Autora: PASCOAL, Sara Midiã Gomes – Acadêmica do curso de Direito na Faculdade Uniron. Porto Velho/RO. E-mail: saramidia22@hotmail.com.
Orientador: UGALDE, Júlio César Rodrigues – Professor especialista na Disciplina de Direito Processual Penal na Faculdade Uniron, Porto Velho/RO. E-mail: julio.ugalde@uniron.edu.br.
Resumo: Este artigo aborda a ótica jurídica que a não realização da eutanásia na atualidade, gera uma violação ao princípio da dignidade da pessoa humana, por não ser levada em consideração a autonomia da última vontade do enfermo, em desejar uma morte digna, com base na sua própria escolha. Será analisada também, o que a legislação brasileira propõe, fazendo uma comparação com outros países avançados em relação a este tema, que liberam o procedimento, como Bélgica, Holanda e outros. Ademais, será vista de forma cautelosa as abordagens que a Resolução nº 1.995 de 2012 do Conselho Federal de Medicina estabelece. O presente artigo tem como objetivos específicos: demonstrar a aplicabilidade do procedimento levando em consideração posicionamentos doutrinários; demonstrar as considerações da legislação brasileira. Terá como metodologia qualitativa, onde será exercida por meio de entendimentos doutrinários, publicações de artigos científicos, embasamentos jurídicos, resoluções e outros meios.
Palavras-chave: eutanásia. consentimento do enfermo. dignidade da pessoa humana.
Abstract: This article addresses the legal view that the failure to carry out euthanasia today, generates a violation of the principle of human dignity, since the autonomy of the patient’s last will is not taken into account, in wanting a dignified death, based on his or her dignity. own choice. It will also be analyzed, what Brazilian legislation proposes, making a comparison with other advanced countries in relation to this theme, which release the procedure, such as Belgium, Holland and others. In addition, the approaches established by Resolution No. 1,995 of 2012 of the Federal Council of Medicine will be carefully considered. The present article has as specific objectives: to demonstrate the applicability of the procedure taking into account doctrinal positions; demonstrate the considerations of Brazilian legislation. It will have as a qualitative methodology, where it will be exercised through doctrinal understandings, publications of scientific articles, legal bases, resolutions and other means.
Keywords: euthanasia. patient´s consent. dignity of human person.
Sumário: Introdução. 1. Histórico, conceito e classificação de eutanásia. 1.1. Eutanásia quanto a ação. 1.2. Eutanásia quanto ao consentimento do enfermo. 2. Distinção entre eutanásia, distanásia e ortotanásia. 3. Princípio da dignidade da pessoa humana. 4. Direito comparado: países que adotam o procedimento da eutanásia. 5. Entendimento da legislação brasileira. Considerações finais. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
A pesquisa teve por escopo a discussão sobre infringir o princípio da dignidade da pessoa humana, quando o procedimento da eutanásia não é realizado. Este procedimento é uma antecipação da morte sem dor e sofrimento aos enfermos em fase terminal e aos pacientes com doenças incuráveis.
Nos períodos antigos, como na Índia, a eutanásia de certa forma já era utilizada, onde os enfermos eram arremessados de um rio, chamando Ganges. Outros povos, como os celtas, também utilizavam métodos, onde matavam crianças que nasciam doentes, e ainda os idosos, do qual será explicado de forma mais clara no decorrer do artigo.
Aos poucos, alguns países foram aderindo o procedimento da eutanásia, observando o lado benéfico para o bem do enfermo e concedê-lo uma morte digna, como na Holanda, Bélgica e outros, onde estes foram os pioneiros.
Na contemporaneidade, com o avanço da sociedade e também da medicina, não discutir sobre eutanásia é um grave erro, visto que não se observa os ideais do princípio da autonomia do enfermo, trazido pela bioética, e ao princípio da dignidade da pessoa humana, descrito pela Constituição Federal.
A não realização da eutanásia fere o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana? Esta é a problemática trazida para o presente estudo, que será abordada no seu decorrer.
O Código de Ética Médica de 2012, através da resolução nº 1995, embora discorde da realização da eutanásia, trouxe a menção do paciente expressar sua vontade de forma escrita, em relação ao paciente não se submeter a tratamentos do qual não deseja, podendo ser considerada como um excludente de ilicitude conforme traz Aníbal Bruno na obra de Marcello Guimarães, sendo essa uma das hipóteses levantadas.
Ante o exposto, percebe-se que o Código de Ética Médica já avançou pelo menos em considerar a vontade do enfermo, respeitando sua autonomia. Já a legislação brasileira é omissa, e considera a eutanásia como homicídio privilegiado ou auxílio ao suicídio, e não leva a vontade do enfermo em consideração, sendo outra hipótese levantada.
Noutro giro, destaca-se que, a dignidade da pessoa humana traz como preceito o direito à vida e o direito à liberdade, porém se esbarra com o direito à vida trazido pela Constituição Federal em seu art.5º, pelo fato deste ser indisponível. Portanto, ambos adentram em conflito, embora o direito à vida seja preceito do princípio da dignidade da pessoa humana, onde de um lado é disciplinada que a liberdade para dispor de sua vida não pode ser realizada, e de outro, a liberdade propriamente dita acima de todas as coisas.
O artigo tem como objetivo geral, a demonstração que a realização da eutanásia pode ser aplicada, de forma eficaz, com intuito de respeitar o princípio da dignidade da pessoa humana, principalmente no Brasil. E tem como objetivos específicos, fazer a distinção entre eutanásia, ortotanásia e distanásia, visto que, muitas pessoas confundem estes termos, distinguir e demonstrar posicionamentos que são favoráveis em relação à eutanásia, e demonstrar a possível aplicabilidade através de entendimentos doutrinários, conhecimentos jurídicos, publicações, legislação brasileira, e outras formas.
A escolha deste tema está atrelada ao fato de que outros países realizam o procedimento da eutanásia e não o consideram como crime, pois colocam acima de tudo o bem estar e a vontade do enfermo que passam por sofrimento físico. Portugal possui projetos de lei que estão no aguardo para serem vetados ou sancionados pelo Presidente, do qual, os brasileiros poderão se beneficiar. Sendo assim, tem como intuito demonstrar e entender sua importância por levar em consideração o direito comparado, visto que o Brasil continua se abstendo em discutir sobre o procedimento em questão.
Ademais, optou-se por realizar o presente artigo, usando como base o fator da religião, pelo fato de algumas destas repudiarem de forma total a eutanásia. Sendo assim, afirma-se que não cabe ao Estado estabelecer parâmetros quanto a isso, pois pertence à área privada, cabendo a cada um seguir seus caminhos. Sendo assim, religião não pode ter incidência sob a Administração Pública, passando por cima até mesmo do princípio da dignidade da pessoa humana.
Além disso, este tema possui importância para comunidade científica, pois há poucas discussões, por ser considerado como um tema “tabu”. Se observado que há possibilidade para discutir sobre a legalização da eutanásia, esta pode ser discutida de forma cautelosa.
O artigo, tem como metodologia o método qualitativo, pelo fato de se preocupar com os aspectos da realidade que as pessoas convivem constantemente, e também por estudar a vida social. Outrossim, será utilizada a natureza básica, pois será levado em consideração a produção de conhecimentos a serem utilizados em outras pesquisas que obtenham o mesmo objetivo.
Em relação aos objetivos do artigo, será exploratório, onde será feito um levantamento bibliográfico, gerando mais conhecimentos a respeito do tema e analisar os seus diversos pontos. No que concerne aos procedimentos técnicos, a pesquisa em questão será a bibliográfica e documental, pois será utilizado livros, entendimentos jurisprudenciais, artigos, revistas e jornais que tratem do tema.
Em consequência disso, será usado artigos científicos diversos como o da Brenna Maria, obras doutrinárias como a de Antonio Lopes, Marcello Guimarães, Luciano Ferreira, e outros. Também será usada legislações, notícias jornalísticas e outras ferramentas.
Em um primeiro momento, será feita uma breve demonstração do histórico envolvendo a eutanásia, solidificar também suas classificações para que o tema seja compreendido. Logo em seguida, será ilustrado a distinção entre eutanásia, distanásia e ortotanásia, para que nenhum destes procedimentos sejam confundidos. Por fim, será abordado o que traz princípio da dignidade humana, realização da eutanásia em outros países, e ainda o entendimento da legislação brasileira sobre a eutanásia.
1 HISTÓRICO, CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO DE EUTANÁSIA
Henrique Viana (MORAES, 2012), destacou em seu artigo científico que a eutanásia é um fenômeno tratado desde os períodos antigos, e com isso traz a questão da Índia antiga, onde os enfermos com doenças incuráveis eram arremessados dos Rio Ganges. Já em relação a Esparta, o referido autor menciona que os nascituros que nasciam com anomalias físicas, eram arremessados do monte Taígeto.
No que tange ao povo Celtas, formados a partir do segundo milênio antes de Cristo, Henrique Viana, referido autor citado acima, alega que matavam crianças que nasciam deformadas e ainda os idosos, uma vez que, entendiam que não contribuíam mais para nada e a prática era sagrada.
A Grécia também autorizava a eutanásia quando obedecidos alguns requisitos. Assim, afirma o professor Genival Veloso:
“Em Atenas, o Senado tinha o poder absolutos de decidir sobre a eliminação dos velhos e incuráveis, dando-lhes o conium maculatum bebida venenosa, em cerimônias especiais. Na Idade Média, oferecia-se aos guerreiros feridos um punhal muito afiado, conhecido por misericórdia, que lhes servia para evitar o sofrimento e a desonra. O polegar para baixo dos césares era uma indulgente autorização à morte, permitindo aos gladiadores feridos evitarem a agonia e o ultraje”. (VELOSO, 1999)
Antonio Lopes (2018. p. 86) destaca em sua obra que na década de 90, mais especificadamente em 1920, Karl e Alfred, sendo o primeiro um penalista e o segundo um médico, publicaram uma obra chamada “A autorização para exterminar as vidas sem valor vital”. Essa obra defendia a autorização da eutanásia, pois afirmavam que quanto menos doentes e inválidos, melhor seria.
Como demonstrado, a eutanásia tem um histórico, que com o passar dos anos, o seu conceito e suas formas foram aprimoradas, porém é perceptível que nos períodos antigos, de certa forma, já estava presente.
Desse modo, atualmente eutanásia é a antecipação da morte de um enfermo em fase terminal ou paciente com doença incurável, que sofre, por não haver cura.
A eutanásia segundo Antonio Lopes, é a boa morte, assim é “ceifar-se a vida de outra pessoa acometida por uma doença incurável, que lhe causa insuportáveis dores e sofrimentos, por piedade e em seu interesse” (2018, p. 70).
Por sua vez, a eutanásia para Marcello Guimarães é a “provocação de morte piedosa, por ação ou inação de terceiro, de que se determine encurtamento da vida, em caso de doença incurável que acometa paciente terminal a padecer de profundo sofrimento” (2011, p. 91).
Este procedimento é considerado como crime pela lei brasileira, expresso no art.121, § 1º e auxílio ao suicídio no art. 122 do Código Penal. Porém, ao mesmo tempo é possível observar a violação do princípio da dignidade da pessoa humana, pois a autonomia e liberdade da vontade da pessoa está abaixo da lei, no qual, não é correto, onde será explicado mais adiante.
Todavia, a eutanásia possui classificações, quanto a ação e ao consentimento do enfermo, trazidas por Antonio Lopes e Marcello Guimarães, onde serão explicadas a seguir.
1.1 EUTANÁSIA QUANTO A AÇÃO
Conforme ilustra Antonio Lopes (2018, p. 71), a eutanásia ativa corresponde ao fato de o autor agir em prol da morte do enfermo ou do paciente com doença incurável, através de uma ação. Nada mais é que ajudar na morte, como por exemplo, usar o método da injeção letal. Esta classificação pode ser dividida ainda em: direta ou indireta.
A primeira diz respeito a condutas que serão utilizadas para a boa morte, sendo positivas. Já a segunda coincide com o fato de usar meios que aliviem a dor e que encurte a vida sem abreviar o curso final, onde usa meios paliativos ou drogas. A doutrina brasileira não a considera culpável, pois o médico deve fazer o bem ao paciente ao invés de deixa-lo sofrendo, conforme demanda o princípio da beneficência imposto pela bioética, conforme menciona Luciano Ferreira (2018, p. 39).
No que tange a eutanásia passiva, Marcello Guimarães (2011, p. 109) afirma que é a ausência de qualquer ato, no qual este será o causador do resultado principal, a morte, como suspender procedimentos, usando como exemplo, os cuidados paliativos. Deve ser voluntária, e não ser confundida com a ortotanásia. Neste, o evento morte já se iniciou, já a eutanásia passiva é a causadora da morte antecipada.
1.2 EUTANÁSIA QUANTO AO CONSENTIMENTO DO ENFERMO
Quanto a eutanásia em relação ao consentimento do enfermo, poderá ser voluntária, pois a vontade parte do próprio enfermo, onde deseja a morte para acabar com o seu sofrimento, ou ainda poderá ser involuntária, pois nos casos em que o enfermo não pode exprimir sua vontade, a família responde por ele.
Assim cita Brenna Maria “sendo ela voluntária, quando há a vontade do paciente para que seja provocada sua morte. Pode ser também involuntária, nesse caso, normalmente, ela é consentida pela família e não há a vontade do paciente” (MAGALHÃES, 2014).
Neste caso, pode ser abordado o chamado testamento vital, que não é regulamentado no Brasil, mas Estados Unidos já realiza desde de 1991, quando uma lei foi criada em âmbito federal, chamada Patient self-determination Act, onde este testamento no entendimento de Luciana Dadalto, explicitado por Antonio Lopes:
“Declaração prévia da vontade ara o fim da vida configura um documento no qual uma pessoa capaz manifesta seus desejos sobre os testamentos que almeja ou não receber quando estiver em estado terminal, em estado vegetativo persistente ou com doença crônica incurável, e não possa, em razão dessa realidade, manifestar livre e consciente sua vontade”. (LOPES, 2018, p. 111)
A resolução nº 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina, em seu art.1º, expõe as diretrizes quando o enfermo tem a possibilidade de exercer sua autonomia de vontade para evitar que passe por procedimentos do qual não deseja e que viole a sua dignidade, trazendo sofrimento para si mesmo (BRASIL, 2012).
No entanto, não há regulamentação expressa no âmbito jurídico de forma clara e precisa, o que traz dificuldades, pois a ética médica possui posicionamento avançado, mas a lei brasileira se omite.
2 DISTINÇÃO ENTRE EUTANÁSIA, DISTANÁSIA E ORTOTANÁSIA
No presente artigo, será importante diferenciar esses três termos, pois não podem ser confundidos.
Para Marcello Guimarães (2011, p. 91) a eutanásia é a boa morte, onde será provocada de forma antecipada por ação ou omissão de terceiro em relação a pacientes que possuam doença incurável ou enfermo em fase terminal, devido a um padecimento não suportável.
No tocante a distanásia, Antonio Lopes afirma que “é a adoção de medidas terapêuticas excessivas e que não direcionam para a cura, mas para o sofrimento do paciente” (2018, p. 75). Ou seja, é o prolongamento da vida de forma excessiva, pois irá ser adotada medidas terapêuticas que são desnecessárias por não ajudar na cura do paciente, e trazer mais sofrimento, levando a uma morte lenta e dolorosa.
Enquanto a eutanásia interrompe a vida de forma antecipada, não deixando que o enfermo sofra, a distanásia prolonga a vida deste, de forma desumana sendo que nada mais pode ser feito, sendo esta conduta vedada por nossa lei maior, em seu art.5º, inciso III.
Eduardo Lopes (BITENCOURT, 2017) dispõe em seu artigo científico que a ortotanásia, é a morte no tempo certo, sem ser antecipada, onde o médico deixa de realizar atos que possam prolongar a vida do paciente, por vontade deste, e só desenvolve cuidados paliativos, sendo típica a vista do Código Penal.
Assim dispõe Brenna Maria:
“A ortotanásia é principalmente aplicada em pacientes com câncer, onde se aplica medicamentos para o alívio da dor e não submete o paciente à internação na UTI (Unidade de Terapia Intensiva), para que ele passe seus últimos instantes ao lado da família”. (MAGALHÃES, 2014)
Portanto, é como se a ortotanásia fosse um meio termo, entre eutanásia e distanásia, pois por um lado encurta a vida do ser humano, embora a morte não seja antecipada, e por outro lado prolonga a vida por obstinação terapêutica.
Visto isso, ao encerrar esta apresentação quanto as diferenciações entre outros procedimentos que é de grande importância para o entendimento do tema e não os confundir, será explicado o significado do princípio da dignidade da pessoa humana, e o que este atrai, sendo o principal ponto desta pesquisa.
3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O princípio da dignidade da pessoa humana, conforme Antonio Lopes é a “qualidade intrínseca e indissociável de todo e qualquer ser humano, porque pertence à condição humana. É irrenunciável e inalienável” (2018, p. 39). Este princípio estrutura os direitos fundamentais inseridos na Constituição Federal.
É especificado na Constituição Federal em seu art.1º, inciso I, e também pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, considerado como fundamento para o ordenamento brasileiro, sendo obrigação do estado o manter absoluto, e respeitá-lo, por ser o limite mais essencial e obter um valor supremo.
Ingo Sarlet, aborda que o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, é a chave do ser humano ser responsável pelas decisões da existência de sua própria vida, obtendo liberdade para isso. E assim descreve Ingo Sarlet:
“(…) qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co – responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido 27 respeito aos demais seres que integram a rede da vida”. (SARLET, 1998, p. 73)
O princípio da Dignidade da Pessoa Humana, concretiza os direitos humanos (âmbito internacional) e ainda os direitos fundamentais (concretizados pela Constituição Federal Brasileira). A Declaração Universal dos Direitos Humanos, afirma que serão garantidos a pessoa humana à liberdade, conforme o seu art. III “Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal” (BRASIL, 2013, p. 20).
No que tange à liberdade de escolha, especificado no princípio da dignidade da pessoa humana, para Lucas Menezes é “o direito de poder de valer de suas ânsias para realizar ato voluntário sem a necessidade de anuência” (MENEZES, 2014).
Ainda, em relação à liberdade, podemos trazer a questão do princípio da autonomia adotado pela bioética, assim como menciona Luciano Ferreira (2018, p. 38) e na Declaração Universal sobre a bioética e direitos humanos (SENADO FEDERAL, 2013, p.20), no art. 5º, onde nada mais é que a liberdade propriamente dita de o enfermo coordenar o modo em que deseja levar sua vida corporal ou ainda mental, sendo as escolhas procedidas conforme sua vontade.
Por sua vez a Constituição Federal traz o direito à vida, no qual é irrenunciável e indisponível, ou seja, a vida não é um bem que pode ser disponível. É tutelado pelos direitos humanos e direitos fundamentais, como previsto no art. 5º, caput.
A Constituição Federal, em seu art. 5º, caput:
“Art. 5º, caput. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direto à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. (VADE MECUM JUSPODIVM, 2020, p. 42)
O direito à vida não é absoluto. Conforme já demandou o Supremo Tribunal Superior (STF), no MS 23.452/RJ, citado por Welton Macêdo, “Os direitos e garantias individuais não têm caráter absoluto. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto” (MACÊDO, 2018).
Diante desses comentários, percebe-se que o direito à vida e o direito à liberdade, ambos abordados pelo princípio dignidade da pessoa humana, que regem a maior parte do nosso ordenamento jurídico, adentram em conflito. Pois, quando o enfermo decide pela eutanásia está exercendo sua liberdade para dispor de sua vida de forma digna, visto que, passa por sérios sofrimentos físicos ou até mesmo mentais, e o direito à vida é considerado irrenunciável e indisponível, não absoluto.
Neste caso, de um lado temos a afirmação que um enfermo em fase terminal ou paciente com doença incurável não pode dispor de sua vida, por ser um bem irrenunciável, e do outro lado temos a liberdade, que não pode ser exercida tendo como impasse do direito à vida.
Em virtude disso, a seguir será explicado de que forma alguns países autorizam o procedimento dentro de regras e requisitos.
4 BREVE MENCÃO AOS ESTADOS QUE ADOTAM A EUTANÁSIA
Vários países aderem a eutanásia, tais eles como: Holanda, Bélgica e Luxemburgo. E ainda, há os países que não estabelece em suas legislações específicas, mas que há entendimentos jurisprudenciais flexibilizando a questão da autorização do procedimento, e que devem ser mencionados, como: Canadá, Japão, México e outros (LOPES, 2018, p. 90).
A Holanda, foi um dos primeiros países a legalizar a eutanásia, conforme menciona Marcello Guimarães (2011, p. 244), criando uma lei no ano de 2002, e em 2012 criou a instituição privada para realizar esses procedimentos, chamada Levenseindekliniek. O referido autor diz que a eutanásia deve ser realizada por um profissional da saúde, no qual dependerá deste para aceitar se realizará ou não o procedimento.
Deverá ser obedecido aos requisitos impostos pela lei, pois assim não será considerado como delito a luz do Código Penal Holandês, onde estes estão descritos no art. 20, “a”, 2, da referida lei, como traz em sua obra Antonio Lopes:
“A decisão quanto à aplicação da eutanásia deve ser conjunta entre médico e paciente, após ter-se concluído que não havia outra solução alternativa razoável a situação. O médico deve consultar pelo menos outro médico, independente, que examinará o paciente e dará seu parecer por escrito. Por fim, o médico deve cercar-se dos cuidados adequados para abreviar a vida ou dar assistência ao suicídio”. (LOPES, 2018, p. 91)
Segundo o Serviço Público Federal de Saúde, Segurança da cadeia alimentar e do meio ambiente (AMBIENTE, 2020) com base em dados colhidos pela Comissão Federal de Controle e Avaliação da Eutanásia, em 2019, ocorreram 2.655 casos de eutanásia, sendo a maioria holandês, entre as idades de 60 a 89 anos, sendo de sexo feminino, onde a mesma afirma que se obteve um aumento de 12,6%. Sendo realizada por conta de doenças como câncer, polipatologia e outras.
Ainda no tocante a Holanda, é importante mencionar que em 2020, a revista Veja (DA REDAÇÃO, 2020) publicou que o Supremo Tribunal da Holanda, decidiu que pessoas com demência avançada, também poderão realizar eutanásia com consentimento prévio por escrito no país, pois até então para que o procedimento fosse realizado, o mesmo deveria confirmar o seu pedido que já havia prescrito.
Posteriormente, em maio de 2002, a Bélgica passou a autorizar o procedimento da eutanásia, onde segue basicamente os mesmos requisitos que a Holanda impõe, como a pessoa ser capaz, feita por um profissional de saúde e outros, conforme ilustra Marcello Guimarães (2011, p. 244).
Em Luxemburgo a eutanásia foi liberada em 2009, onde o paciente deve ser avaliado pela Comissão Nacional de Controle e Avaliação, conforme esclarece Antonio Lopes (2018, p. 96).
Como já mencionado e decorrente do entendimento de Antonio Lopes (2018, p. 99), o Estados Unidos, através da lei Natural Death Act, autoriza o testamento vital, o paciente pode expressar os seus desejos e procedimentos dos quais não deseja obter, quando em fase terminal. O Estado do Oregon, legalizou o suicídio assistido.
Diante disso, descreve Marcello Guimarães:
“Holanda, Colômbia e, mais restritamente, Bélgica e Estados Unidos (particularmente o Estado do Oregon), entretanto, ora cada vez mais seguidos por outros países têm legislações (e decisões judiciais) efetivamente permissivas quanto à prática eutanásica”. (GUIMARÃES, 2011, p. 247)
Com o posicionamento de Marcello de que outros países irão permitir o procedimento da eutanásia ao passar dos anos, podemos discutir o posicionamento de Portugal, pois desde 2018, vem tentando legalizar a eutanásia. Neste ano, 2020, está tentando novamente, onde foi proposto 5 projetos de lei, autorizando, inclusive, que residentes no país podem se beneficiar. Assim, descreve Bruno Alfano no jornal O Globo:
“Em janeiro, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) informou que o número de brasileiros vivendo legalmente em Portugal, e que, portanto, poderá se beneficiar da lei, em caso de sanção, era de 150.854 pessoas, representando 1 em cada 4 imigrante residente no país”. (ALFANO, 2020)
Estes cinco projetos de lei foram todos aprovados pelo Parlamento, onde resta agora sanção ou veto do Presidente de Portugal. Foi divulgado alguns posicionamentos sobre esta discussão no qual, o referido autor já citado acima, Bruno Alfano, em sua publicação no jornal O Globo também afirma que:
“A nova legislação determina que o paciente terá de fazer o pedido de forma consciente e lúcida, com exceção para pessoas com transtornos mentais. Cada caso terá de ser avaliado por dois médicos. A Ordem dos Médicos de Portugal se posicionou contra a descriminalização”. (ALFANO, 2020)
Como já dito, os residentes no país poderão se beneficiar da eutanásia, visto isso, se um brasileiro residente em Portugal de forma legal, desejar se beneficiar deste procedimento, será autorizado.
Visto isso, após abordar o posicionamento de outros países frente ao procedimento de forma suscinta, inclusive mencionado que o Brasil é omisso perante o assunto, a seguir será explicitado sobre a legislação brasileira que considera a eutanásia como crime.
5 ENTENDIMENTO DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
Conforme demonstrado acima, alguns países realizam a eutanásia, já no Brasil, a eutanásia ativa ou passiva, é considerada como homicídio privilegiado, embora não seja de forma expressa. O art.121, § 1º do Código Penal:
“Art. 121 – Matar alguém:
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos.
§1º – se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço”. (VADE MECUM JUSPODIVM, 2020, p. 508)
O crime tipificado neste artigo citado acima, segundo Mateus Silva (SILVA, 2015), é comissivo, ou seja, depende de uma ação do profissional de saúde, e sua natureza jurídica, é a causa de diminuição de pena, que será aplicada na terceira fase. Cabe ressaltar que a eutanásia passiva, onde corresponde a omissão em qualquer ato, o médico é considerado como garantidor da vida do paciente, conforme o art. 13, § 2º do CP, e mesmo que se omita, estará praticando o crime.
Ademais, a eutanásia é considerada como auxílio ao suicídio, que é distinto do homicídio privilegiado, pois esse seria, por exemplo, o médico conceder o medicamento letal para o próprio paciente efetuar o ato. Vicente Maggio (MAGGIO, 2020) destaca que é um crime comum, comissivo, cometido de forma livre, plurissubsistente, monossubjetivo e, doloso. O auxílio ao suicídio está expresso no art.122 do Código Penal:
“Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça.
Pena – Reclusão de dois a seis anos, se o suicídio se consuma, ou reclusão de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave”. (VADE MECUM JUSPODIVM, 2020, p. 509)
O novo Código de Ética Médica, trazido pela resolução nº 1.995 de 2012 do Conselho Federal de Medicina (BRASIL, 2012), não argumentou nada sobre eutanásia, assim como nossa legislação que se ausenta em discutir sobre o tema. Ambas divergem do procedimento, usando outros dispositivos para qualificar o crime, e não um específico.
Porém, este Código trouxe em seu art.1º, a possibilidade de o enfermo expressar sua vontade, para não realizar procedimentos que não terão resultados. Assim traz o Código de Ética Médica:
“Art. 1º Definir diretivas antecipadas de vontade como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade”. (BRASIL, 2012)
O presente código já avançou, trazendo a figura da vontade do enfermo em fase terminal, no que tange a não passar por tratamentos indesejados e que não trarão resultado algum, respeitando sua autonomia. Mas a legislação brasileira continua omissa, não trazendo nenhuma regulamentação a respeito do consentimento ou expressa vontade do enfermo.
Perante esses entendimentos, observa-se que há uma relação direta entre a expressa vontade trazida pelo Código de Ética Médica, e não regulamentada pela legislação brasileira, e o testamento vital já aderido nos Estados Unidos, como já explicado anteriormente, destacado por Antonio Lopes (2018, p. 111).
Por conseguinte, através desse consentimento, o Brasil poderia se basear para tornar a eutanásia válida, sendo levada em consideração a autonomia de escolha do enfermo, conforme o princípio da dignidade da pessoa humana.
Pelo Código de Ética Médica, é levado em consideração a não realização de tratamentos a pacientes em fase terminal, desde que os mesmos expressem essa vontade, exercendo enfim usa liberdade de escolha. Por que não usar o mesmo pensamento em relação a eutanásia para enfermos com doença incurável ou em fase terminal?
Além deste fator, pode-se dizer que a eutanásia é o abreviamento à vida. O STF, embora não tenha se posicionado a respeito do procedimento, já considerou que o direito à vida não e absoluto, no MS 23.452-1/RJ. Visto isso, não se pode mais afirmar quanto a inviabilidade do procedimento, baseando-se na indisponibilidade e absolutabilidade da vida. Se idealizada a ideia de legalizar o procedimento da eutanásia, o direito à vida pode sim se tornar mitigado.
Portanto, diante dos fatos que o direito à vida e o direito à liberdade, regidos pelo princípio da dignidade humana, bem como pela Declaração Universal de Direitos Humanos, ao serem restringidos, há uma clara violação ao princípio em questão, pois o enfermo não tem liberdade de escolha para dispor de sua vida, sendo que esse é um direito não absoluto, conforme entendimento pacificado de nossos órgãos superiores, podendo assim ser atenuado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante o artigo, foi proposto que a eutanásia já é trazida desde os períodos antigos, mesmo que de forma não específica, como na Índia, Grécia e outros. Porém, na contemporaneidade, há posicionamentos favoráveis, e também desfavoráveis, como o caso da religião que não admite a prática da eutanásia, e a lei que admite o procedimento como homicídio privilegiado ou auxilio ao suicídio.
Diante de tal fato, aborda-se que a não realização da eutanásia no Brasil fere o princípio da dignidade da pessoa humana, pois como explicado, este preceitua os direitos humanos e ainda os direitos fundamentais, dentre eles o direito à vida que é o principal impasse para não legalizar o procedimento, e não absoluto.
Porém, devemos admitir que entre um suposto conflito entre o direito à liberdade, regidos pelo princípio da dignidade da pessoa humana. Quando a sua liberdade de escolha não pode ser exercida, a sua dignidade é violada, por mais que seja tocado o ponto que o direito à vida não pode ser disponível, sendo que o STF já se posicionou que o mesmo não é absoluto, ou seja, pode ser mitigado e se tornar disponível. O Estado não deve intervir nesta liberdade. O ser humano deve viver do jeito que quiser, com base em suas próprias convicções.
Inclusive, o Código de ética médica trazido pela resolução 1.995/2012, conforme citado, já se posicionou em relação a liberdade de escolha, não em relação a eutanásia, mas sim em relação a pacientes com doenças incuráveis ou doentes em fase terminal a não se submeterem a tratamentos ineficazes, e que tragam mais sofrimento.
Pacientes com câncer por exemplo, obtém muito sofrimento físico, bem como psicológico, e os tratamentos paliativos não trazem nenhum tipo de alívio e estes pacientes são obrigados a aceitar e controlar seu sofrimento. Tratamentos não eficazes não é um ato de convalescência com o enfermo, muito pelo contrário, é um ato que faz com que o mesmo viva sua vida de forma nada digna.
Então se faz um questionamento, este paciente pode escolher a não passar por este tipo de tratamento, mas não pode exercer seu direito de escolha de obter uma morte digna e acabar com seu sofrimento?
Anibal Bruno na obra de Marcello Guimarães, considera que o consentimento, pode ser considerado como excludente de ilicitude, por ser um motivo de justificação, portanto a culpa será afastada, sendo este um posicionamento favorável em relação ao procedimento.
Para que isso ocorra, a vida teria que deixar de ser um bem indisponível pela Constituição Federal (art.5º, caput), visto que impede que haja outra interpretação ou uma flexibilização, para que a exclusão de ilicitude seja considerada, pois o bem tutelado em discussão deve ser disponível. E não há no que se dizer que isso não pode acontecer, em vista do entendimento do STF em não considerar o direito à vida, direito fundamental, com caráter absoluto.
Outros países legalizaram o procedimento, e há brasileiros que saem do país para realiza-lo. Portugal é um exemplo, como citado, caso os projetos de lei forem aprovados, o brasileiro residente poderá se beneficiar. Portanto, diante destes fatos, o Brasil deveria ser posicionar, ao menos, sobre o assunto, pois de nada adianta o procedimento ser proibido no nosso país, se o ao sair do país, o brasileiro adere a eutanásia.
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