Resumo: O presente trabalho abordará os principais aspectos jurídicos do instituto princípio da não-cumulatividade do ICMS na Constituição Federal de 1988 e do direito ao aproveitamento de créditos dos materiais de uso e consumo que estejam jungidos às atividades dos sujeitos passivos do ICMS, tendo em vista as restrições prescritas na legislação infraconstitucional em vigor. Numa abordagem partir da Carta Constitucional, procuraremos demonstrar o pleno direito ao crédito de ICMS das mercadorias adquiridas pelo contribuinte, através do mecanismo da compensação, que é a essência do princípio da não-cumulatividade. Também através de uma interpretação sistemática da legislação infraconstitucional que limita indevidamente o aproveitamento dos créditos de ICMS, mormente no que diz respeito aos materiais de uso e consumo, faremos uma interpretação hermenêutica adequada que nos revela a restritividade dessa vedação ao crédito, ainda que se admita a constitucionalidade do artigo 33, I, da LC 87/96 e da legislação ordinária dos Estados e do Distrito Federal que, deveras, acompanha essa regra.
Palavras-chaves: não-cumulatividade, créditos de ICMS, materiais de uso e consumo.
Abstract: This paper is about the main juridical aspects of the ICMS non-cumulative principle institute in the Federal Constitution of the 1988 and the right to use the credits of the consumer goods which are joined to the actions of the ICMS passive subject, aiming at the restrictions previewed in the infra-costitutional legislation in force. According to the Constitution approach, the goal is to demonstrate the complete right to ICMS credits in the goods purchased by the contributor, through the compensation mechanism, which is the essence of the non-cumulative principle. Indeed, using a sistematic interpretation of the infra-constitutional legislation which limits the use of the ICMS credits ineffectually, mainly corcerning the consumer goods, it aims to have a suitable hermeneutics interpretation which discloses the restritictiveness of this credit prohibition, even if the article 33, I, of the Law 87/96 and the ordinary legislation of the States of Brazil are admitted to be constitutional, this rule must be conducted.
Keywords: non-cumulative, ICMS credits, consumer goods.
Sumário – Introdução – 1. O Sistema Constitucional Tributário Brasileiro – 2. As Limitações do Poder de Tributar – 3. O ICMS e a Regra-Matriz Constitucional – 3.1 O Instituto da Regra-Matriz de Incidência Tributária – 3.2 A Regra-Matriz Constitucional do ICMS – 3.2.1 Do Critério Material do ICMS – 3.2.2 Do Critério Temporal do ICMS – 3.2.3 Do Critério Espacial do ICMS – 3.2.4 Do Critério Pessoal do ICMS – 3.2.5 Do Critério Quantitativo do ICMS – 4. Do Princípio da Não-Cumulatividade na Constituição e o Pleno Direito ao Crédito – 4.1 Algumas Considerações sobre o Princípio da Não-Cumulatividade – 4.2 Disciplina do Regime de Compensação – 4.3 Da Restrição aos Créditos – Considerações Gerais – 4.4 Do Crédito extemporâneo – 5 Da Vedação aos Créditos de ICMS Consoante as Normas Infraconstitucionais – Conclusão.
Introdução
O tema do princípio da não-cumulatividade é objeto de grandes debates na doutrina e na jurisprudência de nossos tribunais na atualidade, mormente em razão da alta carga tributária suportada pelo setor produtivo, dificultando a competitividade de nossos produtos no mercado internacional, e que, direta e/ou indiretamente, também onera o cidadão brasileiro. Tudo sem contar a voracidade de arrecadação do fisco cada vez maior, ressaltando aqui o ponto que nos interessa, as limitações do pleno direito ao crédito em suas operações, do montante devido nas operações anteriores, no que diz respeito ao ICMS.
É de fundamental importância que os princípios constitucionais e que a regra-matriz constitucional do ICMS sejam rigorosamente respeitados, não só para fazer valer a Supremacia da Constituição, mas também para que haja segurança jurídica e justiça tributária.
A legislação infraconstitucional, vale dizer, a Lei Complementar 87/96 e a legislação ordinária dos Estados Membros e do Distrito Federal, vedam em sua quase totalidade, o aproveitamento de créditos dos materiais de uso e consumo de forma ilegal e inconstitucional. E, a situação se recrudesce consoante as disposições dos Decretos Regulamentares (RICMS) e do previsto nas normas infra-legais como Portarias-CAT, Decisões Normativas-CAT, dentre outros.
O presente estudo procurará demonstrar que, a despeito da inconstitucionalidade da vedação ao crédito dos materiais de uso e consumo prescrita no artigo 33, I, da Lei Complementar 87/96 e das Leis Ordinárias do Estado e do DF, numa análise sistemática das normas infraconstitucionais, a vedação em testilha é restritiva, vale dizer, a vedação prescrita na legislação de regência quanto aos créditos de materiais de uso e consumo, estão limitadas apenas àquelas mercadorias que sejam alheiras às atividades do contribuinte. Assim, se houver vínculo de inerência às atividades do produtor ou do comerciante, o crédito é legítimo
É neste eito que iremos desenvolver nosso trabalho, sem a pretensão de esgotar o tema, com o fito de se fazer uma interpretação jurídica coerente e adequada em face dos princípios e regras da Constituição Federal, e tendo em vista a validade, vigência e eficácia da normas infraconstitucionais que regulam a compensação de créditos de ICMS.
1. O sistema constitucional tributário brasileiro.
No dizer de Roque Antonio Carrazza, sistema é a reunião ordenada das várias partes que formam um todo, de tal modo que elas se sustentam mutuamente e as últimas se explicam pelas primeiras[1].
O Direito Tributário Brasileiro é um verdadeiro Sistema Constitucional Tributário, do qual o saudoso Geraldo Ataliba, se refere nos seguintes termos: “Em matéria tributária tudo foi feito pelo constituinte, que afeiçoou integralmente o sistema, entregando-o pronto e acabado ao legislador ordinário, a quem cabe somente obedecê-lo, em nada podendo contribuir para plasmá-lo”.[2]
Paulo de Barros Carvalho explica que o Direito é um sistema normativo que tem por escopo regular e conduta humana, assim como a moral e a religião.[3]
Sistema, segundo mesmo autor, aparece como objeto formado por porções que se vinculam debaixo de um princípio ou como a composição de partes orientadas por um vetor comum. Onde houver um conjunto de elementos relacionados entre si, e aglutinados perante uma referência determinada, teremos a noção fundamental de sistema.[4]
Os princípios jurídicos explícitos e implícitos que obviamente integram o ordenamento jurídico, têm a função de nortear a interpretação e a aplicação do direito, por carregarem valores consagrados na Constituição Federal. Os princípios jurídicos, principalmente os princípios constitucionais, que se sobrepõe a outros princípios, servem de critérios para dar coerência e harmonia ao sistema jurídico.
Neste sentido, vale destacar a lição de Geraldo Ataliba: “…princípios são linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico. Apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do governo (poderes constituídos)[5].
De outra parte, infere-se que o Direito Positivo é o direito posto, é o conjunto de princípios e regras válidas que regem a vida social de determinado país em determinada época.
Com efeito, o Sistema Constitucional Tributário está sujeito a uma série de princípios constitucionais: (i) princípio da legalidade – significa que não pode ser exigido ou aumentado tributo sem que haja estipulação de lei. (Art.5°, II e Art.150, I da CF); (ii) princípio da isonomia – todos os contribuintes são iguais perante o fisco. (Art.5° e Art.150, I da CF); (iii) princípio da anterioridade – proíbe a União, os Estados e os Municípios de cobrar tributos no mesmo exercício de sua instituição (ou seja, os impostos só podem ser cobrados no ano seguinte de sua aprovação em lei). As exceções para esse princípio são o Imposto de Importação, o Imposto de Exportação, o IPI, o IOF e os impostos extraordinários (em caso de guerra). (Art. 150, III a, da CF); (iv) princípio da irretroatividade – proíbe a lei de retroagir: ou seja, não podem ser exigidos tributos sobre fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que instituiu ou aumentou algum tributo. (Art.150, III a, da CF); (v) princípio da capacidade tributária – os impostos serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte. (Art.145, §1º da CF); (vi) princípio da uniformidade – os tributos instituídos pela União serão uniformes em todo o território nacional (Art.151, I da CF); (vii) princípio da inconstitucionalidade – a lei tributária será inconstitucional quando prever pena de prisão civil contra os contribuintes faltosos. (Art. 5°, LXII da CF); (viii) princípio de proteção fiscal – concessão de mandado de segurança para proteger direito líquido e certo do contribuinte. (Art. 5°, LXIX, da CF); (ix) princípio da irretroatividade, é a regra é a aplicação da lei vigente ao momento da ocorrência do fato gerador, com exceção das hipóteses previstas no artigo 106 do CTN, em que permite-se a retroatividade benigna.
A supremacia da Constituição Federal, dentro do “ordenamento jurídico”, deve prevalecer, ou seja, não pode ser contrariada, pois, todas as leis, decretos, portarias, devem estar compatibilizadas, caso contrário, haverá inconstitucionalidade da regra jurídica. Daí porque os princípios constitucionais explícitos e implícitos devem ser observados, como diretriz do sistema jurídico, de modo a preservar o Estado Democrático de Direito de nossa República, visando, em última análise, garantir os direitos fundamentais do cidadão.
2. As limitações do poder de tributar.
Vimos que os princípios constitucionais integram necessariamente o Ordenamento Jurídico. Não é diferente no que tange ao Sistema Constitucional Tributário.
Por oportuno, cumpre esclarecer para que serve a Constituição Federal e a razão das normas que limitam o poder de tributar.
O homem é um ser eminentemente social e como tal, necessita de normas ou regras para regular os direitos individuais na vida em sociedade e limitar seus direitos e obrigações. Mas somente através da instituição de um Estado Democrático de Direito é que a sociedade pode se organizar, caso contrário seria instalado o “caos”.
É a através de uma Constituição que será desenhada a conformação jurídica desse Estado, que lhe outorgará poderes e obrigações. Exemplo de obrigações: garantir aos cidadãos o respeito aos direitos fundamentais.
Desse modo, para que um Estado seja fortalecido, é necessário que os cidadãos paguem tributos para fazer frente às despesas públicas necessárias à sua manutenção.
Na Constituição Federal do Brasil, dentre os poderes que lhe são concedidos está o “Poder Impositivo de Tributação”, de modo que, para evitar arbitrariedades e abusos do fisco, a Constituição de 88 inseriu normas relativas às Limitações do Poder de Tributar, que estão elencadas no Título VI, Capítulo I, Seção II, nos artigos 150 a 152[6].
Algumas das principais regras, também chamadas de princípios, como já mencionamos, são as seguintes: (i) princípio da legalidade; (ii) princípio da tipicidade; (iii) princípio da da igualdade tributária; (iv) princípio da irretroatividade tributária, com exceção do art. 106 do CTN[7] (quando beneficia o contribuinte); (v) princípio da anterioridade; (vi) princípio do não confisco; (vii) princípio da capacidade contributiva; (viii) e nos casos de imunidades tributárias (jornais, revistas, templos, partidos políticos).
A Constituição também prevê o estabelecimento de competências para tributar de cada ente público: Exemplo: IR e Contribuições (União Federal); ICMS (Estados Membros) e ISS (Municípios e Distrito Federal), conforme artigos. 153 a 156[8].
A competência tributária consiste na capacidade de legislar, ou seja, criar in abstrato, instituir tributos por meio de lei. Trata-se da competência que os entes da federação (União, Estados-Membros, DF, Munícipios) detém de por meio de lei para instituir tributos. A repartição da competência tributária está prevista na CF/88, conforme artigos
A capacidade tributária, por outro lado, é a capacidade de fiscalizar e arrecadar tributos. Nem sempre o ente estatal competente para instituir o tributo é aquele que o arrecada. Nessa hipótese, pode-se chegar a 02 situações: parafiscalidade (quando o ente responsável pela arrecadação fica com o seu produto), e a sujeição ativa auxiliar (quando o ente responsável pela arrecadação devolve o valor arrecadado ao ente que instituiu o tributo).
Paulo de Barros Carvalho, ensina que competência tributária com a significação acima especificada, vale dizer, de legislar (pelo Poder Legislativo, já que "legislador", em sentido amplo, todos nós o somos), afirmando que não se confunde com a capacidade. Não se confunde, pois, com a capacidade tributária ativa. Uma coisa é poder legislar, desenhando o perfil jurídico de um gravame ou regulando os expedientes necessários à sua funcionalidade; outra é reunir credenciais para integrar a relação jurídica, no tópico de sujeito ativo. O estudo da competência tributária é um momento anterior à existência mesma do tributo, situando-se no plano constitucional. Já a capacidade tributária ativa, que tem como contranota a capacidade tributária passiva, é tema a ser considerado no ensejo do desempenho das competências, quando o legislador elege as pessoas componentes do vínculo abstrato, que se instala no instante em que acontece, no mundo físico, o fato previsto na hipótese normativa.[9]
Um exemplo que podemos citar diz respeito às contribuições parafiscais, cuja competência para sua criação é a União Federal conforme previsto na Constituição, porém, a capacidade ativa para sua cobrança normalmente é delegada para a entidade destinatária da arrecadação.
Quanto aos critérios de competência, Humberto Ávila, assevera que o Sistema Tributário Nacional, que regula pormenorizadamente a matéria tributária mantém relação com a Constituição toda, em especial com os princípios formais e materiais fundamentais e com os direitos fundamentais, mormente o direito à propriedade e à liberdade, além de outros princípios como o princípio republicano, o princípio federativo, o princípio da segurança jurídica e o princípio da igualdade, que estão vinculados com o poder de tributar.[10]
Neste sentido, Roque Antonio Carrazza, pontua o seguinte:
"A competência tributária esgota-se na lei. Depois que esta for editada, não há falar mais em competência tributária [direito de criar o tributo], mas, somente, em capacidade tributária ativa [direito de arrecadá-lo, após a ocorrência do fato imponível. Temos, pois, que a competência tributária, uma vez exercitada, desaparece, cedendo passo à capacidade tributária ativa. De conseguinte, a competência tributária não sai da esfera do Poder Legislativo; pelo contrário, exaure-se com a edição de lei veiculadora da norma jurídica tributária”[11]”
A partir deste momento, não existe mais relação de poder, senão relação jurídica de caráter obrigacional e relações administrativas e processuais, cujo propósito é a reafirmação da vontade da lei nos casos concretos.
Assim é que temos a competência compartilhada da União, Estados e Municípios, conforme previsto no art. 145, II e III, da CF/88 e arts. 77 e 81 do CTN, para a instituição de taxas e contribuições de melhoria. A competência privativa para a instituição de impostos estão previstos nos artigos 153 (União), 155 (Estados) e 156 (Municípios). No que tange a competência cumulativa, tem previsão no artigo 157 do CF/88, onde a União tem o poder de instituir impostos estaduais nos Territórios Federais e se os Territórios não forem divididos em Municípios, os impostos Municipais. E ainda, a previsão da competência residual conforme artigo 154, I, e artigo 195, parágrafo 4o, da CF/88, que é o poder da União e somente ela instituir impostos ou contribuição (se assim desejar) por meio de lei complementar, respeitando o princípio da não-cumulatividade. Temos também na Constituição Federal a previsão da competência extraordinária da União de instituir impostos em casos de guerra externa ou sua iminência, independentemente de já terem ou não fatos geradores idênticos já previstos na CF/88, isto é, previsão expressa de bis in idem, cessando sua cobrança 05 anos após a celebração de paz (art. 76 do CTN). E, finalmente, a competência especial da União, de acordo com os artigos 148, 149 e 149-A, da CF/88, para instituir empréstimo compulsório e as contribuições parafiscais (contribuições sociais, contribuições de intervenção no domínio econômico e contribuições de interesses das categorias profissionais e econômicas), excetuando-se a competência dos Estados, do DF e dos Municípios, para as contribuições sociais para o custeio da previdência social de seus próprios servidores, (Art. 149, parágrafo 1o, da CF/88), bem como, o poder conferido aos Municípios e ao DF para instituição de contribuição para o custeio para iluminação pública.
Fica evidente, portanto, que os conflitos de competência em Direito Tributário são, em verdade, na sua quase totalidade, solucionados pela própria Constituição.
A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios receberam da Carta Constitucional competências privativas, ou competências exclusivas, como preferem alguns autores, seja para criar impostos, taxas ou contribuições.
O estudo das “competências tributárias” faz sentido porque o Brasil tem a conformação de Estado Federal. Se fosse um Estado Unitário, não faria sentido ou seria inócuo, pois, neste caso, a competência de criar tributos seria do Estado Central.
A União e os Estados-membros são autônomos e legislam inclusive em matéria tributária. Embora os Municípios e o Distrito Federal não façam parte do pacto federativo, também possuem competência privativa para criar alguns tributos.
Portanto, é fundamental o estudo das espécies e subespécies dos tributos para que o sujeito passivo averigue se está sendo tributado de modo correto, pela pessoa política competente, nos termos da Constituição Federal, não sendo apenas um estudo acadêmico, segundo Roque Antonio Carrazza[12]
Depois, temos o Código Tributário Nacional, as Leis Ordinárias, Leis Delegadas, Medidas Provisória, Decretos Legislativos, Resoluções, os Decretos Regulamentares, as Instruções Normativas Ministeriais, Circulares, Portarias, Ordens de Serviço e os Regulamentos Internos, até chegar ao agente fiscal, cujas regras, com as limitações legais pertinentes, devem ser igualmente observadas.
Neste eito, destacamos a seguinte indagação: para que serve o Código Tributário Nacional? Serve para proteger o contribuinte e não uma ferramenta para o fisco arrecadar.
Mesmo com toda essa limitação para o Estado tributar, nossa carga tributária é de praticamente 40% do PIB. Atualmente, o Brasil tem a maior carga tributária da América Latina e se aproxima da carga tributária de países como França e Austrália.
Tudo isso sem contar a complexidade de nossa legislação fiscal, impondo, além de tudo, miríades de deveres instrumentais ao sujeito passivo tributário (obrigação de fazer ou não fazer), que ao menor deslize, o “contribuinte” (leia-se: sujeito passivo), fica sujeito a pesadas multas fiscais.
Daí a necessidade de se ter instrumentos para a defesa contra abusos e ilegalidades, com o escopo de proteger e dar segurança jurídica ao contribuinte através do devido processo legal, conforme previsto no art. 5ª, inciso LV da CF/88[13], isto é, o processo administrativo e o judicial (contraditório e ampla defesa).
Invariavelmente, o sujeito passivo da relação tributária é obrigado a contestar e se defender de ilegalidades, arbitrariedades e abusos da Fazenda e dos agentes fiscais, mormente em razão da voracidade do fisco em arrecadar cada vez mais e mais, a despeito de todas as normas que “limitam o poder de tributar”.
3. O ICMS e a regra-matriz constitucional.
Colocadas as premissas anteriormente apontadas, abordaremos especificamente o ICMS na Constituição de 1988, dando ênfase à regra-matriz constitucional.
Reafirmamos a supremacia da Constituição Federal, vale dizer, que as normas constitucionais não podem ser contrariadas, pois, todas as leis, decretos, portarias, devem estar compatibilizadas, para que não se configure inconstitucionalidade da regra jurídica.
3.1 O instituto da regra-matriz de incidência tributária.
Antes de adentramos no estudo da regra-matriz constitucional do ICMS, é oportuno entender a estrutura da regra-matriz de incidência tributária.
A regra-matriz de incidência tributária pode ser definida como uma norma de conduta que disciplina a relação jurídico-tributária entre o Estado e o contribuinte, em razão das obrigações tributárias impostas por lei, sejam elas pecuniárias, instrumentais ou sancionatórias (dar; não-dar; fazer; não-fazer; ser; não-ser).
A lei prevê um determinado fato jurídico tributário como hipótese de incidência tributária e, uma vez ocorrido o fato previsto, aparece a relação jurídica entre sujeito ativo e sujeito passivo. Concretizando-se os fatos descritos na hipótese, ocorre a consequência, e esta, por sua vez, prescreve uma obrigação patrimonial. Nela, encontraremos uma pessoa (sujeito passivo) obrigada a cumprir uma prestação em dinheiro.[14]
Os elementos da regra matriz são a hipótese e a consequência, que se desdobram em critérios. São estas propriedades que o legislador entendeu como importantes para caracteriza-lo. São os critérios de identificação da hipótese normativa.
Os critérios da hipótese são: Critério material (como); Critério espacial (onde); Critério temporal (quando).
O critério material é a expressão que delimita o núcleo do acontecimento a ser provido à categoria de fato jurídico tributário. [15]
É, em síntese, o verbo mais o complemento da norma. Por exemplo: Ser proprietário de veículo automotor.
O critério espacial é justamente o critério que delimita o espaço físico em que a norma jurídica incidirá.
O critério temporal é o que determina o momento em que a norma ocorrerá. Por exemplo: "Primeiro dia do ano", "Todo mês", "A cada trinta dias", etc.
Os critérios da consequência são: a) Critério pessoal, que se subdivide em sujeito ativo e sujeito passivo; b) Critério quantitativo, que se subdivide em base de cálculo e alíquota.
O critério pessoal é o critério que nos mostra quem são os sujeitos da relação jurídica tributária, que se subdivide em sujeito ativo e sujeito passivo.
O sujeito ativo é aquele que detém o direito subjetivo de exigir a prestação da obrigação tributária, vale dizer, o Estado, que figura como credor, não obstante possa existir o sujeito ativo indireto nos casos de tributos parafiscais.
Sujeito passivo é o devedor do tributo, é aquele que tem o dever de cumprir a obrigação tributária.
No critério quantitativo, existem dois fatores: base de cálculo e alíquota que combinados irá traduzir um resultado de cunho pecuniário. Ambas tem a mesma natureza; mas se a base de cálculo não contiver uma importância, em dinheiro, certamente a alíquota terá.
A base de cálculo é a dimensão da materialidade do tributo, que indicará os critérios para mensurar o fato jurídico tributário. A alíquota, normalmente é um percentual que incide sobre a base de cálculo.
3.2 A regra-matriz constitucional do ICMS.
Registramos desde já que o artigo 155, § 2º, inciso XII, da Constituição Federal, prevê que cabe à Lei Complementar disciplinar o ICMS, mormente os critérios da regra-matriz de incidência tributária do imposto.
Portanto, a Lei Complementar pode: a) definir seus contribuintes; b) dispor sobre substituição tributária; c) disciplinar o regime de compensação do imposto; d) fixar, para efeito de sua cobrança e definição do estabelecimento responsável, o local das operações relativas à circulação de mercadorias e das prestações de serviços; e) excluir da incidência do imposto, nas exportações para o exterior, serviços e outros produtos além dos mencionados no inciso X, "a"; f) prever casos de manutenção de crédito, relativamente à remessa para outro Estado e exportação para o exterior, de serviços e de mercadorias; g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados – CONFAZ – CONVÊNIOS; h) definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única vez, qualquer que seja a sua finalidade, hipótese em que não se aplicará o disposto no inciso X, b; i) fixar a base de cálculo, de modo que o montante do imposto a integre, também na importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço.
Assim, a LC 87/96 (Lei Kandir) disciplinou normas gerais sobre o ICMS.
A sigla ICMS, conforme Roque Antonio Carrazza, compreende cinco impostos diferentes: a) o imposto sobre operações mercantis (operações relativas à circulação de mercadorias), que compreende o que nasce da entrada, na Unidade Federada, de mercadorias ou bens importados do exterior; b) o imposto sobre serviços de transporte interestadual e intermunicipal; c) o imposto sobre serviços de comunicação; d) o imposto sobre produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos e de energia elétrica; e) imposto sobre a extração, circulação, distribuição ou consumo de minerais. [16]
Na ensinança de JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO, o ICMS incide sobre “operações relativas à circulação de mercadorias”, na forma do artigo 155, II, da CF/88, sempre envolvendo negócio jurídico mercantil, mas não toda e qualquer “circulação”.[17]
O ICMS somente poderá incidir sobre a realização de operações relativas a circulação de mercadorias, isto é, circulação jurídico-comercial, onerosa, exigindo a transferência de titularidade da mercadoria de uma pessoa para outra, ou seja, a sua disponibilidade e não meramente transferência física.
3.2.1 Do critério material do ICMS.
No Critério Material da RIMIT – Regra-Matriz de Incidência Tributária – (fato gerador), estão as “operações”, que é configurada pela prática de ato jurídico (negócio jurídico), oneroso, entre o alienante e o adquirente, pressupondo a transmissão de um direito (posse ou propriedade).
Alcides Jorge Costa, enfatiza que “operação relativa a circulação de mercadorias é, pois, um ato jurídico, no sentido de ato material ou não negocial que consiste na imediata realização de uma vontade, no caso, a de promover a circulação de mercadorias para levá-la da fonte de produção até o consumo”.[18]
A Circulação, é a passagem das mercadorias de uma pessoa para outra, decorrente de um ato jurídico ou de um contrato, isto é, movimentação com mudança de patrimônio.[19]
Portanto, a circulação para efeitos jurídicos significa “mudar de titular”, seja transferindo a propriedade ou a posse.
Mercadoria é gênero de “produto”, vale dizer, bem econômico que é produzido com o objetivo de realizar venda ou adquirir para revender, com a finalidade de obtenção de lucro econômico. Assim, se não houver mercancia ou não for transacionado com habitualidade, não é considerado mercadoria.
José Eduardo Soares de Melo, observa que: “Os conceitos de “circulação, “operação” e “mercadoria”, permanecem umbilicalmente ligados, devendo os intérpretes e os destinatários do ICMS, tomá-los na sua concepção jurídica para efeito de caracterização de sua incidência.”[20]
Esses conceitos se interligam e se completam, de modo devem estar presentes no caso concreto, para haja incidência do ICMS.
Roque Antonio Carrazza, conceitua mercadoria para fins de tributação do ICMS como sendo bem móvel, sujeito à mercancia.[21]
Em outras palavras, a mercadoria é bem móvel corpóreo adquirida pelo comerciante, industrial ou produtos, para que seja revendida.
Tributa-se, portanto, uma obrigação de dar mercadoria, isto é, o ICMS incide sobre ato jurídico mercantil oneroso.
3.2.2 Do critério temporal DO ICMS.
O Critério Temporal do ICMS, isto é, o momento em que ocorre o fato jurídico tributário, nascendo a relação jurídica tributária entre o sujeito ativo que detém o direito subjetivo de exigir do sujeito passivo, a prestação pecuniária, é a saída da mercadoria fora dos limites físicos do estabelecimento do contribuinte, em decorrência de um negócio jurídico mercantil.
A simples estocagem, a saída de mercadoria para ser mostrada ao cliente, não configura circulação de mercadoria para fins de incidência do tributo.
O legislador ordinário estadual e do DF, pode eleger o momento em que a transmissão jurídica será considerada realizada: i) momento da entrada da mercadoria no estabelecimento comercial, industrial ou produtor; ii) momento da saída da mercadoria em qualquer um desses locais; iii) momento da extração da Nota Fiscal.
Assim, a lei ordinária apenas define oficialmente no espaço e no tempo a ocorrência da preexistente da operação mercantil.
Para Paulo de Barros Carvalho, sobre o critério temporal da hipótese tributária, ensina:
“Compreendemos o critério temporal da hipótese tributária, como grupo de indicações, contidas no suposto da regra, e que nos oferecem elementos para saber, com exatidão, em que preciso instante acontece o fato descrito, passando a existir o liame jurídico que amarra do devedor e credor, em função de um objeto – o pagamento de certa prestação pecuniária.”[22]
3.2.3 Do critério especial do ICMS.
O Critério espacial é a indicação no suposto da norma tributária, do lugar onde o fato típico ocorre.
Paulo de Barros Carvalho, sobre o critério material ensina: [23]
“Acreditamos que os elementos indicadores da condição de espaço, nos supostos das normas tributárias, hão de guardar uma dessas três formas compositivas, diretriz que nos conduz a classificar o gênero tributo na conformidade do grau de elaboração do critério espacial da respectiva hipótese tributária:
a) hipótese cujo critério espacial faz menção a determinado local para a ocorrência do fato típico;
b) hipótese em que o critério espacial alude a áreas específicas, de tal sorte que o acontecimento apenas ocorrerá se dentro delas estiver geograficamente contido;
c) hipótese de critério espacial bem genérico, onde todo e qualquer fato, que suceda sob o manto da vigência territorial da lei instituidora, estará apto a desencadear seus efeitos peculiares.”
Conforme artigo 155, parágrafo 2o, inciso XII, letra “d”, cabe à Lei Complementar, fixar, para efeito de sua cobrança e definição do estabelecimento responsável, o local das operações relativas à circulação de mercadorias e das prestações de serviços.
Assim, a LC 87/96, no artigo 11, parágrafo 3o, define estabelecimento.
Rubens Requião define estabelecimento ou fundo de comércio como o instrumento de atividade do empresário.[24]
A mesma LC 87/96 faz inúmeras referencias ao conceito de “estabelecimento” para efeitos de incidência do ICMS, como se verifica nos artigos 2o, par. 1o, inciso I, bem como, para efeitos de não incidência (art. 3o, inciso VI, parágrafo único, inciso I), local da operação (art. 11, I), fato gerador (12, I, II e IV), base de cálculo (arts. 13, par. 4o, III, e 15, II e III); e não-cumulatividade (artigos. 20, 23, 25, 26 e 32), o que demonstra a importância desse conceito, que também está previsto no art. 1.142 do Código Civil.
3.2.4 Do critério pessoal do ICMS.
O Critério pessoal é o critério que nos mostra quem são os sujeitos da relação. Se subdivide em duas partes – sujeito ativo (titular do direito subjetivo de exigir a prestação pecuniária, que pode ser pessoa jurídica de direito público, privado ou até pessoa física se esta estiver desempenhando real e exclusivo interesse público definido em lei – art. 119) e sujeito passivo ( física, jurídica, privada ou pública de quem se exige o cumprimento da prestação pecuniária ou não – art. 121).
Assim, temos o contribuinte na relação direta; e os responsáveis, ou seja, os sujeitos passivos indiretos que apresenta duas modalidades: por transferência (solidariedade, sucessão ou responsabilidade) e por substituição.
Em se tratando de ICMS, a Constituição de 1988 não explicitou o sujeito passivo, ou seja, o agente capaz de fazer nascer a obrigação de pagar o ICMS, mas é inegável que assim como ocorria com o ICM, é o comerciante, o industrial e o produtor.
Mas não são só as pessoas dotadas de personalidade jurídica que figuram como sujeito passivo da relação tributária. O comerciante de fato, o comerciante irregular, um agregado familiar que, ainda que de modo clandestino, promova em caráter de habitualidade, atos de comércio ou, mesmo, um menor absolutamente incapaz que, repetidamente, pratique operações relativas à circulação de mercadorias e assim avante (Roque Antonio Carrazza).[25]
Portanto, qualquer pessoa física, jurídica ou sem personalidade jurídica que pratique com habitualidade ou por volume, operação de circulação de mercadorias, pode ser contribuinte, como aliás prevê o artigo 7o da Lei Estadual Bandeirante 6374/89. No mesmo sentido, é o disposto no artigo 4o, da LC 87/96.
É a destinação à mercancia que gera a incidência do ICMS, como observa Roque Antonio Carrazza. [26]
3.2.5 Do critério quantitativo do ICMS.
O critério quantitativo fala do objeto da prestação, subdividida em “base de cálculo e alíquota”. Neste critério encontramos referências à grandeza que o legislador pretendeu dimensionar o fato jurídico tributário, para definir a quantia a ser pagar pelo contribuinte.
Pois bem. A base de cálculo é a dimensão da materialidade do tributo, que indicará os critérios pra mensurar o fato jurídico tributário, como já dissemos alhures.
Mais uma vez, lembrando os ensinamentos de Roque Antonio Carrazza, o jurista adverte que o contribuinte deve estar garantido de que o está sendo tributado de acordo com a Constituição, exigindo, para tanto, uma correlação lógica entre a base de cálculo e a hipótese de incidência do tributo (fato jurídico tributário), bem como, que o critério de medição da base de cálculo deve observar a razoabilidade e a proporcionalidade para com o critério material possível da RMIT que está sendo considerada.[27]
Portanto, a base de cálculo do ICMS deve levar em conta, efetivamente, o valor da operação mercantil. Tanto é que a legislação ordinária prevê que a base de cálculo do tributo é o valor que decorre da saída da mercadoria.
Entretanto, o artigo 24, da Lei 6374/89, prevê que deve incluir na base de cálculo do ICMS: juros, seguros, e demais débitos, descontos sob condição, frete (realizado pelo remetente ou por sua conta e ordem), IPI (ressalvados os casos em que ocorra fato gerador de ambos os impostos) e os serviços de montagem e instalação, quando o remetente assumiu a obrigação de entregar os equipamentos montados.
E ainda, conforme artigo 33, da Lei 6374/89, que o montante do imposto deve integrar a própria base de cálculo. A chamada “base de cálculo por dentro”
A Alíquota, que também é integrante da RMIT, geralmente expresso em percentuais sobre a base de cálculo, a fim de apurar o exato valor do débito fiscal, que pode ser progressiva, mas nem sempre respeitando o princípio da legalidade estrita e o princípio do não confisco (art. 150, IV, 5o, XXII, 170, II, da CF/88).
No caso do ICMS, o ente tributante pode fixar a alíquota por meio de lei ordinária, mas desde que respeitados os limites das alíquotas mínimas e máximas estipuladas pelo Senado Federal, que será por meio de Resolução, mediante iniciativa de 1/3 de seus membros e aprovada pela maioria absoluta de seus membros, e por maioria absoluta, com aprovação de 2/3 de seus membros, respectivamente, consoante art. 155, parágrafo 2o, V, da CF/88.
Também por meio de Resolução do Senado, mediante iniciativa de 1/3 dos Senadores e aprovada pela maioria absoluta de seus membros, poderá fixar alíquotas para operações e prestações interestaduais e para exportação.
A legislação paulista prevê alíquota de 18%, mas o art. 34 da Lei 6473/89 prevê exceções (alíquotas interestaduais conforme a região – 12% ou 7% -, por transporte aéreo – 4%, dentre outros).
4. O princípio da não-cumulatividade na constituição e o pleno direito ao crédito.
Com a compreensão da regra-matriz constitucional do ICMS, passaremos a demonstrar que o direito irrestrito ao aproveitamento de créditos de ICMS é impostergável, tendo em vista o princípio da não-cumulatividade expressamente previsto na Constituição Federal.
A vedação a crédito, em exceção ao princípio da não-cumulatividade, tem previsão na própria Constituição Federal, no artigo 155, § 2º, inciso II, alíneas “a” e “b”, do caso ﷽﷽a Constitucional, tambrevista na Carta Constitucional, tamb de que, isto é, no caso das isenções ou não incidências, hipóteses em que não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; e acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores.
4.1 Algumas considerações sobre o princípio da não-cumulatividade.
O princípio da não-cumulatividade do ICMS é uma norma constitucional expressa que gera um direito subjetivo do contribuinte em aproveitar a cada operação o montante devido nas operações anteriores, conforme artigo 155, I, b, e seu § 2º, I, da Carta Magna.
Noutro giro, o princípio da não-cumulatividade é garantia constitucional do contribuinte (art. 60, parágrafo 4o, inciso IV, da CF/88), que não pode ser ignorada ou desrespeitada pelo legislador infraconstitucional ou infra-legal, de modo a assegurar o direito a pleno aproveitamento dos créditos de ICMS através do mecanismo da compensação, que é a essência desse instituto.
A CF/88 ao instituir o IPI e o ICMS, previu sua não-cumulatividade, ou seja, compensando-se no que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores.
É de se indagar se a não-cumulatividade é um valor ou um limitador objetivo.
Pensamos que sim, pois, o princípio da não-cumulatividade dista de ser um valor. Na verdade, é um limite objetivo, mas que se volta à realização de certos valores como a “justiça da tributação, respeito à capacidade contributiva do administrado, o da uniformidade na distribuição da carga tributária.” Isso permite evitar distorções como a tributação em cascata como o aumento de preço e efeitos inflacionários.
Para atingir esse objetivo a CF impende a edição de norma jurídica prevendo o direito ao crédito daquele que adquire o crédito, que se dá nas várias etapas dos procedimentos de industrialização – direito ao crédito nascido na aquisição do insumo ou mercadoria / relação jurídica tributária que nasce na saída do bem. Por isso que o direito ao crédito é tão importante na consecução da técnica impositiva da não-cumulatividade.
O direito à compensação é de cunho patrimonial e o crédito é escritural, ou seja, serve apenas como moeda de pagamento parcial do IPI e do ICMS.
Portanto, o princípio da não-cumulatividade pode ser aplicado independentemente de regulamentação legal ou infra-legal, devendo o fisco imprimir esforços para considerar todos os créditos do contribuinte.
Paulo de Barros Carvalho, pontua que o princípio da não-cumulatividade deve ser rigorosamente observado:
“O primado da não cumulatividade é uma determinação constitucional que deve ser cumprida, assim por aqueles que dela se beneficiam, como pelos próprios agentes da Administração Pública. E tanto é verdade, que a prática reiterada pela aplicação cotidiana do plexo de normas relativas ao ICM e IPI consagra a obrigatoriedade do funcionário, encarregado de apurar quantia devida pelo ‘contribuinte’, considerar-lhe os créditos, ainda que contra sua vontade.”[28]
O direito ao crédito do contribuinte, independe da efetiva cobrança ou pagamento do tributo nas operações anteriores. Basta que o ICMS seja “devido”.
Neste sentido é o que assevera ROQUE ANTONIO CARRAZZA[29]:
“Interpretação cuidadosa do texto constitucional revela-se-nos que o direito ao crédito em tela independe, para surgir, da efetiva cobrança do ICMS nas anteriores operações ou prestações.
Deveras, a Magna Carta nada exige neste sentido, não podendo nenhuma norma infraconstitucional criar restrições a respeito.
Isto significa que o direito à compensação permanece íntegro ainda que um dos contribuintes deixe de recolher o tributo ou a Fazenda Pública de lança-lo (salvo, como explicaremos mais adiante, por motivo de isenção ou não incidência). Basta que a leis de ICMS tenham incidido sobre as operações ou prestações anteriores para que o abatimento seja devido.
Em suma, a expressão “montante cobrado”, contida na segunda parte do art. 155, §2o, I, da CF, deve ser juridicamente entendida como “montante devido” e, não, como “montante efetivamente exigido”
Quanto à origem dos créditos, não há necessidade ser da mesma mercadoria. A Constituição confere ao contribuinte o direito de abater do montante do ICMS a pagar, tudo o que foi devido pelos outros contribuintes (transporte, comunicação, mercadorias), estabelecendo uma “relação de débitos e créditos“ (entradas = créditos / saídas = débitos), num dado lapso temporal, que geralmente é de 30 dias. No que pertine à destinação, o direito ao crédito independe do destino da mercadoria ou serviços adquiridos, por força do princípio da não-cumulatividade.
Com efeito, as únicas vedações do direito ao crédito, como observamos anteriormente, são aquelas previstas no artigo 155, parágrafo 2o, inciso II, da CF. Tirante essas hipóteses, o crédito ao ICMS é amplo e irrestrito.
Na apuração, se os créditos forem maiores que os débitos, não haverá pagamento de imposto e o crédito será mantido ou acumulado na escrita fiscal para utilização no período seguinte e assim, sucessivamente.
Há em nosso ordenamento, a previsão do chamado “crédito presumido”, que é a outorga de crédito fiscal que não corresponde às efetivas entradas de mercadorias, em substituição ao sistema convencional para pagamento de ICMS como moeda, com o fim de incentivo a determinados seguimentos, pela complexidade, onerosidade ou para neutralizar os efeitos da guerra fiscal. O crédito presumido não pode ser prejudicial ao contribuinte e deve respeitar as diretrizes da não-cumulatividade, sem restrição do seu alcance.
É importante ainda, fazermos uma referência ao “diferimento”. Diferimento não é isenção, incentivo ou benefício fiscal. Significa adiamento do pagamento do tributo, pois, o tributo será pago no futuro, por quem tenha adquirido as mercadorias, revende as mercadorias.
Assim, o novo contribuinte pagará o ICMS devido na operação mercantil que realizou e também na operação mercantil anterior.
O Diferimento, portanto, é modalidade de substituição tributária para trás.
4.2 Disciplina do regime de compensação.
Cabe à Lei Complementar, nos termos do art. 155, paragrafo 2o, XII, “c” e “f”, da CF/88, disciplinar a manutenção de créditos de ICMS.
Deve disciplinar apenas a operacionalização um sistema de escrituração e controle, ou seja, disciplinar procedimentos de constituição e utilização do créditos ou da execução do regime de compensação, e de manutenção de créditos (exportação e remessa para outro Estado), sem restringir, dificultar ou interferir no conteúdo e no alcance do princípio da não cumulatividade, nem prever limites temporais.
4.3 Da restrição aos créditos – considerações gerais.
Desde a entrada e vigor da Constituição de 1988, tendo em vista o princípio da não-cumulatividade, a aquisição de bens, mercadorias e materiais para uso e consumo ou ativo permanente, pode ser aproveitado de forma ampla, ou seja, sem restrições, pouco importando sua destinação, numa interpretação sob a ótica da Constituição.
O princípio da não cumulatividade não pode ser alterado ou restringido pelo Legislativo ou pelo Executivo, nem tampouco por Lei Complementar (art. 155, parágrafo 2o, XII, “c”). Toda e qualquer legislação infraconstitucional deve observar rigorosamente o que está prescrito na Constituição Federal (art. 155, parágrafo 2o, incisos I e II da CF/88).
Esse direito de crédito amplo foi comtemplado, pelo artigo 20 da LC 87/96, em confirmação ao princípio da não cumulatividade.
Roque Antonio Carrazza registra que:
“Reduzindo o raciocínio à sua expressão mais simples, a aquisição de bens ou mercadorias destinados ao ativo imobilizado do contribuinte não foi considerada, pela Constituição, hipótese apta a acarretar a anulação, ainda que parcial, do crédito relativo às operações ou prestações anteriores. O mesmo podemos dizer das aquisições de bens ou mercadorias para serem utilizados, pelo contribuinte, em seu processo industrial ou comercial. Todos esses créditos, sem exceção, poderão ser integralmente aproveitados.”[30]
Com efeito, o artigo 33, II, do Convenio 66/88, na vigência da CF/88 era inconstitucional. Hoje, tal dispositivo encontra-se superado pelo advento da LC 87/96 e pela jurisprudência pacificada do STJ.
Do mesmo modo, o artigo 33 da LC 87/96, com a atual redação dada pela LC 138/2010, que limita a eficácia temporal do aproveitamento do crédito de bens destinados ao ativo permanente (parágrafo 5o, do art. 20), e restringe a utilização de créditos de energia elétrica somente se consumida no processo de industrialização e dos materiais de uso e consumo, até 2020 (art. 33, II e IV, da LC 87/96), referida norma é inconstitucional, por manifesta violação ao princípio da não-cumulatividade. O direito a crédito é incondicional e amplo.
4.4 Do crédito extemporâneo.
O direito ao crédito pelo contribuinte é insofismável. Nada impede que o exercício do direito ao crédito em qualquer momento, desde que respeitado o prazo decadencial de 05 anos, conforme artigo 23, parágrafo único da LC 87/96, em combinação com o artigo 168 do CTN. O artigo 38, parágrafo 3o, da Lei Estadual Bandeirante 6374/89, prevê o direito de aproveitamento do crédito extemporâneo do ICMS, no prazo de 05 anos.
Quanto à correção monetária do crédito extemporâneo, não obstante o equivocado posicionamento do STF, o contribuinte tem direito de corrigir monetariamente o montante do crédito extemporâneo, pelos mesmo índices adotados pelo fisco para corrigir seus créditos, já que a correção monetária apenas tem o condão de repor o poder aquisitivo da moeda. Não significa um plus ou acréscimo patrimonial , de modo que a correção monetária evita o enriquecimento sem causa da Fazenda, além de preservar a isonomia do tratamento tributário, pois, os débitos fiscais são devidamente corrigidos até o efetivo pagamento.
Ademais, o crédito de ICMS é moeda de pagamento do débito de ICMS. O ICMS corrigido continua sendo ICMS, não fazendo qualquer sentido o fisco receber com moeda “forte”, e o contribuinte pagar com moeda “fraca“ (crédito nominal, sem correção monetária), Isto implicaria em confisco, que é verdade pela Carta Magna.
Qualquer norma de vede a correção monetária dos créditos extemporâneos é inconstitucional, até porque, também implica em violação ao princípio da não-cumulatividade.
O mesmo se diga com relação ao termo inicial da correção monetária quando o contribuinte emite a Nota Fiscal de saída com seu registro na forma do art. 215 do RICMS/SP, mas o crédito somente será possível depois o ingresso da mercadoria adquirida no estabelecimento conforme art. 72 do RICMS/SP. Assim, nos casos em que a mercadoria é posteriormente recebida, ou seja, no mês subsequente ou em mais tempo, o contribuinte tem direito à correção, pois, o fisco recebe o valor antecipadamente do ICMS, mas o crédito é feito à posteriori.
No entanto, de forma equivocada, o STF entendeu que somente incide correção monetária a partir da recusa injusta do crédito pelo fisco. E o fundamento da mais Alta Corte, foi de que, como não há lei prevendo correção monetária para créditos extemporâneos, o crédito deve ser pelo valor nominal (RE 205.453; RE 195.902; RE 247.520)[31]
5. Vedação aos créditos de icms consoante as normas infraconstitucionais.
Não há dúvidas de que o princípio da não-cumulatividade do ICMS é cláusula pétrea (art. 60, parágrafo 4o, inciso IV, da CF/88), cuja norma constitucional garante um direito subjetivo do contribuinte em aproveitar a cada operação o montante devido nas operações anteriores.
Ora, pela sistemática da não-cumulatividade, estão inseridos os princípios legalidade e da tipicidade tributária, da capacidade contributiva, do não-confisco e do bis in idem tributário (art. 154, I, CF/88), mormente para evitar o efeito cascata.
Além do mais, a não cumulatividade expressamente prevista na Carta Constitucional, também atende aos princípios que informam o Estado Democrático Social de Direito, que concorrem com os princípios do Estado Democrático de Direito, como é o caso do princípio da dignidade humana e o princípio da justiça social e as normas pertinentes aos Estado Democrático Social de Direito como o art. 5o inciso XXIII, de que toda propriedade privada deve cumprir sua função social.
Com efeito, diz o artigo 155, I, b, e seu § 2º, I, da Carta Magna, o seguinte:
“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir:
I – imposto sobre:
b) operações relativas a circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
§ 2º O imposto sobre o inciso I, b, atenderá ao seguinte:
I – será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestações de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou Distrito Federal; “
O artigo 155, parágrafo 2o, XII, letra “c”, CF/88 assegura ao legislador complementar disciplinar sobre o regime compensação do imposto.
A Lei Complementar 87/96, de forma mais ampla, e de forma compatível com a Constituição Federal, no artigo 20, prevê a possibilidade da compensação de todas as mercadorias que ingressarem no estabelecimento, independentemente da destinação, vale dizer, inclusive as mercadorias destinadas ao uso e consumo, nos seguintes termos:
Art. 20. Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação.
§ 1º Não dão direito a crédito as entradas de mercadorias ou utilização de serviços resultantes de operações ou prestações isentas ou não tributadas, ou que se refiram a mercadorias ou serviços alheios à atividade do estabelecimento.
§ 2º Salvo prova em contrário, presumem-se alheios à atividade do estabelecimento os veículos de transporte pessoal.
§ 3º É vedado o crédito relativo a mercadoria entrada no estabelecimento ou a prestação de serviços a ele feita:
I – para integração ou consumo em processo de industrialização ou produção rural, quando a saída do produto resultante não for tributada ou estiver isenta do imposto, exceto se tratar-se de saída para o exterior;
II – para comercialização ou prestação de serviço, quando a saída ou a prestação subseqüente não forem tributadas ou estiverem isentas do imposto, exceto as destinadas ao exterior.
§ 4º Deliberação dos Estados, na forma do art. 28, poderá dispor que não se aplique, no todo ou em parte, a vedação prevista no parágrafo anterior.
§ 5o Para efeito do disposto no caput deste artigo, relativamente aos créditos decorrentes de entrada de mercadorias no estabelecimento destinadas ao ativo permanente, deverá ser observado: (Redação dada pela LCP nº 102, de 11.7.2000) (Vide Lei Complementar nº 102, de 2000) (Vide Lei Complementar nº 102, de 2000)
I – a apropriação será feita à razão de um quarenta e oito avos por mês, devendo a primeira fração ser apropriada no mês em que ocorrer a entrada no estabelecimento; (Inciso Incluído pela LCP nº 102, de 11.7.2000)
II – em cada período de apuração do imposto, não será admitido o creditamento de que trata o inciso I, em relação à proporção das operações de saídas ou prestações isentas ou não tributadas sobre o total das operações de saídas ou prestações efetuadas no mesmo período; (Inciso Incluído pela LCP nº 102, de 11.7.2000)
III – para aplicação do disposto nos incisos I e II deste parágrafo, o montante do crédito a ser apropriado será obtido multiplicando-se o valor total do respectivo crédito pelo fator igual a 1/48 (um quarenta e oito avos) da relação entre o valor das operações de saídas e prestações tributadas e o total das operações de saídas e prestações do período, equiparando-se às tributadas, para fins deste inciso, as saídas e prestações com destino ao exterior ou as saídas de papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos; (Redação dada pela Lei Complementar nº 120, de 2005)
IV – o quociente de um quarenta e oito avos será proporcionalmente aumentado ou diminuído, pro rata die, caso o período de apuração seja superior ou inferior a um mês; (Inciso Incluído pela LCP nº 102, de 11.7.2000)
V – na hipótese de alienação dos bens do ativo permanente, antes de decorrido o prazo de quatro anos contado da data de sua aquisição, não será admitido, a partir da data da alienação, o creditamento de que trata este parágrafo em relação à fração que corresponderia ao restante do quadriênio; (Inciso Incluído pela LCP nº 102, de 11.7.2000)
VI – serão objeto de outro lançamento, além do lançamento em conjunto com os demais créditos, para efeito da compensação prevista neste artigo e no art. 19, em livro próprio ou de outra forma que a legislação determinar, para aplicação do disposto nos incisos I a V deste parágrafo; e (Inciso Incluído pela LCP nº 102, de 11.7.2000)
VII – ao final do quadragésimo oitavo mês contado da data da entrada do bem no estabelecimento, o saldo remanescente do crédito será cancelado. (Inciso Incluído pela LCP nº 102, de 11.7.2000)
§ 6º Operações tributadas, posteriores a saídas de que trata o § 3º, dão ao estabelecimento que as praticar direito a creditar-se do imposto cobrado nas operações anteriores às isentas ou não tributadas sempre que a saída isenta ou não tributada seja relativa a:
I – produtos agropecuários;
II – quando autorizado em lei estadual, outras mercadorias.”
Pelo artigo 20, na sua intelecção, a norma impõe exceções ao direito ao crédito em relação às mercadorias “alheias às atividades do estabelecimento”, bem como, as vinculadas às saídas “não tributadas ou isentas.”
Mas o artigo 33, inciso I, da LC 87/96, ampliou a restrição para as mercadorias destinadas ao uso e consumo, transitoriamente, ou seja, até 31.12.2019, segundo a legislação vigente.
“Art. 33. Na aplicação do art. 20 observar-se-á o seguinte:
I – somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento nele entradas a partir de 1o de janeiro de 2020;”
Tendo em vista a edição da LC 87/96, uma digressão se mostra oportuna em nosso estudo.
O regime adotado pela LC 87/96 difere do regime do Convênio 66/88, que continha regra negativa, prevendo a inexistência do direito ao crédito, se não houvesse integração da mercadoria ao produto final ou se não fosse consumida integral e imediatamente no processo industrial, consoante artigo 31, inciso III.
Como dissemos alhures, o legislador complementar, no artigo 20 suso transcrito, ampliou a regra do direito ao crédito para todas as mercadorias que ingressem no estabelecimento, seja qual for a destinação, ressalvadas as hipóteses expressas de mercadorias adquiridas alheias às atividades da empresa, as isentas e as não tributadas, sendo esta a regra geral vigente.
Pelo regime da LC 87/96, houve uma mudança de critério em relação ao Convênio 66/88, sendo que, pela regra atual, o crédito é vedado apenas quando “não houver qualquer vínculo ou inerência” entre a mercadoria e o processo industrial, ou comercial, ou de prestação de serviços, desenvolvido pelo estabelecimento.
Procedendo-se uma análise sistemática da norma complementar, tem-se que o artigo 33, I, da LC 87/96, por ser norma transitória, é uma exceção à regra geral e não uma outra regra geral, de modo que esta deve ser interpretada restritivamente.
Desse modo, para a aplicação do artigo 20 c.c. o artigo 31, inciso I, da LC 87/96, não é mais possível adotar os critérios do Convênio 66/88 para se negar crédito do imposto, dada a mudança de regime que o legislador complementar adotou. A propósito, é neste sentido que o STJ tem se manifestado como se vê dos julgados proferidos no AgRg em REsp 142.263, DJe. de 26.02.2013 e no REsp 1.175.166/MG, DJe. de 02.03.2007. [32]
Com efeito, na aplicação do artigo 33, I, da LC 87/96, a vedação ao crédito não é em relação a qualquer uso e consumo da mercadoria, pois, deve-se levar em conta a efetiva “destinação” da mercadoria, sob a ótica da legislação infraconstitucional. Vale dizer, identificar, em cada caso, se a destinação refere-se à atividade econômica do contribuinte, sendo este o ponto fundamental para se concluir pela incidência ou não do art. 33, I, da LC 87/96.
Neste eito, o legislador ordinário paulista regulamentou a compensação do imposto, vedando o direito ao crédito das mercadorias e serviços para uso e consumo, nos termos dos artigos 38, 40 e 42 da Lei 6374/89:
“Artigo 38 – Para a compensação, é assegurado ao contribuinte, salvo disposição em contrário, o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado, nos termos do item 2 do § 1.º do Artigo 36, relativamente a mercadoria entrada, real ou simbolicamente, em seu estabelecimento ou a serviço a ele prestado, em razão de operações ou prestações regulares e tributadas.
§ 1.º – O direito ao crédito do imposto condiciona-se à escrituração do respectivo documento fiscal e ao cumprimento dos demais requisitos exigidos pela legislação.
§ 2.º – O crédito deve ser escriturado por seu valor nominal.
§ 3.º – O direito ao crédito extingue-se após 5 (cinco) anos, contados da data de emissão do documento fiscal.
§ 4.º – O estabelecimento que receba mercadoria devolvida por particular, produtor ou qualquer pessoa natural ou jurídica não considerada contribuinte ou não obrigada à emissão de documento fiscal, pode creditar-se do imposto pago por ocasião da saída da mercadoria, segundo o disposto em regulamento.
§ 5.º – Salvo hipótese expressamente prevista em regulamento, é vedada a apropriação do crédito do imposto destacado em documento fiscal que indique como destinatário estabelecimento diverso daquele que o venha a escriturar.
§ 6.º – Em substituição ao sistema de crédito previsto neste artigo, poderá ser facultado ao contribuinte a compensação, de importância resultante da aplicação de porcentagem fixa.
Artigo 40 – É vedado o crédito do imposto relativo a mercadoria entrada ou adquirida e, conforme o caso, a prestação de serviço tornado:
I – para integração ao ativo imobilizado do estabelecimento.
II – para uso ou consumo do próprio estabelecimento, assim entendido a que não seja utilizada na comercialização e a que não seja empregada para integração no produto ou para consumo no respectivo processo de industrialização ou, ainda, na prestação de serviço;
III – para integração ou consumo em processo de industrialização de produto cuja saída não seja tributada ou esteja isenta do imposto;
IV – para comercialização ou prestação de serviço, quando a saída ou a prestação subseqüentes não sejam tributadas ou estejam isentas do imposto;
V – para integração ou consumo em processo de industrialização, para comercialização ou prestação de serviço, quando a saída do produto ou a prestação subseqüentes estejam beneficiadas com redução da base de cálculo, proporcionalmente à parcela correspondente à redução;
VI – que exceder ao montante devido, por erro ou inobservância da correta base de cálculo, determinada em lei complementar ou na legislação deste Estado.
Parágrafo único – Uma vez provado que a mercadoria ou o serviço mencionados nos incisos I a IV tenham ficado sujeitos ao imposto por ocasião da posterior operação ou prestação ou, ainda, que tenham sido empregados em processo de industrialização do qual resulte produto cuja saída se sujeite ao imposto, pode o estabelecimento creditar-se do imposto relativo à respectiva entrada, nunca superior ao imposto devido na operação ou prestação tributadas.
Artigo 42 – A vedação e o estorno de crédito previsto nos Artigos 40 e 41 estendem-se ao imposto incidente sobre serviços de transporte e de comunicação relacionados com mercadoria que venha a ter qualquer das destinações mencionadas nos aludidos dispositivos.”
E o artigo 61 do RICMS, no que diz respeito à compensação do imposto, estabelece as condições formais e materiais em que o direito do crédito de ICMS será assegurado:
“Artigo 61 – Para a compensação, será assegurado ao contribuinte, salvo disposição em contrário, o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado, nos termos do item 2 do § 1º do artigo 59, relativamente a mercadoria entrada, real ou simbolicamente, em seu estabelecimento, ou a serviço a ele prestado, em razão de operações ou prestações regulares e tributadas (Lei 6.374/89, art. 38, alterado pela Lei 10.619/00, art. 1º, XIX; Lei Complementar federal 87/96, art. 20, § 5º, na redação da Lei Complementar 102/00, art. 1º; Convênio ICMS-54/00).
§ 1º – O direito ao crédito do imposto condicionar-se-á à escrituração do respectivo documento fiscal e ao cumprimento dos demais requisitos previstos na legislação.
§ 2º – O crédito deverá ser escriturado por seu valor nominal.
§ 3º – O direito ao crédito extinguir-se-á após 5 (cinco) anos, contados da data da emissão do documento fiscal.
§ 4º – Salvo hipótese expressamente prevista neste regulamento, é vedada a apropriação de crédito do imposto destacado em documento fiscal se este:
1 – indicar como destinatário da mercadoria ou tomador do serviço estabelecimento diverso daquele que o registrar;
2 – não for a primeira via ou Documento Fiscal Eletrônico – DFE. (Redação dada ao item pelo Decreto 52.097, de 28-08-2007; DOE 29-08-2007)
2 – não for a primeira via.
§ 5º – Se o imposto for destacado a maior do que o devido no documento fiscal, o excesso não será apropriado como crédito.
§ 6º – O disposto no parágrafo anterior também se aplicará quando, em operação interestadual, o Estado de origem fixar base de cálculo superior à estabelecida em lei complementar ou em acordo firmado entre os Estados.
§ 7º – O crédito será admitido somente após sanadas as irregularidades contidas em documento fiscal que:
1 – não for o exigido para a respectiva operação ou prestação;
2 – não contiver as indicações necessárias à perfeita identificação da operação ou prestação;
3 – apresentar emenda ou rasura que lhe prejudique a clareza.
§ 8º – Quando se tratar de mercadoria importada que deva ser registrada com direito a crédito, o imposto pago em conformidade com o disposto na alínea "a" do inciso I e na alínea "b" do inciso IV do artigo 115 poderá ser escriturado no período de apuração em que tiver ocorrido o seu recolhimento, ainda que a entrada efetiva da mercadoria se verifique em período seguinte.
§ 9º – Em substituição ao sistema de crédito previsto neste artigo, a Secretaria da Fazenda poderá facultar ao contribuinte a compensação de importância resultante da aplicação de percentagem fixa.
§ 10 – O crédito decorrente de entrada de mercadoria destinada à integração no ativo permanente, observado o disposto no item 1 do § 2º do artigo 66:
1 – será apropriado à razão de um quarenta e oito avos por mês, devendo a primeira fração ser apropriada no mês em que ocorrer a entrada no estabelecimento;
2 – para seu cálculo, terá o quociente de um quarenta e oito avos proporcionalmente aumentado ou diminuído "pro rata die", caso o período de apuração seja superior ou inferior a um mês.
§ 11 – Na transferência de bem pertencente ao ativo imobilizado antes de ser concluída a apropriação de crédito prevista no parágrafo anterior, fica assegurado ao estabelecimento destinatário o direito de creditar-se das parcelas remanescentes até consumar-se o aproveitamento integral do crédito relativo àquele bem, observado o procedimento a seguir:
1 – na Nota Fiscal relativa à transferência do bem deverão ser indicados no campo "Informações Complementares", a expressão "Transferência de Crédito do Ativo Imobilizado – Artigo 61, § 11 do RICMS", o valor total do crédito remanescente, a quantidade e o valor das parcelas, o número, a data da Nota Fiscal de aquisição do bem e o valor do crédito original;
2 – a Nota Fiscal prevista no item anterior deverá ser acompanhada de cópia reprográfica da Nota Fiscal relativa à aquisição do bem, a qual deverá ser conservada nos termos do artigo 202.
§ 12 – Na entrada de mercadoria ou bem decorrente de operação interestadual de devolução ou retorno, inclusive em caso de transferência, o direito ao crédito fica limitado ao valor do imposto destacado no documento fiscal relativo à remessa para o outro Estado.
§ 13 – As microempresas e as empresas de pequeno porte sujeitas às normas do Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – “Simples Nacional” não farão jus à apropriação nem transferirão créditos relativos ao imposto, exceto a hipótese prevista no inciso XI do artigo 63 (Lei Complementar federal 123/06, art. 23, “caput”). (Redação dada ao parágrafo pelo Decreto 54.136, de 17-03-2009; DOE 18-03-2009; Efeitos para os fatos geradores ocorridos a partir de 1° de janeiro de 2009)
§ 13 – As microempresas e as empresas de pequeno porte optantes pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – “Simples Nacional” não farão jus à apropriação nem transferirão crédito relativo ao imposto. (Parágrafo acrescentado pelo artigo 2º do Decreto 52.104, de 29-08-2007; DOE 30-08-2007)
§ 14 – Na hipótese em que o documento fiscal deva ser registrado eletronicamente na Secretaria da Fazenda, nos termos do artigo 212-P, o crédito somente será admitido se, observadas as demais condições previstas na legislação: (Parágrafo acrescentado pelo artigo 2º do Decreto 52.097, de 28-08-2007; DOE 29-08-2007)
1 – o respectivo Registro Eletrônico de Documento Fiscal – REDF tiver sido regularmente gerado;
2 – na ausência do respectivo Registro Eletrônico de Documento Fiscal – REDF, o destinatário comunicar o fato à Secretaria da Fazenda, nos termos de disciplina por esta estabelecida;
3 – havendo divergência entre os dados constantes no documento fiscal e as informações contidas no respectivo Registro Eletrônico de Documento Fiscal – REDF, o destinatário comunicar a irregularidade à Secretaria da Fazenda, nos termos de disciplina por esta estabelecida.”
É por isso que os lançamentos de ofício procedidos pelo fisco estadual bandeirante, em especial, através da lavratura de Autos de Infração, tem por fundamento o artigo 66, inciso V, do RICMS/00 (Dec. 45.490/00):
“Artigo 66 – Salvo disposição em contrário, é vedado o crédito relativo à mercadoria entrada ou adquirida, bem como ao serviço tomado (Lei 6.374/89, arts. 40 e 42, o primeiro na redação da Lei 10.619/00, art. 1º, XX):
V – para uso ou consumo do próprio estabelecimento, assim entendida a mercadoria que não for utilizada na comercialização ou a que não for empregada para integração no produto ou para consumo no respectivo processo de industrialização ou produção rural, ou, ainda, na prestação de serviço sujeita ao imposto.”
Destarte, do ponto de vista infraconstituciomal, as normas jurídicas dos artigos 38, 40 e 42 da Lei 6374/89 e os artigos 61 e 66 do RICMS/00, estão em plena validade, vigência e eficácia, de modo que a previsão de vedação ao crédito relativo às mercadorias adquiridas para o uso e consumo das atividades empresariais está pautada em lei, isto é, respeita o princípio da legalidade (art. 97, do CTN).
Queremos dizer que no âmbito infraconstitucional, dentro do presente estudo, não está em discussão a inconstitucionalidade do art. 33, I, da LC/87/96, ou os artigos 38, 40, 42, da Lei 6374/89, ou ainda, os artigos 60 e 61, do RICMS/00 (S. Paulo), mas sim, a correta hermenêutica, ou seja, o verdadeiro alcance das vedações previstas nas normas de regência.
Logo, se a linguagem das provas constantes do processo administrativo ou judicial demonstrar que em relação aos materiais de uso e consumo há vínculo de inerência com as atividades exploradas pelo contribuinte, ou seja, não são alheios às suas atividades econômicas, deve ter aplicação o art. 20 e não o art. 33, I, da LC 87/96.
Um exemplo que podemos citar, são refratários necessários para a produção e industrialização, que, malgrado não integre ao produto final, nem se consume no processo produtivo, é imprescindível para que seja possível a fabricação do respectivo produto. O mesmo se diga quanto a peças de reposição ao de máquinas do ativo permanente, pois, sem a manutenção, as atividades de industrialização fica impossibilitada, por óbvia razão. Nestes casos exemplificativos, o crédito é legítimo, pois não tem aplicação o artigo 33, inciso I, da LC 87/96, e por consequência, não incide o artigo 66, inciso V, do RICMS/00.
Tendo em vista o regime adotado pela LC 87/96, como já explanado anteriormente, há de se fazer distinção entre mercadorias destinadas para as atividades econômicas do contribuinte, daquelas mercadorias que apenas são destinadas ao suporte da atividade que realiza, como por exemplo, diversas despesas com o departamento administrativo. Estas sim, mercadorias de uso e consumo, onde tem incidência o artigo 33, inciso I, da LC 87/96.
O próprio Estado de São Paulo, através da Decisão Normativa CAT 01/01, no item I.1, autoriza o direito ao crédito quando a mercadoria contribua com a atividade industrial e/ou comercial ou de prestação de serviço do contribuinte.
Eis os exatos termos da regra:
“I – DO PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE
1. – o órgão consultivo da Secretaria da Fazenda (Consultoria Tributária), com base no princípio da não-cumulatividade do imposto inserto no artigo 36 da Lei nº 6.374/89 – e observadas todas as demais regras de lançamento, vedação e estorno do crédito do valor do ICMS, bem como as específicas de cada operação ou prestação, previstas no Regulamento do ICMS – RICMS, aprovado pelo Decreto nº 45.490, de 30 de novembro de 2000 (artigos 59 e seguintes) – tem se manifestado pela legitimidade do direito de o contribuinte lançar em sua escrita fiscal, a título de crédito, o valor do ICMS "anteriormente cobrado por este ou outro Estado, relativamente a mercadoria entrada ou a prestação de serviço recebida, acompanhada de documento fiscal hábil, emitido por contribuinte em situação regular perante o fisco" (incluindo as mercadorias destinadas ao ativo permanente), utilizadas na sua atividade industrial e/ou comercial ou de prestação de serviços, em razão de operações ou prestações por ele realizadas, regulares e tributadas pelo ICMS, ou não o sendo, haja expressa previsão/autorização regulamentar para o crédito fiscal ser mantido ”
Portanto, numa interpretação restritiva das normas infraconstitucionais, a destinação das mercadorias é relevante. Se as mercadorias, inclusive os materiais de uso e consumo, forem inerentes às atividades do contribuinte, há direito ao crédito (at. 20 da LC/87/96). Porém, se as mercadorias não tiverem vínculo de inerência com as atividades empresariais, como os materiais de mero suporte administrativo, incide a regra do artigo 33, I, da LC 87/96.
Por fim, reiteramos que sob a ótica da Constituição Federal, haja vista o princípio da não-cumulatividade, a destinação das mercadorias é irrelevante.
Conclusão
Podemos concluir, à vista do exposto, que a Constituição Federal de 1988 prevê o pleno direito ao aproveitamento dos créditos dos produtos e mercadorias adquiridas, sem quaisquer restrições e independentemente do seu destino, tendo em vista o primado do princípio da não-cumulatividade, expressamente previsto no art. 155, parágrafo 2o, da CF/88.
Nenhuma norma editada pelo legislador derivado constitucional, ainda que por meio de Emenda Constitucional e, muito menos, a legislação complementar e as normas ordinárias dos Estados e do Distrito Federal, podem restringir ou limitar a utilização de créditos de ICMS na aquisição de mercadorias ou produtos, salvo na hipótese da exceção prevista no inciso II (alíneas “a” e “b”), do parágrafo 2o, do art. 155, da CF/88, uma vez que o princípio da não-cumulatividade inserido na Carta Magna pelo legislador constitucional originário é cláusula pétrea, consoante o art. 60, parágrafo 4o, inciso IV.
Como visto neste trabalho, o princípio da não-cumulatividade está jungido a vários princípios constitucionais, que em última análise, protege os direitos e garantias constitucionais do individuo.
Ora, o princípio da não-cumulatividade está em consonância com o Sistema Tributário Nacional. Pela sistemática da não-cumulatividade, são preservados os princípios legalidade e da tipicidade tributária, da capacidade contributiva, do não-confisco e do bis in idem tributário (art. 154, I, CF/88), mormente para evitar o efeito cascata.
Não se pode olvidar que o principio da não-cumulatividade, tal como está prevista Constituição Federal, atende os princípios que informam o Estado Democrático Social de Direito, que concorrem com os princípios do Estado Democrático de Direito. Destacamos o princípio da dignidade humana e o princípio da justiça social. Existem ainda normas pertinentes aos Estado Democrático Social de Direito como o art. 5o inciso XXIII, de que toda propriedade privada deve cumprir sua função social, bem como, o art. 170, inserido no Título VII (ordem econômica), Capítulo I (princípios gerais da atividade econômica), estabelecendo que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, além dos artigos 193 e 203.
Estado não pode impor tributos que asfixie arbitrariamente a atividade econômica, para que Constituição Federal não seja violada, ou seja, para que o princípio da função social da atividade econômica e da livre iniciativa sejam preservados, de modo que o princípio da não-cumulatividade tem por escopo atingir este desiderato.
Logo, o princípio da não-cumulatividade, inegavelmente, é cláusula pétrea, razão pela qual, deve ser rigorosamente observado pelo legislador constitucional derivado e pelo legislador complementar e ordinário dos Estados-Membros e do Distrito Federal.
De outra parte, agora sob o aspecto da legislação infraconstitucional, admitindo-se a constitucionalidade de restrições aos créditos de ICMS na aquisição de materiais de uso e consumo, numa interpretação sistemática das normas em vigor, as vedações ao crédito estão limitadas a hipóteses limitadíssimas, muito diferente do entendimento que vem sendo adotado o fisco, consubstanciado nas normas infra-legais (Portarias, Decisões Normativas, Resoluções) e normas individuais e concretas expedidas pelas autoridades competentes.
Pelo regime adotado pela LC 87/96, há de se fazer distinção entre mercadorias destinadas para as atividades econômicas do contribuinte, daquelas mercadorias que apenas são destinadas ao suporte da atividade que realiza, como por exemplo, diversas despesas com o departamento administrativo, com segurança interna do estabelecimento, dentre outras. Estas sim, mercadorias de uso e consumo, onde tem incidência o artigo 33, inciso I, da LC 87/96. Somente nesses casos é que há vedação ao uso do crédito de ICMS
A Lei Complementar 87/96, de forma mais ampla, no artigo 20, prevê a possibilidade da compensação de todas as mercadorias que ingressarem no estabelecimento, independentemente da destinação, vale dizer, inclusive as mercadorias destinadas ao uso e consumo.
Pelo artigo 20, na sua intelecção, a norma impõe exceções ao direito ao crédito em relação às mercadorias “alheias às atividades do estabelecimento”, bem como, as vinculadas às saídas “não tributadas ou isentas.”
Mas o artigo 33, inciso I, da LC 87/96, ampliou a restrição para as mercadorias destinadas ao uso e consumo, transitoriamente, ou seja, até 31.12.2019, segundo a legislação vigente.
Como vimos, o regime adotado pela LC 87/96 difere do regime do Convênio 66/88, que continha regra negativa, prevendo a inexistência do direito ao crédito, se não houvesse integração da mercadoria ao produto final ou se não fosse consumida integral e imediatamente no processo industrial, consoante o artigo 31, inciso III. Houve, portanto, uma mudança de critério em relação ao Convênio 66/88, sendo que, pela regra atual, o crédito é vedado apenas quando “não houver qualquer vínculo ou inerência” entre a mercadoria e o processo industrial, ou comercial, ou de prestação de serviços, desenvolvido pelo estabelecimento.
Procedendo-se uma análise sistemática da norma complementar, tem-se que o artigo 33, I, da LC 87/96, por ser norma transitória, é uma exceção à regra geral e não uma outra regra geral, de modo que esta deve ser interpretada restritivamente.
Com efeito, na aplicação do artigo 33, I, da LC 87/96, a vedação ao crédito não é em relação a qualquer uso e consumo da mercadoria, pois, deve-se levar em conta a efetiva “destinação” da mercadoria. Vale dizer, identificar, em cada caso, se a destinação refere-se à atividade econômica do contribuinte, sendo este o ponto nodal para a incidência ou não do art. 33, I, da LC 87/96. Para tanto, o sujeito passivo da relação tributária deverá demonstrar e se for o caso, fazer prova de que os materiais de uso e consumo são necessários e imprescindível às atividades da empresa, para que o crédito seja legítimo.
Se há vínculo de inerência com as atividades da recorrente, ou seja, não é alheia às suas atividades, não tem aplicação a vedação do art. 20 da LC 87/96.
Em suma: i) pela ótica da Carta Constitucional, o direito ao aproveitamento dos créditos relativamente às mercadorias adquiridas, independentemente das destinações, é pleno e legítimo, exceto quanto as operações isentas ou não-tributadas (art. 155, parágrafo 2o, II, letras “a” e “b”), em virtude do princípio da não-cumulatividade que deve ser rigorosamente observado; ii) numa interpretação sistemática da legislação infraconstitucional, ainda que se admita a constitucionalidade de limitações ou restrições ao primado da não-cumulatividade, a vedação ao crédito está limitada aos materiais de uso e consumo que não tenham vínculo de inerência às atividades da empresa, com aplicação do art. 20 da LC 87/96, pois, o artigo 33, Ida LC 87/96, por se tratar de norma transitória, deve ter interpretação restritiva.
Mestrando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Advogado. Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas – TIT/SP. Membro Efetivo da Comissão do Contencioso Administrativo Tributário da OAB/SP. Ex-Membro do Conselho Jurídico do Sinduscon de São Paulo. Membro do IBDT – Instituto Brasileiro de Direito Tributário
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