Resumo: O desafio da ação das empresas dirigida ao desenvolvimento integral, a partir da gestão socioambientalmente comprometida, e não somente pautada simplesmente pelo crescimento econômico, é o grande plano de fundo para a análise da atividade econômica atual. Neste contexto, imprescindível a observância de fatores outrora desvalorizados, principalmente em relação aos “stakeholders”, entendidos como uma universalidade de entes afetados pelas práticas empresariais. Assim os conceitos de eficiência econômica, de desenvolvimento sustentável e outros relacionados especificamente ao campo da economia, colocam-se convergentes para dotar a atividade empresarial de responsabilidade socioambiental em seus processos e produto final, superando a limitada idéia de que a simples compensação é capaz de frear as conseqüências desastrosas que uma atividade empresarial desprovida de ética pode causar.
Palavras-chave: eficiência econômica; desenvolvimento integral; desenvolvimento sustentável; preceitos constitucionais socioambientais.
Abstract: The challenge of achieving a corporate action can contribute to sustainable development from a socially concerned with managing the consequences of their actions in different spheres and not merely based on economic growth is great the background for the analysis of economic activity current. In this context, it becomes necessary for compliance with factors once devalued by incessant search for obtaining of profit at any price, especially in relation to stakeholders, defined as a totality of entities affected by business practices. Thus the concepts of economic efficiency, sustainable development and related specifically to the field of economy, arise in converging to provide the social responsibility of business activity in its processes and its end product, beyond the limited idea that simple compensation is able to halt the disastrous consequences that a lack of ethical business activity may cause.
Keywords: economic efficiency; integral development; sustainable development; social-environmental constitutional precepts on 1988 Brazil’s Federal Republic Constitution.
Sumário: Introdução. 1. “Eficiência econômica” e “desenvolvimento sustentável”. 2. O conceito de eficiência econômica e sua questão metodológica. 2.1 Eficiência e eficácia. 2.2 Eficiência econômica e a interpretação econômica do direito. 2.3 Eficiência econômica e seus critérios: ótimo de pareto; kaldor-hicks. 3. Desenvolvimento sustentável (desenvolvimento integral). 3.1. Desenvolvimento e crescimento. 3.2. Desenvolvimento sustentável. 3.3. Eficiência econômica empresarial e desenvolvimento sustentável. Considerações finais. Referências.
INTRODUÇÃO
O Direito Empresarial, entendido em sua amplitude normativa, teórico-científica e transdisciplinar, assim como no cerne da Constitucionalização do Direito Civil, apresenta-se como fonte primeira de diretrizes fundamentais à estruturação e à atuação das empresas e, portanto, ao estímulo ou não do empreendedorismo e do desenvolvimento socioeconômico locais e nacionais.
Mais propriamente, desde a segunda metade do século XX, em moldes científicos e com o esforço do trabalho de movimentos hermenêuticos compreendidos como pós-modernos*, tais como, exemplificativamente, o “Law & Economics” e o “Critical Legal Studies”, mas sem se desconsiderar compreensões já encontráveis no pensamento de autores já outrora clássicos, como David Ricardo e Adam Smith, questões acerca das relações a serem traçadas entre o Direito e a Economia têm sido necessárias e recorrentes, em um crescente esforço humano de integração do saber teórico e mudança das condições materiais e espirituais de uma sociedade.
O Direito Empresarial e o Direito Econômico, sobretudo, em síntese, regulamentam as esferas da ação econômica dos agentes públicos e privados, definindo regras estruturantes institucionais, princípios de interpretação de seus sistemas e proporcionando um verdadeiro ordenamento de micro e macroeconomia, no cerne do qual se desenvolvem as leis empíricas próprias, entendidas como leis do mercado.
Se o Direito Econômico e a regulamentação constitucional possibilitam uma “Constituição Econômica” nacional, definindo um modelo de se ter vigente a ordem econômica (inclusive com mecanismos de correção de falhas de mercado e fiscalização deste), o Direito Empresarial informa as possibilidades de se agir neste mesmo espaço econômico a partir da criação de pessoas para tanto autorizadas, fixando âmbitos de responsabilidade e regras do jogo que permitem o funcionamento das pessoas jurídicas e o trânsito de seus legítimos interesses.
A busca de uma ação empresarial pautada em valores sociais e éticos, neste contexto, mantém-se como desafio de progressivo ajustamento de interesses humanos, ainda mais com o imperativo de ações conformadas a fazer cumprir os requisitos de um desenvolvimento integral e pautado pela responsabilidade socioambiental corporativa que, contemporaneamente, são mais do que vultosos, visto que explicitamente preconizados pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e, portanto, conceitos com status dotados da força normativa deste tipo de documento essencial ao Direito, aos direitos e à civilização humana.
A partir de uma breve análise das estruturas fundamentais da ciência do Direito, vinculadas aos pertinentes fundamentos da Economia à proposta, objetiva-se, neste artigo, proporcionar uma percepção da comunicação possível entres as duas áreas, sempre tendo por foco a responsabilidade socioambiental das empresas, um dos elementos que contribuem para o atingimento do “desenvolvimento integral” tendente à “ecossocioeconomia”**.
Por conseguinte, aliada a esta aproximação epistemológica, será relacionada à idéia de desenvolvimento integral (ou sustentável, que, embora não coincidentes, dada a maior abrangência do primeiro, aqui serão tratados muitas vezes como sinonímias) e os conceitos econômicos de eficiência, a fim de se apontarem as similaridades e as diferenças entre as expressões a partir da análise pelos prismas de ambas as disciplinas, com vistas à integração das possibilidades aventadas.
Assim, objetiva-se a analisar como uma atuação empresarial, eminentemente econômica na alocação dos recursos, pode, e deve, contribuir para o desenvolvimento sustentável a partir de uma gestão socialmente compromissada em desempenhar papel fundamental — orientado, em atendimento aos preceitos da Política Nacional do Meio Ambiente, assim como da Constituição Federal, para a valorização do “socioambiental” — e de que forma os fundamentos econômicos e jurídicos contribuem e motivam uma atuação empresarial sustentável econômica, social e ambientalmente em seus efeitos ante os múltiplos “stakeholders”*** envolvidos nos processos e produtos da empresa.
Não se olvida, como base valorativa e preceito orientador da discussão central deste artigo e que, se quer entender, também aproveita a validade do debate sobre a análise econômica do direito, do dispositivo do artigo 219 da Constituição Federal, que prediz que “o mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal”. Embora norma constitucional de eficácia limitada em sua segunda parte (eis que parece evidente ser a pertença do mercado aos bens da União questão de norma de eficácia plena), já nela consta o apreço do constituinte pelo mercado interno, definitivamente inserto como elemento do patrimônio nacional, tamanha sua relevância na consecução dos objetivos constitucionais, restando a regulamentação de seu fomento às Lei do Bem (n. 11.196/2005) e Lei da Inovação Tecnológica (n. 10.973/2004).
A partir dos dilemas e das oportunidades apresentadas para as relações econômicas nesse início de novo século, surge a necessidade de se manter em pauta a estreita ligação integrativa dos fundamentos do Direito e da Economia, como, por exemplo, já tem-no sido feito na disciplina de Direito Econômico e no Direito do Desenvolvimento.
Ao longo do artigo, pretende-se desenvolver uma leitura que vincule os conceitos de eficiência econômica ao de desenvolvimento sustentável como modo de se vislumbrar a complexidade axiológica tutelada pelo Texto Constitucional, e cujo teor necessita ser interpretado de modo coordenado. Por isso, fixam-se inicialmente as compreensões necessárias acerca do termo, valendo do potencial hermenêutico e epistemológico da análise econômica do direito, para então se passar a uma discussão da implicação desta normatividade jurídica constitucional sobre a atividade econômica.
1. “EFICIÊNCIA ECONÔMICA” E “DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL”
Pensando-se nos moldes dominantes do problema econômico, em seu modelo difundido nos cursos de graduação (acessados sob a forma dos livros-manuais, principalmente) — está-se, aqui, a pensar nos Cursos de Direito, que trazem em suas grades curriculares a disciplina de Economia ou de Economia Política — tem-se o esquema básico da alocação de recursos para desenvolvimento de uma atividade produtiva, respondendo-se às perguntas “o que, como e para quem produzir?”, no que os recursos naturais entram, no esquema reducionista, como mera matéria-prima, e toda a demais cadeia humana é entendida como elemento para atingimento do fim negocial.
Assim, o problema da produção de bens, sua circulação, consumo e mesmo acumulação são vistos como questões de fluxo econômico — objetos da ciência econômica, que se preocupa com os entraves da eficácia alocativa e da eficiência produtiva, verificando a distribuição das riquezas — enquanto que ao direito incumbe o ordenamento institucional, por meio de sua precípua normatividade.
Os instrumentos de gestão, ou ferramentas gerenciais que estabelecem uma forma de administração pautada por indicadores específicos[1], complexifica o problema econômico, fornecendo-lhe multidisciplinaridade e a contemplação de uma teia normativa mais intensa, que ativa fortemente os aspectos da responsabilidade socioambiental empresarial, um dos elementos decisivos para a consecução de um modelo de desenvolvimento sustentável e, a fortiori, integral.
O modelo econômico constitucional, por meio dos fundamentos da República (artigo 1º), seus objetivos (3º), alguns dos direitos fundamentais do artigo 5º (associação, exercício profissional, propriedade), além da regulamentação econômica especial (artigo 170 a 181), permite visualizar um sistema capitalista, com limitações à iniciativa privada e livre concorrência (como, por exemplo, a função social da propriedade), sem com isso representar um modelo socialista (considere-se o direito à propriedade e também a tutela dos direitos autorais, por exemplo).
Vige, pois, uma forma de economia do bem-estar, destinada a compatibilizar tanto o interesse dos titulares das atividades econômicas quanto dos trabalhadores e dos consumidores envolvidos, além da comunidade e demais pessoas implicadas pela produção, cenário em que o Estado titulariza algumas poucas explorações diretas e, em peso, assume o papel regulador e fiscalizador. O objetivo constitucional de divisão do trabalho e da harmonização das forças economicamente empregadas gera uma necessária ponderação dos bens jurídicos envolvidos no cenário econômico, visualizando-se concomitantemente tanto os valores de mercado quanto os sociais e ambientais, pensando-se tanto no lucro quanto no bem-estar coletivo.
Por isso, a seguir, parte-se de um entendimento construído com diferentes conceitos do que seria a eficiência econômica, para, então, poder-se ter demonstrado, afinal, o que os conceitos de “eficiência econômica” e de “desenvolvimento sustentável” têm a ver entre si. O enfoque, pois, reside na característica de que a “eficiência econômica” também é um valor constitucional; contudo, um valor constitucional que deve ser harmonizado, por força do sistema econômico constitucional, com outros valores, de modo que, em termos epistemológicos e de teleologia jurídica, eficiência e desenvolvimento integral são conceitos complementares a serem compatibilizados em sua função hermenêutica.
2. O CONCEITO DE EFICIÊNCIA ECONÔMICA E SUA QUESTÃO METODOLÓGICA
Para se construir uma noção mais detalhada do que possa ser entendido como eficiência econômica, até para diferenciá-la de conceitos afins e melhor posicioná-la na discussão que se pretende por ora estabelecer, dividiu-se a análise do tema delimitado em três breves, sucintos e escassos sub-itens, mas que auxiliam na análise por agora necessária, sejam eles: eficiência e eficácia; eficiência e interpretação econômica do Direito e eficiência econômica e Ótimo de Pareto.
Estes, expostos a seguir, contrapostos e contemplados em leituras críticas pautadas pelo norte maior do conceito de “desenvolvimento integral”. O objetivo específico é tanto o de se delimitar os conceitos quanto, ao final, verificar sua compatibilidade ou incompatibilidade com as noções advindas da idéia principal de tutela e implemento do desenvolvimento sustentável. Assim, quer-se verificar em quais termos conceitos da economia podem refletir na consecução possível ou não do sistema de valores constitucionais consubstanciado a partir do modelo de estado econômico posto pelo poder constituinte originário e moldado nas conseqüentes emendas constitucionais, estabelecendo, pois, um perfil econômico próprio que produz distintos espaços de liberdades públicas e possibilidades de ação dos agentes econômicos.
2.1 EFICIÊNCIA E EFICÁCIA
Preliminarmente necessário compreender os conceitos de eficácia e de eficiência, distinguindo-os, já que se pretende relacioná-los com as questões determinantes à apreensão do desenvolvimento sustentável.
Para Paulo Sandroni, o conceito de eficiência diferencia-se do de eficácia justamente no campo da realização de tarefas específicas e sua coligação aos objetivos específicos.
Assim, para este autor, os conceitos não coincidem, mas, sim, concorrem, e um exemplo trazido pelo autor ilustra razoavelmente a diferença: “[…] se um médico realizar uma intervenção cirúrgica num paciente, poderá fazê-lo com grande eficiência, mas se a intervenção tiver sido realizada no órgão errado, ela não terá a mínima eficácia”[2].
Isto significa dizer que a eficiência é a adequação aos parâmetros, às normas anteriormente estabelecidas à disciplina da ação, enquanto que a eficácia pode ser entendida como a consecução do fim pretendido, também de antemão à conduta empreendida
Em termos simples, para este autor, a eficiência diz respeito ao sucesso e correção obtido no emprego dos meios, é uma questão metodológica, enquanto que a eficácia seria teleológica, relaciona-se ao alcance dos fins.
Em sentido um pouco diverso, mas orientado na mesma direção, Décio Zylbersztajn e Rachel Sztajn entendem o conceito de eficácia como proporcional à capacidade de se produzir efeitos, enquanto o conceito de eficiência à disposição em se atingir o melhor resultado com o mínimo de erros ou de perdas, isto é, obter ou visar ao melhor rendimento, alcançar a função prevista de maneira mais produtiva.
Os referidos autores afirmam, ainda, que ambas as noções deveriam ser metas de qualquer sistema jurídico, e que a perda de recursos e de esforços representam custos sociais indesejáveis, logicamente, sob quaisquer perspectivas racionais que se empreguem para avaliar os efeitos.[3]
Sobre essa relação entre Direito, Economia e mercado, Armando Pinheiro, baseado no Prêmio Nobel George Stigler[4], pondera sobre a dificuldade de comunicação que pode haver entre essas áreas, por meio das comparações que possam ser feitas no âmbito da própria análise de eficiência, eis que, ao que parece, enquanto a eficiência constitui problema fundamental dos economistas, a justiça é o tema que norteia o trabalho dos profissionais do Direito.
Nas palavras de Pinheiro, seguindo o raciocínio de Stigler, “[…] é, pois, profunda a diferença de uma disciplina que procura explicar a vida econômica (e, de fato, toda a ação racional) e outra que pretende alcançar a justiça como elemento regulador de todos os aspectos da conduta humana”.[5]
O mesmo autor, Pinheiro, desta vez ao citar o já clássico jurista norte-americano Richard Posner, aprofunda o questionamento das mencionadas dificuldades, refletindo sobre o perigo do pensamento utilitarista como forma de justificar o alcance de metas por caminhos que nem sempre são os mais eficientes.
Veja-se mais detidamente qual o sentido da argumentação mencionada acima,
“Na leitura de Direito & Economia, autores como Richard Posner acreditam que a distribuição de justiça é medida de eficiência econômica, já que o direito restabeleceria os princípios a ela inerentes. Posner escreveu: ‘Um segundo significado para ‘justiça’, e o mais comum, eu argumentaria, é eficiência. Quando descrevemos como injusta uma condenação sem provas, uma tomada de propriedade sem justa compensação, ou quando se falha em responsabilizar um motorista descuidado em responder à vítima pelos danos causados por sua negligência, podemos interpretar simplesmente se a conduta ou prática em questão desperdiçou recursos’.[6]
Sendo assim, para Richard Posner, na interpretação feita por Pinheiro, a eficiência econômica consiste no fator determinante do que se deve entender por “justiça”, quase ao ponto de haver identificação das formas, como se pode notar no excerto citado, isto porque o ponto de avaliação recai sobre o desperdício de recursos ocasionado ou não pela conduta ou prática em apreciação.
Logo, neste sentido de compreender, qualquer atuação econômica (em verdade: qualquer conduta humana) deveria objetivar à eficiência na obtenção dos resultados, o que, conseqüentemente, daria o caráter de justiça reconhecida naqueles resultados em que se refletirem a eficiência alcançada.
Com isso conseguir-se-ia, ainda que de forma breve, esmaecer bastante o óbice anteriormente referido quanto à aproximação das áreas econômica e jurídica, eis que uma parece ocorrer em função da outra, ou, mais propriamente, uma fornece o derradeiro critério da outra: a eficiência enquanto conceito econômico oportuniza a aplicação de um valor jurídico, a justiça, conferindo-lhe sentido e substância.
Tais interpretações firmam um interessante critério de avaliação e, assim, necessitam ser balizadas com aprofundamentos que a seguir se realiza, de modo mesmo a tornar claro como estes entendimentos podem se somar para confluir ao desenvolvimento sustentável.
2.2 EFICIÊNCIA ECONÔMICA E A INTERPRETAÇÃO ECONÔMICA DO DIREITO
Sobre o aspecto específico da eficiência e da Interpretação Econômica do Direito (IED)[7] destaca-se a posição de Amanda Oliveira, ao afirmar que se busca, mediante tal método de interpretação, a instituição de um Direito eficiente, ou seja, que conduza à eficiência como valor econômico primordial do ordenamento jurídico.
Desta forma, neste modo de perceber o fenômeno jurídico, a eficiência econômica torna-se o valor maior a nortear o Direito. Todos os demais valores, pois, estariam relegados a segundo plano[8].
Ainda, França destaca que a eficiência transforma-se em valor social máximo, equivalendo-se ao sentido de justiça. Baseia esta conclusão, claramente, em Posner que, em toda sua obra, propugna pela reforma do ordenamento jurídico com vistas à obtenção da eficiência econômica e mostra-se convicto de que a teoria econômica pode explicar um vasto número de fenômenos não necessariamente mercadológicos, trazendo, deste modo, contribuições à ciência jurídica[9] na composição dos problemas alocativo e normativo.
Desta forma, visível a orientação de que a IED constitui-se em um movimento que prega a substituição, ou o deslocamento, do ideal de justiça pelo ideal “racional” da eficiência econômica.
Nesse sentido, mais, França lembra que os precursores destes raciocínios propõem a aplicação do instrumental da microeconomia clássica na formulação de políticas legislativas, na avaliação do custo do Direito e no seu impacto sobre os indivíduos, e, principalmente, na busca da exegese mais eficiente da lei, a fim de orientar sua aplicação jurisprudencial tendo por norte a eficiência.
Neste sentido, mais do que uma retórica jurídica utilitarista, esta forma de interpretação estabelece uma concepção sobre a natureza das normas jurídicas, bem como de seu papel no meio social[10], enfocando a eficiência econômica como método de obtenção da justiça.
Tendo-se em mente tais características do movimento, sem aprofundar mais suas delimitações, passa-se a analisar duas teorias clássicas na explicação da eficiência, adotando, pois, o pressuposto da análise econômica segundo o qual a eficiência constitui-se enquanto valor fundante do direito.
2.3 EFICIÊNCIA ECONÔMICA E SEUS CRITÉRIOS: ÓTIMO DE PARETO; KALDOR-HICKS
Nesta discussão estabelecida, é necessário dar-se destaque aos critérios de Pareto e de Kaldor-Hicks como instrumentos de aprofundamento e aferição da eficiência econômica.
Sandroni define a eficiência econômica como um conceito relacional cujas variáveis são, por um lado, o valor comercial de determinado produto e, por outro, o custo unitário da produção.
A relação de proporcionalidade é direta, de modo que aumentar a relação valor do produto e custo de produção implica em maior eficiência econômica.
O autor ressalta, no mesmo verbete, ser essencial a “manutenção das qualidades que satisfaçam as normas técnicas”[11], ou seja, a eficiência econômica não pode ser buscada a despeito dos padrões de qualidade (muitos dos quais fornecidos pelas normas e certificações[12] de padrões de gestão adequada à responsabilidade socioambiental).
Gregory Mankiw, em diferentes passagens de sua análise dos princípios econômicos, distingue os conceitos de eficiência, sempre tendo em vista os de eqüidade, tendo-se em mente uma economia do bem-estar social.
Assim, para o autor, a eficiência refere-se à capacidade de um contexto social obter o máximo possível do uso dos seus recursos escassos, a “[…] propriedade de alocação de um recurso em maximizar o excedente total recebido por todos os membros da sociedade”[13], enquanto que, na mesma passagem, afirma ser a noção de eqüidade a “justa distribuição de prosperidade econômica entre os membros da sociedade”, por meio de distribuição imparcial de bem-estar entre os integrantes desta mesma sociedade.
José Paschoal Rossetti[14], por sua vez, entende que o desencadear do crescimento econômico é um fenômeno complexo e pressuposto da condição de bem-estar social na melhor alocação dos recursos.
Para este autor, o sistema econômico se organiza enquanto um plexo de interações de agentes, centrados nas formas de unidades familiares, empresas e governo, além dos recursos naturais, humanos, tecnológicos, de capacitação empresarial e as instituições políticas, jurídicas e sociais que emanam normas. É o autor, dos referenciados, que com maior complexidade permite vislumbrar a teia de “stakeholders” envolvidos no processo produtivo.
Sandoval de Vasconcellos, por sua vez, distingue a eficiência econômica das eficiências alocativa, tecnológica e “marginal do capital” (este último um conceito distinto da linha em análise neste artigo). A eficiência econômica, para este autor, consiste naquela escolha que, “[…] entre dois ou mais processos de produção, […] permite produzir uma mesma quantidade de produto com o menor custo de produção”[15].
Já para Flávio Galdino o centro da análise econômica seria a própria eficiência econômica ou, mais precisamente, a sua maximização nas instituições sociais e, dentre estas, também no Direito.
Na ótica em que se parte do pressuposto da escassez, tal como ocorreu na proposição do problema econômico, o objetivo central é o de se alcançar a maior eficiência possível nas alocações materiais e sociais, que podem ser medidas por meio de duas formas principais, a saber: (i) da “maximização das utilidades individuais” (a chamada regra de Pareto) e (ii) “da maximização da riqueza social”.[16]
Pois bem, sendo assim, o autor remete seus leitores ao conceito de eficiência econômica sob a forma do “critério de Pareto” nos seguintes termos:
“A eficiência econômica é obtida ou verificada através da aplicação do critério de Pareto (também chamada ‘otimalidade de Pareto’). Segundo este critério, uma distribuição de recursos é eficiente se for impossível aumentar a utilidade de uma pessoa sem reduzir a utilidade de alguma outra pessoa. Nesta última assertiva, a expressão utilidade pode ser tomada no sentido de bem-estar” (daí falar-se também em welfarismo – welfarism).[17]
Logo, na esteira dos entendimentos acima elencados, a eficiência econômica pode ser medida pela capacidade que determinada medida de alocação de bens ou recursos tem para gerar a maximização da riqueza social.
Neste sentido, afirma-se, na ótica da otimalidade paretiana, que uma sociedade maximiza sua riqueza quando todos os seus recursos e direitos são distribuídos de tal maneira que a soma das valorizações individuais é tão elevada quanto possível[18].
Guiomar Theresinha Estrella Faria remete ao entendimento de eficiência – nos moldes do pensamento, novamente, de Richard Posner – ao conceituá-la como resultado da maximização do valor, obtido na exploração dos recursos necessários à satisfação das necessidades econômicas do homem, medido (o valor) pela agregada intenção do consumidor de pagar pelos mesmos bens. Ou seja, há eficiência quando se atinge o valor máximo proposto pelo vendedor, comparado ao valor máximo que se tem intenção de pagar – havendo, portanto, ganhos para ambas as partes[19].
Diante deste entendimento, a autora afirma que a interpretação econômica não levará a sociedade a saber como deve se comportar para evitar roubos, por exemplo, mas poderá ser capaz de mostrar à sociedade como esta poderá ser mais eficiente para obter maior prevenção a mais baixos custos, usando métodos diferentes[20].
O indiano e prêmio Nobel Amartya Kumar Sen considera que determinado estado social atingiu um ótimo de Pareto se, e somente se, for impossível aumentar a utilidade de uma pessoa sem reduzir a utilidade de alguma outra pessoa. Entretanto, afirma que este é um tipo limitado, pois podem haver pessoas na miséria extrema e outras extremamente ricas, desde que os miseráveis não possam melhorar suas condições sem reduzir o luxo dos ricos[21].
Para Amartya Sen a expressão “eficiência econômica” não é, por completo, apropriada para denominar a otimalidade, pois esta concerne exclusivamente à eficiência no espaço das utilidades, deixando-se de lado as considerações distributivas relativas à utilidade. Percebe-se aqui, então, um legado da tradição utilitarista[22].
Neste sentido, apontando a possível falha quanto à eqüidade, são os apontamentos críticos de Ronald Dworkin a Posner, aqui apresentados sob a forma comentada por Guiomar Theresinha Estrella Faria:
“A severa crítica de Dworkin começa por contestar a afirmação de Posner que suas teorias estão baseadas no conceito de eficiência, elaborado por Wilfredo Pareto. Insistindo em que os conceitos de ‘maximização da riqueza’ e de eficiência – segundo Pareto são muitas vezes incompreendidos, Dworkin, propõe-se a demonstrar que a ‘análise econômica do direito’ não compreendeu os dois conceitos.” [23]
Assim, para Dworkin a “análise econômica do direito” não compreendeu os conceitos pretendidos, quais sejam, “maximização de riqueza” e “eficiência”.
Saber o que seria melhor é, evidentemente, questão controversa, pois todos podem ter opiniões pessoais sobre referido assunto. Para solver o impasse, alguns autores entendem que a Economia tem procurado instrumentos que permitam responder a estas questões sem que os valores pessoais de quem aprecia a situação interfiram no julgamento[24]. E mais, que a forma pela qual a Economia, inicialmente, buscou fundamentar questões convergentes com o Direito não coincidiu necessariamente no que se refere aos conceitos de maximização de riqueza e de eficiência.
Assim sendo, a compreensão do ótimo de Pareto e a transcendência de suas possíveis limitações podem levar, por fim, a demonstrar as similaridades da Economia e do Direito.
De modo a se reforçar tal idéia, cita-se novamente Vasco Rodrigues, que permite inferir algum conceito do Ótimo de Pareto por meio do seguinte exemplo:
“Suponhamos a possibilidade de alterar uma determinada situação, por exemplo, modificando a legislação em vigor. Esta alteração constitui uma melhoria de Pareto se beneficia, pelo menos uma pessoa e não prejudica ninguém. Quando assim acontece, os economistas dizem que a situação resultante da alteração é superior à situação anterior ou mais eficiente do que essa situação. Suponhamos que, depois de uma primeira melhoria de Pareto, era, de novo, possível aumentar a utilidade de uma pessoa sem prejudicar ninguém. Esta segunda alteração constituiria uma nova melhoria de Pareto. E outras poderiam existir. No entanto, depois de uma sucessão de melhorias de Pareto, acabará inevitavelmente por se atingir uma situação em que já não é possível aumentar a utilidade de mais ninguém sem prejudicar outrem. Diz então que está situação é um óptimo de Pareto ou, para evitar o conteúdo valorativo da palavra ‘óptimo’, Pareto-eficiente”.[25]
Entretanto, como se viu com Amartya Sen, dizer que uma situação é Pareto-eficiente não é o mesmo que dizer que é justa, pois eficiência e a eqüidade não são, necessariamente, coincidentes, eis que a utilidade está a se referir a entradas e saídas mas, não necessariamente, à distribuição dos recursos.
A solução normalmente utilizada pelos economistas para ultrapassar esta dificuldade é a de se recorrer a alguma forma do chamado princípio da compensação, por meio da conversão das utilidades subjetivas em valores monetários que os agentes econômicos considerem equivalentes.
Esta indicação teórica baseia-se no critério de Kaldor-Hicks[26]. Ainda para Vasco Rodrigues:
“O critério de Kaldor-Hiks, que a Análise Econômica do Direito em geral utiliza, é menos exigente. De acordo com este critério, a passagem de uma situação para outra constitui uma melhoria se os agentes econômicos por ela beneficiados estivessem interessados na sua concretização mesmo que tivessem que pagar a compensação necessária para conseguir o assentimento dos prejudicados.”[27]
Desta forma, somente no caso concreto será possível ponderar se a passagem de uma situação para outra acarretou melhoria para os interessados, o que certamente será mais facilmente verificado através da compensação e da conversão de utilidades entendidas subjetivamente em valores monetários objetivos, como proposto por Kaldor-Hicks.
Segundo este princípio da compensação, para minimizar a dificuldade de observância do ótimo de Pareto seria necessário uma melhoria que fosse compensada pelos beneficiados. Note-se que a mera intenção de melhoria, por parte dos beneficiados, basta para caracterizar o mencionado princípio. Se a compensação for, de fato, efetuada, aí sim poder-se-ia falar em ótimo de Pareto.[28]
Além disso, Vasco Rodrigues destaca a dificuldade de aplicação do princípio da compensação, e o faz pelas seguintes razões
“A aplicação do princípio da compensação não está isenta de dificuldades. Embora, no seu espírito, pretenda evitar a comparação interpessoal de utilidades, a sua aplicação requer uma avaliação dos benefícios e custos decorrentes da alteração, para que se possa verificar se há alguma compensação que os beneficiados estivessem dispostos a pagar aos prejudicados e que estes considerassem suficientes.”[29]
Para o mencionado autor esta solução é satisfatória, no que se refere aos casos relevantes à “análise econômica do Direito”, quando as alterações analisadas afetem um grande número de pessoas e quando tenham um pequeno impacto sobre o nível de riqueza de cada pessoa. Coloca, por fim, que “não parece existir outra solução menos imperfeita”[30].
Das linhas teóricas acima expostas, o que se pode perceber é que a Economia e o Direito andam em caminhos paralelos no que se refere às práticas econômicas relacionadas ao desenvolvimento sustentável. Isto porque, em certa leitura, a Economia, ao tratar da compensação necessária à consecução do ótimo de Pareto, coloca como possibilidade – e não como dever – o ressarcimento daquela parte que foi prejudicada.
Robert Solomon entende que os negócios são uma prática social e não uma atividade individualista. Assim, a cultura corporativa é uma prática social que rejeita atividades de individualismo e, portanto, é fundamental uma organização estruturada, de entes que estão relacionados à atividade empresarial e que se comprometam com a ética em suas atividades, entendendo que a mesma deverá estar presente em todas as esferas de suas relações, sejam privadas ou públicas[31].
Com isso, a atuação empresarial se assenta em parâmetros de cultura organizacional, construção do pensamento daquela coletividade organizada em torno do desenvolvimento da atividade econômica que se compatibiliza por meio dos válidos parâmetros de eficiência e eficácia, eis que se quer reduzir os custos da produção, alcançando os mais efetivos resultados com o menor dispêndio.
Interessante destacar que muito do indicativo do que é o próprio desperdício será dito pelas normas de direito que, regulamentando questões trabalhistas, tributárias, ambientais e demais incidentes na vida negocial, estará legitimado para dar os parâmetros da própria formulação dos custos de produção, que passam a ser agregados quando do projeto da produção, sendo o excedente caracterizável então como desperdício. A complexidade de incumbências, pois, permite visualizar justamente o ponto de corte do necessário e do desperdiçando.
Neste cenário ante o princípio da compensação, o que parece mais razoável, e, arrisca-se afirmar, parece superar os critérios de compensação, tantas vezes inócuos quando o assunto são danos ambientais, irreversíveis em larga medida (portanto, impassíveis de compensação), é que as empresas atuem conforme discorre com profundidade Juarez Freitas, ao destrinchar o princípio da prevenção e estatuir a obrigatoriedade de se evitarem as atividades que certamente, já comprovadamente no campo científico, implicarão danos, conjuntamente ao princípio da precaução, naqueles casos em que não gravita tão delimitada certeza, mas em que há dúvidas razoáveis sobre como se deve proceder[32].
Com isto, se pode verificar as utilidades dos conceitos de eficiência e eficácia, na medida em que traçam tanto pontos de atenção metodológicos quanto teleológicos, e mais, quando objetivam afastar o desperdício das relações sociais, pode-se dizer em sentido amplo.
Porém, o objetivo deste artigo, ao discutir o sistema econômico constitucional e verificar sua relação com o desenvolvimento integral. Em face disso, parece mais central a idéia de desenvolvimento integral do que a de eficiência, eis que esta integra aquele conceito, o qual, além disso, confere a percepção de todo um cenário de proteção jurídica. É dizer: o conceito de desenvolvimento integral congrega toda a principiologia constitucional, o que coloca uma série de valores e bens jurídicos em pé de igualdade inicial, institucional e abstrata. Ou seja: tem-se o amplo contexto dos direitos, partir dos quais, na casuística, poder-se-á verificar as circunstâncias concretas, de modo a se poder ponderar e realizar juízos de razoabilidade e proporcionalidade que permitam alcançar a solução jurídica por meio das normas criadas e aplicadas no momento da apreciação.
3. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (DESENVOLVIMENTO INTEGRAL)
Apresentada a alternativa imposta pelo princípio da compensação, enfraquecido ante os princípios da prevenção e da precaução — estes mais coerentes à sistemática do Direito Ambiental, pois a compensação não pode garantir o retorno ao “status quo ante” ou a melhor manutenção qualitativa e quantitativa dos recursos às gerações presentes e às futuras — distingue-se a desenvolvimento e crescimento econômicos para, então, partir-se à discussão propriamente dita do desenvolvimento sustentável.
A distinção é oportuna, pois permite vislumbrar alguns pontos que reorientam os sentidos dos conceitos. Do mesmo modo que a epistemologia ambiental de Enrique Leff coordena uma racionalidade econômica de uma ambiental, sem excluir a econômica, mas redimensionando-na no cerne de uma teoria da racionalidade ambiental, a distinção entre crescimento econômico e desenvolvimento sustentável permite compreender a eficácia e a eficiência econômicas segundo novos elementos metodológicos e teleológicos, como veio se distinguindo no item anterior, de modo que não se prescinde da herança teorética desenvolvida na investigação e exposição dos conceitos, o que se realiza é apenas uma nova interpretação que contemple a densificação e novos valores inseridos na Carta Magna.
3.1 DESENVOLVIMENTO E CRESCIMENTO
O artigo 3.º da Constituição Federal enuncia, entre outros objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, no inciso I, “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, e, no inciso III, garantir “o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.
Por outro lado, o preceito constitucional do artigo 192, inciso VII, preconizava – antes de sua revogação pela Emenda Constitucional N. 40/03, de 29/05/03 – que lei complementar estabeleceria “os critérios restritivos da transferência de poupança de regiões com renda inferior à média nacional para outras de maior desenvolvimento.”
Assim, o desenvolvimento previsto pela Constituição Federal visa a reduzir desigualdades sociais e regionais, a erradicar a pobreza e a marginalização e a firmar a cidadania e a dignidade da pessoa humana; esta é uma face, sendo a outra, conforme se exemplificou, o controle do sistema financeiro nacional por meio de atividade regulatória.
Um dos modos mais adotados de aferição do desenvolvimento consiste naquele em se mede com base única no crescimento do Produto Interno Bruto – PIB, pelo meio do qual se considera apenas a dimensão econômica do desenvolvimento. Hoje, contudo, utiliza-se, internacionalmente, o índice denominado Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, que incorpora, além do crescimento, fatores sociais como escolaridade e a longevidade[33].
A diferença destes indicadores novamente ressalta a distinção entre os critérios de ordem econômica em sentido mais detido e aqueles de maior integração socioambiental, do que se pode perceber, novamente, a relação que se tem destacado neste artigo entre eficiência e desenvolvimento integral.
Conforme Bresser Pereira, o desenvolvimento pode ser definido, por sua vez, enquanto transformação econômica, política e social, sempre integrada, de modo que o crescimento do padrão de vida da população, em expressão clássica, “tende a tornar-se automático e autônomo”. O autor qualifica o processo de social global, compreendendo nisso que as estruturas econômicas, políticas e sociais nacionais submetem-se a transformações reiteradas e mesmo estruturais. A referência a um desenvolvimento apenas econômico, apenas político ou apenas social não faria sentido para o mesmo autor, afinal, a perspectiva é integrada, e não setorializada.
Isto quer dizer que o desenvolvimento econômico há de abarcar consigo mutações de ordem social e política, possibilitando efetivar objetivos constitucionais. O desenvolvimento deve ser a causa das transformações em um espaço democrático. Conforme dizer do autor:
“Se o desenvolvimento econômico não trouxer consigo modificações de caráter social e político, de modo a efetivar os objetivos constitucionais, e se o desenvolvimento social e político não for a um tempo o resultado e a causa de transformações econômicas, sob o manto democrático, será porque, de fato, não se teve desenvolvimento. As modificações verificadas em um desses setores terão sido tão superficiais, tão epidérmicas, que não deixam traços”[34].
Conforme Sen, é ínsito ao desenvolvimento enquanto parâmetro democrático “[…] que se removam as principais fontes de privação de liberdade”, o que por si já evidencia a implicação direta no âmbito dos direitos fundamentais e humanos. Exemplifica o autor, ademais, as formas de privação de liberdade: “[…] a pobreza e a tirania; a carência de oportunidades econômicas e a destituição social sistemática; a negligência dos serviços públicos e a intolerância ou a interferência excessiva de Estados repressivos na esfera privada”[35]. Por isso afirma o autor o desenvolvimento enquanto liberdade, sistema de compreensão que se coaduna por completo, por exemplo, nas ferramentas de gestão de responsabilidade socioambiental, a seguir abordadas.
Segundo estas premissas, é de se identificar que o desenvolvimento, por força da própria delimitação constitucional, é planejado para ocorrer em limites de regiões ou quaisquer outras de territorialidade definida. Conforme Bresser Pereira, o desenvolvimento
“Será sempre, porém, um sistema social. Suas partes, portanto, serão interdependentes. Quando houver modificações reais na estrutura econômica, estas repercutirão nas estruturas política e social e vice-versa. Se a repercussão for pequena, se o crescimento da renda, por exemplo, não for acompanhado de transformações políticas e sociais, isto será sinal de que aquele crescimento da renda não foi significativo para o desenvolvimento, não podendo ser considerado como tal”[36].
Assim, fica clara a distinção entre o crescimento econômico e o desenvolvimento econômico, este último implicado pela idéia de bem-estar advinda de um bem sucedido processo de crescimento que, contudo, nem sempre redundará neste mesmo bem-estar. Ainda segundo as palavras do autor:
“O desenvolvimento, portanto, é um processo de transformação global. Seu resultado mais importante, todavia, ou pelo menos o mais direto, é o crescimento do padrão de vida da população. É por isso que, geralmente, a expressão “desenvolvimento econômico” é usada como sinônimo de “desenvolvimento”. No processo de desenvolvimento, o aspecto econômico é preponderante. Mas o setor político pode transformar-se, em determinados momentos, no foco dinâmico do processo de desenvolvimento, como, paradoxalmente, aconteceu nos países comunistas. Esses fenômenos, porém, revestem-se sempre do caráter de exceção. A regra geral é que o desenvolvimento tenha como aspecto dominante de seu processo a transformação econômica e, como resultado por excelência, o crescimento do padrão de vida da população no seio da qual ocorre o desenvolvimento”.[37]
Desta forma, de modo a se explorar mais profundamente o conceito de desenvolvimento, que até agora foi diferenciado da noção de crescimento, redundando em uma forma que contempla o caráter social do bem-estar, mas que ainda não tonifica o problema ambiental em toda sua dimensão, enfocar-se-á a modalidade de sustentabilidade no desenvolvimento nacional, investigando-se para tanto mais alguns entendimentos do tema.
3.2 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Optando-se ao largo pela expressão “desenvolvimento sustentável”, que é um processo, importante mencionar que, para Edis Milaré, fundamental insistir na sustentabilidade, atributo necessário a ser respeitado no tratamento dos recursos ambientais, em especial dos recursos naturais[38].
Além disso, fundamental destacar a diferença entre crescimento econômico e desenvolvimento econômico, uma vez que, muitas vezes os termos são utilizados de forma equivocada. Ademais, a noção de crescimento econômico comporta igualmente uma dimensão de eficiência e eficácia econômica que se diferenciam quando pensadas no contexto do desenvolvimento econômico, em especial, em sua modalidade sustentável.
Para Calixto Salomão Filho “crescimento econômico” caracteriza-se, como o desenvolvimento, por entranhar um crescimento da disponibilidade de bens e serviços, porém, sem que essa maior disponibilidade implique uma mudança estrutural e qualitativa da economia em questão[39].
Enrique Leff lembra que “[…] o discurso da sustentabilidade chegou a afirmar o propósito e a possibilidade de conseguir um crescimento econômico sustentável através dos mecanismos de mercado, sem justificar sua capacidade de internalizar as condições de sustentabilidade ecológica”[40].
Além disso, o mesmo autor afirma que o crescimento econômico, orientado pelo livre mercado, promete alcançar seu propósito sem qualquer fundamentação sobre “a capacidade do mercado de dar o justo valor à natureza e à cultura; de internalizar as externalidades ambientais e dissolver as desigualdades sociais; de reverter as leis da entropia e atualizar as preferências das futuras gerações”[41].
Especificamente sobre desenvolvimento sustentável, cabe conceituar que, segundo a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas (CMAD), conhecida como Comissão Brundtland, desenvolvimento sustentável “é aquele que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as futuras gerações satisfazerem suas próprias necessidades”.[42]
Além desse conceito, é fundamental apresentar os três pilares que Ignacy Sachs afirma deverem ser atendidos simultaneamente ao se falar em desenvolvimento sustentável: relevância social, prudência ecológica e viabilidade econômica[43].
Interessante ressaltar, ademais, que o autor qualifica os termos básicos, e essa adjetivação é capital na compreensão de sua proposta: a relevância como critério de aferição na dimensão social; a prudência em se tratando de problema relativo ao ambiente; e a viabilidade como discrímen da economia.
Feitos esses registros iniciais, há que se destacar que a questão no Brasil está constitucionalmente colocada no artigo 225, remetendo ao conceito de desenvolvimentos sustentável, o qual por sua vez tem em seu conteúdo duas características ou dois princípios básicos: a possibilidade de acesso eqüitativo para a presente geração e os limites impostos para o uso atual com relação às gerações futuras[44], corroborando as questões de solidariedade inter e intrageracional. Estes princípios já foram apresentados pelo relatório da CMAD:
“Desenvolvimento sustentável pode ser entendido como a forma de desenvolvimento que satisfaz as necessidades das gerações presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras de alcançar a satisfação de seus próprios interesses. Essa idéia contém dois conceitos-chave:
a) O conceito de necessidade, em particular as necessidades essenciais dos países pobres, paras as quais deve ser dada prioridade absoluta; b) A idéia da existência de limitações à capacidade do meio ambiente de satisfazer as necessidades atuais e futuras impostas pelo estágio atual da tecnologia e da organização social”[45].
O conceito de desenvolvimento sustentável alerta para o cuidado com a exploração irracional dos recursos naturais, com o apreço pelos direitos humanos, com o resgate da cidadania e com o acesso ao consumo de bens e serviços compatíveis com a capacidade de renovação natural. Conforme esclarece Paulo Affonso Leme Machado:
“O homem não é a única preocupação do desenvolvimento sustentável. A preocupação com a natureza deve também integrar o desenvolvimento sustentável. Nem sempre o homem há de ocupar o centro da política ambiental, ainda que, comumente ele busque um lugar prioritário. Haverá casos em que para se conservar a vida humana ou para colocar em prática a ‘harmonia com a natureza’ será preciso conservar a vida dos animais e das plantas em áreas declaradas inacessíveis ao próprio homem. Parece paradoxal chegar-se a essa solução de impedimento do acesso humano, que, a final de contas, deve ser decidida pelo próprio homem.”[46]
A preocupação com um real desenvolvimento que seja sustentável está relacionada com diversas áreas do conhecimento, por isso as abordagens inter, multi e transdisciplinares são tão necessárias ao Direito contemporâneo. Tanto assim que, segundo Maria Francisca Carneiro, referindo-se ao pensamento jurídico recaindo sobre o sujeito sob complexa concepção biocultural e a sua sociedade: “a hipercomplexidade gera um novo humanismo, renovando a Antropologia e as teorias do homem, então multidimensional”[47].
Veja-se, pois, que tal compreensão da filósofa do direito se coaduna com o cenário em que vige uma hipercomplexidade de normas, valores e destinatários, e que precisam ser atendidos em sua plenitude de efeitos conformes à Constituição. Assim, a multidimensionalidade a ser contemplada se adéqua ao próprio sistema tuitivo, de modo que o conceito de eficiência e o de eficácia se abarcam neste cenário compondo uma das dimensões da multidimensionalidade, razão pela qual a interpretação há de ser integrativa, visualizando-se conjuntos de valores a serem abarcados pelo mesmo laço de juridicidade.
A preocupação com o homem não é a única na problemática, conforme depreensível da referência que se fez de Machado. Ao mesmo tempo, conforme delimita Carneiro, mostra-se necessário ante à hipercomplexidade uma renovação de percepção da própria antropologia filosófica ao se pensar o homem neste contexto.
Assim, compreende-se que no campo das relações entre Direito e Economia deve-se levar em conta que todas as relações de mercado influenciam direta e indiretamente na sociedade a curto, médio e longo prazo, ao compasso de que a “humanidade” — o que denota uma noção expandida do homem tutelado — é o destinatário final da tutela, conforme informa o princípio da solidariedade intrageracional, ou seja, dentro de um mesmo lapso temporal, e inter ou transgeracional, considerando-se os recursos de gerações vindouras.
Deste modo, evidencia-se que o desenvolvimento sustentável, dentro do sistema econômico constitucional, com toda a divisão social do trabalho prevista e direitos garantidos aos particulares, aponta para um modo de desenvolvimento da vida em sociedade que coordena as dimensões das possibilidades econômicas com a prudência ambiental (basta pensar nos princípios da prevenção e da precaução) e a relevância social (pense-se nos direitos sociais e na seguridade social, tão caros à Constituição).
Assim, a atuação empresarial que objetive um desenvolvimento sustentável é essencial, não só naquilo que se refere aos impactos de sua atuação, mas também para que a empresa “sobreviva” no novo mercado econômico, que se mostra cada vez mais exigente no que se refere ao fornecimento de produtos e serviços que agreguem valor à sociedade pelas vias dos procedimentos adequados aos preceitos socioambientais.
Um instrumental interessante neste sentido são as ferramentas de gestão de responsabilidade socioambiental e os indicadores de sustentabilidade (LOUETTE, 2007). Tais referências possibilitam estabelecer uma cultura, bem como uma consciência organizacionais que insculpem valores internos e traçam procedimentos de prevenção de danos ao ambiente e aos consumidores, agindo assim o responsável pelo negócio em conformidade às Leis ambientais, à Constituição e aos tratados internacionais, pela via da livre aderência e progressiva qualificação do agente econômico.
Dentre alguns estudos sobre a pertinência, foi-nos possível vislumbrar, pela análise do teor das ferramentas gerenciais, algumas incidências jurídicas das ferramentas de sustentabilidade, donde se pode concluir que em matéria de efetividade jurídica, entendida como incidência do teor das normas na conformação de condutas, que
“Um corpo jurídico empresarial, fortalecido pela difusão de informações acerca da gestão de responsabilidade socioambiental, representa a vinculação de comportamentos de capitais agentes da sociedade, no sentido da concretização das normas, donde se poderá conformar um cenário social consoante aos fundamentos e objetivos constitucionais e também espelho cristalino do bem-estar, da dignidade humana e do desenvolvimento sustentável, estes não mais vistos, cotidianamente, como ideais utópicos, mas sim como características perceptíveis e depreensíveis de uma realidade estatuída e vivida.”[48]
Desta maneira, o conceito de desenvolvimento sustentável, abarcando as possibilidades e necessidades inseridas no rol dos direitos fundamentais e mesmo dos direitos humanos, confere proteção tanto ao homem isoladamente considerado (o que só se pode fazer por abstração mental) quanto a natureza em seus múltiplos desdobramentos cultural, antrópico, natural e laboral, razão pela qual a noção de desenvolvimento sustentável é verdadeiramente informativa da realidade na medida em que seu desdobramento em várias dimensões nada mais representa do que a tentativa teórico-científica e jurídica de tutelar uma mesma realidade hipercomplexa.
3.3 EFICIÊNCIA ECONÔMICA EMPRESARIAL E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
A aplicação restrita e cingida dos conceitos de eficiência e eficácia econômica, afastados dos demais, não bastam para caracterizar uma atuação empresarial comprometida com o desenvolvimento sustentável e, portando, conforme a Constituição.
Conforme se veio investigando a partir de um modelo econômico constitucional, ou segundo os preceitos da consagrada “Constituição Econômica”, a atividade econômica encontra-se inserta em cenário complexo, que demanda uma compatibilização de valores. Esta complexidade se expressa, na linguagem da economia do desenvolvimento, como “desenvolvimento sustentável” ou, ainda, “desenvolvimento integral” e, ainda, “ecossocioeconomia”, enquanto tentativas de se abarcar em um único bloco hermenêutica toda a banda de questões que devem ser levadas em conta.
A regulamentação constitucional e jurídica da propriedade, ambientada na principiologia e por meio das regras assecuratórias próprias, o desenvolvimento de atividade econômica (seja pelas mãos públicas ou estatais) e os serviços públicos, enfim, todo o sistema é indicativo da necessária eficiência e eficácia, contudo, sem que para o atingimento destes se suplantem demais valores vigentes. Em certa medida, a interpretação dos casos justamente leva à ponderação da proporcionalidade do sacrifício de cada uma das dimensões em nome dos valores constitucionais disponibilizados aos agentes por meio dos enunciados jurídicos.
As teorias das eficácias vertical e horizontal dos direitos fundamentais só corrobora este entendimento, fazendo incidir em todas as categorias de relações sociais e jurídicas a normatização tuitiva das esferas de direitos, requerendo a contraface do cumprimento dos deveres como mecanismo de manutenção do sistema.
Um exemplo sintético e pertinente das variáveis da necessária ponderação pode ser obtido por meio da interpretação realizada pelo Ministro Celso de Mello na ADI 3.540. Embora se refira ao meio ambiente no foco da decisão, perceba-se quão ínsito é o valor social, representado tanto por meio das próprias modalidades de meio ambiente quanto, em especial, no tocante à tutela da “saúde, segurança, cultura, trabalho e bem estar da população”.
Esta reflexividade recíproca entre as esferas social e ambiental é que permite a disseminação do termo “socioambiental” e, ademais, corrobora a visão do desenvolvimento integral. Veja-se ementa da paradigmática decisão ao que se tem tratado neste artigo, e que ordena os valores em cheque no caso então em apreço.
“A atividade econômica não pode ser exercida em desarmonia com os princípios destinados a tornar efetiva a proteção ao meio ambiente. A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural.” (ADI 3.540-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 1-9-05, DJ de 3-2-06)
Assim, sabido que as práticas das empresas impactam direta e indiretamente, seja a curto, médio ou a longo prazo, na sociedade, devem ser observados mais fatores do que aqueles ligados estritamente ao atingimento da eficiência econômica. Não podem prescindir nesta consideração a tensão de eficiência e eficácia restritos com os demais valores juridicamente tutelados, devendo, afinal, ser mantida em mente que o próprio conceito de eficiência e eficácia são redefinidos a partir do apego e apreço ao bem ambiental.
A eficiência econômica, assim, por ser conceito parcial e elemento de um sistema mais complexo, pode deixar de considerar a necessidade de manutenção, preservação e proteção de pessoas e de recursos, sejam eles naturais ou não — idéia tuitiva que está intimamente ligada ao desenvolvimento sustentável. Contudo, sua incidência, redimensionada pelo cenário complexo, pode levar-lhe a incorporar os preceitos socioambientais, dado estar redefinida a própria noção de economia, de modo que “eficiência econômica” é justamente aquela que atende aos preceitos socioambientais, razão pela qual o trabalho é verdadeiramente de contemporaneização do termo.
Ignacy Sachs lembra que a história mostra que o desenvolvimento sustentável é inviável sem restrições das forças do mercado. O Texto Constitucional hodierno é claro e especializado nestas restrições. O autor coloca que, ao contrário do que se vira (e ainda se poderia ver atualmente) na prática, subsídios bem dimensionados podem ter um importante papel na promoção de padrões de aproveitamento de recursos sustentáveis.[49]. O debate sobre a tributação verde ratificam este entendimento, assim como o fomento estatal em sentido amplo.
Há muito, Pontes de Miranda já mencionava o entendimento de que a desigualdade econômica não é, de modo algum, desigualdade de fato, e sim a resultante de simples desigualdades artificiais ou de desigualdades de fato acrescidas das desigualdades econômicas mantidas por lei[50]. A partir desta compreensão, pode-se antever tanto positivos avanços legislativos e, sobretudo, constitucionais, desde a constatação do pensador brasileiro, quanto, ao compasso, a resistência de certo déficit interpretativo das novas regulamentações jurídicas.
Por isso, mais do que a mera compreensão abstrata ou desvinculada da prática desses conceitos de eficiência, eficácia e sustentabilidade, é necessário (e juridicamente imperativo) que as empresas sejam “educadas” no sentido de que esses valores que compõem o “todo constitucional” sejam realmente disseminados no âmbito interno e externo da corporação, estabelecendo culturas corporativas em que a sustentabilidade seja internalizada.
Nesta seara, ainda segundo Pontes de Miranda, o problema da educação estaria relacionado, dentre outras, a questões psicológicas e econômicas. Isto porque os inventos de ordem prática, o cinema, o rádio, estariam a difundir a ânsia de aprender a ler (e hoje a demanda por qualificação em muito transcende esta habilidade fundamental), dado que a necessidade de mercados não pode ser satisfeita sem que se eleve o nível de consumo das populações. Esta elevação exige, entre outros fatores, a maior instrução do homem, para que o valor do seu trabalho possa comprar mais[51].
Percebe-se, pois, que com o vigente Texto Constitucional, a questão não se resume a uma interpretação meramente de preenchimento de necessidades de mercado mas, igualmente, se coaduna com elementos de reflexão existencial, dado o preceito da dignidade da pessoa humana, de modo que a normatividade implica tanto em uma densidade de mercado quanto de práticas e valores sociais que imprimam nos procedimentos cotidianos a exaltação dos valores sociais do trabalho e das trocas comerciais, buscando-se o equilíbrio entre as partes envolvidas e a harmonização das relações sociais, orientadas, pois, para um bem-estar individual e coletivo, alcançado por meio do atendimento tanto à idéia de dignidade quanto dos direitos fundamentais.
Assim, a relação do conceito de eficiência econômica com o de desenvolvimento sustentável é compatível na medida em que for visto, por um lado, enquanto dimensão componente e subordinada à própria noção da sustentabilidade ínsita ao desenvolvimento e, por outro, visto enquanto critério dentro do qual se considera a menor onerosidade da atividade não apenas sob o critério financeiro e monetário mas, também, sob a idéia de economia da minimização de direitos fundamentais. Vista assim a eficiência, não enquanto corte, mas como meio de promoção axiológica, é que se pode entender sua relação legítima e direta como desenvolvimento sustentável e integral, juridicamente normatizado e cogente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De uma forma ampla, eficácia e eficiência se diferem na forma pela qual atingem o objetivo a que se destinam. Ser eficaz é ter a capacidade para produzir efeitos e eficiência é a aptidão de atingir o melhor resultado com o mínimo de erros ou perdas, obter ou visar ao melhor rendimento, alcançar a função prevista de maneira mais produtiva.
No que se refere à eficiência ligada ao campo da economia especificamente, percebe-se que a IED a coloca como norteador do ordenamento jurídico. Isto porque diretamente ligada à justiça, conceito basilar no Direito.
Assim, o que se percebe é a tendência em substituir o utópico conceito e ideal de justiça pelo que a IED chama de eficiência econômica, fazendo com que esta tenha reflexos em todo o ordenamento jurídico, objetivando, primordialmente que o utilitarismo seja superado por ações contundentes e eficientes, fazendo valer o seu papel na sociedade.
Falar em eficiência econômica remete obrigatoriamente aos estudos econômicos acerca da otimalidade de Pareto, ou seja, situações nas quais não seja mais possível aumentar a utilidade de algo sem que se reduza a utilidade por um outro prisma. Entretanto, o que se percebe é que uma situação ótima neste sentido não é necessariamente eficiente, como por exemplo, uma situação em que há pessoas extremamente ricas e outras extremamente miseráveis.
Logo, mesmo sem adentrar no mérito das divergências entre Dworkin e Posner acerca da utilização da eficiência econômica pautada no ótimo de Pareto, cumpre destacar que a solução normalmente utilizada pelos economistas é recorrer ao chamado princípio da compensação, através da conversão destas utilidades subjetivas nos valores monetários que os agentes econômicos considerem equivalentes (critério de Kaldor-Hicks).
Ao se entender que o desenvolvimento pressupõe a renovação das principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos[52], e que desenvolvimento sustentável nada mais é do que uma forma de desenvolvimento que satisfaça as necessidades das gerações presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras de alcançar a satisfação de seus próprios interesses, pode-se perceber que um desenvolvimento que seja sustentável pressupõe também a observância de princípios fundamentais da análise econômica, como o da escolha racional, do equilíbrio, da eficiência e da compensação.
Assim, somente com a adoção de políticas de Estado e não de governo será possível que os princípios de Direito e de Economia sejam de fato aplicados, não só no que é de observância obrigatória pelo Estado, mas também nas relações das instituições privadas com seus parceiros, clientes e sociedade. E tudo isto porque falar em desenvolvimento sustentável conjugado com eficiência econômica empresarial exige análise, planejamento e execução a curto, médio e longo prazo.
Sendo assim, o tema da eficiência e do desenvolvimento se relacionam diretamente, e de modo mais preciso, tal como realizou Sachs ao determinar a viabilidade econômica, relevância social e prudência ecológica, é preciso qualificar.
Portanto, a eficiência (metodologia) e eficácia (teleologia) econômicas coadunam-se com um desenvolvimento (sustentável ou integral) na medida em que a perspectiva de adequação dos meios direcionados a um fim, com a eliminação de desperdícios e custos desnecessários, representa controle racional sobre os rumos das atividades econômicas, que se compõem tanto de aspectos que a economia identificará empiricamente, produzindo suas leis empíricas para explicar padrões, quanto de normas jurídicas, fixadas pelo legislador para regular, principalmente, as falhas de mercado.
Deste modo, tendo em vista os preceitos do dirigismo estatal em matéria de consumo, a intensa incumbência pública fiscalizatória em matéria ambiental, assim como o mais do que expresso mandamento constitucional de estímulo às empresas de pequeno porte, acompanhado do perfil liberal que não prescinde de ser também do bem-estar social, pode-se concluir que eficiência e eficácia são fundamentais conceitos informativos para o processo hermenêutico das questões jurídico-econômicas, devendo ser pensados, pois, em sua dimensão instrumental, tendo por conteúdo orientador os preceitos do desenvolvimento sustentável ou integral. É esta adstrição que possibilita serem Direito e Economia cerrados à consecução constitucional.
advogado em Curitiba, especialista em Direito Público pela Escola da Magistratura Federal no Paraná e mestrando em Direitos Humanos e Democracia pela UFPR
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