Emenda constitucional por iniciativa popular

Resumo: Muito se discute quanto a possibilidade de emenda à Constituição Federativa do Brasil mediante iniciativa popular. A Constituição Federal de 1988 não é clara quanto à possibilidade de tal iniciativa para emendas constitucionais, sendo clara em relação à iniciativa do povo apenas no âmbito das leis ordinárias. Realizou-se uma pesquisa bibliográfica e documental, sendo que as principais fontes de consulta foram a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, obras de direito constitucional como SILVA (2014), artigos científicos como BONAVIDES (2008) e outros documentos eletrônicos via rede mundial de computadores. Este artigo tem como objetivo analisar a legislação nacional e constitucional em busca de elementos que permitam concluir que é possível que o povo, através da sua iniciativa, consiga remeter ao Congresso Nacional proposta de emenda constitucional.

Palavras-Chave: Constituição Federal de 1988. Emenda Constitucional. Iniciativa popular.

Sumario: Introdução. 1. A Emenda Constitucional por Iniciativa Popular na Constituição Federal de 1988. Conclusão. Referências.

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Introdução

O presente trabalho tem como tema a discussão acerca da admissibilidade de proposta de emenda Constitucional mediante iniciativa popular ante à Constituição Federativa do Brasil de 1988.

A Constituição Federal de 1988 é clara em seu artigo 61, § 2°, ao estabelecer que a iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles (BRASIL, 2012, p. 32).

A discussão ocorre em decorrência de que a possibilidade expressa no citado artigo constitucional se refere a projeto de lei, não trazendo em sua redação a informação quanto à possiblidade de tal iniciativa para Emenda Constitucional.

O estudo do tema é de suma importância vez que muitos assuntos de interesse nacional, que podem merecer a iniciativa popular para que sejam tratados no Congresso Nacional, não se tratam apenas de projetos de lei, mas sim de emendas à Constituição. Além disto, o número de subscritores estabelecidos no § 2° do artigo 61 da Constituição Federal é consideravelmente alto, não se podendo desenvolver um grandioso e ardiloso trabalho para a colheita das assinaturas, incluindo cinco Estados da federação, para que ao final o Congresso Nacional simplesmente rejeite a proposta alegando que a iniciativa popular não abrangeria emendas Constitucionais.

Para se ter ideia, em dados atualizados pelo Tribunal Superior Eleitoral (BRASIL, 2016), tem-se que nas eleições de 2016 o eleitorado apto foi de 144.088.912. Desta forma, em caso de iniciativa popular o quórum seria da gigantesca quantidade de um milhão e quatrocentos e quarenta mil pessoas, distribuídos pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.

José Afonso da Silva, em seu Curso de Direito Constitucional Positivo, faz a seguinte observação:

“A Constituição não introduziu inovação de realce no sistema de sua modificação. Até a votação no Plenário, anteprojetos e projetos admitiam, expressa e especificamente, a iniciativa e o referendo populares em matéria de emenda constitucional. No Plenário, contudo, os conservadores derrubaram essa possibilidade clara que consta do §2º do art. 74 do Projeto aprovado na Comissão de Sistematização. Não está, porém, excluída a aplicação desses institutos de participação popular nessa matéria. Está expressamente estabelecido que o poder que emana do povo será exercido por meio de representantes ou diretamente (art. 1º, parágrafo único), que a soberania popular será exercida também por referendo e iniciativa populares (art. 14, II e III) e que cabe ao Congresso Nacional autorizar referendo sem especificação (art. 49, XV), o que permite o referendo facultativo constitucional. Vale dizer, pois, que o uso desses institutos, em matéria de emenda constitucional, vai depender do desenvolvimento e da prática da democracia participativa que a Constituição alberga como um de seus princípios fundamentais.” (SILVA, 2014, p. 64-65).

1. A Emenda Constitucional por Iniciativa Popular na Constituição Federal de 1988

O preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 foi promulgado juntamente com o documento integral pelos representantes do povo brasileiro, para instituir um Estado Democrático, nos seguintes moldes:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.” (BRASIL, 1988).

Em seguida, em seu art. 1º, parágrafo único, a Constituição Federal explicita a soberania popular como fundamento do Estado Democrático de Direito, aduzindo que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição. Momento em que também caracteriza a democracia brasileira como uma democracia participativa, ou seja, aquela em que há instrumentos da democracia representativa e da democracia direta.

Em complementação ao art. 1º a Constituição Federal os instrumentos da soberania popular foram previstos no art. 14 da Lei Magna nos seguintes termos:

“Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

I – plebiscito;

II – referendo;

III – iniciativa popular.” (BRASIL, 1988).

Conforme já descrito, a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 61, § 2º estabelece que a iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles (BRASIL, 1988). Entretanto o citado dispositivo da Constituição de 1988 não foi claro quanto à possibilidade de iniciativa popular para proposta de emenda Constitucional.

O art. 60 da Constituição Federal, que trata especificamente das emendas à Constituição, possui a seguinte redação:

“Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

I – de um terço, no mínimo dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;

II – do Presidente da República;

III – de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.” (BRASIL, 1988).

Verifica-se, portanto, que o art. 60 da Constituição Federal estabelece quem poderiam ser os autores de emenda à Constituição, e no artigo imediatamente seguinte estabelece que leis poderão ser criadas mediante a iniciativa popular. Daí surgiu o debate que discute o cabimento ou não de emenda Constitucional através de iniciativa popular.

Resta claro que leis poderão ser criadas através de tal iniciativa, mas não restou claro se as emendas à Constituição poderiam ser levadas ao Congresso Nacional por iniciativa do povo. Sobre o assunto manifestou Paulo Bonavides:

“O povo tem na formação das leis, segundo a Constituição de 1988, a iniciativa de legislador ordinário, mas não tem a de legislador constituinte. Essa derradeira iniciativa é a mais importante, a mais fundamental, a mais sólida por garantir o exercício de sua capacidade legitimadora da ordem normativa, debaixo da qual se organizam e repousam as instituições do ordenamento jurídico nacional.” (BONAVIDES, 2008).

Dez anos após a promulgação da Constituição Federal de 1988 foi promulgada a Lei 9.709, de 18 de novembro de 1998, conhecida como Lei Almino Afonso, tratando de assuntos atinentes à soberania popular e regulando a iniciativa popular. Esta, no entanto, tratou da iniciativa popular apenas em seus artigos 13 e 14, nos seguintes termos:

“Art. 13. A iniciativa popular consiste na apresentação de projeto de lei à Câmara dos Deputados, subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.

§ 1° O projeto de lei de iniciativa popular deverá circunscrever-se a um só assunto.

§ 2° O projeto de lei de iniciativa popular não poderá ser rejeitado por vício de forma, cabendo à Câmara dos Deputados, por seu órgão competente, providenciar a correção de eventuais impropriedades de técnica legislativa ou de redação.

Art. 14. A Câmara dos Deputados, verificando o cumprimento das exigências estabelecidas no art. 13 e respectivos parágrafos, dará seguimento à iniciativa popular, consoante as normas do Regimento Interno.” (BRASIL, 1998).

Pela leitura dos dispositivos verifica-se que a lei resumiu-se a repetir o que já fora anteriormente dito pela Constituição Federal, estabelecendo que em caso de erro de formalidades o projeto deveria ser devidamente corrigido, prosseguindo os trâmites regulares do processo legislativo. Neste sentido os comentários de Paulo Bonavides:

“Mas a Lei Almino Afonso, ato legislativo retardatário, ao preencher a reserva legal do sobredito artigo, chegou com uma década de atraso, reproduzindo e espelhando fielmente a má vontade das casas congressuais em repartir com o povo a participação legislativa, cuja força e densidade devem radicar na firmeza, alcance e extensão de um princípio e não na fragilidade de uma regra.” (BONAVIDES, 2008).

Analisada, portanto, a Lei 9.709/98, verifica-se que esta não trouxe nenhuma informação nova que pudesse eliminar a discussão doutrinária acerca do cabimento de projeto de emenda constitucional mediante iniciativa popular, permanecendo, desta forma, a dúvida e as discussões.

A legislação também deixa uma lacuna em relação à obrigatoriedade ou não de o Congresso Nacional votar o projeto de lei advindo de iniciativa popular, e em qual prazo. Também não esclarece se o Presidente da República, após os trâmites legais da votação do projeto pelos parlamentares, poderia ou não exercer o seu poder de veto.

Certo é que não há legislação em relação às citadas dúvidas, cabendo, em caso de necessidade, da atuação dos Tribunais Superiores para dirimir eventuais entendimentos contraditórios.

Quanto à análise inicial de cabimento da iniciativa popular para proposta de emenda à Constituição, uma interpretação sistemática dos princípios constitucionais, colocando em relevo o princípio da soberania popular, pode dirimir a dúvida, direcionando o raciocínio dos estudiosos do direito no sentido do cabimento da iniciativa popular no caso em estudo.

Em complementação ao princípio da soberania popular, o princípio da unidade da Constituição reza que as normas constitucionais devem ser vistas não como normas isoladas, mas como preceitos integrados num sistema unitário de regras e princípios, que é instituído pela própria Constituição. O princípio da concordância prática reza que somente no momento da aplicação do texto, e no contexto dessa aplicação, que se pode coordenar, ponderar e conciliar os bens ou valores constitucionais em conflito, dando a cada um o que for seu. E o princípio da eficácia integradora que reza que a Constituição deve ser analisada buscando construir soluções para os problemas jurídico-constitucionais, procurando dar preferência àqueles critérios ou pontos de vista que favoreçam a integração social e a unidade política, buscando criar ordem e viabilidade do sistema jurídico.

Percebe-se claramente que todos os princípios acima elencados auxiliam na interpretação da Constituição Federal no sentido de o povo poder emendar o Texto Magno a fim de melhor compatibilizar as necessidades à realidade das alterações constitucionais no Brasil.

São nesses termos que se deve pautar a visão da Constituição Federal de 1988 a fim de garantir e implementar o direito que se busca estudar do presente trabalho. Neste sentido afirma José Afonso da Silva:

“A representação é montada sobre o mito da “identidade entre o povo e representante popular” que tende a “fundar a crença de que, quando este decide é como se decidisse aquele, que o segundo resolve pelo primeiro, que sua decisão é a decisão do povo; … que, em tal situação, o povo se autogoverna, sem que haja desdobramento, atividade, relação intersubjetiva entre dois entes distintos; o povo, destinatário das decisões, e o representante, autor, autoridade, que decide para o povo”. (SILVA, 2014, p. 143).

Neste contexto é a necessidade do povo que, mal representado, possui o direito de propor criação de leis, alteração de leis e emendas constitucionais.

Há, como se observa, uma falha na representatividade dos representantes eleitos para com o povo que os elegeram. Isso obsta que assuntos do mais alto relevo e interesse nacional possam ser apreciados pelo povo, a fim de suscitar a sua opinião, vontade e interesse acerca desses elementos.

Não basta o povo ser titular do Poder Constituinte Originário, é necessário que seja também titular do Poder Constituinte Reformador, ou poder de reforma constitucional, ou poder de emenda constitucional.

Ao se fazer uma interpretação sistemática da Constituição Federal, verifica-se, em primeiro lugar, que o parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal de 1988 é claro ao expressar que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição. Ainda na Lei Maior, em seu art. 14, inciso III, estabelece-se que a soberania popular será exercida mediante a iniciativa popular.

Assim sendo, se o poder emana do povo, e a soberania do povo é exercida pelo plebiscito, pelo referendo e pela iniciativa popular, não há que se negar que as propostas de emenda à Constituição também podem ser apresentadas por meio de iniciativa popular.

Não há vedação expressa material, formal, temporal, condicional, muito menos implícita no texto constitucional que obste essa interpretação.

Analisando os limites traçados na Constituição percebe-se que a norma que aparentemente se contraporia à iniciativa popular em matéria Constitucional é a própria ausência de texto expresso no art. 60 sobre tal possibilidade, o que indica a ausência de proibição expressa neste sentido, havendo certa margem de possibilidades interpretativas que permitam harmonizar toda a Constituição material por este caminho.

Por estas razões, segundo uma interpretação sistemática da Constituição, é possível afirmar que a Constituição brasileira admite a iniciativa popular para proposta de emenda constitucional.

Sobre a falta de lei que regulamente tal disposição há que se levar em conta a máxima efetividade das normas constitucionais devendo ser feita uma interpretação conforme a Constituição no sentido de adequar a lei ao entendimento constitucional, entendendo-se por lei, na redação das normas sobre o projeto de lei de iniciativa popular, o conjunto das normas passíveis de iniciativa popular, conforme determina a Constituição.

Neste sentido o entendimento de Paulo Bonavides expressando a necessidade da promulgação de emenda Constitucional por iniciativa popular:

“Se não for promulgada essa primeira emenda à Constituição por iniciativa popular, abolindo aquela exclusividade de competência do Congresso, jamais chegaremos neste País à preponderância da democracia participativa sobre a democracia representativa de feição clássica.” (BONAVIDES, 2008).

Conclusão

No Brasil o poder constituinte derivado é exercido pelo Congresso Nacional, sendo que a Constituição expressamente determina três legitimados para a iniciativa de emendas à Constituição: o Presidente da República, um terço dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, ou mais da metade das Assembleias Legislativas das Unidades da Federação por maioria relativa em cada uma delas.

A iniciativa popular não é expressamente prevista como um dos meios de se provocar a iniciativa de emenda constitucional, todavia é identificada pela Constituição como um dos modos de exercício da soberania popular, ou seja, é uma forma com que o poder soberano do povo pode ser exercido. Tal fato gera um conflito aparente de normas constitucionais vez que há uma limitação aparente da iniciativa popular por ser vedada a sua atuação em assuntos constitucionais.

No caso em questão, a proibição da Constituição para a iniciativa popular em matéria constitucional não é expressa, embora haja silêncio neste sentido. De outro lado a Constituição só pode ser interpretada sistematicamente, ou seja, de uma forma em que o conjunto de suas normas forme um todo harmônico e racional, nos moldes dos princípios interpretativos da unicidade, da máxima efetividade e da concordância prática. Assim, devem ser levados em conta, neste ponto da interpretação, os valores constitucionalmente tutelados e os princípios constitucionais estudados durante o desenvolvimento do presente trabalho.

Analisadas todas estas nuances, conclui-se que a Constituição admite a iniciativa popular para propostas de emenda constitucional, conclusão à que se chega a partir de uma interpretação racional e sistemática da Constituição Federativa do Brasil de 1988.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

Luiz Cesar Rocha Santos

Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes e Oficial do Ministério Público do Estado de Minas Gerais


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Equipe Âmbito Jurídico

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