Resumo: Com esse trabalho procura-se definir se os Direitos Sociais são direitos fundamentais e, se para tanto deverão ser considerados cláusulas pétreas ou limite material implícito. Passaremos por valores albergados e escolhidos por nossa Constituição Federal, para que se concretize o real Estado Democrático (social) de Direito.
Palavras-chave: CONSTITUCIONALISMO; EFICÁCIA; CLÁUSULA PÉTREA; LIMITE; DIREITOS SOCIAIS.
Resumen: Con este trabajo, buscaremos definir si los derechos sociales son derechos fundamentales, y, si ambos deben ser considerados cláusulas pétrea o implícito limite material. Estudiaremos los valores elegidos por nuestra Constitución Federal, a fin de que se pueda concretizar el real Estado Democrático (social) de Derecho.
Palabras-clave: CONSTITUCIONALISMO; LA EFICÁCIA; LA CLÁUSULA PÉTREA; LIMITE; LOS DERECHOS SOCIALES.
Sumário: 1. Introdução; 2. Constitucionalismo; 2.1 A Eficácia Normativa da Constituição; 2.2. Poder Constituinte Originário e Reformador; 2.3 Os Limites Constitucionais ao Poder de Reforma; 2.4 Cláusulas Pétreas; 3. Direitos fundamentais no constitucionalismo brasileiro – breves explanações; 3.1 As Gerações Dos Direitos Fundamentais; 3.2 Os Direitos Sociais como Limites Materiais para a Reforma Constitucional; 3.3 O Princípio da Reserva do Possível e da Proibição de Retrocesso em Matéria de Direitos Sociais; 3.4 O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana; 4. Relacionamento dos direitos fundamentais sociais e o mínimo existencial; 5. Relacões particulares e os direitos fundamentais sociais; 6. Considerações finais; Referências.
1. INTRODUÇÃO
A vida mostra que o homem não deixou de ser o lobo do homem, mas temos razões para acreditar que podemos viver num mundo de cooperação e de solidariedade, num mundo capaz de responder satisfatoriamente às necessidades fundamentais de todos os habitantes do planeta (NUNES, 2003, p. 125).
Assistimos a uma evolução no quadro de direitos e podemos dizer que é convergência dos ordenamentos dos Estados contemporâneos o reconhecimento do ser humano como o centro e o fim do Direito. Essa idéia encontra-se vinculada pela adoção, à guisa de valor básico do Estado Democrático de Direito, da dignidade da pessoa humana.
Houve momento na História em que se excluíam, por completo, as pessoas das condições do âmbito de aplicação dos direitos fundamentais. Essas pessoas simplesmente não poderiam invocar direitos e garantias em face do Estado, já que estariam inseridas num sistema em que o dever de obediência seria com isso incompatível. Desse modo, recusava-se a liberdade de expressão aos servidores civis e militares, bem assim, o direito de greve, que comprometeria a disciplina e o bom andamento da Administração. (BRANCO, 2002, passim)
Os direitos fundamentais são produto peculiar do pensamento liberal-burguês do século XVIII, de marcado cunho individualista, surgindo e afirmando-se frente ao Estado, mais especificamente como direitos de defesa, demarcando uma zona de não-intervenção estatal e uma esfera de autonomia individual em face de seu poder (BONAVIDES, 1997, p.517).
Desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos (de 1948) das Nações Unidas, houve uma espécie de “processo de universalização de codificações de proteções aos direitos da pessoa humana” e essa “avalanche” de documentos que o mundo começa a vivenciar também impulsiona o Brasil (GUERRA, 2008, p.129).
O presente trabalho pretende discutir se os chamados direitos sociais, titulo II, da Constituição Federal de 1988, podem ser considerados cláusulas pétreas ou limites materiais implícitos.
Para tanto, passaremos por conceitos e formulações como constitucionalismo, eficácia normativa da constituição, poderes constituintes, reserva do possível, entre outros.
Tal tema é de vital importância, posto que nossa Constituição, considerada a Constituição Cidadã, inaugurou o Estado Democrático (social) de Direito; e, ainda, assumiu, como valores essenciais de uma sociedade: os direitos sociais.
Todavia, a reforma desses direitos suscita dúvidas, constituindo objeto de várias discussões, que tentaremos trazer resumidamente a nosso trabalho, implicando inclusive, em vários argumentos jurídicos e políticos.
2. CONSTITUCIONALISMO
Foi, sem dúvida, uma grande conquista dos povos civilizados o reconhecimento da necessidade de uma segurança jurídica com base em uma Lei Maior, a Constituição.
A idéia de Constituição é bem antiga: ela é criada por um poder criador originário, que pode ser envolvido por uma Assembléia Nacional Constituinte. No mundo jurídico, a Constituição é a Lei Fundamental de um Estado e, desse modo, é a organização dos seus elementos essenciais, dentre os quais encontram-se os direitos fundamentais e suas garantias. É necessário que a Constituição possua força normativa o suficiente para fazer valer o direito posto e não servir apenas de declaração política.
Dessa forma, baseada na vontade da Constituição, a Lei Fundamental poderá buscar uma efetiva garantia de direitos, que não se limitam ao campo individual como no período clássico, mas são sociais, econômicos, religiosos e se ampliam cada vez mais.
2.1 Eficácia Normativa da Constituição
A constitucionalização dos direitos sociais assume relevância ímpar diante da afirmação do caráter normativo da Constituição, que faz com que esta condicione a validade da produção legislativa e paute a interpretação e aplicação do ordenamento jurídico, podendo, inclusive, gerar pretensões individuais diretas e imediatas, em situações específicas.
Mas a quase totalidade das Constituições, durante muito tempo, foram consideradas como documentos de cunho meramente político, questões de poder e não de Direito e tal posição também encontrava sustentação teórica na literatura política.
Em 1959 Konrad Hesse, à luz de uma nova consciência em torno das possibilidades e da função do texto constitucional, rejeitou o trato da Constituição escrita como mero pedaço de papel incapaz de influir nas questões de poder e tão-somente a elas submetida, como entendia o autor Ferdinando Lassale. Ao contrário, defendeu a possibilidade de se afirmar, preservar e fortalecer a força normativa da Constituição, desde que presente, na consciência geral, um pressuposto fundamental: a vontade de Constituição. Eis a lição de Hesse (1999, p. 21/22):
“… Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem-se presentes, na consciência geral particularmente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional , não só a vontade de poder (Wille zur Macht), mas também a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung). (…) Todos os interesses momentâneos ainda quando realizados não logram compensar o incalculável ganho resultante do comprovado respeito à Constituição, sobretudo naquelas situações em que a sua observância revela-se incômoda. Como anotado por Walter Burckhardt, aquilo que é identificado como vontade da Constituição deve ser honestamente preservado, mesmo que, para isso, tenhamos de renunciar a alguns benefícios, ou até a algumas vantagens justas. Quem se mostra disposto a sacrificar um interesse em favor da preservação de um princípio constitucional, fortalece o respeito à Constituição e garante um bem da vida indispensável à essência do Estado, mormente ao Estado democrático’. Aquele, que, ao contrário, não se dispõe a esse sacrifício, `malbarata, pouco a pouco, um capital que significa muito mais do que todas as vantagens angariadas, e que, desperdiçado, não mais será recuperado.”
No histórico julgamento do caso Marbury v. Madison restou afirmado o caráter normativo da Constituição. A afirmação da autoridade da Constituição pressupõe, realmente, a possibilidade de reconhecimento da inconstitucionalidade das leis que lhe são contrárias. Atualmente, isto é corrente no mundo ocidental, variando apenas as formas de controle de constitucionalidade, se difuso, concentrado, ambos ou mesmo variações. Mas, embora importante tal aspecto, a chamada jurisdição constitucional nele não se esgota. Tem-se afirmado que nenhum dispositivo constitucional, por mais genérico, indeterminado, abstrato, carente de regulamentação, deixa de ter um mínimo de eficácia, senão positiva, ao menos negativa. De fato, os dispositivos constitucionais a todos vinculam, seja ao legislador, administrador, juiz ou ao particular. Assim, a jurisdição constitucional acaba por abranger a aplicação da Constituição de modo a dar-lhe a maior eficácia possível, muitas vezes mediante aplicação direta dos seus dispositivos como geradores de posições jurídicas individuais a amparar pretensões específicas.
Neste modelo, cabe ao Judiciário dirimir o conflito através de declaração de inconstitucionalidade da lei, zelando pela supremacia da Constituição, respeitando-se, contudo, a separação dos poderes.
2.2. Poder Constituinte Originário e Reformador
Poder constituinte é o poder capaz de estabelecer as normas constitucionais: sejam as de uma nova Constituição – poder constituinte originário (não há limites formais), sejam as que modificam uma Carta já existente – poder derivado ou reformador (possui limites formais), com o objetivo principal de conferir legitimidade ao ordenamento jurídico de um Estado.
O poder constituinte originário é o criador da norma, não está submetido a qualquer Constituição. Pelo contrário, irá ordenar a Constituição e se encontrará fora de seu alcance formal e material. Pode surgir por fatores dos mais diversos, como sociais, políticos, revolucionários. Este poder, segundo Celso Ribeiro Bastos (2004, p.84):
“se baseia na faculdade que todo povo possui de fixar linhas mestras sob as quais deseja viver, sendo também aquele que põe em vigor, cria ou mesmo constitui normas jurídicas de valor constitucional, ocupando o topo da ordenação jurídica, o que enseja pela sua criação métodos próprios.”
No entanto, a ordem jurídica precisa acompanhar os fatos sociais e adaptar-se aos novos acontecimentos. Assim, as Constituições modificam-se também alguns caminhos.
A reforma, emenda e revisão (figura transitória prevista no art. 3º, ADCT, que já ocorreu em 1993) são manifestações do poder constituinte reformador. No direito constitucional positivo brasileiro essas três manifestações se apresentaram, ora com terminações distintas, ora unificadas.
Ocorre que, independentemente de nomenclatura, o que importa, é que os direitos fundamentais conquistados no curso da evolução histórica da humanidade consagrados na ordem jurídica não podem ser restringidos, diminuídos ou suprimidos, sem que se desrespeite o poder fundante do Estado e a dignidade humana como valor supremo.
2.3 Os Limites Constitucionais ao Poder de Reforma
O Poder de reforma é um poder jurídico limitado e estabelecido pelo poder constituinte originário. Assim, deve submeter-se aos limites jurídicos por ele impostos, sob pena de inconstitucionalidade. Assim, a reforma constitucional deve ser elaborada dentro de parâmetros previamente estipulados, são os denominados limites. Estes estabelecem o alcance das alterações; e, suas disposições quanto aos limites estão enumeradas no texto constitucional.
O processo de reforma ocorre permanentemente sob o manto da Emenda à Constituição. A nossa Carta Magna de 1988 contém normas que prevêem expressamente uma série de limitações à reforma de seu texto. As limitações impostas à Constituição garantem, senão a eternidade, pelo menos a continuidade dos valores eleitos como imutáveis pelo Constituinte originário.
De acordo com Paulo Bonavides (2004, p.198) as limitações podem ser divididas em três categorias: limites temporais, limites circunstanciais e os limites materiais. Parte da doutrina acrescenta uma quarta classificação, chamada de limites formais/ procedimentais.
O artigo 60, § 4º da nossa Constituição Federal dispõe que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais.
Os limites materiais nas palavras de Sarlet (2005, p.389) objetivam assegurar a permanência de determinados conteúdos da Constituição tidos como essenciais, ao menos de acordo com o entendimento do Constituinte.
Ressalta-se que os limites materiais à reforma constitucional, valem dizer, cláusulas pétreas, limitações explícitas, conferidas pelo artigo 60, § 4º, IV, da Constituição Federal de 1988, garantem a rigidez e a imutabilidade dos direitos fundamentais. A interpretação das cláusulas pétreas – art. 60, §4º, e incisos é de fácil compreensão, ressalvando-se, porém, o inciso IV – os diretos e garantias individuais, posto que, precisamos analisar se qualquer direito fundamental estaria protegido pela cláusula pétrea, em sentido material, das possíveis abolições do poder reformador. Certamente, uma imutabilidade permanente acarreta riscos à ordem constitucional. A Lei Maior deve adequar-se, mas garantindo certos conteúdos essenciais contra os interesses políticos e particulares.
A existência de limites materiais expressamente previstos em nossa constituição vigente, chamada de cláusula pétrea ou cláusula de eternidade, não exclui outras limitações desta natureza, que podem ser chamadas de limites implícito. O entendimento que se quer demonstrar quanto aos limites implícitos, em primeiro plano, diz respeito àqueles dispositivos que se encontram expressamente fora do artigo 60, § 4, da CF. Em um segundo entendimento, é a necessidade de se fazer uma leitura de todos os princípios fundamentais do título I da nossa Constituição para se chegar à impossibilidade de se abolir os direitos sociais.
Ingo W. Sarlet (2005, p. 393) assevera, e com ele concordamos, que não se nos afigura razoável o entendimento de que a Federação e o princípio da separação dos poderes se encontram protegidos contra o Poder Constituinte Reformador, e o princípio da dignidade humana não.
Outro aspecto que a doutrina convencionou denominar de dupla revisão versa sobre a impossibilidade de se alterar ou eliminar, por meio de uma reforma constitucional, as próprias normas da Constituição que incidem sobre a reforma, especialmente as que estabelecem os limites materiais, facilitando o processo de atualização das normas constitucionais.
No que tange aos limites formais, a nossa Constituição Federal, adotou um sistema rígido. Sem a intenção de examinar profundamente o assunto, os limites formais (processuais), estão dispostos no artigo 60, §§ 2º e 3º de nossa Magna Carta, necessitando de 3/5 dos votos de ambas as casas do Congresso para aprovação de Emenda Constitucional com a indicação de seus respectivos números de ordem.
A rigidez constitucional demonstra a necessidade de um processo especial para a reforma da Constituição, mais complexo e distinto daquele necessário para as leis infraconstitucionais, pois incluem quorum e procedimentos diversos, além das limitações. A inobservância dessas prescrições desencadeia um mecanismo de proteção da Constituição, chamado controle da constitucionalidade, que não é objeto de nosso estudo.
2.4. Cláusulas Pétreas
As cláusulas pétreas exprimem a idéia de que existe alguma norma que não pode ser modificada, tornando-se irreformável, ou seja, torna insuscetível de mudança um dispositivo determinado pelo Poder Originário. Representa o esforço do constituinte para assegurar a integridade da Constituição, obstando que eventuais reformas provoquem a destruição, o enfraquecimento ou, ainda, impliquem em profundas mudanças.
São, portanto, limites fixados ao conteúdo de uma reforma constitucional e que operam como verdadeiras limitações ao exercício do Poder Constituinte reformador. Em nossa Constituição, firmou-se a idéia de que, por não haver a possibilidade de mudanças, os incisos do art. 60, § 4º seriam considerados cláusulas pétreas. A proteção de alguns artigos denominados cláusulas pétreas é uma qualidade que os distingue das demais normas constitucionais pela sua imutabilidade.
Embora não literalmente expresso no art. 60, § 4º, outros artigos que são considerados cláusulas pétreas, como por exemplo, os artigos 1º, 2º, 127 e muitos outros que se encontram em nossa Lei Maior, e que são insuscetíveis de reformas no sentido de abolí-los.
Há, todavia, que se pensar na possibilidade dos constituintes originários terem se equivocado com relação à palavra individuais, quando na realidade estariam tratando dos direitos fundamentais como um todo, haja vista as conturbadas discussões que ocorreram na Assembléia Nacional Constituinte, pelo momento político vivido à época.
Sobre esse assunto Paulo Bonavides aduz que tanto a emenda constitucional, quanto a lei ordinária que abolirem ou afetarem a essência protetora dos direitos sociais, jacente na índole, espírito e natureza do nosso ordenamento maior, padecem da eiva da inconstitucionalidade. Afirma, por derradeiro que:
“não há distinção de grau nem de valor entre os direitos sociais e os direitos individuais. No que tange à liberdade, ambas as modalidades são elementos de um bem maior já referido, sem o qual tampouco se torna efetiva a proteção constitucional: a dignidade da pessoa humana.” (BONAVIDES, 2004, p. 642)
Por fim, não podemos esquecer que nada é absoluto, mas devem-se manter os institutos de ordem fundamental conquistados pela sociedade no decorrer dos tempos e somar a eles as efetivas possibilidades conquistadas no dia-a-dia. No entanto, em determinados casos o texto redigido num contexto social há que ser reinterpretado para que continue sendo aplicado a novo contexto, e, seja eficaz.
3. DIREITOS FUNDAMENTAIS NO CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO – BREVES EXPLANAÇÕES
Os Direitos Fundamentais encontram-se incorporados ao patrimônio comum da humanidade e são reconhecidos internacionalmente a partir da Declaração da Organização das Nações Unidas de 1948. Tais Direitos possuem natureza poliédrica, prestando-se ao resguardo do ser humano na sua liberdade (direitos e garantias individuais), nas suas necessidades (direitos econômicos, sociais e culturais) e na sua preservação (direitos à fraternidade e à solidariedade). (ARAÚJO, 2000, p. 71-72).
Diz o Prof. Uadi Lamêgo Bulos (2001, p. 69) sobre o assunto:
“além de fundamentais, inatos, absolutos, invioláveis, intransferíveis, irrenunciáveis e imprescritíveis, porque participam de um contexto histórico, perfeitamente delimitado. Não surgiram à margem da história, porém, em decorrência dela, ou melhor, em decorrência dos reclamos da igualdade, fraternidade e liberdade entre os homens. Homens não no sentido de sexo masculino, mas no sentido de pessoas humanas. Os direitos fundamentais do homem nascem, morrem e extinguem-se. Não são obra da natureza, mas das necessidades humanas, ampliando-se ou limitando-se a depender do influxo do fato social cambiante.” (grifos nossos)
Assim, os direitos fundamentais passam a assumir uma dimensão institucional – Estado Democrático (social) de Direito.
O Constituinte de 1988 consagrou nos arts. 1º e 3º da Lei Maior, a dignidade do homem como valor primordial, propiciando unidade e coesão ao texto, de molde a servir de diretriz para a interpretação de todas as normas que o constituem. Foram elencados nos primeiros capítulos da CF/88, inúmeros direitos e garantias individuais, e lhes foi outorgado o patamar de cláusulas pétreas, conforme o art. 60, § 4º, inciso IV, priorizando assim, os direitos humanos. A nossa Constituição se reveste de inovações ao inserir no seu Título II os Direitos Sociais que, sob a égide das constituições anteriores se encontravam espalhados ao longo de seus textos, demonstrando com isso, a intenção do legislador constituinte sobre a vinculação dos mesmos com os direitos individuais.
No art. 5º, § 1º da Constituição Federal fica destacada a inovação ao dispor a aplicabilidade imediata às regras definidoras dos direitos e garantias fundamentais. Isso significa uma exeqüibilidade instantânea derivada da própria constituição, com a presunção de norma pronta, acabada, perfeita e auto-suficiente.
Ainda, prevê que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou, dos tratados internacionais de que a República Federativa do Brasil seja parte, verificando-se com isso, a possibilidade da existência de outros direitos e garantias fundamentais, inseridos ao longo de todo o texto constitucional; como também, o fato de os direitos e garantias decorrentes de tratados internacionais receberem o mesmo tratamento dos direitos fundamentais, e passarem a ter aplicabilidade imediata no direito interno.
3.1. As Gerações Dos Direitos Fundamentais
Os direitos fundamentais foram se desenvolvendo através dos tempos, e, para tanto, classificados em gerações, que demonstram a existência de um processo evolutivo- cumulativo desses direitos. Os direitos à liberdade, conhecidos como direitos de 1ª geração, são aos direitos civis e políticos do homem, que se opunham ao direito estatal.
Com a revolução industrial, o indivíduo abandonou a terra e passou a viver na cidade, enfrentando toda uma agitação decorrente do desenvolvimento tecnológico. Passou a participar de novos espaços, como a fábrica e os partidos políticos, começou a aspirar a um bem-estar material propiciado pela modernidade, desenvolvendo-se então, os direitos econômicos, culturais e sociais, assim como os direitos coletivos, já que diferentes formas de Estado social tinham sido introduzidas, são conhecidos como direitos de 2ª geração, surgiram logo após a Primeira Grande Guerra Mundial.
Foi então requerida uma maior participação do Estado, face ao reconhecimento de sua função social, através de prestações positivas, que visassem o bem-estar do homem, pois os direitos individuais não eram mais absolutos. (o Estado passou a ter o dever de agir – direito positivo)
No final do século XX, observou-se uma 3ª geração de direitos fundamentais, com a finalidade de tutelar o próprio gênero humano, direitos considerados transindividuais, direitos de pessoas consideradas coletivamente. São os direitos de fraternidade, de solidariedade, traduzindo-se num meio ambiente equilibrado, no avanço tecnológico, numa vida tranqüila, à autodeterminação dos povos, à comunicação, à paz, entre outros.
Tudo isso evoluiu de tal forma, que os direitos fundamentais se vêem nos dias de hoje cada vez mais presentes nos tratados internacionais, que gradativamente, conseguem se infiltrar aos direitos internos dos Estados que se prontificam perante toda a comunidade internacional a dignificar as condições de vida do homem.
3.2. Os Direitos Sociais como Limites Materiais para a Reforma Constitucional
Os direitos sociais estão arrolados, na Constituição Federal, no Capitulo II do Titulo II, e, ainda, podemos dividi-los em três partes: na primeira, indicação genérica dos direitos sociais; na segunda, estão enumerados os direitos individuais dos trabalhadores urbanos, rurais e domésticos; e, por fim, na terceira podemos encontrar os direitos coletivos desses trabalhadores, fora os espalhados por toda a Constituição Federal. A questão dos direitos sociais como categoria dos direitos fundamentais da pessoa humana ainda levanta muita polêmica. Entretanto, a doutrina majoritária entende a expressão “direitos fundamentais da pessoa humana” em um sentido abrangente dos direitos sociais e, portanto, não apenas como matéria constitucional, mas como matéria constitucional qualificada pelo valor transcendente da dignidade da pessoa humana.
Entendemos que os direitos sociais são essenciais ao Estado Democrático de Direito; são direitos fundamentais humanos de caráter prestacional, que por serem direitos de segunda geração, devem atuar de forma positiva, possibilitando melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem realizar a igualdade de situações sociais desiguais. São direitos que se ligam ao direito de igualdade. São pressupostos para a fruição dos direitos individuais, pois criam condições mais propícias para o alcance da igualdade real e do exercício efetivo da liberdade (SILVA, 2004, p. 284).
Para Ingo W. Sarlet (2001, p. 261):
“enquanto os direitos de defesa se identificam por sua natureza preponderantemente negativa, tendo por objeto abstenções do Estado, no sentido de proteger o indivíduo contra ingerências na sua autonomia pessoal, os direitos sociais prestacionais têm por objeto conduta positiva do Estado (ou particulares destinatários da norma), consistente numa prestação de natureza fática. Enquanto a função precípua dos direitos de defesa é a de limitar o poder estatal, os direitos sociais (como direitos a prestações) reclamam uma crescente posição ativa do Estado na esfera econômica e social. Diversamente dos direitos de defesa, mediante os quais se cuida de preservar e proteger determinada posição (conservação de uma situação existente), os direitos sociais de natureza positiva (prestacional) pressupõem seja criada ou colocada à disposição a prestação que constitui seu objeto, já que objetivam a realização da igualdade.”
Há de se considerar, contudo, em se tratando de direitos a prestações positivas do Estado, que a efetividade dos direitos sociais, independentemente da eficácia jurídica que se atribua aos dispositivos constitucionais, encontra obstáculos, por vezes intransponíveis, na carência de recursos financeiros para a sua implementação, será assunto para o próximo item.
O fato de constar no art. 60, § 4º, IV a expressão direitos e garantias individuais traz à baila dúvidas e discussões concernentes à inclusão dos demais direitos fundamentais (sociais, econômicos), no rol das denominadas cláusulas pétreas, conforme o já narrado.
Na Constituição vigente, houve uma inflação de direitos fundamentais (inclusive pelo momento político e social em que foi elaborada), e, portanto, há o surgimento da dúvida se muito deles, podem ser considerados realmente direitos fundamentais. As limitações do art. 60, § 4º, da Constituição vigente são limitações materiais explícitas – cláusulas pétreas, assim configuradas em sede de norma constitucional. Essas limitações não se esgotam com as linhas intransponíveis traçadas pelo poder de emenda.
Existem outras limitações difundidas nas regras constitucionais que estão implícitas. A existência de limites materiais justifica-se em face da necessidade de preservar as decisões fundamentais do constituinte, evitando-se que uma reforma ampla e ilimitada possa destruir a ordem fundamental. A garantia de determinados conteúdos da Constituição por meio da previsão das cláusulas pétreas assume, desde logo, uma dúplice função, já que protege os conteúdos que compõem a identidade e a estrutura essenciais da Constituição, mas também os princípios neles constituídos, não podendo estes ser esvaziados por uma reforma constitucional.
Nesse contexto, integram a categoria de limitações implícitas os fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º, I a V), o povo como fonte do poder (art. 1º, parágrafo único), os objetivos fundamentais da República Federativa (art. 3º, I a IV), os princípios das relações internacionais (art. 4º, I a X, parágrafo único), os Direitos Sociais (art. 6º), os princípios da Ordem Econômica (art. 170, I a IX, parágrafo único), entre outros já citados ao longo do presente artigo.
Os direitos sociais, mesmo que não se encontrem expressamente enunciados, sustentam-se na seara dos limites materialmente implícitos, conforme já assinalado. Mesmo com a possibilidade de serem incluídos literalmente nesse contexto, o certo é que estarão protegidos contra a reforma, mas continuarão dependentes da vontade política para a sua realização.
3.3 O Princípio da Reserva do Possível e da Proibição de Retrocesso em Matéria de Direitos Sociais
Cabe ressaltar que embora os direitos sociais sejam direitos fundamentais do homem, tem-se, destacado que a efetividade destes está sob a reserva do possível. De nada adianta, concretamente, o texto constitucional estender-se na proclamação de numerosos direitos de cunho social se inexistem meios para a sua realização.
Ao lado da garantia dos direitos sociais não há como olvidar que é indispensável que o Estado atue, sim, nas áreas de transporte e de fomento econômico, entre outras, de modo a garantir o crescimento capaz de fazer com que aumente a renda do brasileiro, ensejando, cada vez mais, que as pessoas tenham condições próprias de satisfazer suas despesas com a saúde e que o Estado possa ter seu orçamento incrementado em função de tal crescimento, para que tenha condições de atuar de modo mais consistente e satisfatório na área social em benefício dos mais carentes.
Da mesma forma, pregar a interrupção do pagamento da dívida pública como meio para a satisfação dos direito sociais, seja à saúde, ao ensino ou, e.g., ao trabalho, sem a consideração das conseqüências de tais medidas, inclusive no que diz com a possibilidade de comprometimento das relações internacionais, não condiz com uma análise mais ampla da garantia constitucional dos direitos sociais, que não se restringe, por certo, a prestações imediatas na área social, envolvendo, sim, a viabilização da atuação do Estado não apenas a curto prazo, mas também a médio e longo prazos.
Além disso, a consagração constitucional de direitos sociais não pode implicar anulação dos demais dispositivos constitucionais a serem cumpridos, atinentes a outras áreas, até porque a eficácia normativa da Constituição é inerente a todos eles. Reserva do possível, pois, evidencia a relação estreita e inafastável que há entre o crescimento econômico do País e do orçamento público com o grau possível de realização dos direitos sociais, ainda que fundamentais e constitucionalizados.
Mas a abordagem acerca da efetivação dos direitos sociais não é pautada exclusivamente por tal locução. O reconhecimento de que a concretização de direitos a prestações exige meios que não os, estritamente, jurídicos, não significam que se deva considerá-los completamente sujeitos aos alvedrios do Legislativo e do Executivo.
Canotilho (2000, p. 436) assevera:
“Não obstante se falar aqui da efectivação dentro de uma reserva possível, para significar a dependência dos direitos económicos, sociais e culturais dos recursos económicos, a efectivação dos direitos económicos, sociais e culturais não se reduz a um simples apelo ao legislador. Existe uma verdadeira imposição constitucional, legitimadora entre outras coisas, de transformações económicas e sociais na medida em que estas forem necessárias para a efectivação desses direitos” (cfr. Artigos 2º, 9º/d, 80º, 81º).
De fato, reconhecendo-se eficácia normativa a todo e qualquer dispositivo constitucional, não há como desconsiderar a presença dos direitos sociais no corpo permanente da Carta – e em local de destaque -, impondo-se, sim, que se extraia as respectivas conseqüências jurídicas.
Existe a eficácia mínima dos direitos sociais, e a necessidade inafastável de proteção dos seus núcleos essenciais. Resta saber se mais não se pode extrair da sua constitucionalização, se há ou não um mandado de otimização relativamente à atuação do Estado nas respectivas áreas que implique uma proibição do retrocesso.
Enquanto a eficácia dos direitos sociais, na ausência de regulamentação, fica restrita ao seu núcleo essencial, a regulamentação da matéria pelo Legislador conforme as possibilidades econômicas e financeiras do Poder Público, por detalhar e dar maior concretude à atuação do Estado, inclusive gerando típicos direitos subjetivos a determinadas prestações, enseja uma proteção mais consistente e eficaz.
Com relação ao princípio da proibição de retrocesso, na lição do Constitucionalista Luís Roberto Barroso(2001, p.158) tem-se que:
“por este princípio, que não é expresso, mas decorre do sistema jurídico-constitucional, entende-se que se uma lei, ao regulamentar um mandamento constitucional, instituir determinado direito, ele se incorpora ao patrimônio jurídico da cidadania e não pode ser absolutamente suprimido.”
Ingo Wolfgang Sarlet (2005, p.412- 413) chama-nos atenção no sentido de lembrar que a proibição de retrocesso guarda íntima relação com a noção de segurança jurídica (a própria noção de dignidade da pessoa humana). Acrescenta que:
“havendo menção expressa no âmbito do direito positivo a um direito à segurança jurídica, de há muito, pelo menos no âmbito do pensamento constitucional contemporâneo, se enraizou a idéia de que um autêntico Estado de Direito é sempre também – pelo menos em princípio e num certo sentido – um Estado de segurança jurídica.”
Ingo Wolfgang Sarlet (2003, p.417) assevera que a questão central da proibição de retrocesso é saber até que ponto pode o legislador infraconstitucional retroceder na implementação dos direitos sociais, ainda que estes não alterem o texto constitucional. O autor ao referir-se ao princípio da proibição de retrocesso, deixa claro que se trata tanto da proteção social alcançada no âmbito do Estado Social, como também na concretização dos direitos fundamentais sociais, já que esse princípio abrange toda e qualquer forma de redução das conquistas sociais. Obviamente que medidas tomadas no sentido de retroceder os direitos sociais, representam um retrocesso não somente quanto à ordem social, mas também por atingirem diretamente cada pessoa em sua individualidade.
De acordo com Jose Joaquim Gomes Canotilho (2000, p.474) a proibição de retrocesso social esbarra na esfera da indisponibilidade do legislador, no sentido de que os direitos adquiridos não mais podem ser reduzidos ou suprimidos, sob pena de flagrante infração da segurança jurídica.
Trata-se, enfim, de proteger os fundamentais sociais em face do princípio da proibição de retrocesso, os quais já se incorporaram ao patrimônio jurídico da cidadania e não deverão ser suprimidos. O princípio do Estado democrático e social de Direito impõe um mínimo de segurança jurídica, o qual abrange, necessariamente, a segurança contra medidas retroativas. Nesse caso, não há falar em supressão total ou parcial sem atingir a segurança jurídica.
3.4 O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
Etimologicamente, ‘dignidade’ “vem do latim dignitatem, do italiano degnità, do francês dignité, do espanhol dignidad, significando decoro, nobreza, compostura, respeitabilidade” (BUENO, v. II, 1018).
Todavia, a dignidade não é só um valor intrínseco do ser humano e muito menos exclusivo do ordenamento constitucional brasileiro. Na atualidade, a dignidade da pessoa humana constitui requisito essencial e inafastável da ordem jurídico-constitucional de qualquer Estado que se pretende Democrático de Direito.
Nesse sentido, ensina Paulo Bonavides (1996, passim), que o sistema constitucional nada mais é do que a expressão que permite perceber o verdadeiro sentido tomado pela Constituição Federal em face da ambiência social que ela reflete, e a cujos influxos está cada vez mais sujeita.
Assim, como a maioria das atuais Constituições Latino-Americanas, a Constituição Federal Brasileira de 1988, é fruto da luta contra o autoritarismo do regime militar,[1] surgindo em um contexto de busca da defesa e da realização de direitos fundamentais do indivíduo e da coletividade, nas mais diferentes áreas (econômica, social, política).
Seguindo a tendência do constitucionalismo contemporâneo, incorporou, expressamente, ao seu texto, o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III) – como valor supremo –, definindo-o como fundamento da República e do Estado Democrático de Direito e dos Direitos fundamentais.
Sobre a decisão do constituinte de 1988, em positivar o princípio da dignidade da pessoa humana, destaca Ingo Wolfgang Sarlet (2002, p.69):
“Consagrando expressamente, no título dos princípios fundamentais, a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do nosso Estado democrático (e social) de Direito (art. 1º, inc. III, da CF), o nosso Constituinte de 1988 – a exemplo do que ocorreu, entre outros países, na Alemanha –, além de ter tomado uma decisão fundamental a respeito do sentido, da finalidade e da justificação do exercício do poder estatal e do próprio Estado, reconheceu categoricamente que é o Estado que existe em função da pessoa, e não o contrário, já que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade estatal” (grifo nosso).
O constitucionalismo contemporâneo define o Texto Magno como sendo o indevassável abrigo de uma ordem objetiva de valores, ou seja, como o reflexo dos anseios da sociedade, em um determinado momento histórico.
Tanto é que mal o século XX se livrou do vazio dos quatro conceitos jurídicos indeterminados: função social, ordem pública, boa-fé, interesse público – preenchendo-os, pela lei, doutrina e jurisprudência, com alguma diretriz material, surge agora, no século XXI, problema idêntico com a expressão dignidade da pessoa humana.
Essa nova ordem permite que os valores lapidados ao longo da história da sociedade, aos poucos se incorporem ao texto constitucional, preservando-os, sempre, de acordo com as necessidades sociais, políticas e jurídicas de seu tempo.
Os valores constitucionais são a mais completa tradução dos fins que a comunidade pretende ver realizados no plano concreto, mediante a normatização empreendida pela própria Lei Fundante.
Com efeito, enquanto ordem objetiva de valores, a Constituição cumpre o importante papel de transformar os valores predominantes em uma comunidade histórica concreta, normas jurídico-constitucionais, com todos os efeitos e implicações que esta normatização possa ter.
O valor da primazia da pessoa humana, assim, passa a ser assegurado em quase todos os modernos sistemas jurídico-políticos, em resposta às barbáries e atrocidades cometidas contra o ser humano, o que se deu, também, a pretexto de se estar a cumprir as letras da lei positivada (criada pelo órgão estatal competente) mesmo que destituída de qualquer valoração ética ou axiológica, o que culmina, igualmente, com o declínio do positivismo jurídico.[2]
Desse entendimento, depreende-se a necessidade de se compreender a positivação do princípio da dignidade da pessoa humana, não só como uma conseqüência histórica e cultural, mas como valor que, por si só, agrega e se estende a todo e qualquer sistema constitucional, político e social. Portanto, o reconhecimento de que o ser humano passou a ser o centro de todo o ordenamento constitucional, devendo este trabalhar em prol do indivíduo e da coletividade, e, não o contrário.
A formulação principiológica da dignidade da pessoa humana, embora não lhe determine um conceito fixo, atribui-lhe a máxima relevância jurídica, cuja pretensão é a de ter plena normatividade, uma vez que colocada, pelo Constituinte brasileiro, em um patamar axiológico-normativo superior, verdadeira fonte da hermenêutica constitucional contemporânea.
4. RELACIONAMENTO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E O MÍNIMO EXISTENCIAL
Os avanços nos textos jurídicos foram indispensáveis para que direitos fossem assegurados, mas, não são suficientes para que a efetivação desses direitos se verifique e tampouco que ocorra a inclusão dos excluídos de direitos. Para que este trabalho esteja completo e que os brasileiros tenham uma vida honrada assegurada “é tempo de responsabilizar-se cada um por todos, para que o direito não positive ilusões, antes, concretize humanidades” (ROCHA, 2004, p.10).
Caso essa responsabilização não ocorra, sob este pano de fundo ainda continuarão existindo tantas injustiças e formas de violência em nossa sociedade que, inúmeras vezes fazem desaparecer a pessoa por detrás dos indivíduos. É justamente isso que devemos combater para buscar a estabilidade do país que vai ser alcançada com uma Constituição estável e que garanta os direitos sociais e solidariedade como um princípio ético, que em seu sentido ontológico apresenta uma obrigatória inter-relação do ser pessoa (DANIEL, 2003, p. 487).
Porém as mudanças necessárias não acontecem só porque nós acreditamos que é possível um mundo melhor. Essas mudanças hão de verificar-se como resultado das leis de movimento das sociedades humanas, e todos sabemos também que o voluntarismo e as boas intenções nunca foram o motor da história. Mas a consciência disto mesmo não tem que matar o nosso direito à utopia e o nosso direito ao sonho. Porque a utopia ajuda a fazer o caminho. Porque sonhar é preciso, porque o sonho comanda a vida (NUNES, 2003, p. 125-126).
Daniel Sarmento e Flávio Galdino (2006, passim) na obra “Direitos Fundamentais: Estudo em homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres”, discutem a garantia do mínimo para uma existência digna. Considerando que o princípio da dignidade da pessoa humana, inteligência do artigo 1°, inc.II, da Constituição Federal, não trata apenas da garantia de liberdade, mas inclui um mínimo de segurança social, uma vez que sem ela a própria dignidade da pessoa humana seria sacrificada.
Nota-se que certamente cabe ao Estado a assistência aos necessitados, constituindo uma de suas obrigações, devido ao fato que estas pessoas sofrem limitações em suas atividades sociais tendo em vista a sua incapacidade de prover seu próprio sustento, sendo função do Estado provir o mínimo de condições para a existência digna e inclusão social das mesmas.
A dignidade da pessoa humana somente estará assegurada quando for possível a existência com plena fruição nos direitos fundamentais. Assim, salienta-se a impossibilidade de confundir mínimo vital com mínimo existencial, tal confusão ocorre com uma certa freqüência erroneamente.
O fato de caber ao Estado a função de não deixar um cidadão morrer de fome com certeza é um primeiro passo para o mínimo de existência, porém nem chega perto do que consideramos como sendo uma vida digna, exemplo sábio dado por Ricardo Lobo Torres (2003).
Dessa maneira, não existe uma vida digna sem o mínimo existencial e não existe mínimo existencial sem o mínimo vital. Logo, não pode o Estado subtrair do indivíduo a possibilidade de uma vida digna de natureza material, ao cidadão, pois, ao contrário, cabe a ele assegurar.
Atuações como esta, possuem caráter jusfundamental e incumbe ao legislador o papel de dar condições e meios pelo qual o Estado irá cumprir suas funções, é ele que irá dispor sobre as formas de prestacões, podendo os tribunais decidir sobre a questão do legisferantes.
Tudo isso, sempre com o legislador respeitando os limites a ele impostos no que se refere a assegurar as condições materiais para existência digna.
Somente será possível a dignidade da pessoa humana quando for assegurada pela sociedade e pelo Estado, a todos, uma vida saudável, não basta estar expresso ou implícito a dignidade da pessoa humana na Constituição Federal, é preciso garantir o mínimo existencial. No caso da Constituição brasileira, não consta expresso em seu texto, o mínimo existencial, porém ele está subentendido dentro dos direitos sociais específicos, como o que assistência social, a saúde, a previdência social, porém não significa que direitos sociais sejam o mesmo que garantia de mínimo existencial, o primeiro abrange um plano mais esparso.
Porém, o mínimo existencial continua sendo um direito-garantia autônomo fundamental, que serve de base para a interpretação do próprio direito fundamental social, sendo ele o núcleo deste protegido contra qualquer interferência do Estado e da sociedade.
5. RELACÕES PARTICULARES E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS
No tocante, ainda nos resta afirmar que nossa Carta Magna em seu texto no artigo 60, parágrafo 4°, no que se refere ao não objeto de deliberações à proposta de emendas que visem abolir elementos indispensáveis a ordem nacional, não consta nada a respeito dos direitos fundamentais sociais, que devemos considerar como estando implícito dentro da semântica dos direitos e garantias individuais, já que, a meu ver, erroneamente o legislador fez um rol taxativo e não exemplificativo.
Considera-se, assim, como sendo legal as mudanças proferidas em acordos sindicais, por exemplo, onde sindicato e empregadores diminuem ou aumentam direitos previstos em norma infraconstitucional, se ambos concordarem, visando melhorias a um determinado grupo, beneficiando o indivíduo pertencente a ele.
A constitucionalização do Direito se deu por duas vias, onde a primeira é a presença da Constituição no Direito privado, normas constitucionais interferindo nas normas do direito privado e a segunda, a presença do Direito Privado na Constituição onde se fala na verdade de direito constitucional e a influência do Direito Privado na mesma (SARLET, 2003, p. 35).
Já nos ensina Rosenfeld (2003), que devido ao avanço da globalização e tendo em vista suas conseqüências negativas, como o aumento da exclusão social e opressão por parte dos poderes sociais que proporcionalmente cresce com a demissão do Estado de suas funções regulatória e fiscalizatória, somado com a diminuição da capacidade de promover a proteção e promoção dos direitos fundamentais, dando ênfase ao tema da eficácia social da Constituição, direitos fundamentais e da relação Estado X particulares.
Ainda, nos ensinamentos de Canotilho (2003, passim), tem-se que a eficácia dos direitos sociais que possui como finalidade a promoção da liberdade e igualdade material e a compensação de desigualdades.
Quanto maior essa eficácia na órbita privada, maior será na ordem social, garantindo uma vida digna com direitos fundamentais e sociais preservados. Conclui que sendo os direitos sociais são também fundamentais e se a dignidade da pessoa humana é conferida a todos pelo simples fato se ser pessoa, não há como admitir que haja exclusão dos direitos sociais na vinculação dos poderes públicos e particulares. Partindo da premissa que os direitos fundamentais são responsáveis por efeitos no plano vertical, entre particular e poder estatal e também de particulares com efetivo poder social com outros sem esse poder.
Logo, a existência de um dever de respeito e consideração entre os particulares em relação a direitos fundamentais das outras pessoas nos leva a crer que a eficiência vertical é complementada pela horizontal que é a eficácia dos direitos fundamentais entre particulares.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os direitos sociais são formados pelo conjunto de necessidades individuais. Não corresponde a maior relevância à redução da prestação de outras espécies de direitos, mas sim, que maior atenção deve ser oferecida a eles, principalmente na esfera preventiva de atuação estatal. Mesmo porque social ou individual são, ambos, espécies de direitos fundamentais.
Num século marcado por constantes mudanças e avanços, não há mais lugar para aqueles que operam o direito de uma maneira formalista e arcaica, mas tão somente para aqueles que atuam de uma forma dinâmica e efetiva. Os direitos humanos não são sinônimos das declarações que pretendem contê-los nem se confundem com as idéias filosóficas que se propõem a fundamentá-los, mas estão representados pelas lutas e experiências concretas da experiência humana, na trajetória da emancipação do homem.
A evolução histórica dos direitos fundamentais mostrou a incorporação dos direitos sociais nas Constituições Contemporâneas e Brasileiras, principalmente em nossa Carta Magna de 1988, que muito avançou positivando os direitos sociais. Estabeleceu cláusulas de irreformabilidade, núcleos intangíveis. Essas cláusulas operam como limitações ao exercício do poder reformador ou derivado. Foi um esforço para assegurar que eventuais reformas não provoquem a destruição daquilo que se considera essencial. As cláusulas pétreas não se limitam apenas aos direitos relacionados no art. 5º, alcançam também todo o Título II da Constituição Federal, além de outros dispositivos que se encontram fora dele. Reconheceu que o indivíduo há de constituir o objetivo primacial da ordem jurídica. Fundamental, o princípio – cuja função de diretriz hermenêutica lhe é irrecusável – traduz a repulsa constitucional às práticas, imputáveis aos poderes públicos ou aos particulares, que visem a expor o ser humano enquanto tal, em posição de desigualdade perante os demais, a desconsiderá-lo como pessoa, reduzindo-o à condição de coisa, ou ainda a privá-lo dos meios necessários à sua manutenção. Nesse sentido, mister se faz um planejamento estatal com a participação popular, vez que o programa orçamentário é imprescindível para efetivação dos direitos sociais.
A Constituição Federal de 1988 é fruto da luta contra o autoritarismo do regime militar[3], surgindo em um contexto de busca da defesa e da realização de direitos fundamentais do indivíduo e da coletividade, nas mais diferentes áreas (v.g. econômica, social, política). Elege a instituição do Estado Democrático, o qual se destina “a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais”, assim como o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça social, bem como, seguindo a tendência do constitucionalismo contemporâneo, incorporou, expressamente, ao seu texto, o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III) – como valor supremo –, definindo-o como fundamento da República.
Assim, nossa Carta Magna, promulgada em 1988, marcou o fim do período de transição, inaugurando o período de consolidação da democracia e representando um avanço em relação aos direitos individuais e sociais para a sociedade brasileira. Como Estado Democrático de Direito, o Estado brasileiro deve tornar-se um instrumento a serviço da coletividade, respeitando e proporcionando condições para o exercício dos direitos humanos. Desempenhou amplas transformações, não só na sociedade, mas também na vida das pessoas uma vez que foi crucial para dilatar muitos conceitos e direitos, estabelecendo diretrizes de conduta.
Os direitos sociais, por sua relevância no contexto constitucional, compõem matéria que está protegida contra a intervenção do poder constituinte derivado, haja vista a interpretação da Constituição Federal, na qual a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do Estado Democrático Brasileiro.
Entende-se, portanto, que os direitos sociais enquanto direito constitucional estão previstos no artigo 60, § 4º, inciso IV, devendo a expressão “direitos e garantias individuais” ser interpretada em sentido lato, abrangendo todos os direitos fundamentais descritos no Título II, e, em outros expressos na Constituição Federal. Isso é um exercício de exegése que deve ser feito, pois cabe ao aplicador das normas constitucionais a tarefa de interpretá-las buscando um resultado justo e racional, do qual a dignidade humana deve ser o seu valor fundamental.
Há, uma ressalva que queremos fazer: corroboramos do entendimento de que o disposto no art. 60, §4º, IV, é cláusula pétrea – incluindo-se os direitos sociais, e, que esses não poderão ser abolidos, ou restringidos indevidamente. Contudo, modificados, não vemos óbice, devendo-se, porém, manter um núcleo mínimo, a essência pretendida pelo legislador originário.
Por fim, uma interpretação da Constituição que fortaleça a democracia há de ser aquela que reconheça a primazia dos valores e princípios constitucionais. Neste contexto, o princípio da dignidade humana, como conceito chave de direito constitucional, poderá e deverá, desempenhar, o impulso para o aperfeiçoamento da ordem jurídica- constitucional.
Mestre em Direito Constitucional. Advogada. Professora de Graduação em Direito e de Cursos de Pós Graduação
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Bauru – Instituição Toledo de Ensino. Especialista em Direito Tributário pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Advogado.
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