1.Introdução
A irresignação faz parte da natureza humana, que insatisfeita com o julgamento da lide, sai em busca de uma segunda ou terceira decisão.
Assim, inconformadas com as decisões emanadas pelas instâncias singulares, as partes processuais lançam mão das vias recursais, a fim de alcançarem a prestação jurisdicional “mais justa”.
Este trabalho tem como escopo o estudo do instituto do prequestionamento, que nada mais é, do que o questionamento prévio da questão em discussão.
Inicialmente, trata-se de forma geral os aspectos atinentes a todos os recursos cíveis.
A seguir, foca-se no tema central, discorrendo-se sobre o surgimento e a aplicação do prequestionamento nos Recursos Especial e Extraordinário.
Atrelado ao requisito do prequestionamento, verificaremos por vezes a necessidade da oposição dos embargos de declaração e o entendimento das Cortes Superiores sobre tal necessidade.
2.Aspectos Gerais dos Recursos
2.1 Definição
Recurso é “o poder de provocar o reexame de uma decisão, pela mesma autoridade judiciária, ou por outra hierarquicamente superior, visando a obter a sua reforma ou modificação” [1].
2.2 Pressupostos de Admissibilidade
A interposição dos recursos está adstrita ao que chamamos de pressupostos de admissibilidade, que em geral, são divididos pela doutrina como intrínsecos e extrínsecos [2].
Os pressupostos intrínsecos são aqueles que dizem respeito à decisão recorrida em si mesma considerada. Para serem aferidos, leva-se em consideração o conteúdo e a forma da decisão impugnada.
Os pressupostos extrínsecos dizem respeito aos fatores externos à decisão judicial que se pretende impugnar. Para serem aferidos, são irrelevantes os dados que compõem o conteúdo da decisão recorrida, mas sim fatos a ela supervenientes.
Nos intrínsecos podemos incluir: o cabimento; a legitimação para recorrer e o interesse em recorrer.
2.2.1.Cabimento
Para este pressuposto deverão ser observados dois fatores, quais sejam, a recorribilidade da decisão e a adequação.
O Código de Processo Civil, elenca, em seu artigo 496 [3], taxativamente, os recursos aptos a atacar uma decisão judicial recorrível [4].
Destarte, deve ser interposto o recurso adequado para o tipo de decisão que se pretende impugnar.
O pressuposto do cabimento consiste, justamente, no dever de o recorrente utilizar um recurso previsto legalmente e adequado ao caso concreto.
2.2.2.Legitimação para recorrer
A legitimação para recorrer incide na pertinência legal do direito de recorrer a quem apresente o recurso. O artigo 499 [5] do Código de Processo Civil prevê que as partes (autor, réu, opoente, chamado ao processo e litisdenunciado), o Ministério Público, o terceiro prejudicado e o assistente listisconsorcial podem recorrer.
2.2.3.Interesse em recorrer
Para a análise deste pressuposto devemos observar o binômio necessidade / utilidade, ou seja, o recurso deve ser o único meio passível de se obter a vantagem desejada e o recorrente deverá demonstrar a sucumbência (prejuízo) sofrida com a decisão.
O interesse em recorrer pertence àquele que não obteve a satisfação plena de seu pleito. É necessário que sejam demonstradas a utilidade e necessidade de interposição do recurso.
Quanto aos pressupostos extrínsecos podemos elencar: a tempestividade, a regularidade formal, a inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer e o preparo.
2.2.4.Tempestividade
O recorrente deverá observar o prazo estabelecido em lei[6] [7] [8], para a interposição do recurso, sob pena de preclusão[9], tendo em vista tratar-se de prazo peremptório.
2.2.5.Regularidade Formal
A lei prevê regras formais[10] para apresentação de qualquer recurso, o dever de obediência a tais regras consiste no pressuposto da regularidade formal, o seu descumprimento implica o juízo de admissibilidade negativo.
2.2.6.Inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer
A inexistência de fato extintivo ou impeditivo de direito é essencial para que o recurso seja admitido. Por essa exigência, pode-se compreender a necessidade de inocorrência qualquer circunstância ou fato que seja incompatível com a vontade de recorrer.
Os fatos impeditivos ou extintivos do poder de recorrer são: a renúncia, a desistência, a aquiescência, a renúncia pelo autor ao direito sobre o qual se funda a ação, o reconhecimento do pedido pelo réu e o depósito prévio da multa imposta em virtude de recurso protelatório quando a lei o impõe.
Logo, a presença de qualquer um destes fatos no processo, faz com que o recurso seja inadmitido, o que faz com que a doutrina os chamem de pressupostos negativos de admissibilidade dos recursos.
2.2.7.Preparo
Para o processamento do recurso interposto, deverá a parte recorrente, efetuar o pagamento das custas processuais pertinentes, bem como do porte de remessa e retorno dos autos quando necessário for, no prazo do recurso, anexando-o a peça recursal.
A inobservância no pagamento do preparo acarreta a deserção.
Alguns recursos são dispensados do preparo, devendo-se consultar o Regimento do Tribunal de Justiça local.
Com efeito, a falta de atendimento a qualquer um dos pressupostos supra citados ensejará o não conhecimento do recurso, no momento do juízo de admissibilidade.
3.Prequestionamento – pressuposto específico – Requisito jurisprudencial
Em se tratando de recursos excepcionais (Recurso Especial e Recurso Extraordinário), a admissibilidade destes está sujeita ao prequestionamento, ou seja, a suscitação prévia da tese jurídica defendida no caso concreto, embora não exista previsão legal para tal requisito.
Na jurisprudência brasileira, os Tribunais Superiores, sufocados pelo número crescente de recursos a eles dirigidos, começaram a exigir o prequestionamento do ponto de vista do direito federal e constitucional violado, para admissão e prosseguimento dos respectivos recursos.
Em consulta jurisprudencial, ao site do STF [11], verificamos o resumo do primeiro julgado, neste sentido, datado de 06/06/1950, prolatado pela Segunda Turma, no julgamento do RE 14.619, sendo Relator, o Sr. Ministro Orosimbo Nonato:
Ementa
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREQUESTIONAMENTO. LEI LOCAL.
Indexação PREQUESTIONAMENTO. POSTO NÃO MENCIONADO EM LEI, E EXIGÊNCIA QUE DERIVA DA INDOLE MESMA DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PROC-CIVIL
Somadas as hipóteses restritas de cabimento do Resp e do RE, o prequestionamento, visa frear a fúria recursal das partes que apelam em busca da segurança jurídica e do devido processo legal.
4.Súmulas
A ausência do prequestionamento autoriza nossas Cortes Superiores, a não admitirem, não conhecerem e, principalmente, não darem provimento aos recursos que lhe forem submetidos.
Desta feita, em que pese, os entendimentos diversos, o Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, editaram as seguintes súmulas:
SÚMULA 282 do STF: “É inadmissível o Recurso Extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada”.
SÚMULA 3l7 do STF: “São improcedentes os Embargos Declaratórios, quando não pedida a declaração do julgado anterior, em que se verificou a omissão”.
SÚMULA 356 do STF: “O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos Embargos Declaratórios, não pode ser objeto de Recurso Extraordinário, por faltar o requisito prequestionamento”.
SÚMULA 211 do STJ: “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo“.
5.Classificações
Apenas, com intuito didático, vamos citar algumas classificações expostas pela doutrina.
5.1.Prequestionamento simples
Ocorrerá o prequestionamento simples quando o acórdão recorrido se pronunciar a respeito da matéria que será objeto do Recurso Especial ou do Recurso Extraordinário, já ventilada pela parte recursal em suas razões.
5.2.Prequestionamento complexo
O prequestionamento complexo será observado, quando a fundamentação, surgir no próprio acórdão recorrido, ex officio, isto é, quando o tribunal a quo se inovar a respeito da matéria que será objeto do Recurso Especial ou do Recurso Extraordinário.
5.3.Prequestionamento explícito
Verifica-se a ocorrência do prequestionamento explícito, quando o acórdão a quo decidir efetivamente a questão suscitada.
5.4.Prequestionamento implícito
O prequestionamento será implícito quando a questão foi posta em discussão no primeiro grau, mas, porém, não atacada pelo tribunal estadual no acórdão.
5.5.Embargos de declaração questionadores
Os Embargos de Declaração, opostos pelo recorrente, contra acórdão que deixou de se pronunciar contra a matéria constitucional ou a lei federal suscitada, desprovendo-os, no julgamento do recurso de apelação, são conhecidos pela doutrina como “embargos de declaração prequestionadores”.
A despeito do desprovimento desses embargos, a matéria é considerada prequestionada quando levada aos tribunais superiores.
Para o Superior Tribunal de Justiça, a apreciação da matéria ventilada pela parte, na decisão recorrida é imprescindível para a caracterização do prequestionamento. Restando, assim, inócua a decisão de 2ª instância que desprovê os embargos de declaração prequestionadores.
Desta sorte, para sanar a omissão não corrigida pelos embargos de declaração, o recorrente deverá interpor Recurso Especial, com fulcro na alínea “a”, inciso III, do artigo 105 da Constituição Federal [12], invocando violação ao artigo 535, II, do Código de Processo Civil [13], qual seja, a omissão no acórdão de questão suscitada.
Constatada a alegada omissão pelo Superior Tribunal de Justiça, o acórdão será anulado e os autos remetidos à segunda instância para a apreciação da questão omitida no julgamento anterior.
Somente após, a parte poderá interpor o Recurso Especial fundamentado na matéria que pretendia inicialmente.
Para o Supremo Tribunal Federal constata-se a existência de duas correntes conflitantes. Vejamos.
Em consonância com Súmula 211 do STJ, ou seja, entende não estar prequestionada a matéria até que o tribunal cujo acórdão está sendo objeto de RE se manifeste, debata, discuta, decida, expressa e textualmente, devendo ser interpostos Embargos de Declaração infinitas vezes, enquanto não for obtido o explícito pronunciamento.
A outra, consolidada pela Súmula 356 do STF, entende que basta a interposição de embargos declaratórios, ainda que não surtam o efeito desejado de obter um pronunciamento explícito do tribunal a quo, para se ter por prequestionada a matéria.
Os seguidores da primeira corrente citada alegam que: “uma vez protocolados embargos declaratórios, pouco importando o julgamento destes, é enquadrá-lo como simplesmente formal, admitindo-se que certa matéria possa ser julgada, pela vez primeira, em sede extraordinária e, por via de conseqüência, que o órgão nela situado passe a ser o competente para o julgamento dos próprios declaratórios” [14].
Os defensores da segunda corrente pregam que: “a teor da Súmula 356, o que se reputa não prequestionado é o ponto indevidamente omitido pelo acórdão primitivo sobre o qual “não foram opostos embargos declaratórios”. Mas, se opostos, o Tribunal a quo se recusa a suprir a omissão, por entendê-la inexistente, nada mais se pode exigir da parte” [15].
Conclusão
Por fim, verificamos que o prequestionamento trata-se de pressuposto específico à admissibilidade dos Recursos Especial e Extraordinário.
Constatamos ainda, que podemos classificar o prequestionamento em simples, complexo, explícito e implícito.
Os Tribunais Superiores editaram Súmulas para viabilizarem a exigência do instituto no julgamento dos recursos de sua competência.
Porém, verifica-se divergência no entendimento do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal quanto a manifestação dos Tribunais inferiores no julgamento das matérias objeto dos recursos excepcionais.
Advogada. Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grade do Sul – PUCRS. Pós-graduanda do curso de especialização em Direito Empresarial pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.Graduada pela Universidade São Marcos.
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