Empresa individual de responsabilidade limitada: questões fundamentais

Resumo: O presente artigo procura analisar os principais aspectos da empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI), introduzida no direito brasileiro pela Lei n.º 12.441/2011. Neste sentido, procurar-se-á analisar a natureza jurídica do instituto, os requisitos para sua instituição, o nome empresarial a ser adotado, bem como os livros cuja escrituração é obrigatória por esta pessoa jurídica.

Palavras-chave: Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. Pessoa Jurídica. Sociedade Unipessoal.

Abstract: This article analyzes the main aspects of the individual limited liability company (EIRELI), introduced in Brazilian law by Law n. º 12.441/2011. In this sense, it will seek to analyze the legal nature of the institute, the requirements for your institution, company names to be adopted as well as the books whose bookkeeping is required by this entity.

Keywords: Individual Limited Liability Company. Corporations. Unipersonal Company.

Sumário: Introdução. 1. Natureza Jurídica. 2. Requisitos para a instituição da EIRELI. 3. Nome Empresarial. 4. Livros Obrigatórios e Administração. Conclusão. Referências.

Introdução

A Lei n.º 12.441/2011 institui, no Brasil, a denominada Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI). Trata-se de grande inovação no direito brasileiro, na medida em que, até então, a exploração da atividade empresarial em nome próprio não implicava em separação patrimonial entre os bens afetados à empresa e aqueles pertencentes individualmente ao seu explorador, gerando, em razão disso, o latente risco de ver seus bens próprios chamados à responsabilidade patrimonial em razão de atividades relativas ao desenvolvimento da atividade econômica.

Segundo dados divulgados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI)[1], 98% das indústrias brasileiras enquadram-se no conceito de micro e pequena empresa, das quais, certamente, grande parte é formada por empreendedores individuais. Para se ter uma idéia desta dimensão, dados divulgados pelo SEBRAE dão conta de que, em 31/03/2012, existiam 2.189.617 (dois milhões, cento e oitenta e nove mil, seiscentos e dezessete) de empreendedores individuais em atividade no Brasil[2].

Para atender a esta gama de empreendedores é que se fazia necessário, no Brasil, a adoção de uma forma de limitação da responsabilidade dos empresários individuais, de forma a estimular o ingresso no mercado formal e criar condições para o desenvolvimento da indústria nacional.

Neste sentido, a Lei n.º 12.441/2011 procurou por fim à figura do chamado “homem de palha”, isto é, à criação de sociedades empresariais por intermédio da indicação de um sócio meramente de fachada, quando, na verdade, a atividade empresarial era desenvolvida individualmente. Para tanto, alterou o art. 44 do Código Civil para inserir a empresa individual de responsabilidade limitada como mais uma espécie de pessoa jurídica, além de inserir, no Livro II do mesmo Codex o Título I-A (Da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada).

O presente artigo pretende, a partir destas premissas, analisar a figura jurídica em questão, abordando, sobretudo, as polêmicas opções legislativas adotadas pelo legislador ordinário.

1. Natureza Jurídica

Como dito alhures, a Lei n.º 12.441/2011 alterou o art. 44 do Código Civil para nele inserir o inciso VI, incluindo, desta forma, as empresas individuais de responsabilidade limitadas no rol das pessoas jurídicas existentes em nosso ordenamento jurídico.Observe-se, no entanto, que optou-se por não conferir à EIRELI a natureza jurídica societária[3], como se infere do disposto nos artigos 981 e 983 do Código Civil.

A opção legislativa adotada conduz-nos, desta maneira, a duas questões relevantes: a) a possibilidade de personificação de ente não coletivo e b) a possibilidade de separação do patrimônio da pessoa natural para o desempenho de determinada atividade[4].Para o deslinde destas questões impõe-se a análise de algumas escolas de pensamento para, depois, verificar-se sua relevância para o tema.

De proêmio, a teoria ficcionista, proposta por Savigny, proclama que a pessoa jurídica não possui “realismo social”, mas apenas jurídico, sendo, neste sentido, uma ficção legal. Decorrente do naturalismo então vigente, esta teoria, que atribui direitos personalíssimos apenas às pessoas naturais, reservando para as jurídicas somente os direitos patrimoniais, permite a adoção de uma sociedade unipessoal, embora seu formulador negasse tal possibilidade, por razões pragmáticas (preocupação com a solvência).

A teoria do patrimônio de afetação também se propôs ao estudo do tema. Esta teoria, que agrupa os entendimentos de Brinz e Becker, reafirma “o princípio naturalista segundo o qual somente as pessoas humanas podem ser sujeitos de direitos e obrigações. Admitem, como as ficcionistas, a existência de patrimônios que não podem ser atribuídos aos homens. Ao contrário desses, no entanto, não vêem uma solução para o problema na extensão do conceito de sujeito de direito”[5].

Para Brinz, somente as pessoas naturais poderiam ser sujeitos de direito. Contudo, ponderava poder-se alargar o conceito de titular de um patrimônio. Este seria formado por i) bens e ii) relação de atribuição. A relação de atribuição poderia existir não somente entre pessoas e bens, mas também entre bens e finalidade. Assim, personificava-se, como novo titular, esta relação entre bens e fins, o que não deixava, também de ser uma ficção.

Becker, a seu turno, proclamava que o conteúdo da personalidade jurídica está na disponibilidade e possibilidade de fruição de direitos. O que seria exclusivo do homem seria a fruição do direito, não sua possibilidade. Assim, o legislador poderia atribuir possibilidade de fruição de direitos a um ente, a pessoa jurídica. Aquele que cria o patrimônio e o afeta a um fim fica com seu poder de disposição limitado, sendo esta limitação máxima nas sociedades anônimas e mínima nas sociedades unipessoais.

Há, ainda, uma terceira escola de pensamento capitaneada por Otto Gierke. Para este autor, o fenômeno associativo teria “realidade social”, à qual poderia ser atribuída personalidade jurídica. Observe-se, contudo, que para este autor o elemento que confere vontade própria à sociedade é a pluralidade de componentes.

Da análise das teorias propostas verifica-se que tais teorias, embora relevantes para o desenvolvimento da temática da personalidade jurídica, mostram-se de menor relevância para a explicação da limitação da responsabilidade do comerciante individual. Mas, como esclarece Calixto Salomão Filho, essas “teorias são, com efeito, capazes de ajudar a formulação de um modelo complexo, que não incorpora nenhuma delas, mas se constrói a partir de todas, levando em consideração os pontos problemáticos revelados por cada teoria”[6].

No Brasil, como já afirmado, o legislador ordinário para ter-se filiado à teoria ficcionista para a inserção da EIRELI na categoria de pessoa jurídica, limitando a responsabilidade do empresário individual, embora não tenha criado, na esteira da legislação alemã, a figura da sociedade unipessoal. Tal fenômeno explica-se pela própria forma como a legislação e a doutrina brasileiras abordam a figura da sociedade.

De fato, o conceito de sociedade é delineado pelo art. 981 do Código Civil:

“Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.

Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados.”

Veja-se que o dispositivo é expresso ao referir-se a “pessoas” que obrigam “reciprocamente”, o que, por óbvio, afasta a possibilidade de admissão da sociedade unipessoal. Ademais, a própria doutrina coloca o contrato social como contrato plurilateral, na esteira da lição de TullioAscarelli[7][8], o que acaba por inviabilizar a classificação da EIRELI como sociedade unipessoal.

Não obstante o exposto, cumpre-nos ressaltar que o Brasil não foi o único país por optar pela forma não societária de limitação da responsabilidade do empresário individual. França e Portugal também o fizeram, embora a primeira tenha afastado, inclusive, o reconhecimento de personalidade jurídica às empresas individuais e a segunda criado a figura do estabelecimento comercial com patrimônio separado, também sem personalidade jurídica[9].

Aponte-se, por fim, que a adoção de forma não societária implica na impossibilidade de venda parcial da empresa sem sua prévia transformação em sociedade, além de criar problemas em razão da limitação parcial de responsabilidade[10].

2. Requisitos para instituição da EIRELI

Da análise do art. 980-A do código Civil, na redação dada pela Lei n.º 12.441/2011 verifica-se que são requisitos para a instituição da EIRELI:

“I. Integralização do capital social no momento da constituição;

II. Capital social mínimo de cem salários mínimos;

III. Tratando-se de titular pessoa natural, somente poderá figurar em uma empresa desta modalidade” (art. 980-A, § 2º)

De início, insta-nos noticiar o equívoco técnico em que incorreu o legislador ao mencionar, na EIRELI, a figura do capital social. Isto porque a expressão “capital social” decorre da soma das contribuições que os sócios transmitem para a sociedade para que esta atinja seu fim social[11], o que não existe nesta espécie jurídica, que não constitui sociedade e, em conseqüência, não existe a figura dos sócios.

No mais, o capital social mínimo exigido como garantia para aqueles que contratam com a empresa individual pode resultar, caso não comprovada sua integralização, em futuras contendas judiciais, com a possibilidade de agressão do patrimônio particular do empresário individual em razão da figura da subcapitalização. Para evitar tal situação, cumpre ao empresário individual, por ocasião da instituição da EIRELI, demonstrar a efetiva integralização mínima do capital social, seja mediante depósito da quantia em instituição financeira, seja mediante a apresentação de laudo de avaliação dos bens dados em conferência[12].

Questão capciosa diz respeito à possibilidade de pessoas jurídicas instituírem EIRELI. Embora o cotejo da redação do art. 980-A, caput, e § 2º, da Lei n.º 12.441/2011, permita concluir pela possibilidade – entendimento do qual pessoalmente compartilhamos -, o Departamento Nacional do Registro do Comércio (DNRC) limitou a instituição somente às pessoas naturais[13], restrição esta que tem gerado candentes controvérsias. Posiciona-se pela possibilidade de instituição de EIRELI por pessoas jurídicas o Prof.º Armando Luiz Rovai; contra, o Prof.º Manoel de Queiroz Pereira Calças[14].

3. Nome Empresarial

Poderão ser adotas firma ou denominação social (art. 1.155 e ss., Código Civil), obrigatoriamente acompanhadas da expressão EIRELI[15], cuja ausência implicará na responsabilidade ilimitada do empresário individual.

O registro, a seu turno, deverá ser feito perante o Registro Público de Empresas Mercantis ou, tratando-se de EIRELI destinada à exploração de atividade intelectual, artística, científica ou literária, junto ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas (art. 966, parágrafo único, Código Civil). Tratando-se de empresário individual rural, facultar-se-á a ele inscrever-se em qualquer dos registros (art. 971, CC).

Registre-se, por oportuno, a lembrança feita pelo Prof.º Manoel de Queiroz Pereira Calças, no sentido de que é equívoca a referência a “firma social” e “denominação social”, pois não existe, na hipótese, sociedade[16].

4. Livros Obrigatórios e Administração

No que tange à escrituração dos livros obrigatórios, a EIRELI está adstrita, apenas e tão somente, ao Diário (art. 1.180, CC). Tratando-se de EIRELI optante pelo Simples Nacional, ficará também obrigada ao registro do Livro Caixa (art. 26, § 2º, LC n.º 123/2006).

A administração, por outro lado, poderá ser exercida pelo próprio empresário individual ou terceiro, “sendo evidente que pessoa jurídica não pode ser nomeada para administrar a empresa individual de responsabilidade limitada (art. 997, VI, CC)”[17].

Conclusão

A importante inovação trazida pela Lei n.º 12.441/2011 implicará na atribuição de maior segurança jurídica aos empresários individuais, que somente verão seu patrimônio pessoal arrecadado em decorrência da atividade empresarial naquelas hipóteses em que permitida a desconsideração da personalidade jurídica.

A divergência acerca da admissão, ou não, de pessoas jurídicas instituírem EIRELI deverá ser solucionada brevemente pela jurisprudência, observando-se que, por ora, não se encontrou nenhum julgado dos Tribunais sobre a matéria.

Espera-se que, com isso, o Brasil estimule o desenvolvimento da empresa nacional, criando marcos regulatórios que propiciem a segurança jurídica imprescindível ao desenvolvimentos dos negócios.

 

Referências
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial – Direito de Empresa – Sociedades. Vol. 2. 15ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
PEREIRA CALÇAS, Manoel de Queiroz. Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI. Revista Fórum Jurídico, São Paulo, Edição 1, Ano 1, Março de 2.012.
SALOMÃO FILHO, Calixto. O Novo Direito Societário. 4ª ed., rev. e amp. São Paulo: Malheiros, 2011.
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de Direito Comercial. Vol. 2. São Paulo: Malheiros, 2010.
Notas:
[1]http://www.industriatempressa.com.br/flip/micro_pequena_empresa/#/2/
[2]http://www.sebrae.com.br/uf/goias/indicadores-das-mpe/numero-de-empresas
[3] PEREIRA CALÇAS, Manoel de Queiroz. Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI. Revista Fórum Jurídico, São Paulo, Edição 1, Ano 1, Março de 2.012.
[4] SALOMÃO FILHO, Calixto. O Novo Direito Societário. 4ª ed., rev. e amp. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 203 e seguintes.
[5] Idem, p. 204.
[6] Ibidem, p. 211.
[7] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial – Direito de Empresa – Sociedades. Vol. 2. 15ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 408/409.
[8] VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de Direito Comercial. Vol. 2. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 40.
[9] SALOMÃO FILHO, Calixto. Ob. Cit., p. 219/221.
[10] Idem, p. 225/226.
[11] PEREIRA CALÇAS, Manoel de Queiroz. Ob. Cit., p. 63.
[12] Idem, p. 64.
[13] Instrução Normativa DNRC n.º 117/2011.
[14] PEREIRA CALÇAS, Manoel de Queiroz. Ob. Cit., p. 64.
[15] Instrução Normativa DNRC n.º 116/2011.
[16] PEREIRA CALÇAS, Manoel de Queiroz. Ob. Cit., p. 65.
[17] Idem, p. 65.

Informações Sobre o Autor

Pablo Francisco dos Santos

Procurador do Estado de São Paulo. Professor de Direito Societário na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestrando em Direito Comercial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo


Equipe Âmbito Jurídico

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