Aluizio Jefferson Dias Monteiro[1]
Resumo: O presente artigo científico visa a exposição de seis promessas que, conforme o autor em análise, não foram cumpridas pelo projeto de democracia atual. Não obstante, este trabalho se preocupa em apresentar o primeiro capítulo da obra de Norberto Bobbio, O futuro da democracia. Visando, dentro das vertentes do Direito Constitucional em conjunto com a Ciência Política, abordar a relevância do questionamento empírico se há no Brasil uma democracia ideal. Realizar uma compreensão acerca do tema é, acima de tudo crucial para o aprimoramento da cidadania no Brasil, bem como entender as razões pelas quais passamos por turbulentos momentos políticos-social. Na esperança de pôr em xeque uma análise crítica sobre o assunto, apresentamos Norberto Bobbio e sua visão sobre o futuro da democracia, apresentando para tal sua teoria, conceitual e convenientemente adequada à situação do País Brasil, o Estado Democrático de Direito constituído pela República Federativa do Brasil, de bandeira verde e amarelo, mas também azul e branco.
Palavra-chave: democracia.
Abstract: The present scientific article aims to the exposure of six promises that, as the author under review, was not fulfilled for the democracy project current. Notwithstanding, this work is concerned in submit the chapter first of Norberto Bobbio’s works, O futuro da democracia. Aiming, within the aspects of Constitutional Law together with Political Science, to address the relevance of empirical questioning if there is an ideal democracy in Brazil. Realizing an understanding of the subject is, above all, crucial for the improvement of citizenship in Brazil, as well as understanding the reasons why we are going through turbulent political-social moments. In the hope of calling into question a critical analysis on the subject, we present Norberto Bobbio and his vision on the future of democracy, presenting for this his theory, conceptually and conveniently adequate to the situation of Brazil, the Democratic State of Law constituted by the Federative Republic of Brazil, with a green and yellow flag, but also blue and white.
Key-word: democracy.
Sumário: Introdução. 1. Sociedade pluralista. 2. Sociedade pluralista. 3. A revanche de interesses. 4. A derrota do poder oligárquico. 5. O espaço limitado. 6. A eliminação do poder invisível. 7. O cidadão não educado. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
No expoente popular, democracia é sinônimo de exercício cidadão de certos direitos, dentre os quais se firmam o direito civil, social e político. Para parcela fundada em estudo, democracia é forma de poder que, no exercício do direito político, leva às urnas a massa populacional com legítimo pleito, sendo a contraposição ao governo autocrático que personaliza as ações institucionais do estado dando vás aos interesses pessoais de seu governante, com a finalidade de legitimar quem irá tomar decisões e procedimentos em nome do povo por ato legítimo de representação em escrutínio.
Entretanto, como todo tipo de sistema necessita atualizar seu projeto inicial, o sistema democrático, uma vez estabelecido, não cumpriu as metas estabelecidas outrora, conforme percebido por análise de Norberto Bobbio em O futuro da democracia. Por esta razão, este trabalho se assenta na obra do referido autor, buscando expor de maneira e forma concisa o entendimento de Bobbio.
A obra O futuro da democracia faz perceber a extensão do que de fato vem a ser um estado democrático, um sistema político democrático, bem como o que vem a ser um governo/estado cidadão. Para ele, observando o exercício do direito político nas decisões tomadas pelos eleitos de certo grupo social:
“Não bastam nem a atribuição a um elevado número de cidadãos do direito de participar direta ou indiretamente da tomada de decisões coletivas, nem a existência de regras de procedimento como a maioria (ou, no limite, da unanimidade). É indispensável uma terceira condição: é preciso que aqueles que são chamados a decidir ou a eleger os que deverão decidir sejam colocados diante de alternativas reais e postos em condição de poder escolher uma e outra. Para que se realize esta condição é necessário que aos chamados a decidir sejam garantidos os assim denominados direitos de liberdade, de opinião, de expressão das próprias opiniões, de reunião, de associação, etc.” (BOBBIO, 2000, p. 32).
Para o referido autor, esses direitos que devem ser garantidos são a base de onde nasceu o Estado liberal, e onde foi construída a doutrina do Estado de direito em sentido forte, isto é, do Estado que não apenas exerce o poder sub lege, mas o exerce dentro dos limites derivados do reconhecimento constitucional dos direitos “invioláveis” do cidadão. (BOBBIO, 2000 p. 32).
Nessa toada, segue-se o entendimento que, independentemente do seguimento filosófico desses direitos, todos eles formam a necessária adequação para o funcionamento correto dos mecanismos procedimentais que englobam as características de um regime democrático.
Convém anotarmos que o Estado liberal, nessas características de cunho não apenas histórico, mas também jurídico, é a raiz do que hoje temos por Estado democrático de direito, conforme salienta Bobbio:
“Estado liberal e Estado democrático são interdependentes em dois modos: na direção que vai do liberalismo à democracia, no sentido de que são necessárias certas liberdades para o exercício correto do poder democrático, e na direção oposta que vai da democracia para garantir a existência e a persistência das liberdades fundamentais.” (BOBBIO, 2000, ps. 32-33).
Comenta-se, não é possível a indivisibilidade de estudo sobre democracia sem atentar ao fato de que um Estado não liberal não pode fazer valer o funcionamento de uma democracia[2].
Discorrendo o feito democrático, Bobbio, tratando das transformações da democracia, faz relevantes seis promessas que não foram cumpridas na desenvoltura do projeto democrático atual, e que com isto tornaram a democracia em uma “matéria bruta”, e é exatamente sobre essa “matéria bruta” e não do que foi concebido como “nobre e elevado” que devemos falar; em outras palavras, devemos examinar o contraste entre o que foi prometido e o que foi efetivamente realizado, (BOBBIO, 2000, p.34).
A primeira promessa não cumprida, na visão de Bobbio, diz respeito ao nascimento de uma sociedade pluralista – distribuição do poder – que se caracteriza por uma variação de grupos, em um campo abrangente de interesses, o que em muito difere de um tipo ideal de sociedade democrática pois, Bobbio afirma ter a democracia nascido de uma concepção individual de sociedade; diz que a democracia nasceu de uma concepção individualista da sociedade, isto é, da concepção para qual a sociedade, qualquer forma de sociedade, e especialmente a sociedade política, é um produto artificial da vontade de indivíduos”. (BOBBIO, 2000, p. 34).
Nesse posicionamento, Chauí (2013, p. 348 e 349) leciona que o que define a sociedade democrática, sendo o cerne de uma democracia, é a criação e garantia de direitos, e afirma que as ideias de igualdade e liberdade como direitos civis dos cidadãos vão muito além de sua regulamentação jurídica formal pelo Estado. Significa que os cidadãos são sujeitos de direitos e que, onde tais direitos não existam nem estejam garantidos, deve-se lutar por eles e exigi-los, sendo, portanto, esses direitos universais e válidos para todos os membros de uma sociedade, opondo-se ao privilégio possuído apenas por alguns com exclusão de todos os outros.
O que Bobbio chama de uma sociedade política é aquela imaginada pela doutrina democrática como um Estado sem corpos intermediários, pois haveria uma sociedade una de indivíduos soberanos reunidos em acordo para eleger seus representantes, e não uma sociedade de indivíduos singular, o que segundo ele é desprezado por autores clássicos como Rousseau. Nesse seguimento, Bobbio declara ter acontecido o oposto na atual democracia, que chama de democracia real. Cita-se:
“O que aconteceu nos Estados democráticos foi exatamente o oposto: sujeitos politicamente relevantes tornaram-se sempre mais os grupos, grandes organizações, associações da mais diversa natureza, sindicatos das mais diversas profissões, partidos das mais diversas ideologias, e sempre menos os indivíduos. Os grupos e não os indivíduos são os protagonistas da vida política numa sociedade democrática, na qual não existe mais um soberano, o povo ou a nação, composto por indivíduos que adquiriram o direito de participar direta ou indiretamente do governo, na qual não existe mais o povo como unidade ideal, mas apenas o povo dividido de fato em grupos contrapostos e concorrentes, com sua relativa autonomia diante do governo central (autonomia que os indivíduos singulares perderam ou só tiveram num modelo ideal de governo democrático sempre desmentido pelos fatos).”. (BOBBIO, 2000, p. 35)
A democracia atual esqueceu a unidade das decisões, onde cada decisão tomada é para favorecer um denominado grupo, e não a nação ou o povo como um todo, como sendo o legítimo soberano que apenas uniformiza o seu cunho decisório em um único poder central, e isso não justifica o fato notável das separações de ideias de quem representa o povo. É possível perceber que no Brasil, as várias espécies de bancadas presentes no Congresso Nacional já justificam isso, mesmo sendo formada por natos brasileiros, a força econômica presente nestes grupos impede que certas decisões sejam em prol da nação abrangendo sua totalidade[3]. Nesse feito, Bobbio esclarece que o tipo ideal de sociedade democrática é aquela que se caracteriza por força centrípeta, declarando:
“O modelo ideal da sociedade democrática era aquele de uma sociedade centrípeta. A realidade que temos diante dos olhos é a de uma sociedade centrífuga, que não tem apenas um centro de poder (a vontade geral de Rousseau) mais muitos, merecendo por isto o nome, sobre o qual concordam os estudiosos da política, de sociedade policêntrica ou poliárquica (ou ainda, com uma expressão mais forte mas não de tudo incorreta, policrática). O modelo do Estado democrático fundado na soberania popular, idealizado à imagem e semelhança da soberania do príncipe, era o modelo de uma sociedade monística. A sociedade real, subjacente aos governos democráticos, é pluralista.”. (BOBBIO, 2000, p. 36)
Utilizando a obra de Chauí (CHAUI, 2013, p. 350), complementa-se a posição tomada por Bobbio, pois declara que se diz que uma sociedade – e não um simples regime de governo – é democrática quando, além de eleições, partidos políticos, divisão dos três poderes da república, respeito à vontade da maioria e das minorias, institui algo mais profundo, o que é condição do próprio regime político: os direitos.
Seguindo o supramencionado esclarecimento, outra promessa não cumprida pela democracia atual é consequência da sociedade pluralista existente, tal promessa é vista por Bobbio como a revanche de interesses. Nesse quadro, o que se observa é uma defesa pessoal de interesses que por consequência, afeta a unicidade das decisões, a soberania popular, e o sistema democrático que é justamente o exercício do poder soberano do povo representado por alguém, que não é único, eleito pelo povo. Esta afirmação segue veracidade quando se observa o que Bobbio diz:
“A democracia moderna, nascida como democracia representativa em contraposição à democracia dos antigos, deveria ser caracterizada pela representação política, isto é, por uma forma de representação na qual o representante, sendo chamado a perseguir os interesses da nação, não pode estar sujeito a um mandato vinculado. O princípio sobre o qual se funda a representação política é a antítese exata do princípio sobre o qual se funda a representação dos interesses, no qual o representante, devendo perseguir os interesses particulares do representando, está sujeito a um mandato vinculado”. (BOBBIO, 2000, p. 36).
Na medida do cabível, gostaríamos de usar o que Bobbio chama de mandato vinculado para justificar fiel a afirmação sobre a existência de bancadas dentro do Congresso Nacional, pois, para fins de esclarecimentos, mandato vinculado é a ligação de um representante legítimo do povo com algo inverso ao interesse do povo, dizemos assim que, dentro do contexto trazido por Norberto Bobbio, o qual declara ter sempre um mandato imperativo quem representa interesses particulares (BOBBIO, 2013, p. 37), que o Estado goza de conteúdo uno, ou seja, o interesse coletivo, e ainda conforme Durkheim:
“Como é necessário haver uma palavra para designar o grupo especial de funcionários e encarregados de representar essa autoridade [a “autoridade soberana” a cuja ação os indivíduos estão submetidos], conviremos em reservar para esse uso a palavra Estado. Sem dúvida é muito frequente chamar-se de Estado não o órgão governamental, mas a sociedade política em seu conjunto, o povo governado e seu governo juntos, e nós mesmos empregamos a palavra nesse sentido. […] Eis o que define o Estado. É um grupo de funcionários sui generis, no seio do qual se elaboram representações e volições que envolvem a coletividade, embora não sejam obra da coletividade. Não é correto dizer que o Estado encarna a consciência coletiva, pois esta o transborda por todos os lados. É em grande parte difusa; cada instante há uma infinidade de sentimentos sociais, de estados sociais de todo o tipo de que o Estado só percebe o eco enfraquecido. Ele só é a sede uma consciência especial, restrita, porém mais elevada, mais clara, que tem de si mesma um sentimento mais vivo.” (DURKHEIM, 2002, p. 67 e 70,).
Complementamos com a afirmativa de Durkheim, que tal sentimento mais vivo por parte do Estado deve ser, apenas, o sentimento democrático, o qual alavanca o interesse coletivo.
A terceira promessa considerada por Bobbio não cumprida é a derrota do poder oligárquico; promessa que segundo Bobbio (2000, p. 38) é um tema por demais examinado e pouco controverso. Ao se debruçar no esclarecimento desse tópico, Bobbio faz menção ao princípio da liberdade como autonomia, sendo o princípio inspirador, que condiz com a capacidade de dar lei a si própria, conforme entendimento de Rousseau mencionado por Bobbio. É indiscutível não trazer a este texto tal princípio, pois a consequência de autonomia legal causada por ele torna perfeita a identificação entre quem dá e quem recebe uma regra de conduta e, portanto, a eliminação da tradicional distinção entre governados e governantes (BOBBIO, 2000, p. 38), sendo a democracia a única forma política que considera o conflito legítimo e legal, permitindo que ele seja trabalhado politicamente pela própria sociedade (CHAUI, 2103, p. 349)
A presença de elites dentro do sistema governamental é o que vem a ser debatido. Parafraseando Joseph Schumpeter, Bobbio diz ter ele – Schumpeter – acertado quando fez sustentar que a característica de um governo democrático não é a ausência de elites, mas a presença de muitas elites em concorrência entre si para a conquista do voto popular (BOBBIO, 2000, p. 39).
Muito parece ser essas elites sustentadas por presentes no sistema atual, os demasiados partidos políticos; quebram a soberania popular ao eleger ou reeleger quem não recebeu o voto popular diretamente do eleitorado, mas que por força de quantidade de votos de um ou outro candidato barganhado pelo povo, exercerá o direito de se chamar titular legítimo em representação do povo; é bem sabido que na verdade o que irá ser representado por eles são apenas os interesses partidários intencionais de quem os colocou ali, e não os interesses do povo.
Nada mais ameaça matar a democracia que o excesso de democracia, afirma Bobbio (BOBBIO, 2000, p. 39).
Nesse sentido, a falha da democracia se assenta na incapacidade de derrotar a oligarquia presente em seu sistema. Com isso, ela é incapaz de ocupar por completo os espaços nos quais é exercido um poder onde se toma decisões vinculatórias para um inteiro grupo social, conforme Bobbio (2000, p.40). Sabe-se que o sistema democrático nasceu para fomentar a legitimidade de um governo, e assim controlar as decisões tomadas por tal governo eleito; dessa feita, os integrantes deste país atingindo certa idade existencial passam a carregar o nobre título de cidadão e iniciam o exercício com gozo do direito ao sufrágio universal, pois observa-se que democraticamente, não há o que se falar sobre a multiplicidade de papéis, como descreve Bobbio, específicos de fiel de uma igreja, de trabalhador, de estudante, de soldado, de consumidor, de doente, etc. (BOBBIO, 2000, p. 40), já que a democracia atual também pode ser conceituada por um sistema igualitário de ordens jurídicas, e consequente o dever legal de as cumprir.
Assim como todo projeto de natureza pública ou não, espera-se um desenvolvimento de qualidade, pois é depositada lá uma confiabilidade extrema, uma atenciosa dedicação afim de que se obtenha o resultado esperado. O espaço limitado norteia a qualidade de onde o povo, em democracia, exerce o direito de sufrágio. Bobbio declara que:
“Quando se deseja saber se houve um desenvolvimento da democracia num dado país, o certo é procurar perceber se aumentou não o número dos que têm o direito de participar nas decisões que lhes dizem respeito, mas os espaços nos quais podem exercer este direito […]a concessão dos direitos políticos foi uma consequência natural da concessão dos direitos de liberdade, pois a única garantia de respeito aos direitos de liberdade está no direito de controlar o poder ao qual compete esta garantia.” (BOBBIO, 2000, ps. 40 – 41).
Entende-se por espaço democrático, consoante com a promessa não cumprida, o espaço público utilizado pelo Estado para a realização do voto, mas também onde se é perceptível a efetivação do voto anteriormente validado pelo cidadão que dedicou voto ao político “X” na esperança de uma reforma na Lei nº 8.080, de 19 de Setembro de 1990 (Lei Orgânica da Saúde), por exemplo, dentre outros casos.
Após embargar a importância de um espaço democrático, Bobbio aponta na quinta promessa não cumprida pela democracia real a eliminação do poder invisível. Para nortear tal fato, cita o termo utilizado por Alan Wolfe em Os limites da legitimidade, a saber, “duplo Estado” e conceitua dizendo: “duplo no sentido de que ao lado de um Estado visível existiria sempre um Estado invisível”. (BOBBIO, 2000, p. 41)
Seguindo o comentário final de Bobbio a respeito do Estado supostamente invisível e conhecendo a finalidade principal da democracia, nota-se afirmar que o princípio constitucional da transparência das ações estatais em geral deve ser estudado como fonte primordial ao exercício do sistema democrático. Cita-se Bobbio, (2000, p. 42):
“No “Apêndice” à Paz Perpétua, Kant enunciou e ilustrou o princípio fundamental segundo o qual “todas as ações relativas ao direito de outros homens cuja máxima não é suscetível de se tornar pública são injustas” querendo com isto dizer que uma ação que sou forçado a manter secreta é certamente não apenas uma ação injusta, mas sobretudo uma ação que, se fosse tornada pública, suscitaria uma reação tão grande que tornaria impossível a sua execução: que o Estado, para usar o exemplo dado pelo próprio Kant, poderia declarar publicamente, no momento exato em que firma um tratado internacional, que não o cumprirá? Que funcionário público pode afirmar em público que usará o dinheiro público para interesses privados? Desta limitação do problema resulta que a exigência de publicidade dos atos do governo é importante não apenas, como se costuma dizer, para permitir ao cidadão conhecer os atos de quem detém o poder e assim controla-los, mas, também porque a publicidade é por si mesma uma forma de controle, um expediente que permite distinguir o que é lícito do que não é.[4]”
Nesse ensejo bibliográfico, muito nos parece ser o poder invisível do Estado, enquanto legítimo representante do povo, um ferrador do direito de ciência dos cidadãos, óbvio que algumas ações o Estado deve guardar em sigilo até mesmo para a proteção do povo e em se tratando de matérias administrativas, mas quando há jogo de interesses políticos, reuniões secretas e especulações chegadas ao ouvido público, ai está um direito ferido.
Se partíssemos para a criação de um conceito sociológico, educação seria a base de todas as coisas em qualquer modalidade de tempo social. Deixaríamos de lado alguns infortúnios e sepultaríamos algumas vãs tradições; o “eu” estaria intelectualmente mais seguro de si e, consequentemente, bem mais protegido democraticamente em se tratando dos direitos inerentes à pessoa humana se o investimento estatal fosse voltado um pouco mais para as ciências políticas e éticas em sala de aula, pois como bem declara o renomado autor em análise que estão simplesmente desinteressados daquilo que acontece no palácio. (BOBBIO, 2000, p. 45).
Em o cidadão não educado, Bobbio esclarece que o único modo de fazer com que um súdito se transforme em cidadão é o de lhe atribuir aqueles direitos que os escritores de direito público do século passado tinham chamado de activae civitatis, (BOBBIO, 2000, p.43). O termo em latim sugere uma cidadania ativa onde são propostos os direitos do cidadão, e nessa altivez cidadã a educação para a democracia surgiria, nas palavras de Bobbio, no próprio exercício da prática democrática.
No que compete a esta análise, é relevante o entendimento de que esta promessa de educação política não foi cumprida pelos governantes por condizer com a revanche dos interesses, sendo neste sentido, a briga fútil por partidos políticos, por cargos elevados em autoridade nacional, pelo posto importante e não por ideias políticas para uma sociedade política. Bobbio afirma:
“Um dos trechos mais exemplares a este respeito é o que se encontra no capítulo sobre a melhor forma de governo das Considerações sobre o governo representativo de John Stuart Mill, na passagem em que ele divide os cidadãos em ativos e passivos e esclarece que, em geral, os governantes preferem os segundos (pois é mais fácil dominar súditos dóceis ou indiferentes), mas a democracia necessita dos primeiros. Se devessem prevalecer os cidadãos passivos, ele conclui, os governantes acabariam prazerosamente por transformar seus súditos num bando de ovelhas dedicadas tão-somente a pastar capim uma ao lado da outra (e a não reclamar, acrescento eu, nem mesmo quando capim é escasso).” (BOBBIO, 2000, p. 44).
Continuando neste discorrimento sobre a educação política do povo, notável é o comentário feito por Bobbio ao que ele chama de “computadorcracia”, ele afirma:
“O ideal do poderoso sempre foi o de ver cada gesto e escutar cada palavra dos que estão a ele submetidos (se possível sem ser visto nem ouvido): hoje este ideal é alcançável. Nenhum déspota da antiguidade, nenhum monarca absoluto da idade moderna, apesar de cercado por mil espiões, jamais conseguiu ter sobre seus súditos todas as informações que o mais democrático dos governos atuais pode obter com o uso dos cérebros eletrônicos.” (BOBBIO, 2000, p. 43).
Não incumbe neste trabalho de pesquisa saber ou explanar sobre a evolução tecnológica e os avanços da informática, assunto esse de relevância para outra área de estudos que não essa. Contudo, a relevância da matéria nos põe em firme entendimento de que tal avanço afeta diretamente ao desenvolvimento, dizemos, político do povo tendo em vista que, exercendo do direito institucional de acesso aos conhecimentos necessários para a formação do ser, o cidadão se depara com uma liberdade infinita de saberes, contudo, rejeitado, tendo por consequência uma sociedade alienada em coisas que para este trabalho, são consideravelmente fúteis,[5] e nesse sentido, Souza Santos expondo os desafios à democracia afirma:
“[…]Os desafios que são postos à democracia no nosso tempo são os seguintes. Primeiro, se continuarem a aumentar as desigualdades sociais entre ricos e pobres ao ritmo das três últimas décadas, em breve, a igualdade jurídico-política entre os cidadãos deixará de ser um ideal republicano para se tornar uma hipocrisia social constitucionalizada. Segundo, a democracia atual não está preparada para reconhecer a diversidade cultural, para lutar eficazmente contra o racismo, o colonialismo, o sexismo e as discriminações em que eles se traduzem. […]Terceiro, as imposições econômicas e militares dos países dominantes são cada vez mais drásticas e menos democráticas. Assim sucede, em particular, quando vitórias eleitorais legítimas são transformadas pelo chefe da diplomacia norte-americana em ameaças à democracia, sejam elas as vitórias do Hamas [na Palestina], de Hugo Chávez [na Venezuela] ou de Evo Morales [na Bolívia]. Finalmente, o quarto desafio diz respeito às condições da participação democrática dos cidadãos. São três as principais condições: ser garantida a sobrevivência: quem não tem com que se alimentar-se e à sua família tem prioridades mais altas do que votar; não estar ameaçado: quem vive ameaçado pela violência no espaço público, na empresa ou em casa, não é livre, qualquer que seja o regime político em que vive; estar informado: quem não dispõe da informação necessária a uma participação esclarecida, equivoca-se quer quando participa, quer quando participa. Pode-se dizer com segurança que a promoção da democracia não ocorreu de par com a promoção das condições de participação democrática.” (SOUZA SANTOS, 2006).
Conclui-se, portanto que, o estudo das 6 (seis) promessas postas por Norberto Bobbio, fatalmente não foram cumpridas. A democracia na qual vivemos, como demonstrado no decorrer do presente estudo, vai em caminho oposto da democracia ideal projetada por Bobbio.
Diante dos desafios que, segundo Souza Santos (2006), são postos à democracia e apontadas as promessas não cumpridas pelo projeto de democracia atual, concluir-se-á o estudo ainda no exposto por Bobbio no seu primeiro capítulo da obra O futuro da democracia, que também cuida em realizar juízo de culpabilidade dos elementos presentes no movimento democrático pondo a carga culposa na figura inanimada da transformação social. Segundo Bobbio, o projeto político democrático foi idealizado para uma sociedade muito menos complexa que a de hoje e por esta razão as promessas não foram cumpridas por causa de obstáculos que não estavam previstos ou que surgiram em decorrência das “transformações” da sociedade civil (BOBBIO, 2000, p. 46). Logo, devido a uma complexidade de fatores, apresentamos esta democracia a qual vivenciamos, sendo ela distante de um ideal, digna de tempos remotos e que, ironicamente apresenta-se estampada na atual Constituição, que completa 30 anos, no atual ano, como sinônimo de orgulho.
Por óbvio, não desmerecemos que avanços existiram, no entanto, o caminho a ser percorrido para que a democracia apresente significativas melhoras, demanda tempo, investimento na estrutura e educação do cidadão, visando que este detenha de conhecimento sobre o seu poder de atuação perante o real sentido do que é a democracia.
Muito nos parece que esta transformação apontada por Bobbio conota uma complexidade de fatores internos e externos propícios ao um estudo numa análise sociológica. No cuidado, o excelso literato aborda três possíveis obstáculos ao projeto político democrático. Sucintamente, citamos:
O governo dos técnicos:
“Primeiro: na medida em que as sociedades passaram de uma economia familiar para uma economia de mercado, de uma economia de mercado para uma economia protegida, regulada, planificada aumentaram os problemas políticos que requerem competências técnicas.” (BOBBIO, 2000, p. 46).
O aumento do aparato:
“O segundo obstáculo não previsto e que sobreveio de maneira inesperada foi o contínuo crescimento do aparato burocrático, de um aparato de poder ordenado hierarquicamente do vértice à base, e portanto diametralmente oposto ao sistema de poder democrático.” (BOBBIO, 2000, p. 47).
E por fim, o terceiro:
O baixo rendimento:
“O terceiro obstáculo está estreitamente ligado ao tema do rendimento do sistema democrático como um todo: estamos aqui diante de um problema que nos últimos anos deu vida ao debate sobre a chamada “ingovernabilidade” da democracia. Do que se trata? Em síntese, do fato de que o Estado liberal primeiro e o seu alargamento no Estado democrático depois contribuíram para emancipar a sociedade civil do sistema político. Tal processo de emancipação fez com que a sociedade civil se tornasse cada vez mais uma inesgotável fonte de demandas dirigidas ao governo, ficando a este, para bem desenvolver sua função, obrigado a dar respostas sempre adequadas.” (BOBBIO, 2000, p. 48).
Dessa forma, comungamos com o compartilhamento.
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Norberto Bobbio, Tradução de Marco Aurélio Nogueira – São Paulo: Paz e Terra, 2000. (Pensamento crítico, 63).
CHAUÍ, Marilena. Iniciação à filosofia: ensino médio, volume único / Marilena Chaui. – 2. ed. – São Paulo: Ática, 2013.
DURKHEIM, Émile. Lições de sociologia. Émile Durkheim. São Paulo: Martins Fontes, 2002. P. 67 e 70.
MILL, John Stuart. Consideration on Representative Goverment, in Collected Paper of John Stuart Mill, University of Toronto Press, Routledge and Kegan Paul, vol, XIX, London, 1977, p. 406. (Trad. Bras. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1982.).
SOUZA SANTOS, Boaventura de. O futuro da democracia. Boaventura de Souza Santos. Visão. Paços de Arcos: Edimpresa, 31 ago. 2006.
[1] Estudante de Direito na UNINASSAU/Graças – Recife, PE. Contato com o autor: aluizio_jdm@outlook.com
[2] Não afirmamos com isso ser o Estado brasileiro um Estado liberal, apenas apontamos para o fato intermitente entre um evento e outro.
[3]Para corroborar esta afirmação, indicamos o acesso ao site Pública; publicação datada em 18 de Fevereiro de 2016.
[4]Para esta afirmação, Bobbio se utilizou da seguinte referência bibliográfica: I. Kant, Zum ewigenFrieden, Apêndice II, in KleinereSchriftenzurGeschichtsphilosophie, EthikundPolitik, Meirener, Leipzig, 1013, p. 163.
[5] Não defendemos com esse comentário o tolhimento por parte do Estado dos direitos de acesso a informações na rede mundial de computadores, apenas expomos esse pensar sobre o que se ver nos demasiados conteúdos de índoles suspeitas na rede que poderiam ser substituídos nos acessos por coisas construtivas à cidadania.
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