Enfrentamento do direito ao esquecimento e as redes sociais

Resumo: O presente resumo, em lacônia e introdutória pesquisa, busca expor brevemente ponderações acerca do chamado Direito ao Esquecimento. Analisar-se-à em poucas linhas seu contexto histórico – internacionalmente e no Brasil –, sincronicamente com a observação de casos concretos, e a jurisprudência, que envolveram o referido direito. O tema, concatenado com demais direitos, como à personalidade, à privacidade e à liberdade, refuta-se quanto a outros, como à liberdade de informação e de imprensa. A fim de que se aprofunde a reflexão sobre o assunto – distante de findar as discussões acerca de tal -, salienta-se os avanços tecnológicos, sobretudo do imediatismo a da publicidade de informações na internet e em suas redes sociais e a conseqüente afetação na dignidade da pessoa humana.

Palavras-chave: Direito ao esquecimento. Dignidade da pessoa humana. Direitos fundamentais. Internet. Liberdade.

Sumário: 1.Introdução; 2.Aspectos Gerais; 3.Conclusão.

INTRODUÇÃO

O mundo globalizou e a sociedade virtualizou. Os aparelhos eletrônicos cada dia mais aprimorados permitem às pessoas uma incessante e crescente interação entre elas. A disseminação do acesso à internet assegurou uma ingênua excitação de mero exibicionismo atentado em todas as idades. Desde compartilhamento de fotos, vídeos, encontros marcados, até o desassossego pelas informações e noticiais locais/mundiais em um clique. É racionalmente mais preciso dizer que vivemos online em um mundo virtual, e, de vez em quando, aterrisamos no mundo real, ainda que as atitudes e comportamentos humanos – sociais e culturais – sejam influenciados pelo ambiente virtual.

No viés da globalização, conforme Santos:

“Estamos diante de um novo “encantamento do mundo”, no qual o discurso e

a retórica são o princípio e o fim. Esse imperativo e essa onipresença da

informação são insidiosos, já que a informação atual tem dois rostos, um pelo qual ela busca instruir, e um outro, pelo qual ela busca convencer” (SANTOS, 2009, p. 39).

Perante inúmeros direitos conquistados, historicamente e culturalmente, nos dias atuais certifica-se uma demanda consideravelmente discutida a qual diz respeito aos meios de tecnologia e sua evolução. Meios estes que se exteriorizam, muitas vezes, de forma lesiva.

É concludente que o fácil acesso e a clareza na comunicação privilegiam a sociedade, em âmbito mundial, tendo em vista a consequente supressão de desventuras – como a ausência de informações, transparência dos entes estatais, liberdade de expressão, educação, entretenimento e outros -.

Deveras, o presente estudo se orienta acerca do fenômeno contemporâneo nomeado de sociedade de informação. Nesse viés, o superinformacionismo se contextualiza a situação atual assistida na sociedade, nem sempre com caráter positivo, considerando que a “pesquisa” na internet, por muitas vezes, enseja revelações e vulgarizações excessivas. Disso, surgem ainda fatores preocupantes advindos do avanço tecnológico quando se pensa na velocidade de disseminação das informações e a tendência ao armazenamento destas.

É fato que atualmente as pessoas estão submersas na internet e, principalmente, nas redes sociais, – indiscutivelmente consideradas como principal mecanismo de conquista das funcionalidades da internet -. Ademais, não se olvida dizer que o propósito das redes sociais é justamente o compartilhamento de informações – dados pessoais, fotos, vídeos, ideologias, montagens -, de maneira ampla e veloz. Dessa forma, os provedores de internet e serviços ficaram condicionados ao interesse social e consequentemente passaram a defrontar com as informações de seus usuários, assim, necessária foi a adaptação aos inúmeros compartilhamentos e o arquivamento de todos esses, culminando em uma “eternização digital”, suscetível de recuperação e lembrança a qualquer instante.

Ainda nesse viés, surge como resguardo à memória individual – a qual é garantida através do direito da personalidade – o direito ao esquecimento, ou seja, uma proteção de que fatos passados, ocorridos na vida de certo indivíduo, não sejam relembrados e vivenciados novamente por ele, por seus familiares, predispondo a novos transtornos e sofrimentos psicológicos – . Remonta ao mero “direito de ser deixado em paz” ou “direito de estar só”, refletindo ao abandono do direito ao passado.

ASPECTOS GERAIS

A crise política e econômica, os desdobramentos da Operação Lava Jato, a descoberta do poliamor, a união estável homoafetiva, a Reforma Trabalhista e a Previdenciária, as eleições americanas, a Guerra na Síria, o drama dos refugiados, as ameaças terroristas do Estado Islâmico, Furacão Irma… opulento trânsito de informações diante um clima de transformação universal e de espionagem global. Época em que as relações interpessoais presenciais deram lugar às redes sociais e aos contatos virtuais, ainda que omitindo barreiras e defrontando o politicamente correto.

Em um contexto histórico, o direito ao esquecimento tem sua origem na Alemanha, através do “caso Lebach”, o qual fora julgado pelo Tribunal Constitucional Alemão. Caso este que iniciou com um pedido de liminar interposto por um dos indivíduos envolvido no “assassinato dos soldados Lebach”, quando teve conhecimento de que um filme seria transmitido acerca do fato ocorrido e que isso iria lacerar seus direitos além de prejudicar sua ressocialização. A princípio o referido pedido não foi acolhido com justificativa de que o fato abarca história recente do país e, relatando os fatos da forma que pontualmente ocorreram, de nada careceria o impedimento do filme ir ao público. Todavia, em sede de recurso, a Corte Constitucional deliberou sobre a proibição da divulgação da obra.

Na Espanha, em 2010, outro caso foi analisado pelo concernente Tribunal, sendo iniciado com a queixa do cidadão Mario Costeja González contra a empresa Google. De forma sintetizada: em 1998 o jornal La Vanguardia publicou um anúncio de leilão que ocorreria para o pagamento de dívidas à Previdência Social Espanhola; neste, o indivíduo acima citado – figurando também como um dos devedores da referida Instituição – teve seu apartamento levado à hasta pública. Pois bem, encerrado o caso, o nome de Mario sucedeu como inadimplente – sendo que já não mais existia a dívida – na digitalização do Jornal no ano de 2008. Após queixa perante a Agência Espanhola de Proteção de Dados, a Google, ainda que solicitada, negou a retirar as correspondências a respeito. Após delongas, o Tribunal de Justiça da União Europeia enfatizou que o direito à vida privada e à proteção de dados pessoais prepondera sobre os interesses meramente econômicos do provedor de buscas da internet e também sobre o interesse público em acessar as informações reclamadas, esclarecendo uma inevitabilidade da ponderação acerca dos direitos envolvidos na decisão. Ou seja, reconhecido o direito ao esquecimento in casu.

O direito ao esquecimento, de forma simplória, diz-se ser prerrogativa do indivíduo a fim de que fique livre de lembranças de acontecimentos passados. Para Ferreira, o referido direito se configura como um:

“[…] elemento dos multifacetários direitos da personalidade, funciona como um tipo de isolamento direcionado à informação intertemporal. Não se trata exatamente de um direito de estar só, mas de estar só sem ser obrigado a conviver com pedaços do passado trazidos inadvertidamente por atores sociais interessados apenas na exploração de fatos depositados no fundo do lago do tempo, sem que haja qualquer interesse público na busca de tais recortes da história”. (FERREIRA, 2013).

Já para René Ariel Dotti:

“O direito ao esquecimento consiste na faculdade de a pessoa não ser molestada por atos ou fatos do passado que não tenham legítimo interesse público. Trata-se do reconhecimento jurídico à proteção da vida pretérita, proibindo-se a revelação do nome, da imagem e de outros dados referentes à personalidade” (1998, p. 300)

O supracitado direito, em si, não é um tema recente. Desde outrora esse vem sendo discutido, mormente nos Estados Unidos da América e na Europa, como pode ser observado na menção da importante decisão – de 1983 – do Tribunal de ultima instância de Paris, a qual, sobre ele, endossa que:

“[…] qualquer pessoa que se tenha envolvido em acontecimentos públicos pode, com o passar do tempo, reivindicar o direito ao esquecimento; a lembrança destes acontecimentos e do papel que ela possa ter desempenhado é ilegítima se não for fundada nas necessidades da história ou se for de natureza a ferir sua sensibilidade; visto que o direito ao esquecimento, que se impõe a todos, inclusive aos jornalistas, deve igualmente beneficiar a todos, inclusive aos condenados que pagaram sua dívida para com a sociedade e tentam reinserir-se nela”. (Fraçois Ost, 2005, p. 161).

Seria utópico almejar a possibilidade das pessoas terem a faculdade de excluir suas informações – quando ausentes motivos legítimos e justificáveis de sua manutenção – com intuito de evitar o alcance de terceiros e um eventual abuso a partir de tal situação? Estaria o direito ao esquecimento versando sobre um “subdireito” que carece de que o titular dos dados pessoais possua autonomia no que se refere ao rumo das informações a ele relacionadas e já veiculadas na internet?

Desvendando, mesmo que parcialmente a indagação acima, Raimundo perfaz que:

“[…] na sua faceta estreitamente ligada à proteção de dados pessoais dos utilizadores na Internet, que aqui nos ocupa, é um direito moldado à imagem das novas tecnologias, procurando impor-se como um travão à coleta e processamento desenfreados de dados pessoais, ainda que fornecidos pelos próprios titulares, um problema que atingiu uma dimensão sem precedentes nesta era digital” (RAIMUNDO, 2012).

O assunto em análise entrou na pauta jurisdicional com mais tenacidade a partir da edição do Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal, a qual elenca como um dos direitos da personalidade o de ser esquecido, mais precisamente, a questão acolhida é de que ninguém é obrigado a conviver com o passado e, então, com os erros pretéritos.

O Conselho de Justiça Federal assentou da seguinte forma:

“ENUNCIADO 531 – A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento. Artigo: 11 do Código Civil.

Justificativa: Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados.”

Uma análise jurisprudencial do direito ao esquecimento no Brasil, este bateu às portas do Superior Tribunal de Justiça no ano de 2013, quando foi apreciado pela 4ª Turma o REsp 1335153/RJ do caso criminal ocorrido em meados da década de 50 envolvendo Aída Curi (caso de repercussão geral com decisão ainda não instruída pelo STF devido a ausência de disciplina jurídica e o aumento dos casos envolvendo o reconhecimento, ou não, do estudado direito); e também o famoso caso da Chacina da Candelária (REsp 1334097/RJ), sendo abarcado o direito ao esquecimento, porém a empresa recorreu ao STF. Ademais, a apresentadora Xuxa, em ação movida contra a Google pedindo pela retirada de seu nome no sistema de buscas cujos resultados se relacionavam às expressões “Xuxa pedófila”, o direito ao esquecimento foi negado, findando tal discussão que não levara para a Suprema Corte.

A ministra do STF Carmen Lúcia no cerne da discussão em busca do equilíbrio entre a preservação da liberdade individual e a liberdade de informação, expõe que para a psicologia bem como para a democracia atual, ao considerarmos uma sociedade, em que tempos antes era baseada no “é preciso esquecer”, hoje estamos em tempos que “é preciso lembrar”.  Nessa tendência, Carmen Lucia já pronunciou que "Temos a oportunidade de discutir o que é a memória de alguém que precisa ser resguardada e que não pode ser discutida. E o que não pode ser guardado porque não constitui memória individual, mas memória coletiva".

Pois bem, o direito ao esquecimento possui principal fundamento na dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III da CF), ou seja, respaldo legal e, sobretudo, constitucional, razão de ser produto de direitos, como à vida, à privacidade, à intimidade e à honra – previstos no art. 5º, inciso X da CF – , ademais, tutela o respeito à integridade física e psíquica das pessoas. Com isso, o direito ao esquecimento é, por certo, um direito materialmente constitucional.

Mesmo que exordial e subjacente no ordenamento jurídico brasileiro, é possível atestar que o direito ao esquecimento é advindo dos direitos fundamentais da personalidade, todavia, devem, incessantemente – até que prove o contrário – ser analisado em ponderação com demais direitos, também fundamentais, como o de informação. A respeito, acrescenta Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald que:

“Em casos tais (colisão de direitos da personalidade e liberdade de imprensa), é certa e incontroversa a inexistência de qualquer hierarquia, merecendo, ambas as figuras, uma proteção constitucional, como direito fundamental. Impõe-se, então, o uso da técnica de ponderação dos interesses, buscando averiguar, no caso concreto qual o interesse que sobrepuja, na proteção da dignidade humana. Impõe-se investigar qual o direito que possui maior amplitude casuisticamente.” (FARIAS; ROSENVALDO, 2011).

Algumas indagações decorrem: como e por quem serão definidos os fatos que possuem relevância histórica? Como determinar os elementos alvos de certa restrição? Como requerer a retirada de determinado conteúdo fundamentando no direito ao esquecimento? Quem irá retirar? Em meio a redes sociais mundialmente acessadas e à internet conectada globalmente, seria eficaz uma sentença determinando a remoção de dados baseada no direito ao esquecimento?

Tais questionamentos não terão respostas ideais caso sejam findados nos tempos atuais. Considera-se natural choques de interesses – ainda que angustiantes e inquietantes – entre diversas pessoas conviventes em um mesmo grupo social. Disso reflete Barroso (2011, p. 329) que “A complexidade e o pluralismo das sociedades modernas levaram ao abrigo da Constituição valores, interesses e direitos variados, que eventualmente entram em choque”. Nesse cenário, é de suma importância uma interpretação hermenêutica compatível para esclarecer, corretamente, a aplicação do direito ao caso concreto.

CONCLUSÃO

Na ingênua análise do tema em questão, é possível firmemente afirmar que a internet e suas redes sociais transpuseram-se como dispositivo de estímulo e impulso virtual, visto que fatos verídicos e farsas são arquitetados a todo tempo, à volta de uma máquina. Mentes sociais camufladas e com inúmeras facetas são formadas diante o empoderamento originado pelos perfis virtuais.   

Pelo exposto, o presente estudo mostra-se instigante e ao mesmo tempo sensível diante um período da sociedade da hiperinformação e, não deixando de considerar o recente processo de democratização – em meio a um Estado Democrático de Direito – que motiva pilares como o amplo acesso à informação e a liberdade de expressão, sobretudo a dignidade da pessoa humana que designa tutelar todos os demais direitos individuais e sociais inerentes ao homem. Cabe ressaltar que, com apenas um “clique” no Google, uma pessoa pode reviver todas as mazelas por ela sofridas e até então que estavam esquecidas pela sociedade, reaquecendo os amargos já superados.

Por fim, devido à circunstância de que o direito ao esquecimento pode ser aplicado na esfera civil quanto na penal, deve-se levar em conta que o mesmo poderá colidir com profusas personalidades – públicas, políticas, anônimas e outras -, valendo-se assim, de uma ponderação de valores e contextos do caso concreto.

 

Referências
DOTTI, René Ariel. O direito ao esquecimento e a proteção do habeas data. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Habeas Data. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 300
FARIAS, Cristiano Chaves. Direito Civil Teoria Geral. 8 ed. 2ª tiragem, Rio de Janeiro, 2010, p.125-126.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Teoria geral. 9 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
RAIMUNDO, João Pedro Sargaço Dias. Uma nova frente da proteção de dados pessoais: a (im)possibilidade de assegurar um eventual direito ao esquecimento. Dissertação de Mestrado em Direito. Faculdade de Direito. Universidade do Porto. Disponível em: <https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/75966/2/24685.pdf>. Acesso em: 07 set. 2017.
SANTOS, José Eduardo Lourenço dos. A discriminação racial na internet e o direito penal: o preconceito sob a ótica criminal e a legitimidade da incriminação. Curitiba: Juruá, 2014.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 4. ed. Rio de Janeiro: Record, 2009.
SOPRANA, Paula. Temos direito ao esquecimento? Como o julgamento em torno de um crime de 1958 pode impactar a forma que os cidadãos são expostos (e lembrados) na rede. Disponível em: <http://epoca.globo.com/tecnologia/experiencias-digitais/noticia/2017/08/temos-direito-ao-esquecimento.html> . Acesso em 09 de set. de 2017.

Informações Sobre os Autores

Bruna Nascimento Machado

Acadêmica de Direito na Universidade do Estado de Minas Gerais – Unidade Frutal

Fábio Ruz Borges

Mestrando em Direito pelo Centro Universitário Eurípides de Marília – UNIVEM; Especialista em Criminologia pela Faculdade Anhanguera-UNIDERP; Graduado em Direito pela Universidade Fundação Educacional de Barretos – UNIFEB; Delegado de Polícia


Equipe Âmbito Jurídico

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