Resumo: O presente artigo buscou através de pesquisas doutrinárias e jurisprudenciais se aprofundar, o máximo possível, em um assunto pouco discutido e pouco abordado pela doutrina penalista nacional – as leis excepcionais e temporárias. Assim, foram abordados vários temas, muitos inéditos na doutrina indígena, outros controvertidos, como por exemplo, a constitucionalidade das Leis excepcionais e temporárias. Como forma de dinamizar o trabalho, criamos um tópico específico com os “pontos mais relevantes” – digam-se, os que podem ensejar maiores dúvidas acerca da aplicação de tais leis. No mais, como todo assunto pertinente ao Direito Penal: é polêmico, dinâmico e apaixonante.
Palavras-chave: Lei. Excepcional. Temporária. Ultratividade. Penal.
Abstract:This article sought through doctrinal and jurisprudential research deepens, as much as possible on a subject little discussed and addressed by the doctrine of national criminal – laws exceptional and temporary. Thus, several issues were addressed, many unpublished in national doctrine, some controversial, such as the constitutionality of laws exceptional and temporary. In order to streamline the work, create a specific topic with the “relevant points” – say, those that could lead to more questions about the application of such laws. No more, as every subject relevant to the criminal law: is controversial, dynamic and exciting.
Keywords: Law. Outstanding. Temporary. Ultratividade.Penal.
Sumário:1. Conceito: 1.1 Outras denominações; 1.2 Diferenças entre lei excepcional e temporária. 2. Breve histórico. 3. Direito comparado. 3.1 América; 3.2 Europa; 3.3 África; 3.4 Ásia. 4. Ultratividade das leis excepcionais e temporárias. 5. Outros pontos relevantes: 5.1 Leis excepcionais e temporárias e a questão do princípio da insignificância; 5.2 Hipótese de retroatividade da lei excepcional e temporária; 5.3 Abolitio criminis nas leis excepcionais e temporárias; 5.4 Anistia e perdão judicial nos crimes previstos em leis excepcionais e temporárias; 5.5 Leis excepcionais e temporárias e a questão das leis penais em branco; 5.6 Leis excepcionais e temporárias nos crimes permanentes. 5.7 Leis excepcionais em tempo de guerra e a pena de morte. Referências.
1. CONCEITO
O Código Penal brasileiro no seu art. 3º traz a hipótese da edição de lei excepcional e temporária, conceituando da seguinte forma: “A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência”. Segundo Alexandre Couto Joppert (2008, p. 59) “a expressão ‘decorrido o período de sua duração’ se refere à lei temporária; e a ‘cessadas suas circunstâncias que a determinaram’, à excepcional”.
1.1. Outras denominações
As leis excepcionais e temporárias também são denominadas doutrinariamente como leis de vigência temporária, autorrevogáveis, leis intermitentes ou conforme acrescenta Paulo José da Costa Jr. (1992, p.33) “lei de tempo determinado, ou de eficácia transitória (Ferrando Mantovani)”. Antonio José da Costa e Silva (1930, p. 18) denomina ainda, as leis excepcionais de “leis contingentes”. Em relação à denominação “autorrevogável”, não concordamos com a mesma, pelos fatos que serão esboçados posteriormente (ponto 4) – deste trabalho (ultratividade das leis excepcionais e temporárias).
1.2. Diferenças entre lei excepcional e lei temporária
Cezar Roberto Bitencourt (2003, p. 109) explana que “as leis excepcionais e temporárias são leis que vigem por período predeterminado, pois nascem com a finalidade de regular circunstâncias transitórias especiais que, em situação normal, seriam desnecessárias”. A lei excepcional segundo Wiliam Wanderley Jorge (2005, p. 123) “é aquela promulgada para atender a condições extraordinárias ou anormais da vida de uma comunidade, tais como, epidemia, guerra civil, revoluções, calamidade públicas etc.”.Sendo assim, poderíamos citar o seguinte exemplo fictício:
“Art. 1º – Desperdiçar água, acima dos limites legais, no período de seca.
Pena: Detenção de 2 meses a 6 meses.
Art. 2º – Está lei fica em vigor enquanto durar o período de seca no país.”
No exemplo fictício acima, teríamos uma lei excepcional, pois a vigência da lei está condicionada “ao período que durar a seca”, ou seja, uma situação excepcional. Neste caso, a seca poderá durar alguns dias, meses ou anos. É certo que, enquanto “durar a seca” a lei excepcional estará operando plenamente os seus efeitos.Destarte, conforme Luiz Flávio Gomes (2009, p. 80) tal lei deverá “durar até que cessem as circunstâncias que a determinaram”.
Por outro lado, a lei temporária conforme ensinamentos de Damásio de Jesus (1995, p. 82) é aquela que possui “vigência previamente fixada pelo legislador. Este determina que a lei terá vigência até certa data”.Sendo assim, poderíamos citar o seguinte exemplo fictício:
“Art. 1º – Desperdiçar água, acima dos limites legais.
Pena: Detenção de 2 meses a 6 meses.
Art. 2º – Está lei fica em vigor do dia 07 de fevereiro de 2011 até 07 de fevereiro de 2012.”
Percebe-se que, ao final da data fixada “07 de fevereiro de 2012” a lei temporária perderá a sua eficácia.
2. BREVE HISTÓRICO
Como o Brasil foi por muito tempo colônia de Portugal, o que vigia em solo português era aplicado em solo brasileiro. Por isso, as Ordenações Portuguesas (Afonsinas, Manuelinas e Filipinas) foram aqui aplicadas. No entanto, as aludidas Ordenações nada dispuseram sobre leis excepcionais e leis temporárias.Há de salientar que, não havia a necessidade de uma hipótese de leis excepcionais e temporárias, porquanto naquela época não havia qualquer previsão do princípio da legalidade, muito menos do princípio da irretroatividade da lei penal maléfica.
O Código Criminal do Império do Brasil de 1830 nada disciplinava sobre o assunto.O seu sucessor – Código Penal dos Estados Unidos do Brasil de 1890 -, seguiu a mesma sistemática e nada dispôs sobre o assunto. Contudo, a doutrina da época já alertava para a sua aplicabilidade, embora, conforme visto não previsto expressamente no Código Penal de 1890, é neste sentido que dispara Antonio José da Costa e Silva (1930, p. 18):
“Leis ha que são promulgadas com carctertrasitorio ou excepcional, destinando-se a vigorar em quanto não se realizarem ou perdurarem certas condições. Essas leis, que denominaremos contingentes ou excepcionaes, não devem ser confundidas com as teporarias, isto é, aquellas que vedam a pratica de determinadas acções dentro de prefixado espaço de tempo (ex.: prohibem a importação de armas durante uma quadra revolucionaria).”
Nesta época – final do século XIX e início do século XX -, a doutrina e jurisprudência alienígena não eram pacíficas sobre o assunto. Assim, relata o supracitado autor (1930, p.18-19) que:
“A jurisprudência francesa, pacificamente, dá para ambos os casos, sem, aliás, distingui-los, a mesma solução: essas duas especies de leis, cessada a sua vigencia, não mais se aplicam.
A italiana assim resolvia; mas, ultimamente, a Côrte de Cassação se tem pronunciado em sentido contrario á aplicação a essas leis do artigo 2.º do Cod. Penal, quando prescreve a retroactividade da lei mais favoravel ao delinquente. (…)
Tambem na Allemanha o assumpto tem sido objeto de dissensões. A opnião ali dominante, se não nos enganamos, é a que distingue as leis contingentes ou excepcionaes das temporarias, negando, neste ultimo caso, a aplicação retroactiva da lei mais branda.”
Dando continuidade ao assunto, o aludido autor passa a dissertar sobre as leis excepcionais e temporárias em solo brasileiro, começando a sua advertência para os projetos de lei que advieram posteriormente ao Código de 1890, nestes termos:
“Os primeiros projectos de nova codificação penal, nesse país (1909, 1913 e 1919), declaravam a impunidade da acção por haver a lei cessado de vigorar. Os dois ultimos (1925 e 1927), porém tomaram rumo oposto. Assim preceituam (§ 2º): “Disposições que hajam sido estabelecidas em virtude de circumstanciasespeciaes de facto se aplucarão a actos praticados durante a sua vigencia, ainda que, pelo desaparecimento das aludidas circumstancias, tenha deixado de vigorar.”
Dessarte, esclarece Antonio José da Costa e Silva (1930, p. 19) que “em nosso país, não nos consta que questão identica se haja suscitado. Nós a resolveriamos, na ausencia de uma norma derogatoria do principio da applicaçãoretroactiva da lei mais benigna, por essa aplicação”. Em suma, não haveria ultratividade das aludidas leis por falta de expressa previsão legal.
Do exposto acima, percebe-se que a origem do texto das leis excepcionais e temporárias no Código Penal brasileiro está atrelada, em especial, ao Código Penal Italiano – o projeto Rocco. O qual atribuía às leis excepcionais e temporárias à ultratividade. Acrescenta Nelson Hungria (1976, p. 140) que o art. 3º do Código Penal brasileiro, foi inspirado não só no Código Italiano, mas também no“polonês (art. 2º, § 3º) e dinamarquês (art. 3º, I, in fine) e nos projetos alemão de 1925 (§ 3º) e francês (art. 3º, ali 2ª)”.
Foi com base no projeto Rocco, que se introduziu, expressamente, a primeira disposição sobre a lei excepcional e temporária no Código Penal brasileiro de 1940, dispondo que “Art. 3º – A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência”.
Com a reforma da parte geral ocorrida no ano de 1984, pela lei nº. 7.209/1984, o legislador manteve a mesma redação original, no entanto, acrescentou a rubrica legal ao artigo, deixando expresso que o artigo 3º trata da hipótese de “Lei excepcional ou temporária”.O Código Penal de 1969, de autoria do professor Nelson Hungria, que, embora publicado, nunca entrou em vigor, disciplinou a matéria no art. 4º, da mesma forma que se encontra atualmente, nestes termos: “Art. 4º A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência”.
3. DIREITO COMPARADO
Em seguida faremos uma análise sucinta de alguns países que também adotam em seus Estatutos Repressivos às leis excepcionais e temporárias. Para isso, divididos essa análise nos quatro grandes continentes: americano, europeu, africano e asiático. No que tange aos continentes da Oceania e da Antártida não foi analisado a legislação de países desses continentes.
3.1. América
Diversos são os países das Américas que tratam do tema esboçado neste trabalho, citamos algumsem seguida.Na América do sul, acompanha o Brasil, oDiploma repressivo Paraguaio tratando das leis excepcionais e temporárias em seu art. 5º, alínea 4:
“Artigo 5 .-A aplicação da leino tempo
4.As leistemporáriassão aplicáveis aos delitospraticados durantesua vigência, mesmoapóso decurso de tal período.”
Já o Boliviano trata da matéria no seu art. 4º:
“Artigo 4º (em relação ao tempo) – Nenhuma pessoa pode ser punida ou sujeita a medida de segurança para um fato que não esteja expressamente previsto por infração de direito penal em vigor no momento em que foi cometida, ou sujeito a sanções ou medidas de segurança criminal não está estabelecida no mesmo.
Se a lei no momento do crime é diferente do que existe ao emitir a sentença ou a força no momento intermediário, sempre se aplicam a mais favorável.
Se durante a execução da sentença foi dada uma lei mais branda, esta deve ser aplicada.
Não obstante o acima exposto, as leis promulgadas para governar apenas para um determinado momento é aplicável a todos os atos cometidos durante seu mandato.”
O Peruano disciplinou no seu art. 8º a matéria:
“Artigo 8 º-LeiTemporária:
As leis que governamsomente duranteum certo tempose aplicam a todosatos praticadosdurante a sua vida, mas já não estão em vigor, exceto como de outra forma.”
A doutrina peruana, na exposição de motivos do Código Penal Peruano aduziu que “La razón de esta nueva norma proyectada está em que, de no ser así, se cometeríael absurdo de anunciar laineficacia de lasleyestemporalescuando, los delitos que prevé, fueren cometidos ante lainminencia de finiquitareltiempo de su vigor”. O Código Penal da Costa Rica também dispõe sobre as leis temporárias em seu art. 14, nestes termos:
“Lei temporária.
Artigo 14. Os atos cometidos durante a validade de uma lei para governar temporariamente, sempre ser julgados de acordo com seus termos.”
3.2. Europa
O Código Penal de Portugal prevê no seu artigo 2º, item 3, que “quando a lei valer para um determinado período de tempo, continua a ser punível o facto praticado durante esse período”. Assim, mostra-se que o legislador português também previu expressamente a possibilidade de leis excepcionais e temporária em seu Estatuto Repressivo.
O Código Penal Italiano no seu Título I trata da “Lei Penal”. O art. 1º aborda o princípio da legalidade, aduzindo que “Ninguém pode ser punido por algo que não é especificamente um crime anunciado por lei, ou com sentenças que não são por ele estabelecidos”.Por sua vez, o art. 2º trata das hipóteses de sucessões de leis penais, nestes termos:
“Artigo 2º. Sucessão de leis penais:
Ninguém pode ser punido por um ato que, de acordo com a lei do tempo em que foi cometida, não constituía crime.
Ninguém pode ser punido por um ato que, de acordo com uma lei posterior não é um crime, e se houver condenação, a execução cessará e os efeitos penais.
Se a lei do tempo em que a infracção foi cometida e traseiros são diferentes, aplicam-se as disposições dos quais são mais favoráveis ao acusado, a menos que seja irrevogável sentença foi pronunciada.
No caso das leis excepcionais ou temporárias não se aplicam as disposições dos parágrafos precedentes.”
Percebe-se que o legislador italiano excepcionou, expressamente, o princípio da retroatividade benéfica às leis excepcionais e temporárias.
3.3. África
Em relação ao continente africano procuramos focar nos países de língua portuguesa, como por exemplo, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe.
O Código Penal da Angola data de 1886, no entanto, hodiernamente (2011), encontra-se em discussão um novo projeto, e este em seu art. 2º, alínea 4, trata das leis excepcionais e temporárias:
“4. O facto praticado durante a vigência de uma lei que valha apenas por um período determinado ou para vigorar durante um período de emergência é por ela julgado, salvo se uma lei dispuser de forma diferente.”
O Estatuto Penal de Moçambique disciplina as leis excepcionais e temporárias no artigo 6º(Aplicação da lei penal no tempo), no item 4º, da seguinte forma:
“A lei penal não tem efeito retroactivo, salvas as seguintes excepções:
4º. – Quando a lei valer para um determinado período de tempo, continua a ser punível o facto praticado durante tal período, salvo disposição legalexpressa em sentido contrário.”
O Código Penal daGuiné Bissau datado de 1993 nada dispôs sobre o assunto. Por outro lado, o Diploma Repressivo de Cabo Verde elencou a matéria no seu art. 4º:
“Artigo 4° – Lei excepcional ou temporária:
A lei excepcional ou temporária continua a aplicar-se aos factos praticados durante a sua vigência ainda que haja decorrido o período de duração ou hajam cessado as circunstâncias que a determinaram.”
No que toca ao Código Penal de São Tomé e Príncipe, o mesmo se encontra em via de aprovação em 10 de outubro de 2011. Não estando ainda disponível para consulta legislativa.
3.4. Ásia
Na Ásia temos oTimor-Leste. O Código Penal timorense redige a matéria da seguinte forma:
“Artigo 4°- Lei excepcional ou temporária:A lei excepcional ou temporária continua a aplicar-se aos factos praticados durante a sua vigência ainda que haja decorrido o período de duração ou hajam cessado as circunstâncias que a determinaram.”
Percebe-se que o Código Penal do Timor-Leste tem seu conceito de leis excepcionais e temporárias muito próximo do conceito fornecido pela legislação brasileira.
4. ULTRATIVIDADE DAS LEIS EXCEPCIONAIS E TEMPORÁRIAS
A peculiaridade das leis excepcionais e temporárias são elas, segundo a doutrina majoritária, serem dotadas de ultratividade, isto é, mesmo após o decurso do seu tempo (sua autorrevogação), as pessoas que praticaram crimes na sua vigência poderão, ainda assim, serem punidas. Sobre a ultratividade das leis excepcionais e temporárias Vicenzo Mazini (1967, apud Sabino Júnior, p. 90) procurava solucionar tal problema sugerindo que“a lei excepcional deveria dispor, expressamente, sobre a sua ultratividade”. Mas, como advertem Nelson Hungria e Paoli (199, apud Sabino Júnior, p. 90), “essa determinação deve ser considerada como estando implícita na lei”. Ferri (1976, apud Nelson Hungria, p. 140) queria distinguir leis excepcionais das leis temporárias, “para admitir-se ultratividade a primeira e não à segunda”.
De perceber que, pela redação do art. 3º do Código Penal, o legislador brasileiro optou pela primeira possibilidade, ou seja, trazer expresso no seu texto a sua aplicação mesmo que decorrido o período de vigência, nestes termos:
“Art. 3º – A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência.”
O fundamento básico para a ultratividade das leis excepcionais e temporárias encontra-se disposto na exposição de motivos do Código Penal Brasileiro: “Impedir que, tratando-se de leis previamente limitadas no tempo, possam ser frustradas as suas sanções por expedientes astuciosos no sentido do retardamento dos processos penais”. Sábias foram às palavras de Nelson Hungria (1976, p. 139) dissertando sobre o assunto:
“O princípio da retroatividade benigna da lei penal, ainda quando incluído entre as garantias individuais, como acontece atualmente no Brasil (Constituição de 1946, art. 141, § 29), não é irrestrito. Sob pena de conduzir ad absurdum, não pode ser aplicado quando a lexgravior, diversamente da lexmitior, seja das chamadas temporárias ou excepcionais, entendendo-se como tais as que são editadas para atender as anormais condições da vida social (locais ou gerais) e tem prazo de vigência prefixado no seu próprio texto ou subordinado a duração do excepcional estado de coisas que as ocasiona.”
Ainda sobre o assunto o professor Flávio Augusto Monteiro de Barros (2010, p. 105) dispara “se assim não fosse, permaneceriam impunes os fatos praticados às vésperas do término da vigência da lei, diante da falta de tempo para apurá-los. Demais, para garantir a impunidade, bastaria procrastinar o andamento processual até a data da autorrevogação da lei”.
Paulo de Souza Queiroz (2006, p. 116) ainda traz outro fundamento, pertinente a função motivadora da norma penal, onde “se tais normas, ao final de sua duração, perdessem, sem mais, o seu poder coercitivo quanto aos fatos consumados durante a sua vigência, simplesmente ninguém as respeitaria, seriam de todo inúteis, pois desacreditadas, seriam incapazes de motivar (função motivadora da norma) as condutas criminalizadas” (grifo nosso).
O penalista João Mestieri (1999, p. 74) fundamenta a aplicação das leis excepcionais e temporárias partindo da premissa que “o tempo de cometimento do delito deve ser abrangido no próprio tipo penal, legitimando assim a ultratividade”. No mesmo diapasão é o pensamento de Luiz Regis Prado (2007, p. 47) “aqui, além de perdurar o desvalor ético-social do comportamento, o fator tempo, componente do tipo penal incriminador é tido como indispensável para garantir sua real eficácia” (grifo nosso). No mesmo sentido, Damásio de Jesus (1995, p. 84-85) de forma salutar, dirime qualquer dúvida sobre o assunto:
“Na verdade, o problema deve ser colocado sob o prisma da tipicidade, e não do direito intertemporal. (…) O mesmo ocorre nas leis temporárias ou excepcionais. Nelas, antes de apreciar a questão de direito intertemporal, que é secundária, temos de analisar o tempo como fato de punibilidade. A referência temporal é elementar da norma ou condição de maior punibilidade. O preceito sancionador se une ao preceito primário porque a conduta por este descrita foi cometida durante certo período, ou durante certa situação excepcional.”
E, para fundamentar a tese do fator temporal integrar a própria norma temporária ou excepcional (prisma da tipicidade), o professor Damásio de Jesus (1995, p. 85) fornece os seguintes exemplos, digam-se, todos bastantes elucidativos sobre o tema:
“No infanticídio, desaparece o crime depois do período temporal “durante o parto ou logo após”? No furto praticado durante o repouso noturno, é excluída a qualificadora quando o sol desponta? No abandono material, é excluída a conduta punível quando convalesce o ascendente ou descendente anteriormente desassistido? Um pai pratica o crime previsto no art. 246 (abandono intelectual). Ficará impune quando o filho ultrapassar a “idade escolar”? A resposta a essas questões só pode ser negativa.”
A ultratividade das leis excepcionais e temporárias, desperta dois sentimentos da doutrina: de um lado, os doutrinadores que pregam pela inconstitucionalidade das leis intermitentes; de outro, os doutrinadores que pregam pela constitucionalidade das aludidas leis.Sobre o tema disserta o professor Juarez Cirino (2010, p. 51) que “a teoria dominante admite a ultratividade das leis penais temporárias e excepcionais em prejuízo do réu, sob o argumento utilitário de que inevitáveis dilações processuais impediriam a aplicação da lei durante o tempo ou o acontecimento determinado”.
Pregando pela constitucionalidade Magalhães Noronha (1985, p. 78) “Não se pode ver na ultratividade dessas leis violação do princípio constitucional de que a lei retroage quando beneficiar o acusado”.Cobodel Rosa e QuintanarDíez (2004, p. 99) acrescentam que “o congelamento de uma valoração jurídica efetuada no transcurso de uma situação extraordinária serve para a conservação dos efeitos de prevenção geral deste tipo de leis”.
O mesmo pensamento é defendido por Damásio de Jesus (1995, p. 83),JulioFrabbrini Mirabete (2011, p. 52), Cezar Roberto Bitencourt e Luiz Regis Prado (1997, p. 154), Cleber Masson (2009, p. 109), Luiz Flávio Gomes (2009, p. 80), Wiliam Wanderley Jorge (2005, p. 124), Sebastian Soler (1999, p. 262-263), Carlos FontanBalestra (1970, p. 308), Aníbal Bruno (2005, p. 166), Flávio Augusto Monteiro de Barros (2010, p. 105), José Frederico Marques (1997, p. 266), Aníbal Bruno (2005, p. 166), Magalhães Noronha (1985, p. 78), Vicente Sabino Júnior (1967, p. 89-90), Nelson Hungria (1976, p. 140), Paulo de Souza Queiroz (2006, p. 116) entre outros.
Também pregando pela Constitucionalidade das leis excepcionais e temporárias, porém com argumentos diversos da ultratividade e da autorrevogação de tais leis, tem-se o pensamento de André Estefam (2010, p. 135) o qual adverte:
“A doutrina costuma afirmar que as leis excepcionais e temporárias são leis ultrativas, ou seja, que produzem efeitos mesmo após o término de sua vigência. Na verdade, não se trata do fenômeno da ultratividade, uma vez que, com o passar da situação excepcional ou do período de tempo estipulado na lei, ela continua em vigor, embora não mais seja aplicável. O art. 2º, VI, da Lei nº. 1.521/51 (Lei dos Crimes contra a Economia Popular e contra a Saúde Pública), que vigorou de fevereiro de 1952 a dezembro de 1991, definia como crime a conduta do comerciante que vendia ou expunha à venda produto acima do preço definido em tabela oficial (‘tabela de congelamento de preços’). Tal dispositivo, que vigorou por quase quarenta anos, permaneceu, durante muito tempo, inaplicável, salvo em algumas épocas, como na década de 1980, durante o período de ‘congelamento’ de preços decorrentes do “Plano Cruzado”. Nesse ínterim, o tipo penal em questão tornou-se aplicável; assim, vários comerciantes flagrados vendendo produtos acima do preço oficial foram investigados e processados criminalmente; superado o período de do tabelamento oficial, os processos já instaurados continuaram em andamento, uma vez que, a norma não fora, então, revogada. (…). O fim do ‘congelamento’ ocorrido na década de 1980 assinalou, portanto, apenas o término do período de aplicabilidade da lei, impedindo que o fato posterior pudesse ser apenado com base no dispositivo.”
Percebe-se que o aludido autor dá o enfoque central para justaposição das leis excepcionais e temporárias à questão da aplicabilidade, e não a ultratividade. Por fim, salienta que “não há de falar, portanto, em ultratividade, de modo que fica superada qualquer alegação de violação ao princípio da retroatividade benéfica da lei penal (CF, art. 5º, XL)”.
Em outro diapasão, dissertando sobre a inconstitucionalidade de tais leis temos o pensamento de Eugenio Raul Zaffaroni, Nilo Batista, Alejandro Slokar e AlejandroAlagia(2006, p. 216-217):
“Cabe desde logo refutar o fundamento usual: constitui logicamente uma petição de princípio postular que se imponha a punição só porque, caso contrário, não seria ela imposta. Por outro lado, salvo particularidades temporais típicas (como, por exemplo, no furto noturno), a preexistência de lei criminalizadora é a própria condição política impostergável da criminalização, e está presente em todo e qualquer delito: o argumento de vinculá-la aos delitos previstos nas leis penais temporárias ou excepcionais poderia ser expandido para toda e qualquer lei penal, com afronta do princípio da retroatividade benéfica. A fórmula imperativa e incondicional mediante a qual a constituição consagrou (art. 5º, inc. XL) questiona duramente a exceção aberta pela lei (art. 3º, CP), a doutrina brasileira começou após 1988 – houve quem o fizesse ainda na regência da Constituição de 1946 – a caminha na direção de compreender que também as leis penais temporárias e excepcionais não dispõem de ultratividade em desfavor do réu. (…) O que ele (legislador) não pode fazer é abrir uma exceção em matéria que o constituinte erigiu como garantia individual. Cabe, pois, entender que o artigo 3º do Código Penal não foi recebido pela Constituição da República.”
Ainda segue essa linha de entendimento Paulo José da Costa Júnior (1992, p. 33), Guilherme Merolli (2010, p. 294), Rogério Greco (2007, p. 115) e Juarez Cirino dos Santos (2010, p. 52).
Há de salientar que após todos os argumentos aqui esboçados, estamos com grande parte da doutrina brasileira quando pregam pela Constitucionalidade das leis excepcionais e temporárias, citando Nelson Hungria (1976, p. 143-144) são várias as fundamentações:
a) Seria inútil que a lei excepcional ou temporária cominasse pena por tempo superior ao de sua própria efêmera vigência;
b) Se dois indivíduos praticam, no mesmo dia, idêntico fato só incriminado pela lei excepcional ou temporária, poderia acontecer que, pela diversa celeridade dos processos in concreto, um viesse a ser punido (pelo menos até a expiração do prazo da lei penal) e o outro ficasse impune;
c) Na mesma hipótese, se um dos réus fosse capturado antes da expiração da lei e o outro não, o primeiro sofreria a grave pena (que pode ser até a de morte), enquanto o outro seria mandado em paz;
d) Os violadores da lei excepcional ou temporária, na derradeira fase da vigência desta, teriam assegurado, ab initio, a imunidade penal ou a isenção à punibilidade;
e) Quando breve a duração da lei temporária ou excepcional, que incrimina ex novo determinado fato, não se poderia falar, a respeito deste, em extinção da punibilidade por prescrição, pois a esta precederia necessariamente a abolitio criminis…
Dito isto, para nós não há qualquer impedimento para aplicação das aludidas leis, uma vez que não haveria qualquer sentido jurídico e, tais leis perderiam o seu verdadeiro valor – que é justamente viger em períodos excepcionais.
5. OUTROS PONTOS RELEVANTES
A doutrina nacional e estrangeira costuma citar alguns pontos importantes pertinentes à aplicação das leis excepcionais e temporárias. Por isso, criamos um tópico à parte para tratar desses temas.
5.1. Leis excepcionais e temporárias e a questão do princípio da insignificância
O princípio da insignificância por ser um princípio geral do direito penal (não positivado), poderá ser aplicado, sem qualquer problema, aos crimes tipificados em leis excepcionais e temporárias. Sobre o assunto adverte Luiz Flávio Gomes (2009, p. 80) “A lei excepcional ou temporária, de outro lado, não impede a aplicação do princípio da insignificância”.
5.2. Hipótese de retroatividade da lei excepcional e temporária
Suponha o seguinte fato: uma lei posterior, mais benéfica, vem, e, expressamente, indica no seu texto que os fatos praticados durante a vigência da lei excepcional ou temporária passarão a ser punidos por uma pena reduzida (mais benéfica, portanto). Neste caso, não resta qualquer dúvida que a lei posterior (mais benéfica) retroagirá para beneficiar todos aqueles que praticaram crimes previstos nas leis excepcionais ou temporárias pretéritas.
Sobre o assunto dispara Fernando Capez (2008, p. 64) “quando a lei posterior for mais benéfica e fizer expressa menção ao período anormal ou ao tempo de vigência, passará a regular o fato praticado sob a égide da lei temporária ou excepcional”. No mesmo diapasão é o escólio de Antonio José Miguel Feu Rosa (1995, p. 155) quando se pergunta se após a sua autorrevogação, “e antes do julgamento do fato, surgir uma outra lei temporária, mais benigna, dispondo sobre a mesma matéria? (…) Nessa hipótese, a lei posterior, quando estabelece modificações em sentido favorável ao réu, atua retroativamente”. Exemplificamos:
“Lei anterior:
Art. 1º – Desperdiçar água, acima dos limites legais.
Pena: Detenção de 2 meses a 6 meses.
Art. 2º – Está lei fica em vigor do dia 07 de fevereiro de 2011 até 07 de fevereiro de 2012.
Lei posterior:
Art. 1º – Desperdiçar água, acima dos limites legais.
Pena: Detenção de 1 mês a 3 meses.
Art. 2º – Está lei fica em vigor do dia 07 de fevereiro de 2011 até 07 de fevereiro de 2012.”
Neste caso, a lei posterior com a pena de “detenção de 1 mês a 3 meses” retroagirá para beneficiar o réu.Por outro lado, se o legislador durante a vigência de uma determinada lei temporária ou excepcional vem a agravar a pena, esta não poderá retroagir. Vejamos o exemplo abaixo:
“Lei anterior:
Art. 1º – Desperdiçar água, acima dos limites legais.
Pena: Detenção de 2 meses a 6 meses.
Art. 2º – Está lei fica em vigor do dia 07 de fevereiro de 2011 até 07 de fevereiro de 2012.
Lei posterior:
Art. 1º – Desperdiçar água, acima dos limites legais.
Pena: Detenção de 6 meses a 1 ano.
Art. 2º – Está lei fica em vigor do dia 07 de fevereiro de 2011 até 07 de fevereiro de 2012.”
A regra a ser aplicada aqui, é muito simples, e vem prevista no art. 5º, XL da CF: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”, bem como no parágrafo único do art. 2º do Código Penal “Parágrafo único – A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado”.
Por fim, há de se lembrar, como observa Nino Levi (1934, apud, Ugo Conti, p. 76) que “de ordinário a lei excepcional é mais severa, mas não se exclui que ela possa ser também mais benigna”. E, conseqüentemente, nesta hipótese poderia claramente beneficiar o réu.
5.3. Abolitio criminis nas leis excepcionais e temporárias
Rogério Greco (2011, p. 10) salienta que a abolito criminis “conduz à chamada descriminalização, ou seja, o fato que anteriormente era considerado como uma infração penal passa a ser considerado como um indiferente penal”. Portanto, nada impede de o Estado através do Poder Legislativo, venha, por meio de lei, a revogar uma lei excepcional ou temporária e, conseqüentemente, os fatos praticados durante a vigência das leis intermitentes restariam impunidos.
5.4. Anistia e perdão judicial nos crimes previstos em leis excepcionais e temporárias
Tanto a anistia quanto o perdão judicial, são hipóteses de exclusão da punibilidade, conforme se depreende da análise do art. 107, incisos II e IX do Código Penal brasileiro:
“Art. 107 – Extingue-se a punibilidade: (…)
II – pela anistia, graça ou indulto; (…)
IX – pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.”
Conforme relatos de Sebástian Soler (1999, p. 262-263) “Conseqüentemente, exceto por razões políticas, a lei temporária irá abranger todos os crimes cometidos durante a sua validade e seus efeitos mais gravosos podem ser ultrativos, a menos que expressamente revogada por outra lei ou a correção deles por meio de anistia geral ou perdão”. Em suma, nada impede de o Estado através do seu poder soberano, venha por meio de lei anistiar (apagar os efeitos do crime) ou conceder o perdão àqueles que cometeram crimes durante o período de vigência de tais leis.
5.5. Leis excepcionais e temporárias e a questão das normas penais em branco
Primeiramente, deve-se recordar o conceito de norma penal em branco – que são aquelas cujo preceito primário é incompleto, por isso demanda de complementação por outra norma. A questão ventilada pela doutrina nacional é: se vier a ocorrer a modificação na norma penal em branco, e sendo esta mais benigna ao réu, deverá ela retroagir para beneficiá-lo?Hodiernamente, tal resposta é fácil de ser encontrada – conforme será visto adiante. No entanto, em tempos outros, despertou grandes debates na doutrina. Conforme esclarece Magalhães Noronha (1985, p. 79):
“O assunto é profundamente controvertido, não apenas na doutrina indígena, mas também na alienígena. Enquanto, por exemplo, Manzini se manifesta contra a retroatividade da norma complementar benéfica, Asúa apoia a tese oposta. Diga-se o mesmo da jurisprudência dos tribunais.
Entre nós, a matéria tem sido frequentemente ventilada, tendo-se em vista as chamadas tabelas de preço, nos crimes contra a economia popular. Ditas tabelas estão sendo continuamente modificadas, elevando-se cada vez mais o custo e, dessarte, podendo favorecer os que transgrediram quando fixavam preços inferiores ais que elas virão a marcar, antes do julgamento. Nélson Hungria e José Frederico Marques opinam pela irretroatividade, enquanto Basileu Garcia sustenta opinião contrária.”
Percebe-se que a doutrina no passado não conseguia fazer algumas distinções nessas situações. Na verdade, para solucionar este tipo de problema é preciso ter em mente dois critérios: a) critério da continuidade normativo-típica em concreto; b) critério da excepcionalidade ou não do complemento normativo. Tais critérios são desenvolvidos pelo professor Luiz Flávio Gomes (2009, p. 81):
“1. Da continuidade (ou descontinuidade) normativo-típica in concreto: se a modificação significar rompimento da continuidade normativo-típica in concreto (exclusão de uma droga – da maconha, v.g. – da lista de substâncias proibidas; exclusão de uma doença considerada contagiosa etc.) dá-se abolitio criminis. (…) Diante da descontinuidade normativo-típica in concreto conclui-se que o fato foi excluído do Direito Penal. A modificação posterior beneficia o réu e retroage (porque se trata de uma hipótese de abolitio criminis).
2. Excepcionalidade ou não do complemento normativo: De outro lado, se a mudança não afetar a continuidade normativo-típica in concreto (leia-se: a tipicidade e a antijuridicidade), impõe-se considerar cada caso concreto e verificar se o complemento é ou não excepcional. Exemplo: alteração da tabela de preços nos crimes contra a economia popular – art. 2º, VI, da lei 1521/1951. Era proibido vender determinada mercadoria por preço acima de R$ 10,00. O comerciante vendeu-a por R$ 15,00. Depois a nova tabela (no mês seguinte, v.g.) passou a mencionar R$ 20,00. Essa mudança retroage em benefício do réu? Não. (…) O crime consiste em vender mercadoria acima do tabelado, não acima de R$ 10,00. Não desapareceu a continuidade normativo-típica muito menos a antijuridicidade do fato. O fato continua proibido. De outro lado, considera-se ademais que o complemento modificado possuía natureza excepcional, sendo regido pelo art. 3º do CP.”
Por fim, dúvida pode surgir no caso de revogação da lei principal e manutenção da norma penal em branco. Neste caso, ocorrerá abolitio criminis e, consequentemente, o réu será beneficiado, sendo que o seu complemento deixa de ter sentido jurídico. Conforme sintetiza Luiz Flávio Gomes (2009, p. 82) “o complemento normativo sem a descrição típica principal não conta com nenhuma eficácia prática. A revogação da lei principal constitui abolitio criminis”.
5.6. Leis excepcionais e temporárias nos crimes permanentes
Pode acontecer a situação de uma lei excepcional ou temporária abranger um crime permanente ou continuado. Suponhamos o seguinte exemplo:
“Art. 1º – Manter em depósito, nos períodos de seca, água potável, acima dos limites legais.
Pena: Detenção de 2 meses a 6 meses.
Art. 2º – Está lei fica em vigor enquanto durar o período de seca no país.”
Ora, a conduta de “manter em depósito” é uma espécie de crime permanente, aquele que segundo Cleber Masson (2009, p. 177) a “consumação se prolonga no tempo, por vontade do agente. O ordenamento jurídico é agredido reiteradamente, razão pela qual a prisão em flagrante é cabível a qualquer momento”. Assim, se alguém manteve em depósito água nos períodos de seca no país, mesmo depois de decorrido o período da seca, o agente poderá ser punido, vez que o crime já foi praticado. No entanto, após a autorrevogação da lei não será mais possível a prisão em flagrante, sendo somente possível a punição pelo crime que foi praticado naquele período.
Neste sentido salienta Cezar Roberto Bitencourt (2003, p. 111)“nos crimes permanentes ou continuados aplicar-se-á a lei posterior em vigor, desde que ainda perdure a permanência ou continuidade, mas resultam impuníveis a continuidade dos atos precedentes à entrada em vigor da lei”.No entanto, em se tratando de sucessão de leis excepcionais ou temporárias as quais tragam a hipótese de crime permanente, se o agente permanecer na prática do crime e, o legislador agravar a lei, aplicar-se-á a pena mais severa. Neste sentido o teor da súmula 711 do STF: “A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência”. Exemplificamos:
“Lei A:
Art. 1º – Manter em depósito, nos períodos de seca, água potável, acima dos limites legais.
Pena: Detenção de 2 meses a 6 meses.
Art. 2º – Está lei fica em vigor enquanto durar o período de seca no país.
Lei B:
Art. 1º – Manter em depósito, nos períodos de seca, água potável, acima dos limites legais.
Pena: Detenção 6 meses a 1 ano.
Art. 2º – Está lei fica em vigor enquanto durar o período de seca no país.”
Acontece que, o legislador resolveu agravar a pena da “lei A” editando a “lei B”, sendo assim, o agente que estiver mantendo em depósito água potável (modalidade de crime permanente) poderá ser preso a qualquer momento. E, poderá ser punido pela lei nova (lei B), ainda que esta comine uma pena mais grave.
5.7. Leis excepcionais em tempo de guerra e a pena de morte
Como as leis excepcionais se aplicam mesmo após o término de sua vigência, pode acontecer o fato de, uma lei excepcional com sua vigência atrelada ao período de beligerância, ser aplicada mesmo após o fim da guerra. Acontece que, durante o período de guerra o Código Penal Militar brasileiro estabelece que alguns crimes poderão ser punidos com a pena de morte. Em relação à pena de morte, há de salientar que não há qualquer óbice legal à sua aplicação, vez que a mesma está prevista na própria Carta Magna de 1988, nestes termos:
“Art. 5º – XLVII – não haverá penas:a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; (grifo nosso).”
Por sua vez, o art. 84, XIX, da CF estabelece que “Compete privativamente ao Presidente da República declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional ou referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das sessões legislativas, e, nas mesmas condições, decretar, total ou parcialmente, a mobilização nacional”.
Destarte, a pena de morte só poderá ser aplicada nos casos de guerra externa, e após o cumprimento da formalidade da declaração de guerra pelo Presidente da República, após a devida autorização do Congresso Nacional. O Código Penal Militar dispõe no seu art. 55, a, que: “art. 55. As penas principais são: a) morte (…)”. Prescrevendo o art. 56 do mesmo diploma que “a pena de morte é executada por fuzilamento”.
Dito isto, alguns crimes contidos no Código Penal Militar brasileiro são excepcionais, isto é, só são aplicáveis em caso de guerra externa e após o cumprimento das formalidades legais vistas alhures. Observe que tais crimes estão em pleno vigor, mas não têm aplicabilidade, pelo fato de o Brasil não se encontrar em guerra. Em seguida citamos alguns dos crimes que, se praticados em tempo de guerra, poderão ser punidos com a pena de morte:
“Traição (art. 355), Favor ao inimigo (art. 356), Tentativa contra a soberania do Brasil (art. 357), Coação a comandante (art. 358), Informação ou auxílio ao inimigo (art. 359); Aliciação de militar (art. 360) etc.”
No mais os crimes punidos com a pena de morte estão previstos do art. 355 até o art. 408 do CPM.
Após a análise dos dispositivos acima, pode ensejar a seguinte dúvida: seria possível a aplicação da pena de morte, para aqueles que praticaram delitos punidos com tal pena, mesmo após o fim da guerra? A resposta é positiva, pelo fato que tais leis são aplicáveis mesmo após a cessação da sua vigência, ou seja, mesmo após o período de beligerância. Nestes termos, salienta JulioFrabbrini Mirabete (2007, p. 122): “Assim, aplicam-se os arts. 355 a 408 do CPM, que definem os crimes militares em tempo de guerra, ainda que sobrevenha o fim do conflito. O que possibilita a punição é circunstância de ter sido a conduta praticada durante o prazo de tempo em que era ela exigida e a norma necessária para salvaguardar os bens jurídicos expostos naquela ocasião especial”.
No mais, o Código Penal Militar brasileiro também prescreve no seu art. 4º que “A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência”. Percebe-se que, o aludido artigo possui a mesma redação do Código Penal comum. Assim, todos os comentários esboçados a este são aplicados a aquele.
Advogado. Especialista em Direito do Estado. Professor de Direito Penal e Legislação Penal Especial das Faculdades 2 de Julho. Professor de Ética, Direitos Humanos e Cidadania do Curso de Formação de Oficiais do Estado da Bahia.
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