Direito do Consumidor

Do Posicionamento do Poder Judiciário Baiano Diante da Falta de Regulamentação Dos Reajustes Anuais Nos Planos Coletivos Pela ANS

Karina de Arêa Leão Machado[1]

Mirlane de Queiroz Mota[2]

 

RESUMO : A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) surgiu para regular o mercado da saúde suplementar. Dentre suas funções, está o de controlar os reajustes e as revisões das mensalidades dos planos privados de assistência médica. Ocorre que, apesar de não haver impedimento legal, a ANS optou por apenas controlar tais reajustes nos contratos individuais, realizando apenas um monitoramento desses nos contratos coletivos. Entende a ANS que nos contratos coletivos, as pessoas jurídicas contratantes têm possibilidade de maior negociação junto às operadoras de planos de saúde, conseguindo percentuais mais vantajosos e atrativos para os seus usuários. Ocorre que, na prática isto não acontece, dando margem a imposição de reajustes astronômicos e sem qualquer embasamento que os justifiquem. Como consequência da falta de regulação, diversas ações judiciais são propostas, na tentativa de que tais reajustes sejam revistos pelo Poder Judiciário. Apesar de existirem diversos tipos de reajustes, o presente artigo limitou-se ao aprofundamento dos reajustes anuais e a verificação de como o judiciário baiano tem se comportado quando é acionado em tal temática.

Palavras-Chave: Agência Nacional de Saúde. ANS. Planos de saúde coletivos. Reajustes Anuais.

 

ABSTRACT: The National Supplementary Health Agency (ANS) has emerged to regulate the supplementary health market. Among its functions, it is to control the readjustments and the revisions of the monthly of the private health care plans. It occurs that, although there is no legal impediment, the ANS chose to only control such adjustments in the individual contracts, only performing a monitoring of those in the collective agreements. ANS understands that in collective agreements, contracting legal entities have the possibility of greater negotiation with health plan operators, achieving more advantageous and attractive percentages for their users. Unfortunately, in practice this does not happen, giving rise to the imposition of astronomical readjustments and without any basis to justify them. As a consequence of the lack of regulation, several legal actions are proposed, in the attempt that such adjustments be reviewed by the Judiciary. Although there are several types of readjustments, this article has been limited to the deepening of the annual adjustments and the verification of how the Bahian judiciary has behaved when it is activated in such a theme. 

Keywords: National Health Agency. ANS. Collective health plans. Annual Adjustments.

 

Sumário: Introdução. 1. Do papel da agência nacional de saúde (ANS) quanto aos índices de reajustes anuais. 2. Da judicialização. 2.a) Dos “falsos coletivos”. 2.b) Do equilíbrio contratual. 2.c) Não incidência dos reajustes anuais da ANS. Conclusão. Referências.

 

INTRODUÇÃO

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, ficou reconhecido o direito à saúde, bem como a possibilidade ser prestada pela iniciativa privada, todavia, cabendo ao Estado fiscalizar tal serviço[3].

No Brasil, o programa de privatização iniciado em 1990, apresentou um cenário marcado pela redução do papel do Estado provedor, criando-se mecanismos para que serviços de relevância pública ficassem no controle da Administração Pública.

Nascem assim as agências reguladoras. A função de regulação, redimensionada e atribuída ao Estado surge como o equilíbrio da balança, para que fossem restabelecidas as relações entre os atores, restringindo a força das empresas e do governo na manutenção do equilíbrio do mercado[4].

Neste contexto, a Agência Nacional de Saúde (ANS) foi criada a partir da Lei nº 9.961, de 28 de janeiro de 2000, sendo vinculada ao Ministério da Saúde, com intuito de ser um órgão de regulação, normatização, controle e fiscalização das atividades que garantam a assistência suplementar à saúde.

No campo da saúde suplementar, esta se organiza em planos individuais ou familiares e coletivos (empresarial ou por adesão).

Todos os planos de saúde são sujeitos ao regramento da ANS, todavia, existem exceções preocupantes, dentre elas são os índices de reajustes anuais nos planos coletivos.

Insta salientar que a lei que institui a Agência Nacional de Saúde, em seu artigo 4º, atribuiu a referida agência a responsabilidade de controlar os reajustes e as revisões das mensalidades dos planos privados de assistência médica.

Ocorre que, apesar de não haver qualquer limitação ao tipo de plano a ser controlado o referido reajuste, a ANS tem aplicando tratamento diferenciado nas modalidades dos planos de saúde.

A ANS controla e autoriza os reajustes anuais dos planos individuais, todavia, cenário diferente é nos planos coletivos, sendo estes índices determinados a partir da negociação entre a pessoa jurídica contratante (empresa, sindicato, associação, entre outros) e a operadora de plano de saúde, tendo a ANS apenas a função de acompanhamento dos reajustes.

Face a omissão da ANS, em regular este tipo de contrato, que hoje representa a grande maioria dos planos de saúde, os reajustes nos coletivos baseiam-se na livre concorrência e no poder de barganha da entidade jurídica contratante e os planos de saúde, evidenciando-se diversas condutas abusivas, praticando-se reajustes aviltantes.

Em outra ponta, estão os usuários dos planos de saúde, que são hipossuficientes nesta relação contratual, pondo em risco seus bens mais preciosos: sua saúde e sua vida.

Como reação a essa falta de regulamentação e reajustes em valores considerados excessivos, os usuários de planos de saúde coletivos vêm recorrendo ao judiciário para que tais reajustes sejam revistos.

Não se pode olvidar que os reajustes nos planos de saúde pode ocorrer por diversos fatores- anual, faixa etária ou por sinistralidade. Todavia, face a sua extensão, limitamos o objeto de estudo a análise dos reajustes anuais.

O presente artigo busca analisar o posicionamento do Poder Judiciário, mais especificamente na Bahia, no primeiro trimestre de 2019, quanto ao referido tema.

O artigo foi desenvolvido em 2 partes. Na primeira, analisa o papel da ANS, quanto ao controle dos reajustes anuais nos planos individuais e coletivos e o segundo, analisa como o judiciário baiano vem se comportando quando é acionado, reconhecendo ou não a legalidade dos reajustes nos contratos coletivos quando superiores aos individuais.

 

  1. DO PAPEL DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE (ANS) QUANTO AOS ÍNDICES DE REAJUSTES ANUAIS

É dever, constitucionalmente previsto, do Estado em regulamentar, fiscalizar e controlar os serviços de saúde, inclusive aqueles prestados por pessoa jurídica de direito privado.

A ideia de regulação, pertinente as agências reguladoras, vem de uma necessidade de intervenção do poder público, que exercem a função acima mencionada, de forma delegada.

A ANS surgiu como uma ferramenta do Estado para promover a defesa do interesse público na assistência à saúde suplementar, regulando, fiscalizando e controlando as relações entre os prestadores (planos de saúde) e o consumidores.

Insta salientar que a Lei 9.961/2000, em seu artigo art. 4o, XVII , estabelece que a ANS deverá “autorizar reajustes e revisões das contraprestações pecuniárias dos planos privados de assistência à saúde, ouvido o Ministério da Fazenda”, sem fazer qualquer ressalva quanto ao tipo do plano- individual ou coletivo.

De acordo com o que determina o artigo 35-E, §2º, da Lei 9.656/98, somente nos planos individuais, a ANS realiza controle prévio dos reajustes a serem aplicados. Todavia, em tese isto não quer dizer que os contratos coletivos não devem sofrer qualquer fiscalização.

Conforme a Resolução Normativa 171/2008, art. 13, inciso primeiro, diz que deverão ser informados à ANS os percentuais de reajuste e revisão aplicados, ao ser comunicados, deveria, neste momento, onde averiguar qualquer irregularidade ou desequilíbrio na contraprestação das mensalidades.

A fiscalização pela ANS quanto aos reajustes de qualquer modalidade de plano de saúde- individual ou coletivo, pela ANS decorre de lei (art. 4º, XVIII, da Lei 9.961/2000), porém na prática o órgão fiscalizador não vem cumprindo tal obrigação.

Mesmo não tendo proibição de atuação irrestrita nos diversos tipos de plano, a ANS optou por estabelecer mecanismos de regulação distintos para planos coletivos e individuais.

Limitou-se a somente definir os reajustes anuais nos planos individuais, fazendo mero monitoramento nos coletivos, sob a justificativa que as pessoas jurídicas têm maior poder negociação junto às operadoras e que acabaria obtendo percentuais vantajosos para a parte contratante. Ocorre que, na prática, dificilmente existe negociação real, abrindo assim brecha para reajustes astronômicos.

 

A título de exemplificação, entre maio de 2017 a abril de 2018, nos contratos coletivos que contemplam até 30 (trinta) beneficiários, verifica-se que a Unimed Planalto aplicou reajuste de 40,30%; a PortoMed-Porto Seguro Serviços de Saúde LTDA, reajustou em 49% e a Promed Assistência Médica; 39,80%[5], contra 13,55% que foi o reajuste autorizado pela ANS aos contratos individuais[6].

Conforme dados extraídos junto ao site da Agência Nacional de Saúde, até abril de 2019, consta 47.133.325 (quarenta e sete milhões, cento e trinta e três mil e trezentos e vinte cinco) beneficiários de planos de saúde, sendo apenas 9.050.702 (nove milhões, cinquenta mil e setecentos e dois) correspondentes ao plano individual, 37.963.147 (trinta e sete milhões, novecentos e sessenta e seis mil, cento e quarenta e sete) correspondentes aos planos coletivos e 119.476 (cento e dezenove mil e quatrocentos e setenta e seis), que não foram informados.

Assim, percebe-se que mais de 80 % é composto de planos coletivos em suas diversas modalidades e menos de 20% do total dos planos ativos é na modalidade individual.[7]

 

Número de Beneficiários por tipo de contratação

Beneficiários em planos de assistência médica, por tipo de contratação

 

Competência

 

 

Total

Coletivo

 

Individual

 

Não informado

Empresarial Por

Adesão

Não Identificado
Abril/2018 47.127.505 31.406.085 6.405.044 1.315 9.153.904 161.157
Abril/2019 47.133.325 31.566.692 6.395.264 1.191 9.050.702 119.476

Fonte: ANS 2019

 

Ao analisar os dados fornecidos pela ANS, no que tange aos reajustes de planos coletivos com até 30 beneficiários, no período de maio de 2017 a abril de 2018, a média dos reajustes chegou a 13,67%[8] ,ou seja, maior que o reajuste permitido pela ANS em planos individuais.

Aliado a tal fato, outro grave problema decorre da escassez de planos individuais no mercado. Por apresentarem regras mais rígidas, tal modalidade se torna cada vez menos atrativas para os donos dos planos de saúde, diminuindo a sua oferta de forma gradativa, chegando algumas grandes operadoras a não mais comercializar a modalidade individual, passando a comercializar exclusivamente os contratos coletivos.

Pesquisa realizada, em 2015, pelo IDEC revelou que somente metade dos planos de saúde individuais e familiares listados no site da ANS estão, de fato, à venda no mercado e somente poucas operadoras os disponibilizam, porém com valores iniciais exorbitantes[9].

Por outro lado, não existe qualquer regramento que obrigue a operadora a comercializar todas as modalidades de planos de saúde, contribuindo ainda mais como forma de desestímulo para comercialização de planos individuais e familiares.

A omissão da Agência Reguladora na regulamentação dos reajustes dos contratos coletivos, acaba por criar um cenário de insegurança, onde podem ocorrer diversos danos à coletividade de consumidores, os quais têm sua própria saúde e vida colocadas em risco[10].

O Idec e Cremesp consideram que este comportamento omisso da ANS está diminuindo, cada vez mais, a função e o papel regulatório da própria Agência:

“Na contramão da realidade do mercado que deve regular, a ANS é omissa em relação a dois pontos essenciais dos contratos coletivos e que impactam diretamente na continuidade da prestação do serviço:  reajuste e rescisão unilateral de contrato. Com isso, e somando-se à omissão referente aos contratos antigos, tem-se uma Agência que estima-se que custará mais de 150 milhões para os cofres públicos em 2007, concentra suas atividades na regulação de contratos individuais que tendem a desaparecer e deixa que o próprio mercado “regule”, do jeito que bem entende, a maior parte dos planos de saúde”[11]

Como resposta a esse cenário não regulamentado, diversas ações são propostas no intuito de conter os reajustes nos contratos coletivos.

 

  1. DA JUDICIALIZAÇÃO

No intuito de verificar o posicionamento do Poder Judiciário frente as demandas em que envolvessem reajustes anuais em planos coletivos, foram verificados os processos julgados nas turmas recursais do Estado da Bahia, entre os meses de janeiro 2019 a abril de 2019.

Ao total foram analisados 374 acórdãos e para a localização dos mesmos foi utilizada a ferramenta do Tribunal de Justiça da Bahia, em jurisprudência, colocando no campo de pesquisa “reajuste e anual e ans e coletivo”[12].

Em 337 processos (90,11%), o judiciário posicionou-se favorável na revisão dos reajustes anuais nos planos coletivos, aplicando-se a previsão dos planos individuais. Já em 13 processos (3,47%) foram contrários a revisão destes reajustes. Em 24 processos (6,42%) não foram identificados o tema reajustes anuais como objeto de decisão nos acórdãos, englobando outras variantes, tais quais reajuste por faixa etária, competência dos juizados especiais, para resolução de caso que envolvam contratos de autogestão, etc.

Número de acórdãos das Turmas Recursais da Bahia entre Janeiro a Abril de 2019 sobre revisão de reajustes anuais em planos coletivos.
Número de Decisões favoráveis à revisão Número de Decisões desfavoráveis à revisão Não identificados
337 13 24

Fonte: Jurisprudência do Tribunal de Justiça da Bahia

 

A fundamentação das decisões que foram favoráveis à revisão, aplicando-se o reajuste anual dos contratos individuais autorizados ANS, englobaram, principalmente, o aspecto da falsa coletivização e do desequilíbrio contratual. Já as decisões que não foram favoráveis, entenderam que não se aplicam os reajustes individuais da ANS aos contratos coletivos, sendo uma negociação entre partes.

Tais aspectos são melhores analisados nos tópicos a seguir.

 

2. a) DOS “FALSOS COLETIVOS”

Por terem normas mais flexíveis, há uma tendência em firmar contratos coletivos em detrimento dos individuais.

Desta forma, o judiciário tem observado a natureza do plano de saúde firmado, aplicando-se um instituto jurídico chamado de “primazia de realidade”, segundo o qual a realidade fática sobrepõe aos aspectos formais do contrato.

No processo 0107686-43.2017.8.05.0001, da relatoria magistrada Célia Maria Cardozo dos Reis Queiroz, menciona um “roteiro” para que o Poder Judiciário analise a real natureza do contrato de saúde, caracterizando o mesmo como coletivo ou falso coletivo, vejamos[13]:

1.Prova da existência e da data da constituição da pessoa jurídica contratante; a data entre a constituição da pessoa jurídica e a contratação do plano de saúde deve ser superior a 1 (um) ano;

2.Qual a condição do associado perante a pessoa jurídica contratante, deve haver uma  especificidade associativa, não a afirmação de uma categoria vaga, muito abrangente;

  1. Definição da finalidade social da pessoa jurídica contratante, não pode ter sido     criada exclusivamente à contratação de planos coletivos.
  2. Espécie e data do vínculo, deve ser juntado aos autos um instrumento formal de filiação ou associação e o vínculo deve ser anterior;

O plano coletivo assume duas modalidades: por adesão ou  empresarial. No primeiro caso, o contratante é uma associação, órgão de classe ou sindicato. Já no segundo caso, seria através de empresas.

Ponto chave na descrição do roteiro acima mencionado é, sem sombra de dúvidas, a verificação se possui algum vínculo representativo com a entidade contratante (empresa, sindicato, associação, fundação, etc) do plano de saúde e se o contrato foi também assinado por esta, cumprindo as exigências da Resolução Normativa nº 195/2009 da ANS, em seu art.23, parágrafo único.[14]

Quanto essa representatividade não existe, esses beneficiários de contratos coletivos de saúde ficam vulneráveis, eis que acabam sofrendo reajustes sem qualquer resistência ou negociação. Nestes casos, a essência do contrato tem natureza individual, sendo essa forma de pactuação considerada fraudulenta.

Para que seja comprovada a representatividade, o judiciário tem exigido a apresentação aos autos do contrato com a assinatura do sindicato, da empresa, associação, fundação, etc. Caso não seja apresentado, presume que não houve a intervenção da pessoa jurídica representante da coletividade daquele plano.

As operadoras e as administradoras de benefícios têm por obrigação exigir a comprovação da legitimidade da pessoa jurídica contratante e da condição de elegibilidade do beneficiário, para poder firmar esse tipo de contrato, todavia, não é o que vem sendo observado pelo judiciário.

Sendo considerado falso-coletivo, aplicam-se o regramento dos planos individuais, seguindo os reajustes anuais previstos pela ANS[15].

Inicialmente, cumpre-me analisar a natureza do plano de saúde. A relação jurídica que se vislumbra dos autos não é propriamente de um contrato coletivo, visto que o mesmo foi assim alegado em inicial e não fora juntado instrumento contratual pela ré. Assim, reconheço no caso o chamado “falso coletivo”, sendo assim, a relação contratual deve ser examinada de acordo com a Lei 9656/98 que disciplina o contrato do plano de saúde individual.

 

2. b) DO EQUILÍBRIO CONTRATUAL

Via de regra, o contrato de saúde firmado deve ser cumprido nos termos avençados, aplicando-se a teoria do pacta sunt servanda. Assim, se no contrato consta que os reajustes serão negociados entre o plano e o representante da coletividade contratante, há de ser considerado válida tal negociação.

Todavia, tal princípio, em determinadas situações, deve ser mitigado. Ou seja, relativiza-se a obrigatoriedade do contrato na busca de evitar o desequilíbrio dos negócios jurídicos, afastando a incidência de cláusulas desregradas para um dos contraentes e o enriquecimento sem causa para o outro.

Vale dizer, o contrato de plano de saúde coletivo tal qual o contrato individual, constitui verdadeiro “contrato cativo”, onde os consumidores (beneficiários) estão sujeitos a desequilíbrios idênticos à contratação individual, devendo se lhe aplicar os mesmos princípios protetivos, com destaque para o “princípio da conservação dos contratos[16].

Por outro lado, independente da natureza jurídica do plano de saúde- individual ou coletivo, haverá sempre em favor dos usuários, a incidência das normas de proteção do CDC, por serem típicos contratos de consumo- salvo aqueles que sejam sob autogestão[17].

Os contratos coletivos acabam estabelecendo reajustes, sem a participação do destinatário final, não podendo este discutir ou modificar qualquer cláusula.

Quando o reajuste anual é repassado aos beneficiários, não é demonstrada a justificativa que ensejaria um reajuste superior aos contratos individuais. Desta forma, acaba ferindo o dever de transparência e informação plena e válida ao consumidor e ao disposto nos arts. 46 e 54, § 3º, ambos do Código de Defesa do Consumidor.

Além da falta de capacidade técnica e da assimetria de informações, há ainda falta de transparência na metodologia utilizada na fixação dos critérios de reajustes, que é citada pelo Idec como a principal causa dos reajustes (segundo o Idec) abusivos. Tanto nos contratos novos quanto nos contratos antigos, as cláusulas referentes aos reajustes anuais frequentemente apresentam critérios vagos e dispõem sobre ‘custos médico hospitalares’ como fator de cálculo, o que torna impossível a efetiva ciência do consumidor sobre a forma de aumento da contraprestação pecuniária, em afronta ao Código de Defesa do Consumidor.[18]

Assim, por força do normativo acima mencionado, cabe ao Poder Judiciário excluir as cláusulas que estabeleçam prestações desproporcionais (art. 6º, V, do CDC), bem como rever as que forem excessivamente onerosas ao consumidor, reconhecendo a abusividade ou o desacordo com o sistema de proteção ao consumidor (art. 51, IV e XV, do CDC), privilegiando-se a interpretação que lhe seja mais favorável (art. 47, CDC).

No entanto, a prática de reajustes com base no título anual, nos percentuais demonstrados nos autos, afronta as disposições do Código de Defesa do Consumidor, pois mesmo inexistindo uma regulamentação extensiva pela ANS quanto aos reajustes nos planos coletivos, estes aumentos não podem ser efetuados sem a observância dos ditames legais, mais especificamente, em detrimento das normas e princípios consumeristas.

O aumento em percentuais abusivos, na forma defendida pela recorrente, coloca os recorridos em desvantagem exagerada, em dissonância com o que prescreve o art. 51, inc. IV, do CDC, pois afasta a aleatoriedade inerente aos contratos de seguro, transferindo ao consumidor o ônus que cabe à operadora, que teria de cobrir os riscos cobertos pelo prêmio acordado, e não transferir eventual prejuízo aos beneficiários[19].

O Poder Judiciário ao intervir na relação contratual de saúde, considerando que o reajuste anual não ocorreu que forma razoável, o que é de cunho subjetivo aos olhos do juiz, acaba por invalidar o reajuste.

Ocorre que, ao invalidar o reajuste aplicado, não existem parâmetros a serem aplicados, face a omissão da ANS, neste ponto, quanto aos contratos coletivos.

Aplica-se então os reajustes anuais permitidos pela ANS, nos contratos individuais.

Na busca de parâmetro mais consentâneo com a manutenção do equilíbrio econômico financeiro do contrato, adotar-se-á a metodologia utilizada pela ANS para calcular o índice de reajuste anual dos planos individuais/familiares, que leva em consideração a média dos percentuais de reajuste aplicados pelas operadoras aos contratos de planos coletivos com mais de 30 beneficiários no ano anterior. Assim, verificando o Magistrado que, numa apólice coletiva específica, incidiu percentual que reflete uma possível abusividade, poderá adotar o percentual divulgado pela ANS para os contratos individuais daquele mesmo ano, eis que reflete a média dos coletivos imediatamente anterior. A adoção deste critério para a revisão dos coletivos não se mostra desarrazoada, pois, como visto, o percentual dos individuais é extraído dos próprios contratos coletivos[20].

 

2. c) NÃO INCIDÊNCIA DOS REAJUSTES ANUAIS DA ANS

Pequena parcela das decisões judiciais analisadas, considerou que não se mostra abusivo o reajuste anual fixado pelo plano de saúde coletivos superiores ao fixado pela ANS nos planos individuais, eis que a agência reguladora não fixa teto nos coletivos.

O reajuste, nos coletivos, deve ser apenas comunicado à ANS, todavia, não cabe a esta, por ausência de determinação legal, a fixação de limites máximos de reajustes.

Não há, assim, limitação para os reajustes anuais das mensalidades nos contratos coletivos, inexistindo previsão legal de submissão a índice previamente imposto pela ANS, sendo a obrigação do plano de saúde tão somente comunicar à agência fiscalizadora qual o percentual praticado.

Com isso, não se pode reputar abusivo o reajuste anual de plano de saúde coletivo apenas por empregar índice superior àquele estabelecido pela ANS para os planos individuais[21].

 

CONCLUSÃO

O presente trabalhou buscou analisar a omissão da agência reguladora de saúde- ANS em regular os planos de saúde coletivos.

Conforme dados extraídos pela ANS, mais de 80% dos contratos são firmados na modalidade coletiva, o que por evidente, ao não ser regulado, a grande maioria dos beneficiários ficam desassistidos.

Não justifica a sua inação regulatória, até mesmo por que não existe qualquer impedimento legal para que isto ocorra. Em terreno sem lei, os planos sentem-se livres para fixar os reajustes, onde são identificadas diversas práticas abusivas.

Ao acionar o Poder Judiciário, verifica-se um posicionamento protecionista aos beneficiários dos planos de saúde, que acaba invalidando os reajustes anuais nos contratos coletivos.

Ocorre que, por ausência de parâmetros legais, nas decisões judiciais não tem outra alternativa a não ser a aplicação dos reajustes individuais autorizados pela ANS, porém não devemos esquecer que tal atitude pode comprometer a continuidade dos planos de saúde.

Não restam dúvidas que a ANS necessita regular o mercado dos planos coletivos, protegendo-se ambos envolvidos: operadores de planos de saúde e seus contratantes.

Apesar da resistência da ANS em regular as diversas modalidades de contrato coletivo de saúde, tal atitude seria mais benéfica, eis que traria segurança contratual a todos envolvidos, garantindo o equilíbrio contratual, possibilidade de continuidade das operadoras de saúde, observância da dignidade, da saúde e da vida dos beneficiários.

Ao regular não apenas os contratos individuais, mas também os coletivos, a ANS cumpriria a sua finalidade principal a qual foi instituída, que é o de fiscalizar e controlar a saúde suplementar e isto engloba conter os abusos financeiros.

 

REFERÊNCIAS

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Tribunal de Justiça da Bahia, Recurso Inominado, Número do Processo: 0112740-87.2017.8.05.0001,Relator(a): MARIA AUXILIADORA SOBRAL LEITE,Publicado em: 01/04/2019 )

 

Tribunal de Justiça da Bahia, Recurso Inominado,Número do Processo: 0119054-15.2018.8.05.0001,Relator(a): MARTHA CAVALCANTI SILVA DE OLIVEIRA,Publicado em: 29/03/2019.

 

Tribunal de Justiça da Bahia, Recurso Inominado,Número do Processo: 0040136-94.2018.8.05.0001,Relator(a): NICIA OLGA ANDRADE DE SOUZA DANTAS,Publicado em: 20/03/2019.

 

TCU, TCU – RA: 02185220146, Relator(a): BENJAMIN ZYMLER, Data de Julgamento: 28/03/2018, Plenário.

 

[1] Graduada em Direito pela Universidade Católica do Salvador- UCSAL, Pós-Graduada em Ciências Criminais pela Juspodivm/Faculdade Baiana de Direito, Mestranda em Direito, Governança e Políticas e Públicas pela Unifacs – Universidade Salvador. E-mail: karina.area@hotmail.com

[2] Graduada em Direito pela Faculdade Ruy Barbosa, Pós-Graduada em Direito Eleitoral pela Fundação César Montes e Mestranda em Direito, Governança e Políticas Públicas pela Unifacs – Universidade Salvador.E-mail:mirlamota@gmail.com      

[3] Constituição Federal. “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. “Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado”.

[4] FADUL. Élvia M. Cavalcanti. Agências reguladoras multisetoriais: desafios organizacionais e dinâmicas de poder. VII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Lisboa, Portugal, 8-11 Oct. 2002.

[5] ANS. Reajustes aplicados pelas operadoras para contratos coletivos com até 30 beneficiários. Disponível em http://www.ans.gov.br/planos-de-saude-e-operadoras/espaco-do-consumidor/reajustes-de-precos-de-planos-de-saude/reajustes-aplicados-pelas-operadoras-para-contratos-coletivos-com-ate-30-beneficiarios. Acesso em 09 de junho de 2019)

[6] ANS. Histórico de reajuste por Variação de Custo Pessoa Física. Disponível em http://www.ans.gov.br/planos-de-saude-e-operadoras/espaco-do-consumidor/reajustes-de-precos-de-planos-de-saude/historico-de-reajuste-por-variacao-de-custo-pessoa-fisica.  Acesso em 09 de junho de 2019.

[7] ANs. ANS disponibiliza números de abril do setor de planos de saúde. Disponível em http://www.ans.gov.br/aans/noticias-ans/numeros-do-setor/5009-ans-disponibiliza-numeros-de-abril-do-setor-de-planos-de-saude. Acesso em 06 de junho de 2019.

[8] ANS. Reajustes aplicados pelas operadoras para contratos coletivos com até 30 beneficiários. Disponível em http://www.ans.gov.br/planos-de-saude-e-operadoras/espaco-do-consumidor/reajustes-de-precos-de-planos-de-saude/reajustes-aplicados-pelas-operadoras-para-contratos-coletivos-com-ate-30-beneficiarios. Acesso em 09 de junho de 2019.

[9]IDEC.Pesquisa do Idec mostra que só metade dos planos individuais/familiares indicados pela ANS são realmente vendidos. Disponível em https://idec.org.br/o-idec/sala-de-imprensa/release/pesquisa-do-idec-mostra-que-so-metade-dos-planos-individuais-familiares-indicados-pela-ans-so-realmente-vendidos. Acesso em 06 de junho de 2019.

[10] FALABELLA, Christiana de Vasconcelos Coelho A necessidade de regulação integral dos planos de saúde coletivos pela ANS. Recife, 2017.

[11] IDEC; CREMESP. Lei de Planos de Saúde: nove anos após a Lei 9.656. São Paulo: Idec, 2007.

[12]_______JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA BAHIA. Disponível em https://www.tjba.jus.br/jurisprudencia. Acesso em 02 de julho de 2019.

[13]Tribunal de Justiça da Bahia,Recurso Inominado,Número do Processo: 0107686-43.2017.8.05.0001,Relator(a): CELIA MARIA CARDOZO DOS REIS QUEIROZ,Publicado em: 14/02/2019

[14] Resolução Normativa nº 195/2009 da ANS . “Art. 23. Parágrafo único. Fica vedada a inclusão de beneficiários sem a participação da pessoa jurídica legitimada”.

[15]Tribunal de Justiça da Bahia,Recurso Inominado,Número do Processo: 0075536-72.2018.8.05.0001,Relator(a): MARIA AUXILIADORA SOBRAL LEITE,Publicado em: 23/03/2019 e Recurso Inominado,Número do Processo: 0076871-97.2016.8.05.0001,Relator(a): MARIA AUXILIADORA SOBRAL LEITE,Publicado em: 25/03/2019.

[16]Tribunal de Justiça da Bahia, Recurso Inominado, Número do Processo: 0112740-87.2017.8.05.0001,Relator(a): MARIA AUXILIADORA SOBRAL LEITE,Publicado em: 01/04/2019.

[17] Súmula 608, STJ. “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor – CDC. Exceto os administrados por entidades de autogestão”.

[18] TCU, TCU – RA: 02185220146, Relator: BENJAMIN ZYMLER, Data de Julgamento: 28/03/2018, Plenário.

[19]Tribunal de Justiça da Bahia, Recurso Inominado,Número do Processo: 0119054-15.2018.8.05.0001,Relator(a): MARTHA CAVALCANTI SILVA DE OLIVEIRA,Publicado em: 29/03/2019.

[20]Tribunal de Justiça da Bahia, Recurso Inominado,Número do Processo: 0040136-94.2018.8.05.0001,Relator(a): NICIA OLGA ANDRADE DE SOUZA DANTAS,Publicado em: 20/03/2019.

[21] Recurso Inominado,Número do Processo: 0094534-88.2018.8.05.0001,Relator(a): MARIA VIRGÍNIA ANDRADE DE FREITAS CRUZ,Publicado em: 25/01/2019)

Âmbito Jurídico

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