainda tem o múnus de fazê-los ser respeitados pelos particulares.

O artigo 5º, inciso LIV, da Constituição federal de 1988, assegura que “ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

3. Processo Penal Constitucional

O Processo Penal encontra-se traçado de acordo com princípios constitucionais. Assim, nenhuma regra processual deve estar em desacordo com a Constituição Federal.

Conforme leciona Araújo Cintra, Grinover e Dinamarco (2002, p. 78), o direito processual, como ramo do direito público que é, tem suas linhas estruturadas no direito constitucional, que fixa as estruturas dos órgãos jurisdicionais, garantem a distribuição da justiça e a declaração do direito objetivo, estabelecendo alguns princípios processuais.

Direito processual constitucional consiste na condensação metodológica e sistemática dos princípios constitucionais, abrangendo, de um lado, “(a) a tutela constitucional dos princípios fundamentais da organização judiciária. (b) de outro, a jurisdição constitucional”, Araújo Cintra, Grinover e Dinamarco (2002, p. 78).

Ainda levando em consideração a analise constitucional do processo, não podemos deixar de citar a ilustre professora Ada Pallegrine Grinover, apud Scarance Fernandes (2005, p. 16), que em atenção ao processo constitucional disse que: “O importante não é apenas realçar que as garantias do acusado – que são, repita-se, garantias do processo e da jurisdição – foram alçadas a nível constitucional, pairando sobre a lei ordinária, a qual informam. O importante é ler as normas processuais à luz dos princípios e das regras constitucionais. É verificar a adequação das leis à letra e ao espírito da Constituição. É vivificar os textos legais à luz da ordem constitucional. É, como já se escreveu, proceder a interpretação da norma em conformidade com a Constituição. E não só em conformidade com sua letra, mas também com seu espírito. Pois a interpretação constitucional é capaz, por si só, de operar mudanças informais na Constituição, possibilitando que, mantida a letra, o espírito da lei fundamental seja acolhido e aplicado de acordo com o momento histórico em que se vive, a cada dia que passa, acentua-se a ligação entre Constituição e Processo, pelo estudo dos institutos processuais, não mais colhido na esfera fechada do processo, mas no sistema unitário do ordenamento jurídico: é esse o caminho, já ensina Liebman, que transformará o processo, de simples instrumento de justiça, em garantia de liberdade.”    

Fomos buscar no artigo 5º da Constituição Federal disposições que tratassem de assuntos intimamente relacionados ao direito processual penal, e nos deparamos com diversos incisos. Vejamos alguns deles: inciso XI, trata da inviolabilidade do domicílio; inciso XII, sobre a inviolabilidade de correspondência e de comunicações telefônicas; inciso XIV, dispõe sobre o acesso à informação; inciso XXXVII, que repudia juízo ou tribunal de exceção; inciso XXXVIII, que dispõe sobre a organização do júri; inciso XXXIX, sobre a anterioridade da lei penal; inciso XLV, sobre a intranscendência da pena; inciso XLVI, sobre a individualização da pena; inciso LIII, que garante o processo e julgamento feito por autoridade competente; inciso LIV, sobre o devido processo legal para ser privado da liberdade e de bens; inciso LV, sobre o contraditório e a ampla defesa; inciso LVI, sobre a inadmissibilidade das provas ilícitas; inciso LVII, sobre a presunção de inocência; inciso LVIII, sobre a identificação criminal; inciso LX, sobre a publicidade dos atos em caso de defesa da intimidade; inciso LXI, sobre a prisão legal e fundamentada; inciso LXII, sobre a comunicação da prisão aos familiares do preso e ao juiz; inciso LXIII, sobre a informação ao preso de seus direitos; inciso LXIV, sobre a identificação do responsável pela prisão; inciso LXV, sobre o relaxamento da prisão ilegal; inciso LXVI, sobre a liberdade provisória;  LXVIII, sobre o habeas corpus; inciso LXIX, sobre o mandado de segurança e o habeas data na esfera criminal; inciso LXXIV, sobre a assistência jurídica gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos; inciso LXXV, sobre a indenização, por  parte do Estado, pelo erro judiciário; e  LXXVIII, que garante a todos a razoável duração do processo, seja ele judicial ou administrativo.

Assim, verificamos que muitas são as garantias processuais penais com previsão constitucionais. Neste trabalho vamos concentrar esforços em analisar a importância do devido processo legal e suas consequências.          

O Direito Processual Brasileiro não pode omitir-se frente a todas as garantias dispostas na Constituição Federal, que coloca o ser humano como o centro de todas as preocupações. A Emenda Constitucional 45 apenas reafirmou a proteção aos Direitos do Homem, nos dispositivos relativos ao alcance constitucional das normas sobre direitos humanos previstas em tratados e convenções internacionais, quando forem aprovadas por três quintos dos votos dos membros de cada casa do Congresso Nacional, conforme art. 5º, § 3º da Constituição Federal.

Nem sempre o Direito Processual Penal foi eivado de garantias com preocupações humanas. Vejamos o que diz Scarance Fernandes (2005, p.16): “(…) o processo penal não é apenas um instrumento técnico, refletindo em si valores políticos e ideológicos de uma nação. Espelha, em determinado momento histórico as diretrizes básicas do sistema político do país.”

Lembremos que o Direito Processual Penal é o procedimento que deve ser seguido para aplicação do Direito Penal, estruturado na Constituição Federal e fundamentado em princípios primordiais para garantir os direitos fundamentais.

Ao analisarmos as normas processuais, devemos fazê-lo em observância as postulados constitucionais, verificando a adequação das leis ao espírito constitucional, para que assim o ordenamento esteja em conformidade com a lei maior. É imprescindível a aproximação entre o Direito Processual Penal e a Constituição Federal.

4. Apontamentos históricos e desdobramentos do devido processo legal

A origem do devido processo legal remonta a Magna Carta, de 1215, com dispositivo que costuma ser traduzido da seguinte forma: “nenhum homem livre será preso ou privado de sua propriedade, de sua liberdade e de seus hábitos, declarado fora da lei ou exilado ou de qualquer forma destruído, nem o castigaremos nem mandaremos forças contra ele, salvo julgamento legal feito por seus pares ou pela lei do país” Araújo Cintra, Grinover e Dinamarco (2002, p.80).

Inicialmente, falava-se da expressão law of the land e apenas posteriormente que surgiu a hoje tão conhecida expressão due processo of Law. Referida garantia foi ter assento constitucional nos Estados Unidos da América do Norte, nas emendas V e XIV, e, com o tempo, a garantia do devido processo legal passou a integrar o texto das Constituições Europeias, como a italiana, portuguesa, espanhola, alemã, belga, Scarance Fernandes (2005, p. 45)

No direito brasileiro foi a Constituição de 1988 a primeira a garantir expressamente referida garantia. Senão, vejamos o disposto no artigo 5º, inciso LIV, que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Hoje, a observâncias de um conjunto de regras e princípios é o instrumento público em busca da justiça, e este princípio tem despertado grande interesse da doutrina frente a sua densificação.

Nos deparamos, atualmente, com o devido processo legal tanto no aspecto processual quanto o substantivo, atuando não apenas perante o Judiciário, mas também frente aos poderes Executivo  e Legislativo.

Sob o enfoque procedimental, significa que devemos seguir um procedimento ordenado na aplicação do direito. Assim, podemos verificar esta dimensão normativa mesmo antes da positivação do texto Constitucional. Aplicou-se o mesmo desde o Código de Processo Penal, instituído pelo Decreto 3.688 de 1941, onde foi instituído um procedimento que deveria ser observado pelas autoridades públicas encarregadas antes da imposição de uma medida restritiva de liberdade.

A presença invasiva e constante do Estado na esfera individual brotou a ideia de que se devia obediência ao devido processo legal não apenas no campo processual penal, mas também no campo civil e administrativo.

De forma condensada, a autora Lima (1999, p. 200), quando conclui o enfoque procedimental do devido processo legal, escreve que: “Assim, sob o ângulo de visão procedimental, o devido processo legal concretiza-se por meio de garantias processuais oferecidas no ordenamento, visando ordenar o procedimento, e diminuir ao máximo o risco de intromissões errôneas dos bens tutelados.”

E, quanto ao enfoque substancial (material) do devido processo legal, resume-se na impossibilidade do Estado de privar arbitrariamente os indivíduos de certos direitos fundamentais. Excepcionalmente, verificamos que, em caso de uma possível restrição aos direitos fundamentais, necessário valer-se dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Quanto à importância do aspecto substancial do devido processo legal, novamente vale trazer a conclusão de Lima (1999, p. 208), no sentido de que: “As decisões do Supremo Tribunal Federal supracitadas, aliadas a uma lenta conscientização doutrinária do aspecto substantivo do devido processo legal, permitem-nos dizer que a comunidade jurídica nacional não mais vê como uma garantia meramente procedimental. Começa a fincar pé a ideia de que nem todo produto legislativo é consentâneo com os ditames constitucionais, em especial dos direitos fundamentais garantidos a todos os indivíduos. Faz-se necessário direcionar essa atividade. E o veículo para esta atividade é o devido processo legal.”

A importância é tão grande do princípio do devido processo legal que não podemos deixar de citar, Afrânio Silva Jardim, apud Lima (1999, p. 182), que considera o raio de abrangência de tal princípio muito mais amplo do que já é conhecido. Vejamos: “A cláusula do devido ‘processo legal’ deve significar hoje mais do que significava em épocas passadas. Assim, a questão não mais pode restringir-se à consagração de um processo penal de partes com tratamento igualitário, onde o réu seja um verdadeiro sujeito de direito e não mero objeto de investigação. O ‘devido processo legal’ não pode ser resumido à consagração do princípio do juiz natural, à vedação das provas ilícitas, ou mesmo a impropriamente chamada de presunção de inocência. Tudo isso é muito importante, mas já foi conquistado, restando tão somente consolidar. Agora, queremos mais do ‘devido processo legal’, até mesmo porque aquelas matérias merecem consagração específica na Constituição de 1988, o que denota que o princípio que ora nos ocupa tem campo de incidência mais abrangente, campo mais fértil.”

4.1 Devido processo legal e seus corolários

Pode parecer estranho que o princípio do devido processo legal, concebido em época que reinava o poder totalitário, com raízes na Magna Carta de 1215, hoje fundamenta o Estado Democrático de Direito, agregando as noções de justiça, igualdade e respeito aos direitos fundamentais.

Conforme ressalta Lima (1999, p. 187), o princípio do devido processo legal esta inserido na ideia de democracia, como caminho da justiça e dos direitos fundamentais, podendo ser utilizados, por exemplo, por cidadãos prejudicados e também por outras minorias, possibilitando uma mudança política e até mesmo uma mudança de poder.

É pelo processo e por meio dele que alguém pode requerer a afirmação concreta de seu direito. É com o processo que o juiz, como órgão soberano do Estado, exerce a sua atividade jurisdicional e busca a solução mais justa para o caso.

Em verdade, o processo penal está embasado em dois grandes princípios constitucionais: devido processo legal e o acesso a justiça, e destes princípios decorrem todos os outros necessários na busca de uma “ordem jurídica justa” Araújo Cintra, Grinover e Dinamarco (2002, p.84).

A combinação do principio do devido processo legal com o direito de acesso à Justiça (artigo 5º, XXXV- inafastabilidade da jurisdição) e com o principio do contraditório e ampla defesa formam as garantias processuais do indivíduo, como defende Silva (2002, p. 431)

Conforme disserta Paulo, Alexandrino (2009, p. 162), ainda decorre do princípio do devido processo legal outros princípios pertinentes, como “os princípios do juiz natural, a só admissibilidade de provas lícitas no processo, a motivação das decisões”.

A garantia do devido processo legal surge como consequência de todo o sistema jurídico processual, sendo fortemente observado no processo penal.

 O Processo é uma sequencia de atos coordenados que nos leva a uma sentença. O caminho percorrido pelos atos processuais, com observância das garantias constitucionais, é alvo do presente estudo.

Vamos analisar os princípios que mantém ligação com o devido processo legal, para que assim possamos chegar a uma conclusão

Quanto ao princípio do acesso a justiça, dispõe o artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal que: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Segundo este princípio o particular pode em se sentindo lesado nos seus direitos, postular perante o Poder Judiciário a correção da ilegalidade sofrida, tanto com tutela preventiva como reparatória a um direito.

Com a Emenda Constitucional 45, conhecida como reforma do Judiciário, não apenas o acesso a Justiça, mas também a razoável duração do processo, seja ele judicial ou administrativo, restou como garantia constitucional. Entretanto, segundo ressalta Moraes (2011, p. 115), a Emenda Constitucional 45 foi muito tímida em trazer mecanismos processuais que possibilitem a maior celeridade na tramitação dos processos e na redução da morosidade de Justiça brasileira, segundo o autor, “o sistema processual judiciário necessita de alterações infraconstitucionais, que privilegiem a solução dos conflitos, a distribuição de Justiça e a maior segurança jurídica, afastado-se tecnicismo exagerados”.

Vale lembrar, ainda, que a Emenda Constitucional 45 normatizou a Súmula Vinculante e a Repercussão Geral como meios de acelerar o tramite processual.

O princípio do Contraditório e ampla defesa constitui fundamento de todo o processo, especialmente do processo penal e sua não observância, se em prejuízo do réu, gera nulidade absoluta. Vejamos o que dispõe a Súmula 707 do STF “Constitui Nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contrarrazões ao recurso interposto da rejeição da denuncia, não a suprindo a nomeação de defensor dativo”.

Tradicionalmente , o contraditório é uma garantia de participação do processo e, modernamente, passa a ser conhecido pela doutrina como princípio da par condicio ou paridade de armas, Oliveira (2013, p. 43). De outra ponta, o seu complemento se dá pela ampla defesa, que, conforme disserta Oliveira (2013, p. 47), efetiva-se com a defesa técnica, autodefesa, da defesa efetiva e também por qualquer meio de prova hábil.

Vale aqui a lembrança de que, em proteção ao princípio constitucional da ampla defesa, o Supremo Tribunal Federal editou Súmula Vinculante de nº 14, que estabelece: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”

 Segundo o princípio do juiz natural, é vedada a criação de tribunal de exceção, ou seja, não pode criar um órgão julgador para julgar determinada infração. Para que o julgamento esteja em conformidade com as normas constitucionais, se faz necessário um órgão previamente constituído para proceder ao julgamento. Conforme leciona Oliveira (2013, p. 37): “O direito brasileiro, adotando o juiz natural em suas duas vertentes fundamentais, a da vedação do tribunal de exceção e a do juiz cuja competência seja definida anteriormente à prática do fato, reconhece como juiz natural o órgão do poder judiciário cuja competência, previamente estabelecida, derive de fontes constitucionais. E a razão de tal exigência assenta-se na configuração do nosso modelo constitucional republicano, em que as funções do poder público e particularmente de Judiciário tem distribuição extensa e minudente”.

Faremos aqui um breve registro do princípio da proibição de provas ilícitas, já que o tema é amplo e arduamente discutido pela doutrina. Nos termos do artigo 5º, inciso LVI da Constituição Federal, “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”, texto este que foi reproduzido no artigo 157 do Código de Processo Penal. Para Oliveira (2013, p. 343), a vedação da prova ilícita é um controle de regularidade estatal, evitando a adoção de práticas probatórias ilegais.

A motivação das decisões também é uma das garantias do devido processo legal, pois apenas com a motivação que são explicitadas teses da acusação e da defesa, as provas produzidas e as razões de convencimento do juiz. Conforme narra Távora, Alencar (2013, p. 721): “a motivação do julgado não deve ficar adstrita à narração de aspectos formais ou à explanação de posicionamentos jurídicos doutrinários ou jurisprudenciais”, e continua afirmando que “antes é preciso que dela constem o enfrentamento dos fatos de forma compreensiva como decorrência do due processo of Law.”

Outro princípio relevante é do da proporcionalidade e razoabilidade. Primeiramente, importante ressaltar que na doutrina há discussão acerca de ser o princípio da proporcionalidade sinônimo da razoabilidade.Vamos ver duas posições: Primeiramente, há doutrinadores que defendem a diferença entre ambos, vejamos a posição de José Herval Sampaio Júnior, apud Távora, Alencar (2013, p. 74/75): “Há entendimento de que o princípio da proporcionalidade não se identifica com o princípio da razoabilidade. Enquanto o princípio da razoabilidade é denominação que representa uma norma jurídica consistente em um cânone interpretativo que conduza os juristas a decisões aceitáveis, o princípio da proporcionalidade de origem germâmica, representa um procedimento de aplicação/interpretação de norma jurídica tendente a concretizar um direito fundamental em dado caso concreto.”

De outro lado, entendendo as expressões como sinônimas trazemos a trecho da obra de Távora, Alencar (2013, p.75): “Os que entendem razoabilidade e proporcionalidade como expressões sinônimas, contornam a diferença entre um fenômeno de aplicação do direito que requer o perpassar por três etapas (proporcionalidade = necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito), de outro fenômeno que assim não exige, haja vista que tem o condão de orientar o interprete a não aceitar como válidas soluções jurídicas que conduzam a absurdos (razoabilidade)”.

Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade tem importância na ponderação de direitos fundamentais, na analise das provas no processo penal, bem como na aplicação do devido processo legal.

Os princípios acima descritos possuem algum tipo de relação com o do devido processo legal, mas, para Moraes (2011, p. 113), os corolários do referido princípios está na ampla defesa e no contraditório, que “deverão ser assegurados aos litigantes, em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral, conforme texto constitucional expresso (art. 5º, LV).

A aplicação do princípio do devido processo legal, em que pese sua intima relação com normas processuais, não deve ter sua observância restrita ao processo judicial, pois a norma constitucional não traz esta limitação. O discutido princípio é dirigido ao Poder Público como um todo, tanto no poder Judiciário, quanto no Executivo e Legislativo. Apenas assim a proteção ao cidadão em face dos abusos de poder estaria completa.

Eis as palavras do doutrinador Meirelles (2008, p. 128), acentuando a aplicação do devido processo legal: “A apuração regular da falta disciplinar é indispensável para a legalidade da punição interna da Administração. O discricionarismo do poder disciplinar não vai ao ponto de permitir que o superior hierárquico puna arbitrariamente o subordinado. Deverá, em primeiro lugar, apurar a falta, pelos meios legais compatíveis com a gravidade da pena a ser imposta, dando-se oportunidade de defesa ao acusado. Sem o antendimento desses dois requisitos a punição será arbitrária (e não discricionária), e, como tal, ilegítima e invalidável pelo Judiciário, por não seguir o devido processo legal – due processo f law -, de prática universal nos procedimentos punitivos e acolhidos pela Constituição (art. 5º, LIV e LV) e pela nossa doutrina.”  

5. Conclusão

Com o surgimento do Estado Democrático de Direitos, o rol de garantias penais sofreu um aumento considerável, e o princípio do devido processo legal é considerado como princípio fundamental, decorrendo dele todos os demais princípios.

O aumento das garantias do cidadão não significa que o Estado segue para a impunidade, muito pelo contrário, o Estado busca um procedimento digno, justo e com recursos a parte inconformada com a decisão. 

Importante ressaltar que a consagração do princípio do devido processo legal na Constituição Federal de 1988 não foi o suficiente para afastar por completo arbitrariedades por parte do Estado. Mas agora temos fundamento supralegal na busca de nossos direitos, além do que os Tribunais Superiores estão constantemente velando pela observância dos princípios constitucionais.

Como se pode notar no corpo do presente estudo, o princípio do devido processo legal é aberto, ou seja, para concretizar-se necessita de outros subprincípios, a exemplo o contraditório, ampla defesa, juiz natural.

Vale, ainda, relembrar que o devido processo legal se decompõe em processual, com a finalidade de ordenar procedimento e diminuir ao máximo os erros Estatais e, de outra ponta, a analise substantiva, que permite o questionamento quanto ao ato legislativo estatal, na medição de sua legitimidade para criar leis e restringir direitos fundamentais.

Diante de todo o exposto, vale dizer o que princípio do devido processo legal, além de atuar como defesa do cidadão perante as intervenções estatais, contribui, em virtude de sua efetividade, para o estabelecimento do Estado Democrático de Direito.

 

Referências:
ARAÚJO CINTRA, A.C, GRINOVER, A. P. e DINAMARCO, C.R. Teoria Geral do Processo. 18 ed. São Paulo, Malheiros, 2002.
BREGA FILHO, Vladimir. Direitos Fundamentais na Constituição de 1988: conteúdo jurídico das expressões. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002.
FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 4. ed. rev., atual. E ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.
LIMA, Maria Rosynete Oliveira. Devido Processo Legal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27 ed. São Paulo: Atlas, 2011.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo penal. 17 ed. São Paulo: Atlas, 2013.
PAULO, Vicente de; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 4. ed., rev. e atualizada. São Paulo: Método, 2009.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 9. ed., rev. e atual. 2. tir. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22 ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 8 ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2013.

Informações Sobre o Autor

Ellim Fernanda Silva Ferrarezi

Advogada e aluna especial do mestrado em direito da Univem Marília – Área de Concentração Teoria do Direito e do Estado


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Equipe Âmbito Jurídico

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